O que significa o facto de o actual comandante da força aérea afegã ser um antigo piloto de guerra ao serviço dos soviéticos?
Da guerra no Afeganistão extraem-se numerosas lições, algumas surpreendentes.
Quem se interessa por estes assuntos deve lembrar-se de que um regime progressista, que pôs termo à monarquia, começou a modernizar as instituições, instaurou um Estado laico e emancipou as mulheres, depois de várias crises internas e deparando com a crescente ameaça externa dos fundamentalistas, acabou por pedir auxílio à União Soviética, que enviou tropas para o país.
Como era inevitável na época da guerra fria, a administração de Washington, partindo do princípio de que os inimigos dos meus inimigos são meus amigos, armou, treinou e subsidiou os fundamentalistas afegãos, com o auxílio do exército e dos serviços secretos paquistaneses. E assim se criou, na zona fronteiriça do Paquistão com o Afeganistão, um viveiro do fundamentalismo mais aguerrido.
As tropas soviéticas acabaram por retirar do Afeganistão e o poder foi tomado pelos fundamentalistas, em versões cada vez mais extremas. No dia 11 de Setembro de 2001 os norte-americanos sentiram as consequências da sua estratégia afegã e julgaram-se na necessidade de intervir militarmente naquele país. E, tal como sucedera durante a precedente ocupação soviética, a fronteira paquistanesa voltou a servir de refúgio e de reduto aos fundamentalistas afegãos.
Para que a simetria fosse perfeita só faltava que os governantes norte-americanos empregassem para bombardear a zona fronteiriça as armas e os militares que os soviéticos haviam usado contra o mesmo inimigo. Agora os colossais aviões de transporte russos Antonov voltam a descarregar no aeroporto de Kabul numerosos helicópteros russos Mi-35, muitos deles destinados a ser pilotados e mantidos por militares e técnicos que os soviéticos haviam treinado nos velhos tempos. O que aliás sai mais barato aos norte-americanos, evitando-lhes instruir o pessoal para usar outros aparelhos. Até o actual comandante das forças aéreas afegãs é um antigo piloto dos MiG-21, treinado pelos soviéticos, e que à conta deles bombardeou os mesmos que manda bombardear agora.
Não é a primeira vez na história, não será a última, em que tudo muda para tudo ficar igual. Passa Palavra