Henri MATISSE Lectrice à la table jaune Vence, 1944 Huile sur toile 53,5 x 72,5 cm Musée Matisse, Nice Legs de Madame Henri Matisse, 1960 Inv. n° 63.2.7

Por Cridom

Ela é loira, de olhos azuis e curvas avantajadas. Domina bem as combinações de saia e camisa, com ou sem blusa por cima, tanto faz, o resultado é praticamente o mesmo. Não anda vestida como uma mulher de escritório, uma executiva, uma gerente de banco. Longe disso, bem mais simples, é um exemplo ímpar de charme e elegância. Discreta, porém sensual e às vezes provocante. Simpática e inteligente, suas aulas são de língua portuguesa e literatura; trabalha em duas escolas, uma de manhã e outra à noite. Fala de Machado de Assis e Lima Barreto de um jeito que prende a atenção de muitos dos seus alunos; sabe muito bem do que fala. Querida onde trabalha, é sempre lembrada pelos alunos e colegas professores. É comum aos homens que estão à sua volta, e que gostam de literatura, imaginarem o sabor das horas ao seu lado, e cada um, a seu modo, torce para receber uma cantada da professora. Difícil encontrar aquele que declinaria de um convite ousado da loira de curvas avantajadas que ama literatura. Naquela quarta-feira de calor ela me convidou para almoçar e tomar uma cerveja; o que eu aceitei prontamente. Fizemos uma curta caminhada pelo bairro de gente muito mais endinheirada do que nós, fomos da escola até o restaurante mais próximo, e mais uma vez ela parecia precisar de desabafar, falar da crise no casamento e das decepções com o marido. Ela usou praticamente todo o tempo das caminhadas de ida e volta, mais o tempo do almoço para me contar mais ou menos o seguinte: “Quando eu era jovem, no meu primeiro emprego, eu era secretária de um empresário que na época, final dos anos 1990, já estava com quase 70 anos. Ele era sozinho e sem filhos. Nós conversávamos muito e nos tornamos amigos. Eu cuidava da agenda dele, organizava muitas coisas da empresa e também da vida particular dele. Com o tempo ele se apaixonou perdidamente por mim. Dizia que o que mais queria na vida era se casar comigo. Eu achava aquilo uma loucura, um absurdo. Eu evitava essas conversas ao máximo. Aquilo me incomodava. Eu não tinha interesse algum nele. Passado alguns poucos anos eu arrumei outro emprego, saí daquela empresa e me distanciei completamente dele até perder qualquer contato. Nunca mais tive uma notícia e não sei que fim ele teve ou se ainda está vivo. Acredito que ele já morreu. Mas nos últimos anos eu sempre acabo me lembrando dele e daquela época. Quando vejo o que o meu marido se tornou, que apesar de ser um funcionário público que não ganha mal, é um péssimo marido, um péssimo pai, violento com as crianças e que também não cuida direito delas, praticamente não faz nada dentro de casa mesmo tendo um só emprego, eu me lembro do velho. Se naquela época eu soubesse o que seria da minha vida, eu teria me casado com ele, com certeza, e hoje em dia eu provavelmente seria uma viúva rica e não estaria tendo que passar por tudo isso. Agora estou nessa merda e não sei quando e como vou conseguir me separar do pai dos meus filhos”. Eu ouvia tudo e praticamente não me sobrava espaço para falar nada. Essa foi a última conversa que tivemos sobre esses assuntos. A última vez que tomamos uma cerveja ou almoçamos juntos. E o convite não veio.

A pintura que ilustra o texto chama-se ‘Professora na mesa amarela’, de Henri Matisse (1869-1954).

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