Por Omar Vázquez Heredia
Em 2024, Nicolás Maduro terá um importante desafio para a sua continuidade no poder estatal da Venezuela: a eleição presidencial para o fim de seu segundo mandato governamental. Neste sentido, Maduro realizou um conjunto de acordos com o governo dos Estados Unidos e alianças de fato com setores empresariais e igrejas evangélicas, para tentar reagir ao impacto negativo de seu apoio político e eleitoral deteriorado no resultado da referida eleição presidencial.
Assim, Maduro pretende recuperar uma quantidade relativa de votos, mas, sobretudo, busca diminuir as sanções internacionais e críticas nacionais, diante de sua imposição de uma eleição presidencial com candidatos opositores impugnados, partidos políticos opositores proscritos, restrições à inscrição de novos eleitores no registro eleitoral e ao voto das venezuelanas e venezuelanos no exterior, e uma campanha eleitoral caracterizada pela intimidação dos eleitores opositores, pela falta de cobertura comunicacional e por ataques violentos às atividades de campanha das opções eleitorais opositoras.
Cenário Eleitoral
O atual governo autoritário da Venezuela enfrenta a eleição presidencial de 2024 em meio a um colapso de seu apoio político e eleitoral, que começou há uma década. Em outubro de 2012, Hugo Chávez ganhou sua última eleição presidencial com 8.191.132 votos. Em abril de 2013, também em uma eleição presidencial, Maduro obteve 7.587.579 votos. Depois, em dezembro de 2015, nas eleições parlamentares nacionais, a aliança chavista alcançou 5.625.248 votos. Em abril de 2018, em sua segunda eleição presidencial, Maduro só conquistou 6.245.862 votos. Nas eleições parlamentares nacionais de 2020, a aliança chavista só chegou a 4.321.975 votos. Por último, nas eleições regionais a aliança chavista caiu a 3.595.490 votos. Então, estimamos que Maduro poderia obter, nas eleições presidenciais de 2024, entre 4,5 e 5,5 milhões de votos, que seriam entre 20 e 25% do registro eleitoral.
Nesse contexto, Maduro se prepara para a eleição presidencial de 2024 promovendo a abstenção e a divisão do voto majoritário que controla a oposição de direita e impedindo qualquer possibilidade de uma candidatura do chavismo crítico e da oposição de esquerda, que lhe poderia arrebatar certa quantidade de votos provenientes de sua base eleitoral tradicional.
Concretamente, o governo chavista em agosto de 2023 elegeu uma nova diretoria do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) presidida por um reconhecido dirigente chavista, o antigo deputado e Controlador Elvis Amoroso. Além disso, o governo instiga as candidaturas presidenciais de independentes como Benjamin Rausseo e Antonio Ecarri, assim como de Luís Eduardo Martinez, representando o setor que controla o registro eleitoral do partido “Ação Democrática”, depois de sua intervenção pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em junho de 2020. Além disso, em agosto de 2023, usando novamente o STJ, o governo retirou a personalidade jurídica e o registro eleitoral da direção legítima do Partido Comunista da Venezuela, que se propunha a apresentar uma candidatura em oposição a Maduro, a partir de uma aliança de setores do chavismo crítico e da esquerda anticapitalista, que criou o chamado Encontro Nacional em Defesa dos Direitos do Povo.
Por último, o governo mantém impugnada a candidatura presidencial da neoliberal María Corina Machado, que é a principal líder opositora depois de ter vencido, em 22 de outubro, as primárias da chamada Plataforma Unitária, com mais de 90% dos votos. Seguramente, María Corina Machado vai canalizar o apoio eleitoral da grande maioria da base opositora, então o mais provável é que Maduro mantenha a impugnação de sua candidatura, e ela deve decidir se elege uma candidata ou candidato suplente, ou se faz uma campanha pela abstenção nas eleições presidenciais de 2024.
Maduro e os acordos com o governo dos Estados Unidos
O governo intervencionista dos EUA aceitou que é preferível flexibilizar e suspender suas repudiáveis sanções econômicas contra o Estado venezuelano, frente à sua incapacidade de conquistar uma divisão dos principais líderes do bloco governamental chavista, diante do dilema de defender a continuidade ou não de Nicolás Maduro. Nesse sentido, Biden sabe que o único interlocutor do governo chavista é seu líder atual, Maduro. Então, o presidente estadunidense priorizou seus interesses nacionais ao acordar com Maduro primeiro a flexibilização e depois a suspensão das sanções econômicas, porque busca um aumento da oferta de petróleo venezuelano no mercado estadunidense, uma diminuição do fluxo migratório venezuelano aos EUA, uma ponte aérea entre EUA e Venezuela para a deportação de migrantes pobres venezuelanos e o pagamento aos capitais estadunidenses de dívidas contraídas pelo Estado venezuelano. Claro, Biden ornamenta esses acordos com demandas democráticas a Maduro, como a libertação de presos políticos e garantias para a eleição presidencial de 2024.
Nesse sentido, em novembro de 2022, Biden acordou com Maduro a entrega de uma licença à Chevron para que extraia petróleo venezuelano e o exporte aos EUA, com o objetivo de quitar a dívida espúria que o Estado venezuelano tem com essa transnacional estadunidense. Já em maio de 2023, a Chevron havia cobrado 220 milhões de dólares e no transcurso deste mesmo ano esperava cobrar 750 milhões de dólares. Maduro aceitou esse acordo, apesar da necessidade de ganhos cambiais que poderiam ajuda-lo a aumentar a capacidade de compra dos salários da classe trabalhadora venezuelana.
Agora, no início de outubro de 2023, Biden acordou com Maduro o envio de aviões à Venezuela com migrantes pobres deportados dos EUA, a suspensão do embargo à indústria petrolífera e gasífera venezuelana, e das sanções financeiras ao Banco Central da Venezuela e ao Banco Venezuela e a suspenção da sanção à empresa estatal de processamento de ouro, Minerven. Como já dissemos, o governo dos EUA, com o foco na eleição presidencial estadunidense de 2024, busca ampliar a oferta petrolífera ao seu mercado, abrir a possibilidade de que o Estado venezuelano retome o pagamento de sua dívida externa, reduzir o fluxo migratório para o seu território e diminuir as críticas devido à presença de migrantes pobres venezuelanos em Estados como Arizona, Texas, Flórida e Nova York.
Estes objetivos nacionais são decorados pela administração Biden com uma retórica democrática, mas até agora o único ponto concedido por Maduro foi a libertação de cinco presos políticos, enquanto existem cerca de 300 nas prisões de seu governo ditatorial, entre eles vários dirigentes e ativistas sindicais como Néstor Astudillo, Gabriel Blanco, Reinaldo Cortés, Alonso Meléndez, Emilio Negrín, Alcides Bracho, Robert Franco, Johanna González e Guillermo Zarraga.
No caso de Maduro conseguir a suspensão daquelas sanções econômicas, isso implica um aumento imediato da receita petrolífera, ao poder exportar petróleo sem descontos e com fretes menos caros. Assim, o governo pode seguir demonstrando que é uma boa opção para o capital transnacional, ao priorizar o pagamento da dívida externa e, em menor medida, usar essa nova receita petrolífera para financiar a campanha presidencial de 2024 e algumas políticas sociais compensatórias, como bolsas alimentícias e transferências diretas de dinheiro para conservar ou recuperar uma certa parte de sua base eleitoral.
Maduro e sua aliança de fato com igrejas evangélicas
Desde há muitos anos, o governo chavista aplicou um conjunto de políticas estatais para financiar e apoiar às igrejas evangélicas, com o objetivo de tentar a canalização desses votos reacionários para a candidatura presidencial de Maduro. Isto viola o caráter laico do Estado venezuelano e gerou um aumento da mobilização ultraconservadora de organizações cristãs evangélicas.
Por exemplo, em dezembro de 2019, em um encontro com o chamado Movimento Cristão Evangélico da Venezuela, Maduro ordenou a aprovação de recursos para a criação da Universidade Teológica Evangélica da Venezuela. Nesse mesmo ato, Maduro decretou o 15 de janeiro como o Dia Nacional do Pastor Evangélico. Depois, em dezembro de 2022, o governo chavista começou a pagar todos os meses aos pastores e congregações evangélicas uma transferência direta de dinheiro, o denominado bônus “O bom pastor”. Também, em janeiro de 2023, Maduro criou o chamado Plano “Minha Igreja Bem Equipada” para financiar, com recursos estatais, o mobiliário e as instalações de lugares de culto evangélico.
Por outro lado, dirigentes chavistas como o Chefe de Governo do Distrito Capital, Nahúm Fernandéz, liderou mobilizações evangélicas como a ocorrida em Caracas, em julho de 2023, quando introduziram na Assembleia Nacional um documento que questiona a possibilidade da aprovação do matrimônio igualitário, a descriminalização do aborto, a educação sexual integral, e a livre escolha da identidade de gênero. Ademais, os governadores chavistas dos Estados Aragua e Mérida, Karina Carpio e e Jehison Guzmán, declararam à denominada “Marcha para Jesus”, que celebram a comunidade evangélica todo 12 de outubro, como patrimônio cultural de suas duas entidades regionais.
Maduro e a aliança com setores empresariais
Entre 2013 e 2018, o governo Maduro arrecadou o montante das divisas voltadas às importações, para destinar esses recursos ao pagamento da dívida externa. Essa contração dos bens de consumo final e insumos produtivos importados reduziu a oferta de mercadorias, desencadeando-se então um grande aumento dos índices de inflação e escassez, o que afetou consideravelmente a capacidade de compra dos salários da classe trabalhadora venezuelana. Nesse sentido, nesses cinco anos, o governo aplicou um ajuste inflacionário, que começou a impor, principalmente às trabalhadoras e aos trabalhadores, os custos da crise econômica que começou na Venezuela no ano de 2014.
No entanto, desde 2018 até novembro do presente ano de 2023, o governo de Maduro aplicou um ajuste macroeconômico que iniciou com a execução, em agosto de 2018, do chamado Programa de Recuperação, Crescimento e Prosperidade Econômica. Tal plano econômico incluiu um conjunto de medidas como a eliminação do controle de câmbio e preços, o estabelecimento de um tipo de câmbio flutuante administrado, a revogação da lei de ilícitos cambiais, a isenção de tarifas sobre as importações e do imposto sobre o lucro da indústria petrolífera e mineira, a contração paulatina da emissão monetária e, através do memorando 2792 do Ministério do Trabalho, a definição do salário mínimo oficial como principal referência salarial para os contratos trabalhistas.
Em termos laborais, o estabelecimento do salário mínimo oficial como referência salarial, acompanhado da eliminação da penalização dos uso do dólar, permitiu que os empresários privados começassem desde 2018 a remunerar suas trabalhadoras e trabalhadores com um salário em bolívares, que é complementado com um bônus pago diretamente em dólares, ou calculado com base em um valor em dólares que é multiplicado pelo tipo de câmbio oficial. Não obstante, o valor desses bônus não é somado ao salário de cada trabalhadora ou trabalhador, como estipula o Artigo 104 da Lei Orgânica do Trabalho, logo não tem nenhum tipo de incidência no cálculo das férias, benefícios sociais e participação nos lucros e resultados. Por tanto, o pagamento de bônus implica uma economia para os empresários privados em passivos e custos laborais. Em consequência, o uso de bônus proliferou no setor privado, e segundo a enquete de conjuntura econômica de Venamcham, de 2023, 90,17% das empresas pagam esse tipo de bonificação laboral. Por isso, representantes sindicais do empresariado, como Jorge Roig, propuseram um anteprojeto de Lei de Emergência Laboral para outorgar legalidade ao uso dos bônus.
Ademais, desde 2023, o próprio governo de Maduro iniciou a pagar bônus sem incidência salarial às trabalhadoras e trabalhadores ativos e aposentados do Estado, através da renda mínima vital, que inclui o salário e a pensão mínima, o bônus de guerra econômica e o bônus de alimentação. Lógico, estes bônus também implicam uma economia para o Estado no pagamento de férias, participação nos lucros e resultados e benefícios sociais.
Além disso, o governo Maduro retomou em 2023 a criação de Zonas Econômicas Especiais (ZEE), que são territórios onde o capital transnacional e local obtêm preferências tributárias, tarifárias e administrativas. Em agosto de 2023, o governo reativou ou criou cinco ZEE, que estão localizadas em La Guaira, Margarita, Paraguaná, Isla La Tortuga e Puerto Cabello-Morón. A aplicação de políticas estatais em benefício do empresariado, foi encenada na participação da vice-presidente chavista Dalcy Rodríguez nas assembleias anuais das duas principais organizações sindicais tradicionais dos empresários, Fedecamaras e Conindustria.
Mas, também existem outras demandas do setor empresarial que até agora foram ignoradas pelo governo. Por exemplo, os empresários solicitaram a revogação do imposto para as grandes transações financeiras e a possibilidade de que o sistema financeiro nacional conceda créditos em dólares. Apesar dessas diferenças pontuais, Maduro, com suas políticas laborais e de atração de investimentos, se apresenta como uma opção política factível para o capital. Assim, Maduro impele as empresas transnacionais ocidentais e empresários locais tradicionais a defender mais seus interesses econômicos, do que suas possíveis preferências políticas pela candidatura de María Corina Machado.
O artigo original em espanhol encontra-se aqui.
A crise econômica que se desenvolveu na Venezuela e estourou em 2018, com uma hiperinflação, causou uma desvalorização massiva do bolívar, a moeda nacional. As cédulas sem utilidade financeira se tornaram matéria-prima para a produção artesanal de artefatos, como bolsas, chapéus e até cartões postais. A crise criou uma condição de precarização do trabalho e da vida que impeliu uma massa de trabalhadores ao desemprego e à luta pela sobrevivência em condições arcaicas. Nessa dialética do “socialismo da miséria do século XXI” criada pelo chavismo/bolivarianismo, que nada mais é do que um capitalismo de cariz autoritário, que luta na arena internacional com o lobby extrativista do petróleo, e reproduz sua economia interna em condições de mais-valia absoluta, o resultado estético não poderia ser outro – o kitsch. Não o kitsch das camadas médias em ascensão, mas um kitsch de base popular. Para completar o cenário que certa esquerda hegemônica adora aplaudir, a miséria se tornou souvenir para o turismo do grotesco.