Por Cesar
Ainda molhada pela chuva do dia anterior, a trilha que liga as casinhas do assentamento Nova Panema nos leva até a casa da Reijiane. Responsável pelos trabalhos de educação nesse assentamento do MST desde 2007, Reijiane conta para nós os desafios, os limites, as alegrias e as recompensas do seu trabalho militante e cotidiano.
A história de vida de Reijiane questiona a idéia fortemente estabelecida segundo a qual as pessoas adquirem caraterísticas que irão dirigir sempre seus passos. Originária de Salvador/BA, teve uma vida que chama de “normal”, estudou, casou jovem e trabalhou numa firma imobiliária até o ano de 2004, quando passou a morar, por convite do seu marido, no assentamento, localizado entre os municípios de Sebastião do Passé e João da Mata, a uns 70 Km da capital da Bahia. Considerado por ela e seu marido um lugar de descanso nos fins de semana, Reijiane foi aos poucos conhecendo e se aproximando do assentamento, e foi descobrindo a natureza do processo político que levou à existência do assentamento em que ela morava. A participação em assembléias e em diversos encontros foi mudando primeiro a idéia que tinha sobre o Movimento Sem Terra, e com o tempo, a visão sobre a sua própria vida e a forma de vivê-la. “Quando chegamos aqui não sabíamos nada sobre plantar, colher, sobre cuidar de animais, sobre as sequências do clima, do trabalho que muda a cada época do ano, nós vivíamos muito afastados mesmo de tudo isso, na lógica da cidade que privilegia o bem-estar individual, o isolamento das famílias”.
Um trabalho prévio realizado com crianças e no EJA [Educação de Jovens e Adultos], conduziria Reijiane na direção que sustenta hoje a sua vida toda e, como ela própria indica, para uma vida mais feliz. “Aqui nós aprendemos uma visão de que um valor fundamental está em compartilhar, como um princípio importante na vida”. O trabalho voltado para educação, quando Reijiane decidiu fazer parte e tomar conta da pequena escola do assentamento, que reúne 25 crianças em um grupo multiseriado, entre 4 e 13 anos, de um universo de 55 famílias, é consequente com esta convicção. “O professor não pode ser um transmissor de conhecimentos. O professor não ensina, mas luta para mostrar a importância da arte de escolher”.
A despeito da enorme crise educacional que atravessa todos os atuais debates sobre o tema, em que o descaso criminal dos governos, as lógicas autoritárias e competitivas que configuram os espaços escolares nos grandes centros urbanos e na generalidade dos espaços estruturados para a formação e educação das crianças, Reijiane coloca uma concepção que relaciona e coloca em nível de igual importância a atenção com o desempenho com a própria atenção, a afetividade e o amor colocados nas crianças. Mãe de uma filha só, Reijiane afirma: “o educador tem que ser mãe e pai, pois aqui a primeira escola das crianças é o próprio assentamento”.
Mas para além da situação em que o próprio educador se coloca, a organização de um espaço escolar, onde se prima pelo carinho e a atenção às crianças, põe em relevo como ela está relacionada com o desenvolvimento das capacidades e da sensibilidade das crianças. “Elas são questionadoras, curiosas, participam, gostam muito de ler. Claro que brigam. Mas elas são mais honestas para dizer o que passa com elas do que a grande maioria dos adultos que conheço. Eu aprendo muito, cada dia, com meus alunos. E experimento uma enorme gratificação com o trabalho que faço a cada dia”.
Os educandos de Reijiane tiraram bons resultados nas provas nacionais de redação. E um deles tirou uma nota cem na Provinha Brasil do ano passado, desenhada para qualificar o sucesso escolar em todo o Brasil. Como é que se podem obter esses resultados numa situação educativa tão precária, com uma infraestrutura que pode ser qualificada de mínima, em que o analfabetismo no assentamento é uma realidade presente e não existe um reforço familiar para o estudo em casa?
Segundo Reijiiane, ela não trabalha de acordo com uma metodologia específica, mas colocando elementos das diversas fontes teóricas, em que ainda hoje vem se formando e capacitando, com o curso de Pedagogia que faz à distância, nos cursos de formação política, nos encontros de educadores, como o que aconteceu recentemente em Feira de Santana, Bahia.
Mesmo assim, as dificuldades e os desafios são enormes, tanto no próprio assentamento como no trabalho que coordena Reijiane. À dificuldade no trabalho com o grupo multiseriado, somam-se a falta de articulação de um coletivo de educação ou a organicidade com educadores da região. “Faltam espaços de formação dos educadores na região”. Muitas vezes, a própria capacitação dos educadores os leva longe das suas regiões, dificultando a comunicação e o contato entre eles, bem como a troca de experiências e o acompanhamento, neste caso, que conta com o apoio do NEPPA [Núcleo de Estudos e Práticas em Políticas Agrárias] e do curso de ACC [Atividade Curricular em Comunidade] da Faculdade de Educação da UFBA [Universidade Federal da Bahia].
Trabalhos como o de Reijiane e de milhares de educadores, de coletivos, professores, militantes e pessoas solidárias se desenvolvem a cada dia nos acampamentos e assentamentos do Movimento Sem Terra e em outros movimentos camponeses. E centenas de experiências semelhantes são construídas também por múltiplos movimentos sociais no planeta que estão criando suas próprias experiências educativas, a despeito da invisibilidade e da criminalização a que são sujeitos.
Pois sabem que um mundo diferente nascerá, e crescerá, nos tempos de barbárie que correm, dependendo daquilo que vamos semear e ajudar a crescer, seja na terra como nas cabeças e corações de crianças, homens e mulheres, pequenos só em estatura.