Por José Abrahão Castillero
Na primeira semana de agosto circulou um vídeo mostrando entregadores do município de Duque de Caxias indo no apartamento de um cliente da iFood cobrar sobre uma fraude. Em seu nome fez um pedido de 150 reais, mas depois da entrega declarou que o pedido não foi recebido, para ter seu dinheiro reembolsado. Prontamente, o aplicativo bloqueou a conta do entregador, que ficou 2 dias sem poder trabalhar. A ida ao apartamento foi uma forma desses trabalhadores correrem atrás do prejuízo que recai sobre eles, diante da falta de possibilidade de resposta ou defesa. Esse acontecimento fez pensarem numa greve, sendo mobilizada para essa semana.
Segundo o relato de um entregador:
“Se dependesse da iFood e da Uber o entregador ia ficar bloqueado e nem ia ser escutado. Mas pelo menos o restaurante falou para a gente do prédio do cara que deu calote, a gente foi lá e conseguiu cobrar dele. A gente faz isso direto, mexeu com um, mexeu com todos. Todo dia tem entregador sendo bloqueado. Hoje se tu ir lá no shopping, já vê que tem uns 10. Mas o que a gente quer é o código de comprovação em TODAS as entregas.”
A dinâmica de medo sobre os entregadores tem a ver com a intensificação do seu trabalho. Por conta disso, eles fazem muitas entregas e aceitam as condições ou valores baixos das taxas. Porém, essas condições os deixam com medo de fazer entregas:
“A iFood demora um século para responder e quando responde diz que a gente não concorda com os termos. Na Uber eles mandam um formulário e mesmo assim não resolve. Aí a gente tem de ir presencialmente lá na Central do Brasil. Por isso a gente precisa do código da entrega, só que os aplicativos dão 1 para cada 15 que a gente faz. Aí a gente fica invisível. Ninguém olha por nós. A gente depende desse trabalho. Faço bicicleta e moto às vezes. Fico até umas 2 da manhã trabalhando porque preciso. Mas aí quando o cliente vai e diz que não recebeu, para ganhar um dinheiro do reembolso, a gente fica logo bloqueado por dois dias.”
A tensão em relação aos bloqueios fica pior, em mensagens recebidas pelo aplicativo, que soam como ameaças de ficar sem trabalho:
“A gente está com o pé atrás, porque rola a notificação, a iFood está fazendo isso direto. A gente fica logo em pânico. Com medo do bloqueio. Teve gente que nem estava fazendo entrega e recebeu. Dá 23h50min da noite, chega mensagem dizendo que você não entregou o pedido e que sua conta pode ser bloqueada ou suspensa. Um amigo ligou para lá e disseram que é problema do suporte. Mas por que isso ainda não foi resolvido? A gente não sabe se é problema, se é cliente denunciando ou se é a iFood mesmo que quer chutar a gente.”
A situação se tensiona mais ainda quando as entregas são de bebidas e acontecem calotes violentos de clientes, pois há a certeza de que o aplicativo punirá o entregador:
“Coisa de maluco. Toda hora isso. Todo dia tem uns 2 ou 3 bloqueados. A gente nem quer fazer algumas entregas, tipo a pior de todas, que é bebida. Porque é pesado, quebra e quando chega lá o cliente não deixa tirar foto dele, muitos dão o golpe. Ameaçam a gente, falam um monte de coisa. Esse domingo agora é dia dos pais, apesar de ter muito pedido, o índice de golpe é alto. Eu prefiro deixar minha conta desligada do que ter ela bloqueada ou suspensa.
Um entregador da Uber Eats relatou que, mesmo com o bom desempenho de suas entregas em sua conta, ele é desligado do aplicativo quando ignora corridas. E também recebe mensagens que trazem o medo de bloqueio.
“Olha isso aqui, a Uber já me desconectou. E me mandou mensagem dizendo que fiz [um] erro. Por que não tem nenhum ‘dislike’ de cliente? Minha conta é boa, não tem nenhuma reclamação, então por que eles ficam perturbando minha mente? Eu fico com medo de trabalhar, porque, se um cliente ligar reclamando, eles me suspendem ou bloqueiam. Nem querem ouvir minha versão. Parece que querem tirar minha conta de circulação, para chamar outros mil sem experiência. Porque tem muitos outros aí precisando. Sem falar que as taxas estão baixas, e quando a gente pega duas corridas, a Uber só paga uma para a gente. Junta com o medo de bloqueio, como ela quer que a gente faça entrega assim?”
Essa situação parece demonstrar a lógica dos aplicativos de intensificar bloqueios e suspensões das contas dos entregadores. O que é curioso, pois isso aparentemente diminui a produtividade por conta da recusa de entregas por medo dessas punições. Mas, como foi dito pelo entregador acima, quando um deles é bloqueado ou suspenso, ainda que experiente e com bom desempenho, logo é substituído por outros mil entregadores que estão na fila. Por isso, mesmo que busquem formas de cumprir as entregas, como ir na casa de um cliente cobrá-lo porque deu calote, estão buscando saídas coletivas contra a pressão nas relações de trabalho. A opção dos entregadores é a exigência de melhorias e procuram fazer isso com a organização coletiva de greves, unindo os entregadores e não trabalhando nessas condições. Para avançar na construção de uma solução contra o terror dos bloqueios os entregadores de Duque de Caxias pretendem fazer uma paralisação essa semana.
Eu não acho que tem relação com a intensificação do trabalho. Tem a ver com a necessidade/obrigação de trabalhar/aceitar os pedidos + a gestão do trabalho por essas empresas que não se importam em bloquear os entregadores por quaisquer motivos, falsos ou verdadeiros.
Essas empresas de entrega de comida por aplicativo tem se constituído, ao menos no Brasil, como mais um vetor de violência urbana. Vide os inúmeros caso de conflitos e violência entre entregadores e clientes, uma vez que essas empresas não fazem mediação alguma entre ambos. Curioso que elas para justificar que os entregadores não são seus empregados, dizem que apenas fazem mediação entre as partes. Mas vemos que não há mediação alguma quando ocorre conflito. Além de externalizar os custos aos entregadores, externalizam os conflitos com os clientes também.
O grande absurdo é que todos os absurdos que essas empresas fazem aconteçam à luz do dia, diante de todos. O laissez-faire do patrão segue a todo vapor. A coisa só vai mudar quando a classe trabalhadora impor o seu laissez-faire: aquele que toma a riqueza deles.
Leo. Eu botei isso no artigo. Mas fiquei confuso na real. Pq na verdade eles não pegam algumas entregas por medo do bloqueio inclusive. Os que tem maior desempenho recebem mensagens de ameaça. Como tá lá em cima. O motoboy falou lá que a Uber Eats paga só uma corrida quando o cara emenda duas e ele mesmo perguntou: “como ela quer que a gente faça entrega assim?”.
Na hora da entrevista um deles saiu correndo pra fazer uma entrega. Pensei no contexto como tá difícil e falei pra ele correr. Então isso me soou como uma auto intensificação do trabalho. Mas acho que talvez você tenha razão, as vezes não tô muito ligado nos conceitos. Só fico na dúvida, se o cara se sente obrigado a aceitar a corrida e pelo menos não vê pq emendar com outra e sim aceitar ela, então intensificação seria outra coisa? Tipo o que? Seria o que acontece com os OL ,que precisam cumprir horários fixos
Então.. a primeira vista eu não chamaria isso de intensificação do trabalho. Ele não está realizando mais trabalho por unidade de tempo paga. O medo de não aceitar pedido serve para fazer o trabalhador aceitar a tarefa, mas não faz o trabalhador realizar mais trabalho por unidade de tempo paga. O que ocorre, me parece, como no caso do bloco de pedidos em que o entregador entrega 3 pedidos e recebe pelo valor de 1 pedido, é a redução do valor pago “por peça”, redução do valor pago or seu trabalho.
Mas o mais importante no artigo acho que é trazer a fala dos trabalhadores, relatando essas questões e, mais do que isso, trazendo relatos que expõe como a organização do trabalho dessas empresas geram riscos psicossociais aos trabalhadores. O medo é palavra central na fala deles, de numa fala um deles diz algo sobre afetar a ‘mente’. Trata-se de uma organização de trabalho evidentemente nociva e irracional do ponto de vista do trabalho. Algo que desconsidera todo o conhecimento acumulado na área de saúde no trabalho.
José Abrahão nos deu uma “ressonância magnética” do mundo do trabalho dos entregadores de apps, valeuzão,ótimo texto!!
Entendi Leo. Parece então que é uma pressão pra eles aceitarem as entregas e provavelmente no menor valor pro trabalho deles. E me parece uma parada contra producente. Mas que tem interesse em explorar pagando mesmo.