Aquando da manifestação do 1º de Maio de 2009, deixando exprimir um sentimento de perturbação, o líder da CGT teria confiado a um notável socialista: «Estamos perante um muro!» Por Charles Reeve

A crise dos partidos e dos sindicatos não encontra as suas raízes nas vicissitudes do jogo institucional, mas nos obstáculos que o sistema capitalista levanta ao seu funcionamento. Assim, a retracção, mesmo o quase desaparecimento, do espaço de reforma no capitalismo contemporâneo enfraquece o papel integrador dos sindicatos, paralisa os burocratas. Na sua corrida para o lucro, o capitalismo deve constantemente ligar salários e produtividade do trabalho. Num período de baixa da rentabilidade do capital, o aumento da produtividade revela-se insuficiente e a manutenção dos salários pesa nos lucros (1). Os «parceiros sociais» devem assim caucionar o aumento da exploração através de um decréscimo dos salários e do incremento da intensidade do trabalho (a produtividade). Neste reformismo ao contrário, o objectivo para os sindicatos é o de ceder o menos possível.

Consciente das consequências desta evolução para a manutenção da paz social em período de crise, o poder político procura compensar a perda de representatividade dos sindicatos através de um aumento da ajuda do Estado. É o sentido da recente lei de 20 de Agosto de 2009, sobre «a representatividade, o desenvolvimento do diálogo social e o financiamento do sindicalismo», assinada pelos sindicatos (entre os quais a CGT) e o patronato e elogiado por este último como uma «revolução silenciosa das relações sociais». Neutralizando ainda mais a função do delegado sindical, a lei acentua a dependência dos sindicatos perante o Estado (2). Ora, o remédio agrava o estado dos doentes, como se pode confirmar pela simpatia de que beneficia o jovem sindicato SUD [Solidaires Unis et Démocratiques] junto dos assalariados combativos, pelos debates no seio da CGT e pela participação de uma parte da sua base nas acções ilegais do Verão de 2009.

Não é porque funcionassem mal ou mesmo porque não se adaptassem à radicalização das lutas que as instituições da esquerda (partidos e sindicatos) estão em crise. Estão-no, pelo contrário, porque elas funcionam de acordo com os princípios do compromisso e da reforma. Tendo modificado as regras do jogo, o capitalismo impõe assim o empobrecimento da grande massa dos assalariados sem contrapartida negociável.

Se nos recusamos a ver o esgotamento do papel reformista das organizações da esquerda, então a radicalização das lutas dos últimos meses em França (sequestros, acções directas e ameaças de destruição das empresas) torna-se inteligível. Que será vista como a expressão de uma raiva espontânea, reflexo de uma situação injusta. «Actos cujo alcance, mais do que simbólico, vos ultrapassam» (3). Alguns, reconhecendo que estas acções directas encontram a oposição das forças políticas e sindicais, espantam-se contudo com o facto de esta radicalização não encontrar uma expressão política (4). Encontramos aqui toda a desconfiança perante qualquer acção espontânea, não canalizada para as instituições. Estas lutas deveriam ter como objectivo influenciar os partidos e os sindicatos ultrapassados? «A ausência de tradução política das aspirações populares suscita um risco: um recurso cada vez mais alargado a uma violência sem perspectivas mais entendida como o único antídoto de um mundo injusto e opressivo» (5).

Esta violência não tem realmente perspectivas? Estas lutas são a expressão de um desespero? E se há desespero, o que significa este último?

Desde há anos, os trabalhadores estão, também eles, perante um muro. Descobrem que o realismo dos sindicatos desemboca em desbaratar as «conquistas sociais», leva as lutas à derrota, desagrega a força colectiva e gera resignação. Sabem que a relação de forças se lhes tornou desfavorável face à arrogância do patronato. A reestruturação recente do capitalismo perturbou as condições de trabalho e os mecanismos de integração, as separações próprias da divisão do trabalho foram reforçadas no sentido de uma maior individualização e atomização. A meritocracia, o culto da competência, a individualização dos salários, o desmantelamento do trabalho de equipa, a precarização dos estatutos, a flexibilidade dos postos de trabalho, o reforço das hierarquias, tudo caminha lado a lado com a destruição das formas de socialização existentes. Estas, tendo outrora representado um papel na integração dos assalariados no sistema, tinham também carregado valores de solidariedade, de cooperação, de entreajuda e de respeito mútuo, em suma o que tornava quase suportável o quotidiano do assalariado. A perda de representatividade do sindicalismo integra-se igualmente nesta evolução, com a substituição do diálogo sindical por formas de coerção individualizada. Assim, no capitalismo sedento de um rápido aumento da taxa de exploração, o antagonismo, a desconfiança, a concorrência entre assalariados, tornaram-se valores essenciais. «Outrora o trabalho era frequentemente um lugar de socialização, agora torna-se frequentemente uma escola de desconfiança» (6).

Face à violência da reestruturação, tendo perdido confiança nos seus «representantes» históricos, a maioria dos trabalhadores fechou-se sobre si mesmo. A quietude da capitulação foi, não obstante, perturbada por dois comportamentos fora da norma. Houve, por um lado, a radicalização de uma minoria, determinada em fazer pagar bem caro a destruição da sua vida, evocando os valores da igualdade e de justiça social contra os privilégios da burguesia. Menos previsível foi a escolha auto-destrutiva de alguns, fechados sobre si mesmos e incapazes de retomar uma sociabilidade de luta. O capitalismo sempre levou os trabalhadores a pôr um termo à miséria das suas vidas. O que hoje em dia é gritante é o elo directo entre o suicídio e a desorganização violenta das condições de trabalho, mesmo entre os quadros e os técnicos. Estes sectores alienados pelas sirenes da modernidade e pela promoção social pensaram durante muito tempo estarem protegidos, enquanto o arbitrário patronal se centrava nos trabalhadores. À raiva colectiva dos que se radicalizam responde o sacrifício individual dos que se suicidam. Mas ameaçar destruir a fábrica e suicidar-se são actos que se opõem ainda que possam ter as mesmas causas, por entre as quais figura, manifestamente, a desagregação da confiança no sistema.

Quando a CGT avança o slogan produtivista: «lutar pela reconquista industrial», faz eco aos encantos da «retoma» dos apparatchiks da propaganda económica. Ora, o que menos podemos dizer é que a frase entusiasma pouco a classe trabalhadora das antigas fortalezas do sindicalismo. Assim, a 23 de Outubro de 2009, a direcção do grupo PSA Peugeot-Citroën anuncia que o plano de saídas voluntárias lançado em França pela empresa recolhera 5200 adesões enquanto visava inicialmente um objectivo de 3500 trabalhadores (7). Como, com efeito, «reconquistar» um sistema contra o qual somos incapazes de nos bater? E por que é necessário reconquistar o que se afunda? A urgência, a oportunidade, não seria a de colocar em questão a lógica desumana do modelo industrial?

No teatro de Ibsen, as personagens vêem-se forçadas a renunciar aos valores sobre os quais haviam construído a sua vida, devem inventar um outro caminho, traçar uma saída no impasse da alienação e da mentira social. Os trabalhadores estão hoje colocados num cenário semelhante. Devem abandonar a ideia de compromisso com os capitalistas que guiou a sua sobrevivência durante gerações. Devem interrogar-se sobre o papel da organização que lhes parecia estar mais próximo – o sindicato – ou submeterem-se então a um terrível encadeamento de provas.

O período actual é caracterizado por rupturas irreversíveis que impõem escolhas vitais e novas. Vivemos a mais forte crise do sistema capitalista desde a Segunda Guerra mundial. Depois do desaparecimento do capitalismo de Estado, são os programas reformistas da velha esquerda que se afundam. Numa sociedade rica, milhões de pessoas vêem as suas existências devastadas, a vida social é ameaçada em regiões inteiras. O diálogo entre «parceiros sociais» parece ridículo. Os proletários são assim confrontados com o desafio de conceber uma outra sociedade reapropriando-se da velha fórmula «do passado façamos tábua rasa!». A maioria encontra-se paralisada pela amplitude da tarefa, enquanto uma minoria combativa mas desorganizada procura recriar uma relação de força. Há nas recentes acções ilegais mais do que o único «propósito de se fazer ouvir». «Vocês não querem ouvir-nos, vão temer-nos!», diziam alguns (8). Quando a acção ultrapassa os limites do antigo «realismo», é porque os contornos da consciência se mexeram. E é a esta constatação desencantada da obsolência da antiga acção sindical que se chama «o desespero».

Certamente, as lutas actuais não abrem perspectivas. Isto traduz em parte a dificuldade de nos desembaraçarmos de um passado podre que não acaba de acabar. E ainda assim! Assalariados alienados da cultura sindical sobre o respeito do utensílio de trabalho ameaçam fazer destruir as empresas, eis o que traduz um abanão das consciências. Há, nestas acções, uma forma de se demarcar do interesse «geral» capitalista (que subentendia este respeito), uma chamada de atenção também para as relações sociais de exploração. Ameaçados de serem apagados como mercadoria-força de trabalho, os trabalhadores ameaçam por sua vez destruir os meios de produção, propriedade do capitalista. Deixam de ocupar os lugares de trabalho, não tentam retomar a produção. Seguramente porque existe uma dúvida relativamente ao regresso à situação precedente. É também porque a divisão capitalista do trabalho proíbe aos trabalhadores a possibilidade de encararem a sua sobrevivência fora da economia global. Os projectos «auto-gestionários», se é que podem aparecer como soluções locais de sobrevivência (9), encontram-se claramente abaixo das exigências do período.

A crise do capitalismo não é sinal do seu desabamento. É a sua forma de regulação, o mecanismo que restabelece a rentabilidade do capital ao preço de enorme sofrimento humano. É a condição da retoma do investimento e do relançar dos lucros, o regresso ao mesmo, mas pior! O empobrecimento social chega hoje, após um longo período de «prosperidade» fundado nas despesas públicas e na especulação. Ora, «melhor se vive, mais as privações se tornam intoleráveis, mais se procura salvaguardar o seu modo de vida. É neste sentido que uma diminuição da “abundância” pode ser suficiente para fazer despedaçar o consenso social» (10). E é pondo a olho nu a natureza irracional e desequilibrada do capitalismo que a crise pode fazer ressurgir o desejo de agir.

O ímpeto das lutas radicais do Verão de 2009 em França quebrou-se, enquanto prossegue a desintegração social, e os privilégios de classe, a corrupção e a prepotência se propagam. No entanto, nada permite concluir que tudo está jogado, que a derrota se impõe.

Concessões, compromissos, sacrifícios ou fechamentos egoístas são atitudes que não protegem. Hoje, mais do que nunca, esta escolha da facilidade é insignificante face ao rolo compressor do sistema. Abre a porta à desmoralização social, à emergência da barbárie autoritária. O outro futuro dependerá do relançamento e alargamento da acção colectiva retomando os valores emancipadores, a capacidade de compreender e de assumir de facto o sentido desta radicalização.
Paris, Janeiro de 2010.

Notas

(1) Paul Mattick, Le Jour de l’addition, L’Insomniaque, Maio de 2009.

(2) «Dérives du syndicalisme, ou syndicalisme à la dérive ?…» [«Derivas do sindicalismo, ou sindicalismo à deriva?…»], À contre-courant, Agosto-Setembro de 2009.

(3) L’Humanité, editorial, 31 de Julho de 2009.

(4) Anne-Cécile Robert, «Quand le jeu politique asphyxie le mouvement social» [«Quando o jogo político asfixia o movimento social»], Le Monde Diplomatique, Maio de 2009.

(5) Anne-Cécile Robert, ibid.

(6) Gildas Renou, «Les laboratoires de l’antipathie. A propos des suicides à France Télécom» [«Os laboratórios da antipatia. A propósito dos suicídios na France Telecom»], revista do MAUSS, Setembro de 2009; site da revista Carré Rouge (http://www.carre-rouge.org), Novembro de 2009.

(7) Le Monde, 25-26 Outubro de 2009.

(8) Slogan inscrito, no Verão de 2009, nos muros da sede da EDF [Electricidade de França] aquando de uma ocupação.

(9) Foi o caso na Argentina depois de 2002. Hoje, em Espanha – onde a taxa de desemprego é particularmente elevada –, o número de pequenas empresas em «autogestão» está em grande expansão. («La crisis económica resucita la “toma” de fábricas en España», Público, Madrid, 25 de Outubro de 2009).

(10) Paul Mattick, Marx et Keynes, Gallimard, p.401.

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