Por Charles Júnior
“Eu não posso falar, temos que encontrar um lugar tranquilo algum dia. Esta é uma questão importante e precisamos fazer isso lá fora para que possamos lidar com isso, certamente, hoje” [1].
Com sorrisos em uma prosa entre amigos, o último presidente que virou o jogo e o atual que peleja pela 2ª vez alavancar a economia americana da estagnação, deixaram um bocado de gente confusa. Mas a crítica da economia política é implacável, CHAMA!
Para além das aventuras de nosso vilão predileto, a prosa entre os rapazes é bem séria. Nada das lacrações midiáticas para inglês ver, ou a tão temida desregulamentação de Zuckerberg. Os rapazes estão tratando de cousa séria. Simplesmente como fazer a roda civilizatória girar. Muito porque, o Sr Nobel da Paz 2009 meteu bomba com força no Oriente Médio, potencializou uma nova matriz energética [2] a quase ⅓ do preço pago pela Europa a Rússia [3] [4], estatizou bancos e indústrias automobilísticas, distribuiu grana a dar com o pau a toda burguesia e, de quebradinha, deu umas bolsas para conter as revoltas da classe trabalhadora. Ou seja, alavancou a maior economia do planeta à estratosfera num pós-crise invejável.
Já que o homem mandou bem, porque não pegar a manha com quem sabe do assunto? E é disso que queremos tratar, como está a economia mais pujante do planeta (pujança qualitativa, não quantitativa, meus lindos).
Em 2020, Biden foi eleito diante de um enfraquecido Trump que naufragou, tanto no combate à pandemia do covid, quanto na retomada da crise cíclica do capital que desmantelava o mundo. O novo presidente prometera reconstruir o país: um atualizado New Deal com seu pomposo “The American Jobs Plan” ou “Plano Biden”. Quatro anos depois, vimos um carcomido Biden ser descartado pelo Partido Democrata e substituído às pressas por Kamala. O fracasso econômico traçou seu destino, mesmo bombando a indústria armamentista e pleno emprego foram facilmente abatidos por Trump na eleição presidencial. Mas o que conseguira levar Trump novamente ao gosto da burguesia norte-americana?
A volta de Trump com seu “Make America Great Again – MAGA” aparece como uma hecatombe na política mundial. Claro, muito mais pelo sensacionalismo, prometendo deportações em massa, tomar a Groelândia da Dinamarca, assumir o controle do Canal do Panamá, mudar o nome do Golfo do México para Golfo da América e anexar o Canadá. Sabemos que o que importa são outras promessas. As sonhadas desregulamentações, as tentativas de influenciar nas políticas do FED, o Super Bowl econômico (guerra fiscal), e o fim das guerras da Ucrânia e Israel.
Na superfície dos problemas
Na aparência, a economia norte americana anda relativamente bem: algum crescimento e o tão sonhado pleno emprego, ou seja, a reeleição seria uma questão de tempo para a esquerda democrática mundial.
Porém,
“A vida realmente é diferente,
Quer dizer
Ao vivo é muito pior” [5]
Os salários dos trabalhadores americanos estão crescendo em um ritmo bem abaixo do nível pré-pandemia. “Em média, o poder de compra do salário-hora de um trabalhador do setor privado cresceu a cerca de um terço da taxa de 0,7% registrada no período pré-pandemia” [6].
E, o principal: o motor da economia cresce de forma estacionária, taxas próximas de zero, somente fazendo a máquina andar para não morrer. Ou seja, saiu da CTI e foi pro leito, mas anda mal, cambaleia à espera de mais sangue, ossos, nervos e músculos com sua fome de mais-valia. Rosa Luxemburgo, nossa revolucionária predileta, nos alertou que, nos momentos pós-crise, os Estados nacionais em modo estacionário são levados à guerra e ao protecionismo. E o que Trump propõe para a economia? Sim, meu povo proletário… protecionismo! Taxar os BRICS, em especial a China, Canadá, México e o resto do mundo.
Mas Tonho gritou aqui no meu ouvido: Porr4 Charles! Mas ele vai acabar com as guerras? E a Rosa? Sim, ao que tudo indica vai, mas adivinhem quem irá reconstruir tudinho com o melhor Know-how mundial? E me digam lá, por acaso o fim da guerra contra Saddam acabou com a guerra civil no Iraque?
Lembremos como foi o Iraque, uma farra das construtoras e das equipes de segurança. Coisa linda de se ver: lucram com as bombas, com a reconstrução, com a segurança das construtoras e com a segurança dos governos implantados pelos senhores da guerra para gerir seus interesses nesses países devastados. Isso sim é o espetáculo da democracia nacional burguesa em seu esplendor!
Agora os dados, claro, senão Charlinho xinga nós!
O gráfico acima, produção industrial, capacidade e utilização, é desenvolvido pelo FED [7]. Vamos dar atenção ao detalhe, de 2020 até agora.
Vemos aí que Biden até tirou Charging Bull [8] do atoleiro, mas observe com atenção a linha vermelha (manufatura) sempre abaixo ou próximo de 100, de 2020 até agora. Ou seja, nada de um “novo New Deal”: produção estacionada! Já que as promessas não foram cumpridas, os democratas amargaram a lona.
Deem uma olhada na Tabela 1, com os valores dos índices da manufatura, para que não restem dúvidas. Estamos de olho na evolução trimestre a trimestre e não há nenhum sinal de recuperação.
Mais abaixo vemos o coração do gigante — os dados do setor de produção de bens duráveis. Na primeira coluna, a produtividade do trabalho foi negativa em 2022, em 2023 e em 2024, dois trimestres abaixo de um e um trimestre negativo. Isso significa que os capitalistas não estão conseguindo aumentar a extração de mais-valia dos trabalhadores. O custo unitário do trabalho subindo, a produção com passos de siri e a produtividade do trabalho caindo.
Junto a isso o sinal foi dado e a terra começa a tremer com a retomada das greves, foi o maior número em 50 anos [9]. Combinação mortífera para os sanguessugas de valor e mais-valia, então é hora de trocar seus vassalos.
Estado estacionário
Como vemos na tabela acima, enquanto a produtividade (taxa de mais-valia) tem variações negativas, na última coluna podemos observar o custo unitário da força de trabalho (valor da força de trabalho), eles foram positivos em 2022 e 2023, já em 2024 temos dois trimestres positivos. Quando os capitalistas não conseguem aumentar a taxa de mais-valia e nem reduzir o valor da força de trabalho, ocorre uma queda na taxa de lucro, o que se expressa na redução dos investimentos em produção. Observando a segunda coluna, em 2023, um crescimento próximo de zero e o que será repetido em 2024 — uma produção estagnada.
Este é o cenário que encontramos desde a crise cíclica iniciada no 1º trimestre de 2020: um cenário de produção estacionária, com crescimentos da produção próximos de zero. Não víamos esse cenário desde o pós-2ª Guerra Mundial, de 1945 até 2020.
Nas circunstâncias de economia estacionária, as indústrias de bens de consumo são transformadas em indústrias de produção de armas, como podemos ver nos dados de crescimento da indústria Americana do Federal Reserve (Relatório G17), na tabela abaixo, a produção da indústria total (manufatura e energia) teve resultados negativos em 2023 e 2024, já os dados da indústria de alta tecnologia mostram robustos crescimentos nos anos de 2022, 2023 e 2024. O FED classifica como indústria de alta tecnologia a produção de Computadores e equipamentos periféricos, Equipamentos de comunicação, Semicondutores e componentes eletrônicos relacionados, ou seja, produtos que são largamente utilizados nas guerras atuais com seus modernos armamentos de destruição.
Como vimos no Gráfico 1, a produção da manufatura americana está estagnada desde 2020, já no Gráfico 3, a produção da indústria de defesa está em franca ascensão, formando quase que uma linha reta após a eclosão da crise geral do capitalismo em 2020. Ou seja, meus amigos, o que sustenta a maior economia do planeta são as armas consumidas nos fronts de batalha, principalmente na Guerra da Ucrânia, para onde já foram enviados mais 175 bilhões de dólares [11].
Gráfico 3
Perspectivas do governo Trump
Como dissemos no início, as propostas de Trump apareceram como uma hecatombe no noticiário mundial. Mas as coisas podem não ser bem assim, como podemos ver no excelente artigo na Bloomberg [12], com relação às tarifas:
“Na campanha eleitoral, Trump prometeu tarifas de 60% para a China e 20% para todos os outros. No cargo, é improvável que ele vá tão longe. Trump vê as tarifas como uma ferramenta de barganha. Ele pode negar que elas representam riscos para o crescimento, inflação e lucros corporativos. Os mercados vão implorar para discordar. Com empresas como a Apple Inc. na linha de fogo, uma grande queda nos preços das ações pode fazer Trump hesitar”.
Ao contrário do que tagarela, Trump convidou Xi Jinping para sua posse, sinalizando uma acordo entre cavalheiros [13]. Muito porque, além da desvalorização das principais empresas, segundo a Bloomberg, esta simples medida pode reduzir a participação dos EUA no comércio mundial de 20% para 16% até 2028 e aumentar a inflação. E isto será impossível de ser aceito pelos reis das minas e das fornalhas.
Sobre a retomada do Canal do Panamá, talvez não seja uma proposta tão absurda. Isso porque revela uma preocupação real com dificuldades no comércio marítimo que elevaram o preço dos transportes, como a atuação dos Houthis no Canal de Suez e, ironicamente, no caso do Canal do Panamá, como resultado das mudanças climáticas.
“Em janeiro de 2024, foram registradas 1.338 embarcações no canal de Suez e 676 na rota do Panamá. No mesmo mês de 2023, eram 2.121 na rota de Suez e 1.115 no canal do Panamá. A redução começou a ser observada entre os meses de novembro e dezembro do ano passado, quando mais de 200 navios pararam de utilizar cada uma das rotas” [14].
Já falando das deportações. Como deportar milhões de trabalhadores se a economia está em pleno emprego? Lembremos que a 1ª gestão de Trump não ficou muito longe de Biden, sendo 40% a mais de deportados do que no governo Biden.
Enfim, meus camaradas, o trem não tá nada fácil para Trump e seu MAGA, muito porque, como diz o poeta cearense, “ao vivo é muito pior!”. E o desafio é gigante.
Mas, para nossa sorte, tudo pode piorar e, felizmente, tem muita gente insatisfeita com a precarização e pauperização de nossas vidas. Sim, são aqueles que têm ressurgido nesses anos de precarização pós-pandemia. E vai dar bom mesmo, se o maior e mais desenvolvido proletariado mundial se unir aos 11 milhões de hermanos sem documentos para, bem unidos, fazerem uma terra sem amos! Aí sim, o caldo trumpista azeda, dele e da burguesia interplanetária.
Mas, de certo, as próximas cenas da política da maior economia do globo serão definidas de acordo com a evolução do estado estacionário. Seguimos atentos!
Paz entre nós, guerra aos senhores!
Notas
[1] https://extra.globo.com/blogs/page-not-found/post/2025/01/leitura-labial-qual-foi-o-motivo-do-riso-de-obama-e-trump-durante-o-funeral-de-carter.ghtml
[2] https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/meio-ambiente/de-nova-promessa-energetica-gas-de-xisto-vira-vilao-ambiental-8vdyd8rusuw6ahh2h3jpt837y/
[3] https://www.novacana.com/noticias/exploracao-gas-xisto-estados-unidos-revolucao-energetica-050813
[4] Deixando a matéria-prima da indústria norte-americana muito mais barata a nível mundial, ganhando competitividade.
[5] “Apenas um Rapaz Latino Americano”, Belchior.
[6] O Federal Reserve Banks é o Banco Central do EUA: https://www.federalreserve.gov/aboutthefed.htm
[7] Os índices da produção industrial (IP) medem o real resultado da manufatura, mineração e indústrias de serviço público de eletricidade e gás; o período de referência para o índice é 2017. Para mais, ver explicação em https://passapalavra.info/2022/03/142601/, no parágrafo abaixo do gráfico 14.
[8] https://www.thewallstreetexperience.com/blog/story-behind-legendary-charging-bull/
[9] https://www.bbc.com/portuguese/articles/cg3z0zzn08wo
[10] https://www.bls.gov/opub/btn/volume-13/did-the-pandemic-affect-real-earnings.htm
[11] https://www.cfr.org/article/how-much-us-aid-going-ukraine
[12] http://www.bloomberg.com/features/2024-trump-day-one-agenda/?srnd=homepage-americas&embedded-checkout=true
[13] https://exame.com/mundo/trump-convida-xi-jinping-para-cerimonia-de-posse-mas-deixa-putin-de-fora/
[14] https://exame.com/mundo/os-canais-de-suez-e-do-panama-estao-no-minimo-historico-de-comercio-como-isso-afeta-o-mundo/