Por Passa Palavra
São Paulo, 26 de outubro.
Os militantes do MPL tinham como objetivo expressar o descontentamento e manifestar seu repúdio ao aumento nas tarifas de ônibus – que está sendo anunciado para janeiro de 2010.
Essa Ação Direta também tinha como intenção apresentar as propostas e reivindicações do movimento, como: a municipalização do Transporte [1], a criação de um Fundo de Transporte Coletivo [2], a tarifa zero para toda população [3] e questionar o privilégio dado pelo poder público ao automóvel [4], como a construção da Nova Marginal.
Três militantes do movimento se acorrentaram nas catracas de entrada da Secretaria. Ao mesmo tempo, faixas e panfletos eram distribuídos para que a população tomasse conhecimento da ação – e do aumento imposto pela Prefeitura e empresários. Após uma tensão inicial com os seguranças responsáveis pela Secretaria, a Polícia Militar chegou ao local. As negociações avançavam lentamente. No início, diziam que o movimento não seria recebido. Que todos seriam presos. E que as correntes iriam ser cortadas.
Posteriormente, após sucessivas conversas, representantes do secretário de transporte, Alexandre de Moraes, garantiram aos manifestantes que a prefeitura publicaria uma resposta às reivindicações do MPL num prazo de dez dias. Nesse contexto, a ação conseguiu cumprir exatamente com seus objetivos.
Os militantes não estavam protestando para negociar o percentual do aumento – já que são claramente contra essa medida. Nem estavam ali presentes para negociar em nome da população. Sua intenção, nessa Ação Direta, era justamente pressionar o Poder Público – obrigando que este explicasse os motivos do aumento, que dificulta a vida daqueles que utilizam o transporte coletivo na cidade de São Paulo.
Segundo o MPL, a cobrança de tarifas de ônibus acaba com qualquer natureza pública (comum a todos e todas) do transporte coletivo, pois cria uma diferenciação entre quem pode ou não pode pagá-lo, excluindo a parcela pobre da população. De acordo com dados do Ministério das Cidades, mais de 39 milhões de brasileiros/as não utilizam transporte coletivo. A Pesquisa de Orçamentos Familiares, feita pelo IBGE, mostra que o transporte é o terceiro maior gasto da família brasileira.
Dando continuidade às suas ações, o MPL já está convocando uma reunião, com várias organizações e movimentos sociais, para organizar a resistência ao aumento nas tarifas, para o dia 7 de novembro no espaço Ay Carmela.
Para o movimento, “somente com a articulação entre os diversos movimentos sociais urbanos e rurais, na luta conjunta e no apoio mútuo, é que conseguiremos obter o que reivindicamos: Transporte, Moradia, Renda, Educação, Cultura, Reforma Agrária e Urbana”.
Em nota pública sobre Ação Direta, o MPL afirma que “enquanto não houver uma mudança radical no sistema de transporte, vão continuar acontecendo aumentos todos os anos. Quando aumenta a tarifa, aumenta também a exclusão social”. Além disso, para o movimento “uma cidade só existe para quem pode se movimentar por ela”.
O ato marcou o Dia Nacional de Luta do MPL, 26 de outubro, em referência à grande manifestação que resultou em aprovação da Lei do Passe Livre neste dia, em Florianópolis, no ano de 2004 [5].
Mais informações:
Leia mais sobre a gratuidade no transporte coletivo acessando o site: http://tarifazero.org
Site do Movimento Passe Livre de São Paulo: http://saopaulo.mpl.org.br
Notas:
[Catraca]: É impossível ler ou ouvir o que quer que seja acerca do Movimento Passe Livre sem deparar com as catracas. O próprio símbolo do Movimento é uma catraca a ser destruída, e nas manifestações é comum incendiar uma catraca simbólica. Assim, o que é uma catraca? No Brasil os autocarros, chamados ônibus, são o principal meio de transporte tanto dentro das cidades como entre cidades. Nos autocarros urbanos, além do motorista, existe um cobrador que controla um torniquete colocado junto à porta de entrada. À medida que os passageiros passam pelo torniquete vão pagando ao cobrador o preço da viagem. Há quem rasteje por debaixo do torniquete, geralmente crianças que já passaram do limite da gratuitidade do transporte, e há jovens ousados que tentam pular o torniquete, provocando inevitavelmente conflitos. Este torniquete é a célebre catraca!
[1] Municipalização do sistema: a prefeitura deve assumir o planejamento e a execução da gestão dos transportes coletivos, retirando essa tarefa do âmbito privado das empresas de ônibus. A regulação hoje exercida pela SPTRANS é insuficiente: os empresários de ônibus continuam garantindo apenas seu próprio bem-estar pressionando a empresa pública, que não é capaz de uma resposta em defesa dos interesses da população. Exemplo disso foi a retirada completa de ônibus e lotações das ruas no meio do dia, em meio aos turbulentos acontecimentos de 2006 atribuídos ao PCC, deixou grande parte da população por conta própria, pois os empresários não quiseram colocar seu patrimônio em risco. Somente uma gestão pública dos transportes, com a efetiva participação da população que está diretamente ligada ao transporte (usuários e trabalhadores) garantirá um transporte público de verdade, voltado aos interesses coletivos.
[2] Criação de um Fundo Municipal de Transporte Coletivo gerido com participação popular, possíveis fontes de arrecadação desse fundo: multas de trânsito, estacionamento Zona Azul, publicidade nos ônibus, nos terminais, nos metrôs e nas estações de metrô e parte do IPVA (imposto estadual). Necessidade de uma reforma tributária que aumente os impostos progressivos, aumentando a arrecadação daqueles que concentram mais renda (exemplos: IPTU de shopping centers, IPTU de bancos, de terrenos inutilizados) – lembrando que essa arrecadação não seria destinada exclusivamente ao Fundo de Transporte, mas automaticamente beneficiaria a Educação e a Saúde (de acordo com a lei orçamentária do município). Para gerir esse fundo teremos que estudar, juntos, formas de participação popular. Entendemos que uma experiência bem-sucedida em São Paulo foram os conselhos regionais de Saúde, que atuavam nos diferentes bairros da cidade e eram formados por diferentes representantes da sociedade civil, com destaque para a participação das mães.
[3] TARIFA ZERO para todas as pessoas: muitas pessoas são excluídas do transporte “público” e de outros serviços “públicos” porque não podem pagar pelas tarifas dos ônibus e do metrô. A principal reivindicação do Movimento Passe Livre é lutar por o que chamamos de um transporte “público de verdade”, gratuito para o conjunto da população. A gratuidade no transporte coletivo não deve ser entendida como “ônibus de graça”. Esse ônibus terá um custo, porém compartilhado entre a sociedade, através do aumento na arrecadação de impostos progressivos (redistribuição de renda: pagará mais quem tiver mais, menos quem tiver menos e quem não tiver nada não pagará). A prefeitura contrataria o serviço de algumas empresas de ônibus, por um valor pré-estabelecido em seu orçamento, de modo que a tarifa deixasse de ser o determinante da qualidade e do acesso a este serviço (através da municipalização, vista anteriormente). A aplicação da gratuidade no transporte coletivo é medida fundamental para exercício do direito à cidade e da justiça social. Na cidade de Hasselt, Bélgica, após dez anos da aplicação da política pública de Tarifa Zero houve um acréscimo de 1319% no número de viagens feitas no transporte coletivo.
[4] Combate à cultura do automóvel: somos contra as grandes obras viárias voltadas exclusivamente para automóveis particulares, como a Ponte Estaiada e a ampliação da Marginal Tietê. No entanto é importante deixar claro que não somos a favor de pedágio urbano, pois as ruas não podem ser fechadas/privatizadas, assim como os ônibus.
[5] A data foi escolhida para simbolizar o dia de luta nacional pela gratuidade no transporte coletivo. A escolha da data remete ao ano de 2004, quando aproximadamente mil manifestantes cercaram a Câmara dos Vereadores de Florianópolis para exigir a aprovação de uma lei que concederia passe livre aos e às estudantes. Meses depois, uma ação conjunta entre o prefeito Dário Berger (PMDB, ex-PSDB) e o Tribunal de Justiça revogou a lei, mas o 26 de outubro ficou marcado pelo MPL em todo país.
Fotos: Fernão
Parabéns pela iniciativa desse movimento!
Através dessas atitudes coletivas de reinvindicação de direitos poderemos avançar para o exercício de uma cidadania de verdade entre nós brasileiros.
A lógica de construção da cidade pela prefeitura e as elites continua ser a de afastar para as periferias milhares de pessoas que, para trabalhar, devem deixar sua casa antes do sol nascer e retornar tarde da noite, e ainda são obrigadas a enfrentar longas filas, transporte superlotados e pagar, muito caro, por isso. Pagar também para ser entufado de anúncios e besteiróis, num momento em que os ônibus são invadidos por propagandas e televisões, obrigando que o trabalhador assista, repetidamente, à informes publicitários de dada marca mesclada com culturas inúteis, durante o longo tempo que fica preso no trânsito, tempo este que além de lhe custar a tarifa, todos os dias lhe custa horas de sua vida, horas que não são contabilizadas como trabalho. Para quem e para quê é projetada a cidade?