Por Miguel Serras Pereira
Advento
Quando a espera é a ausência em que ressuma
a promessa da enchente que a revela
Catecismo
Severo o rosto erecta gravemente adorada
das mãos uma alça a saia e a outra acaricia
a nuca do donzel aos seus pés ajoelhado
Ordenação
Descinge o cavaleiro as armas junto ao leito
para adorar a amada que arma cavaleiro
Anunciação
Gestação do desejo que o dilata
quando os teus dedos ágeis e precisos
no delírio do tempo transtornado
industriam estancando-o no seu arco
o relâmpago cuja flecha tarda
à espera da enchente que a alucina
Intróito
Na orla litoral das tuas nádegas
naufraga o sono que me sonha e gesta
transformado no corpo que sonhaste
Pentecostes
Ajoelho para te despir e dar vagar
à boca que subindo as pernas sorve acima
na boca da tua concha a voz de uma outra língua
a que em todas as línguas a voz que sobra falta
Revelação
Furtiva voz que acende na febre da infância
do teu leito de irmã desfeito um leito em branco
Ascensão
Ascende a mão nas pernas sitiadas
pelo esplendor sombrio que a acomete
na boca que os seus dedos cega e bebe
e aos dedos que confunde se entreabre
Remissão
Soergues-te na penumbra que alvitras por nocturna
ao sacrifício mais propícia em teu ofício
de me ungires dos óleos extremos que ressumam
pelos teus dedos longamente ministrados
até que os teus joelhos cinjam os meus rins
e se derrame sobre mim a tua graça
Propiciação
Suplício dos folguedos no ócio deliberado
do passeio dos lábios que bebem e semeiam
estrelas vagabundas nas coxas transtornadas
Glória
Pudesse a glória do martírio consumar
a febre desta pétala convulsa que maceras
na cama da desconhecida que te amasse
Expiação
Apertas entre as pernas a almofada
em que te esfregas mais quando reclamas
do grande espelho ao fundo frente à cama
desfeita a minha febre que amarfanha
o linho dos lençóis que a tua escalda
Sacrifício
Ardor do sacrifício no chão da clareira
que de outro gozo mais suspenso temperasse
nas asas da ave moribunda já desperta
a promessa do voo de outra ave
Crisma
Por ti rendido que me firmas porque rendes
Por ti firmado que me rendes porque firmas
Liturgia das horas
Da adoração dos seios que auspicias exacta
ao silêncio que paira e espraia a agonia
do murmúrio só frémito à flor do grande lago
no sono em que adormece o desejo refaz-se
nos acordes da lira cujo sono dedilhas
Purificação
Começa por tocar-se brandamente
para distrair primeiro o pensamento
do cuidado de si que o corpo prende
à sujeição que o muda em seu agente
Depois ondula os dedos sobre a concha
entreaberta no côncavo da sombra
e o seu divagar que a tarde alonga
sonha a morte de deus e solta o tempo
Boa nova
Palavra que ao dizer-se então se faça
em corpo e alma a mesma carne alada
cuja verdade seja que nos salve
Monte Tabor
Porque afinal só tu és em ti própria
a própria outra em sonhos que a teu lado
o outro lado do sonho sonharia
BRECHT diria: masturbação condomizada para eunucos neoparnasianos.