Dei-me conta tardiamente no que havia me metido, se eu quisesse ter uma atuação efetiva no movimento sindical, obviamente não seria sozinho e desorganizado. E esta organização não poderia ser construída somente no momento da greve, mas no dia-a-dia e principalmente nos locais de trabalho. Por um bancário da base
Não tenho como negar que quanto mais o calendário se aproximava de setembro, mais a minha ansiedade crescia; afinal meus heróis da adolescência – e juventude – eram os sindicalistas revolucionários da guerra civil espanhola (os quais implementaram com sucesso impressionante a autogestão em metade da produção econômica do país). Porém, eu já não era tão ingênuo, meus escassos contatos com o movimento sindical atual me davam uma idéia do que eu ia encontrar pela frente (era uma criança, mas ainda lembro-me de meu pai contando sobre um dirigente sindical de sua categoria [petroleiro] que sumiu com alguns milhares de reais do sindicato, fato que fez com que ele nunca mais se aproximasse da luta sindical; ou os meus superficiais contatos com o sindicato dos funcionários da universidade). Enfim, eu tinha consciência de que iria me decepcionar, contudo o conhecimento não é suficiente para evitar a decepção.
Na assembléia de início da greve senti certa euforia no ar, todos comentavam “o movimento está forte esse ano, bastante gente”. Eu pelo meu lado revi as pessoas que fizeram seminário de integração comigo, recolhi os diversos jornais e panfletos comuns a qualquer evento com participação da esquerda, e procurei o pessoal da INTERSINDICAL, por ter algum contato prévio com ela (porém só encontrei a ala do PSOL, que recentemente rachou a INTERSINDICAL para formar uma nova central junto com a CONLUTAS, do PSTU). Fiquei nisso até o início da assembléia, que, para minha surpresa, foi limitada a uma meia dúzia de falas dos dirigentes sindicais e um longo e inflamado discurso do presidente do sindicato (aparentemente uma versão bancária do Lula). Diante disto o principal pensamento que ficou perambulando na minha cabeça foi “o que que eu vim fazer aqui?”, pois assistir um showmício da CUT/PT não era meu interesse. Foi um choque grande, nunca havia antes participado de uma assembléia mais espetacular: os bancários na platéia assistindo o show dos burocratas sindicalistas no palco, sem nenhuma participação efetiva dos trabalhadores. Eu, na minha ingenuidade (será que seria melhor dizer “na minha experiência prévia em coletivos e movimentos que valorizam a democracia de fato, não a democracia meramente formal-representativa”?), achava que algo sobre a greve seria debatido e deliberado; talvez uma tática, talvez as nossas reivindicações ou pelo menos uma polemicazinha qualquer, porém… Nada. Enfim, assim que a assembléia terminou fomos chamados para conversar sobre os piquetes de nossa região. Na verdade não houve conversa, recebi uma camiseta e alguns adesivos da CUT e fui informado sobre onde seria o lugar de encontro da regional no dia seguinte.
Sobre os piquetes uma das coisas que mais me chamou atenção foi a atuação dos empregados do sindicato, fiquei me perguntando ironicamente se eles também entram em greve e se possuem um sindicato próprio; o aburguesamento do sindicato torna-se evidente quando este utiliza-se da forma de relação trabalhista típica do dominador, a mão de obra subordinada. O que justifica a ambigüidade de uma entidade querer ser representativa de alguns trabalhadores e ser patroa de outros? Será que é isto que significa ser a “vanguarda do movimento sindical”, como tanto é dito e repetido pelos atuais dirigentes? Bom, nós, os poucos (bem poucos) meros bancários que fomos ajudar nos piquetes, acabamos seguindo os dirigentes sindicais. Foi, apesar dos pesares, uma experiência válida; senti na pele como uma greve pode ser burocratizada ao limite de quase não ter participação ativa da categoria em questão (evito a discussão se burocrata sindical é bancário ou não), não que eu ache que a greve deva ser feita exclusivamente por bancários – acharia ótimo conseguirmos ajuda de outras categorias e movimentos sociais – mas me parece essencial o nosso envolvimento. Andávamos de agência em agência tentando as fechar, a maioria concordava em fazer um acordo que garantisse a entrada de alguns funcionários “essenciais”, enquanto os outros eram direcionados para agências da redondeza e alguns poucos iam para casa (se o essencial continua trabalhando e os “supérfluos” vão para outra agência, qual o real sentido da greve?). A paralisação era aceita com a passividade em que se aceita a lei.
Dei-me conta tardiamente no que havia me metido, se eu quisesse ter uma atuação efetiva no movimento sindical, obviamente não seria sozinho e desorganizado. E esta organização não poderia ser construída somente no momento da greve, mas no dia-a-dia e principalmente nos locais de trabalho. Somente assim voltaríamos a ter um movimento grevista de fato dos bancários.
Contraditoriamente ouvi de burocratas da CUT falas semelhantes sobre a importância da OLT (Organização no Local de Trabalho), porém quando saímos do campo da fala e vamos para a prática vemos exemplos como o da eleição de delegados sindicais somente em agências com candidatos pró-situação. Que tipo de OLT é esta? Uma OLT de rebanho em torno dos pastores petistas?
Outro fato que me deixou perplexo foi a assembléia inicial da greve ser de toda a categoria, e no final ser dividida por banco: seria o velho e conhecido “dividir para conquistar”? Começa-se a greve com o apoio dos bancários de bancos públicos, geralmente mais dispostos. Mas quando o sindicato resolve que é a hora de voltar ao trabalho, fazem-se assembléias separadas para acabar com o movimento nos privados, deixando os bancários públicos isolados – e por conseqüência enfraquecidos. O próprio discurso final é bastante complicado, num dia os burocratas fazem discursos dos mais empolgados sobre a importância da greve, noutro, como que por mágica, dizem “o movimento atingiu seu limite”. Comparando as conquistas salariais dos metalúrgicos neste ano compreende-se um pouco melhor isto: nos sindicatos ligados à CUT houve uma média de 6,53% de aumento (ainda assim maior do que o nosso 6%), enquanto nos ligados à CONLUTAS ou à INTERSINDICAL o aumento variou de 8% a 10%. Parece-me que o problema é o tal “limite” ser tão rebaixado… É realmente difícil de acreditar que 6% era um limite quando olhamos para os lucros dos bancos; a CEF, por exemplo, uma semana depois do fim da greve anunciou um aumento de 20% no lucro do período.
A contradição entre a prática e a teoria é típica nas instituições burguesas. Ao olharmos com profundidade para o sindicato vemos que na teoria este é o representante legal dos trabalhadores (eu particularmente só acredito em representação na tela do cinema, no palco do teatro ou na mesa de RPG), mas na prática exerce o papel de controlador e de mediador do movimento, opondo-se a qualquer iniciativa de organização autônoma ou de oposição. Bom, vamos lá: qual ideologia política defende que o Estado, isto é, a estrutura burocrática legal, deve ser a mediadora entre os conflitos da classe trabalhadora e da classe patronal, e, por isto mesmo, não poupa esforços para reprimir qualquer tipo de organização autônoma, tentando assim centralizar em si todo o poder político? Esta ideologia é a fascista, e não por acaso a nossa atual estrutura sindical foi criada pelo representante tupiniquim desta, Getúlio Vargas (uma observação: que comentários seriam tecidos se uma das maiores universidades da Alemanha fosse da FAH – Fundação Adolfo Hitler? Bem, uma de nossas maiores universidades é vergonhosamente a FGV).
Gostaria de acabar com um trecho de um documento publicado pela FAU (Federação Anarquista Uruguaia) em 1972. Este me parece bastante atual e válido, tanto para a situação quanto para as oposições eleitoreiras: “O reformismo coloca a insurreição no céu dos ideais inalcançáveis. Exaltando-a verbalmente trata – nos fatos – de impedir que se prepare. Neste desencontro, nesta incoerência entre sua prática política contra-revolucionária e seu verbalismo sobre um desenlace insurrecional final, buscam fundamentar sua eterna afirmação de que ‘faltam condições’ cada vez que se tenta fazer avançar o processo da luta política, aplicando meios não incluídos em seu muito limitado receituário. Este se limita basicamente a duas coisas: a) no nível econômico da luta de classes, ação reivindicativa salarial, desenvolvida com o maior respeito pela ‘legalidade’ burguesa e pacífica; b) no nível político, parlamentarismo, eleitoralismo, como forma de capitalizar politicamente os resultados da luta econômica. Confinando sua prática a todos os níveis dentro dos marcos cada vez mais estreitos da legalidade burguesa, o reformismo cria as condições para sua integração cada vez maior no sistema. Cria obstáculos e trata de impedir o desenvolvimento das condições para destruição deste.” (Tradução de Evandro Couto, edição Combate, Porto Alegre 2009 – negrito presente na tradução).
Aqui no Brasil percebo que há grande quantidade de pessoas independentes, e que defendem posições libertárias ou similares. Mas o grande problema é que elas confundem burocracia com organização, e tem um medo enorme de se constituir enquanto tendencia política independente, com um programa prático e autonomo. Parece um infantilismo, um medo, uma confusão, ou até um anarco-individualismo onde as pessoas recusam qualquer coisa organizada. Não sei se isso é devido a um defeito de formação política, ou se é um reflexo de uma subjetividade dos trabalhadores individualista e fragmentada, a la Amelie Poulain.
Fico pensando que se fosse possivel costurar essas pessoas em agrupamentos de base práticos e independentes, com plataformas minimas, surgiria grande força de mobilização pela base e sem aparelhamento, capaz de fazer frente às organizações burocráticas.