Por Trabalhadores do CEI Francisca de Lima

“Nós, profissionais da educação, servidores efetivos, ou temporários da SME e celetistas, lotados no CEI Francisca de Lima, contamos com o bom senso e pedimos que preservem as nossas vidas, das crianças e famílias, não permitindo de forma alguma o retorno das atividades presenciais antes da distribuição da vacina contra a COVID-19, ou pelo menos ainda esse ano. Discordamos com veemência sobre esse retorno sem planejamento, sem um mínimo treinamento sanitário, ainda mais, quando enfrentamos a pior pandemia infecto contagiosa em mais de um século.

Não confrontamos o direito à educação das crianças, entendemos a situação trágica que vivemos, compreendemos os danos que a distância das salas de aula provoca nas crianças e jovens. Entretanto, devemos preservar a integridade física de funcionários e comunidade em geral. A pandemia não acabou e autoridades em saúde pública são unânimes em afirmar que apenas com a vacinação em massa estaremos seguros. A covid-19 é uma infecção severa e grave que já ceifou a vida de 157 mil brasileiros de todos os segmentos sociais, idades e situações.

A volta às aulas dos CMEIs e CEIs levará centenas de crianças de até 6 anos para as ruas, juntos deles irão se aglomerar em carros ou transporte coletivo pais ou responsáveis por estas crianças, sendo que a recomendação das autoridades sanitárias é a de que ainda pratiquemos o distanciamento social afim de evitar o contagio disseminado. Junta-se a isso, o fato de que servidores já estão ocupando várias unidades de educação infantil para realizar serviços administrativos e entregar cestas básicas. Neste período funcionários já foram infectados, alguns perderam suas vidas, e familiares das crianças também.

Segundo a BNCC a educação infantil compreende um conjunto de ações baseadas no cuidar. A proximidade entre professor e servidores, família e crianças é a tônica desse parâmetro. As atividades desenvolvidas são baseadas nos vínculos de relações de interação entre as próprias crianças e com os educadores. O cuidar exige um olhar mais individualizado, considerando questões de heteronomia desta faixa etária, sendo que professores e auxiliares jamais poderão manter o protocolo de distanciamento recomendado, pois estamos em contato direto com as crianças todo o tempo.

Também chamamos a atenção para o caráter pedagógico das atividades que são desenvolvidas com as crianças no período em que estão nos CMEIs e CEIs que estarão profundamente prejudicadas e até inviabilizadas dadas as condições impostas para o retorno no momento atual. Embora o propósito da educação infantil se difira das outras etapas da educação básica, existe uma relação entre o cuidar e o educar que é indissociável e fundamental para o desenvolvimento das crianças e desconsiderar o real papel das instituições de educação infantil à revelia de um retorno que ignora suas condições objetivas de funcionamento é estar na contramão dos princípios básicos do fazer educativo.

Questionamos então, se nem as instituições de ensino superior retornaram as atividades presenciais qual o sentido da retomada da educação infantil? Existe um “conteúdo obrigatório” a ser cumprido na Educação Infantil, que exija esta retomada? Arriscar mais vidas em prol de uma concepção assistencialista de Educação Infantil que já foi superada inclusive nas diretrizes municipais para a educação infantil e em todos os documentos que orientam a educação brasileira é um retrocesso inimaginável que prejudica principalmente as crianças.

A exemplo do que vem acontecendo no mundo, o retorno gradual tem iniciado com as crianças maiores, onde é mais fácil fazer adequações, observar o que deu certo e o que precisa ser melhorado. Também o fato de retornarmos faltando um mês para o fim do ano letivo, trabalhando com uma nova adaptação das crianças para logo encerrarmos as atividades, é algo incoerente do ponto de vista emocional e material para o nosso público. Qual o sentido de receber essas crianças agora, adaptá-las para daqui um mês, voltá-las para casa de novo? Isso sem contar todo esse movimento que fomos obrigados a participar. Fazer um curso para que estivéssemos habilitados a oferecer aulas remotas que aparentemente não vão acontecer. Elaborar uma plataforma virtual que poderá não ser usada pela Educação Infantil, elaboramos atividades, gravamos vídeo, fizemos pesquisas que poderão não ser usadas? Todo esse movimento para que?

Ao que parece tudo que discutimos sempre nos nossos planejamentos, cursos, textos, vídeos são esquecidos pela SME, quando muitos interesses estão envolvidos. Interesses que na verdade estão longes de serem as crianças, as famílias, os servidores. Por exemplo, baseando-se na nota técnica atual se alguma criança apresentar um sintoma a gente deve isolar ela numa sala. E quem cuida dessa criança até a família chegar? Nós não temos formação na área da saúde, além da falta de profissionais ser notório. Não dá para ser profissional da educação e enfermeiro ao mesmo tempo.

Ademais o decreto atual prática uma enorme violência ao afirmar que deve-se ficar a 1,5 m de distância para proteção, exceto os profissionais da educação. É uma seletividade absurda, haja vista estes profissionais não estão imunes, e, inclusive, muitos são portadores de comorbidades como hipertensão, diabetes adquirida, sobrepeso, asma etc.

Outra realidade contraditória do decreto atual é se em eventos só podem frequentar crianças acima de 12 anos, como as aulas retornam começando com a faixa de 0 a 5 anos? Qual critério foi usado para decidir isso? Qual pressão a prefeitura está sofrendo para fazer atabalhoadamente um decreto que influi na integridade das pessoas?

Uma pesquisa feita para a revista científica Jama (Journal of the American Medical Association) no mês passado sugere que crianças desempenham um papel importante na disseminação de doenças respiratórias em pandemias. “Crianças são geralmente importantes transmissoras de epidemias virais como a influenza porque elas passam períodos longos em muita proximidade com outras crianças em escolas e durante atividades físicas”, escrevem os cientistas do Hospital Infantil de Cincinnati, no estado americano de Ohio.

Em agosto, no estado americano da Geórgia, 260 funcionários da rede de escolas do condado de Gwinnett testaram positivo para covid-19 ou entraram em quarentena por ter contato confirmado com infectados. Apesar disso, eles foram obrigados a organizar a retomada das aulas, o que gerou protestos do sindicato de professores e associação de pais e alunos.

Em relação ao resguardo das famílias e servidores. O prefeito vai assumir a responsabilidade por eventuais contaminações ocorridas em horário de expediente? Qual o plano para o contágio que ocorrer dentro das dependências das creches? Como saber qual família não possui membro infectado e esteja em contato com servidores e outras famílias? A prefeitura nem cogitou a testagem dos servidores. Outra situação nada democrática é o percentual de 30%. Como será essa escolha de quem pode ou não frequentar as aulas?

Nós profissionais de educação estamos lidando com diversas adversidades para assegurar o ensino remoto com pouca ou nenhuma assistência do governo, pois arcamos com todas as despesas geradas para a realização das atividades, como gastos com eletricidade, internet, material para gravar vídeos e etc. Do mesmo modo, ao nos arriscarmos com o retorno sem vacina, se algum de nós nos contaminarmos, apesar do plano de saúde, devemos arcar com as despesas sem nenhum apoio do governo. Além disso, as famílias que vierem a se contaminar também lidarão com o mesmo problema, visto que todos somos trabalhadores e quando não pagamos altos valores em planos de saúde, somos dependentes de um sistema público defasado e que não atende a todos que o procuram.

Como categoria, também nós servidores não fomos consultados, nem por meio do sindicato, nem individualmente por pesquisa. É uma decisão totalmente arbitrária, unilateral e ensejada a menos de um mês das eleições. Portanto, nós queremos entender de que adiantou ficar 7 meses sem aulas, se agora acabando o ano querem voltar as aulas? Se existe uma preocupação com o trabalho pedagógico por parte da gestão, ela está sendo completamente ignorada ao propor a volta no final do ano letivo.

Assim sendo, reafirmamos o absurdo dos critérios utilizados para retomar as atividades presenciais e nos posicionamos contrários ao decreto Nº 1581 de 19 de outubro de 2020 e nota técnica Nº06/2020-SUPVIG emanada na última semana por tudo acima exposto. Necessitamos neste momento, mais do que nunca de unidade entre nós profissionais da educação e das famílias para barrarmos tamanho o descaso que o governo tem tido conosco. Finalmente, por saber da importância que a educação infantil tem para as crianças e para a sociedade como um todo, defendemos que não devemos voltar com as atividades agora sem que haja vacinação e segurança para todos, pois isso trará mais problemas do que soluções”.

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