Por lucas gomes
They call it bro–revolution. The normal men return to the history. The age of prescribed perversion is over. Trump, pls, don’t stop.
“Eles chamam de bro-revolution. O retorno dos homens normais à história. A era da perversão prescrita se acabou. Trump, não pare, por favor.”
Em novembro do ano passado Alexandr Dugin comentou com a mensagem acima o resultado das eleições nos EUA por meio da rede social X (ex-twitter), fazendo referências ao termo “bro-revolution”. Ele também fez referencias ao termo em janeiro, em uma matéria do portal de notícias do governo russo, inclusive falando de um giro woke à direita. Outro entusiasta de Trump na órbita da propaganda putinista é Constantin von Hoffmeister, autor de um livro sobre o “Trumpismo esotérico”. Ele argumenta que a união entre Trump e Elon Musk representa a oportunidade de começar uma nova era de encontro entre tecnologia e tradição, uma espécie de capitalismo acelerado sob um comando conservador.
Mas, como seria possível que uma bro-revolution ajude a criar o contexto capitalista de desenvolvimento tecnológico em uma ordem moral socialmente restritiva? Se encontra tal mundo no horizonte de possibilidades do nosso presente, ou é uma quimera impossível?
Para abordar essa problemática convém pensar em termos de família. Primeiro porque a família é um dos principais lugares de afirmação dos “homens normais”. Segundo porque o salário, desde a revolução industrial até nossa época, está vinculado com as unidades familiares. As formas familiares são históricas, e as suas tendências dialogam diretamente com a forma do salário de cada etapa da economia capitalista. Num livro publicado em 1963, Revolução mundial e padrões de família, o sociólogo William J. Goode entendia que, contra a ideologia conservadora que sustenta os resquícios das famílias em rede, junto com a sociedade industrial surgiu a ideologia da família conjugal, centrada no núcleo marido-esposa. De forma resumida, essa nova ideologia se baseia em uma maior valorização da autonomia dos indivíduos na escolha de seus pares, em menores deveres para com familiares longínquos, uma maior facilidade para a mobilidade geográfica e a possibilidade de terminar o vínculo conjugal quando os indivíduos já não queiram seguir juntos. Com os devidos cuidados de um estudo comparativo, William J. Goode afirma que todas as sociedades humanas, em 1963, tendiam à família conjugal, ainda que não existisse um fator único de causalidade. Ele discorre sobre como as distintas formas familiares também moldaram e determinaram o desenvolvimento da sociedade industrial, em cada geografia onde essa começava a germinar.
Agora bem, uma maior autonomia também se expressa como maior independência, e isso foi se expressando no direito ao divórcio, especialmente nas leis que permitiram o divórcio iniciado pela mulher. O século XX soube diminuir a discrepância entre a educação dos homens e das mulheres no mundo todo, aumentou a proporção de mulheres que podiam ganhar e viver de seu próprio salário. Estas tendências, constatadas por Goode, aumentaram e muito desde a publicação de seu livro. Segundo a matéria “Por que homens e mulheres jovens estão se distanciando?”, da revista The Economist de Março de 2024 [1], nos países da OCDE existe hoje uma maior quantidade de mulheres graduando-se no ensino superior em comparação com os homens. A família conjugal também está vinculada com um maior período de formação educativa dos jovens antes de entrar no mercado de trabalho. Se o único destino da pequena menina aborígene é casar-se ao menstruar e servir a seu marido, prenhar e parir, então escolarizar-se parece um esforço inútil. Se as mulheres em muitas partes do mundo hoje tem uma maior qualificação de mão de obra, então uma grande mudança ocorreu nas possibilidades de compor um salário familiar. Sem dúvida os homens perderam uma grande parte do controle sobre esse salário dentro das unidades familiares. Não apenas isso. As tarefas de cuidado, antes justificadas com tradição, biologia ou misticismo, eram esperadas das mulheres, limitando seu tempo e sua independência [2]. Se pensarmos em termos de obsolescência da força de trabalho, a gestação, parto, puerpério e os primeiros meses de amamentação obriga às mulheres a afastarem-se da atividade econômica e possivelmente perder o emprego por demissão ao final desse período. Também as afasta rapidamente de trabalhos que exigem diferentes formas de força física. Isso quando a mulher não termina confinada no trabalho doméstico em sua própria casa, incluídas as tarefas de cuidado das crianças e outros parentes. Essas tarefas são um bom exemplo da diferença entre gênero e sexo, dado que não se trataram sempre das mesmas tarefas aquelas que cada sociedade impunha sobre as mulheres das diferentes classes sociais. Embora o sexo fosse o mesmo.
O que ocorre então quando o trabalho doméstico e as tarefas de cuidado passam a ser um campo de negociação entre pares, e não um mandato social, imposto com doçura ou com violência? Oras, certamente custa muito mais tempo e esforço definir critérios e contemplar individualidades nas questões cotidianas, intensamente permeadas pelos afetos dos indivíduos que se escolhem. A divisão do trabalho na família conjugal tradicional existe, e embora seja injusta e baseada na opressão, é uma divisão que pode resultar produtiva em termos de “output” de trabalho doméstico. Enquanto a nova divisão, com mulheres mais qualificadas e portanto com expectativas mais altas (como ilustra muito bem o artigo da The Economist), se dá por meio de uma negociação contínua, sem papeis pré-determinados ou mandatos sociais tradicionais. Quais efeitos isso tem sobre o “output” de trabalho doméstico nas novas famílias proletárias?
A taxa de fertilidade mundial é em grande medida decorrência das dinâmicas familiares. Seu último pico foi, coincidentemente talvez, em 1963 com 5,32 filhos por mulher, e desde então vem declinando até os 2,26 de 2022 (dados do Banco Mundial). Entendemos que as formas familiares são históricas. Mas algum dia a humanidade poderá libertar-se desta instituição, deixar de depender dela para a reprodução? Seria isso algo desejável? As famílias conjugais hoje têm cada vez menos filhos, é uma tendência mundial. A explicação deste fenômeno seria essencial para entender os problemas de nosso tempo.
Como então seria possível reverter esse cenário, e trazer de volta o papel masculino como figura central da administração do salário nas famílias? Secundado pelas religiões, pelo Exército, pela Justiça, pelo esgoto da internet, por influencers rasteiros, este papel masculino tradicional simplesmente não parece encaixar num desenvolvimento aparentemente óbvio do capitalismo. Para que o homem volte a determinar os termos das negociações do trabalho doméstico e das tarefas de cuidado as mulheres teriam que baixar enormemente suas expectativas de liberdade individual e de qualificação de sua mão de obra. Um exemplo claro dos efeitos desta desigualdade são as mulheres que se divorciam de seus maridos após muitos anos de desempenhar-se como “donas de casa”. Elas se encontram em grandes apertos para encontrar trabalho e sustentar-se (e os filhos!), enquanto o homem somou anos de qualificação e portanto se encontra nesse momento mais apto para ser empregado do que quando se casou.
Podemos entender a situação nos termos de um cálculo tecnocrático: uma exigência de maior quantidade de trabalhadores, em paralelo com uma menor oferta de trabalhadores qualificados (mulheres à casa!). São os capitalistas da mais-valia absoluta oferecendo o seu plano econômico global para os próximos 100 anos (quando o entrevistador Tucker Calrson pergunta a Putin sobre o conflito na Ucrânia, o pequeno líder russo se remete ao século IX). O que fica claro é que este programa, que precisaria rebaixar as expectativas de enormes contingentes da massa humana trabalhadora, pretende sustentar os aumentos de produtividade e as expectativas crescentes em um grupo limitado de indivíduos da classe trabalhadora. Não se parece isso com as organizações de trabalhadores brancos que buscavam impedir os negros de chegar aos mesmos postos de trabalho, aos mesmos níveis de estudos? Isso só será possível com muita violência, e violência não é o que falta em nossos tempos.
Notas
[1] https://www.bresserpereira.org.br/24.03.why-young-men-and-women-are-drifting-apart.pdf
[2] Emma Goldman entendia que uma família grande “paraliza o cérebro e entumece os músculos das massas de trabalhadores”. Ao se refererir aos companheiros homens que começavam a entender isso: “Lento pero seguro, estos hombres han aprendido que si la mujer consume su organismo en embarazos eternos, en los partos y en lavar pañales, poco tiempo tendrá para nada más. Pocas tienen el tiempo para las cuestiones que absorben y excitan a los padres de sus hijos. Producto del agotamiento físico y del estrés nervioso, ellas se convierten en un obstáculo en el devenir del hombre y, en ocasiones, en su más profundo enemigo. Es, por tanto, por su propia protección y también por su necesidad de compañía y amistad de la mujer que ama, que numerosos hombres quieren que esta se libere de la terrible imposición de la constante reproducción y, en consecuencia, están a favor del control de natalidad.” Em inglês aqui
As imagens que ilustram o artigo são obras de Jean-Baptiste-Siméon Chardin