«Ao passo que o Brasil tornou-se, sob o regime militar, um paraíso para as empresas multinacionais, é normal que os trabalhadores brasileiros mantenham relações com os trabalhadores de todos os outros países em suas lutas contra a exploração capitalista». Por Cláudio Nascimento
[Leia aqui a terceira parte deste artigo.]
O setor de divulgação do GAOS desenvolveu um trabalho imenso: a partir de 1976, com apoio da CFDT, vários documentos aparecem:
– Brochura Le Brésil des Travailleurs. CFDT/information, 1976. Esta brochura foi traduzida para Portugal pelas edições BASE-FUT (maio 1980).
– Boletim Brésil des Travailleurs, mensal. Foi editado até 1985.
“Brasil dos Trabalhadores” se tornou uma marca, sendo adotada pelas publicações do Centro de Ação Comunitária (CEDAC) a partir de 1979. Tornou-se uma coleção da editora Loyola, onde o CEDAC publicava seus trabalhos.
Com este mesmo nome, “Coleção Brasil dos Trabalhadores”, circulou no meio sindical, antes da Anistia, um pequeno livro intitulado O sindicalismo no Brasil.
Um Dossier assinalando as relações CFDT-OS Brasileira, observa:
“Criação de uma tendência, ‘A Unidade Sindical’, com um jornal em francês e em português, publicado pela CFDT na França e no Brasil”.
Trata-se do boletim do GAOS, Unité syndicale brésilienne. O número zero saiu em março de 1978. No seu interior traz um encarte com o programa da OSM-SP, cuja “chapa 3” estava encabeçada por Anísio, Santo Conte, Fernando do Ó, Ubiraci, Marcelino, Helio Bombardi e Santo Dias, militantes da OS.
O último número, o nº 4, com capa colorida, saiu em agosto-setembro de 1979. Em seu interior traz um editorial cuja matéria é sobre o Encontro Internacional em Bruxelas:
“De 31 março a 1º abril 1979 ocorreu em Bruxelas o primeiro encontro internacional convocado pela Oposição Sindical brasileira. Este encontro foi organizado pelos representantes da Oposição Sindical no exterior; todavia, uma delegação de quatro sindicalistas da Oposição Sindical veio do Brasil especialmente para participar deste acontecimento. Mais de vinte organizações sindicais da Europa e das Américas, mais duas internacionais sindicais, enviaram representantes, mostrando assim sua solidariedade com as lutas que dirigem atualmente os trabalhadores brasileiros e reconhecendo publicamente a importância do trabalho da Oposição Sindical tanto no interior do Brasil quanto no plano internacional. As intervenções na tribuna destes numerosos delegados estrangeiros foram um dos momentos mais intensos desta manifestação de internacionalismo sindical.
Entre o público presente, que acompanhou as exposições e participou ativamente dos debates, estavam várias personalidades políticas brasileiras da oposição.
As exposições trataram de retraçar as principais etapas da história do movimento operário brasileiro, descrever a situação dos trabalhadores rurais e urbanos após 15 anos de ditadura e suas lutas atuais e, enfim, apresentar as grandes linhas da política da Oposição Sindical e seu papel no que concerne o tipo de sindicalismo que ela tem por objetivo promover, e seu modo de conceber o desenvolvimento de suas relações no plano internacional. Assim, se reafirmou com força a vontade da Oposição Sindical de construir no Brasil um sindicalismo independente de todo controle do Ministério do Trabalho, verdadeiramente autônomo frente aos partidos políticos, democrático quanto a seu funcionamento interno e não-alinhado no plano internacional.
Os debates permitiram pôr em relevo o caráter unitário que a Oposição Sindical quer marcar o conjunto de suas propostas. Isto ficou evidente no momento do debate sobre as relações da Oposição Sindical com os dirigentes sindicais chamados “autênticos” como Lula, os metalúrgicos de São Bernardo, e muitos outros. De fato, não interessa aos trabalhadores brasileiros se envolver em falsos debates que não têm nada a ver com a realidade. Nosso interesse, ao contrário, é de reunir as diferentes forças do movimento operário brasileiro para reforçar sua unidade a partir do confronto democrático das diversas práticas sindicais. Somos muito conscientes que os períodos de transição entre um regime ditatorial e um regime mais democrático são particularmente perigosos para a prática unitária. Razão a mais para sermos vigilantes e de não aceitar que as interferências estranhas ao movimento sindical não tragam prejuízo à construção de um novo sindicalismo brasileiro.
O encontro internacional realizado em março em Bruxelas manifestou deste modo a vontade da Oposição Sindical de conferir às lutas dos trabalhadores sua dimensão internacional. Ao passo que o Brasil tornou-se, sob o regime militar, um paraíso para as empresas multinacionais, é normal que os trabalhadores brasileiros mantenham relações com os trabalhadores de todos os outros países em suas lutas contra a exploração capitalista. O encontro de Bruxelas fez aparecer na ordem-do-dia a diversidade e a qualidade destas relações internacionais. Para nós, militantes sindicais brasileiros, mais que um encorajamento, é um apelo para desenvolver, o mais concretamente possível, nossa colaboração com os trabalhadores rurais e urbanos do mundo inteiro, no respeito recíproco das práticas sindicais de cada organização e isto privilegiando, sem nenhuma dúvida, o reforço de nossas relações com os camaradas do continente latino-americano”
Em seguida, a lista das Organizações sindicais presentes ao encontro de Bruxelas.
Este número de Unité Syndicale traz outras matérias importantes:
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A posse da direção do Sindicato dos Bancários de São Paulo, que tinha acabado de vencer as eleições a 12 de março 1979 e que tem como presidente Antônio Augusto Campos. Ao lado desta matéria, anuncia o “Primeiro Encontro nacional das Oposições sindicais dos bancários”, de 13 a 14 de abril de 1979, em São Paulo, com a presença de 70 delegados de todo o país.
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Matérias sobre as greves dos professores em diversos Estados.
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Matéria sobre o 1º de Maio unitário de São Paulo, em Vila Euclides, com mais de 100.000 trabalhadores. Notas sobre o 1º de Maio em outros estados.
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Sob o título de “Movimentos Sociais”, matéria sobre a greve dos metalúrgicos do Estado de São Paulo: em 13 de março 1979, mais de 200.000 metalúrgicos iniciaram uma greve que durou 15 dias.
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Matéria sobre a greve dos trabalhadores da Souza Cruz, em Minas Gerais.
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Matéria sobre o “1º Congresso da Oposição Sindical dos metalúrgicos de São Paulo”. Esta matéria termina com uma nota: “O Congresso aprovou uma convocação de todas as Oposições Sindicais para um encontro nacional que tem por objetivo a articulação das comissões sindicais e das direções combativas”.
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Matéria sobre o “3º Congresso Nacional dos Trabalhadores na Agricultura”, realizado de 21 a 25 maio de 1979, seguida por várias matérias sobre a situação do campo no Brasil.
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Matéria sobre a “Exploração dos trabalhadores brasileiros: o caso da FIAT”.
Enfim, na capa de trás, uma matéria sobre a chegada de Ibrahim em São Paulo, que traça o perfil deste militante da Oposição Sindical:
“A pressão do movimento brasileiro pelas liberdades democráticas obriga a ditadura a aceitar o retorno dos sindicalistas exilados e dos brasileiros perseguidos por motivos políticos.
No dia 26 de maio último (1979), Ibrahim voltou ao Brasil após 10 anos de exílio. Filho de um imigrante libanês, o último de dez crianças, ele trabalhou desde a infância para pagar seus estudos. Aos 14 anos, tornou-se operário na metalurgia, e continuou seus estudos à noite após sua jornada de trabalho. Em 1967, com 21 anos, foi eleito presidente da Comissão de Fábrica da Cobrasma, onde trabalhava, e, em seguida, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, no estado de São Paulo, a região mais industrial mais importante da América Latina.
Em 1968, Ibrahim foi um dos dirigentes dos movimentos sociais que agitaram o país, principalmente em São Paulo e Minas Gerais, para lutar contra a baixa vertiginosa do poder de compra dos trabalhadores brasileiros. Em Osasco, este movimento culminou na ocupação de numerosas fábricas e terminou pela intervenção da Polícia Militar e na prisão de todos os dirigentes do movimento.
Em setembro de 1969, Ibrahim foi trocado junto com 14 prisioneiros políticos pelo embaixador americano, Mr. Elbrick. Saído da prisão para o exílio, sucessivamente no México, Cuba e no Chile de Allende. Após o golpe de estado no Chile em setembro de 1973, ele se exilou na Bélgica, onde continuou a luta pelas liberdades políticas e sindicais dos trabalhadores brasileiros. Em Bruxelas, ele exerceu a função de presidente do SEUL (Service Européen des Universitaires Latino-Américans) organismo ligado à ONU. Durante sua presidência, o SEUL se definiu como um organismo pluralista, democrático, para defender a identidade cultural e a independência política dos países latino-americanos e para defender os direitos do Homem (políticos e econômicos) em todo o continente.
Na Europa, Ibrahim foi um dos animadores do movimento da Oposição Sindical que visa a criação de um novo sindicalismo no Brasil e que organizou o Encontro de Bruxelas em março passado, no curso do qual foi consolidado o contato com 27 centrais sindicais européias e latino-americanas e um representante do sindicalismo americano. O movimento das Oposições Sindicais se integra na luta mais ampla do povo brasileiro contra a ditadura militar, por uma anistia geral de todos os prisioneiros banidos e exilados políticos; ele se integra, enfim, na luta dos trabalhadores brasileiros contra a exploração capitalista. Nós sabemos que a experiência adquirida por Ibrahim no exílio será um fator positivo para a luta dos trabalhadores brasileiros. Suas próprias palavras firmam que seu retorno significa sua reintegração direta em uma luta que nunca deixou de participar e que é a mesma desde a sua entrada no movimento sindical: renovação do sindicalismo brasileiro, organizado pela base a partir das comissões de fábricas, independente do Estado e autônomo em relação aos partidos políticos. Todavia, ele se integra em uma luta que tem um carácter cada vez mais claramente internacional, o que, mais do que nunca, deixou de ser para ele um princípio abstrato para se transformar em experiência vivida”.
Do Unité Syndicale, dois números foram publicados em espanhol. Editado por “Correspondência: U.S. Brasil” c. Villlalar 3, Madrid-1.
Um número inicial, s/d., intitula-se Oposición Sindical. Unidad sindical brasileña, com o subtítulo “es hora de oposición”.
O número 1 está com a data de janeiro de 1979 e com desenhos do jornal Peão. Tem o subtítulo “A luta não parou nesses dez anos”.
Em 1986, Brésil des Travailleurs publicou uma brochura intitulada Le Nouveau Syndicalisme Brésilien. Traz uma introdução de José Cardoso. A brochura foi impressa por Montholon-Services, da CFDT. Na Introdução a esta brochura, Ferreirinha afirma:
“Porque esta brochura?
País ‘em via de desenvolvimento’, integrado ao CAPITALISMO INTERNACIONAL, o Brasil apresenta todas as aparências de um país industrializado, mas os trabalhadores vivem em condições de subdesenvolvimento. A economia brasileira chegou a um tal grau de integração na economia mundial, que os trabalhadores se enfrentam aos mesmos problemas de outros países, mas com um problema a mais, as condições de trabalho e de vida deploráveis. O salário médio na indústria é inferior ao de Portugal.
Os trabalhadores brasileiros têm o maior interesse em tornar conhecido, amplamente, seu movimento sindical, pois no Brasil a política internacional do capital controlada pelo FMI repercute fortemente na vida cotidiana dos trabalhadores.
O sindicato oficial foi criado para permitir que as empresas tenham toda liberdade para explorar os trabalhadores: não é um instrumento de defesa dos trabalhadores, mas um instrumento a serviço da burguesia industrial e do governo. Hoje, este sindicato ainda existe, é importante que desapareça.
A ditadura impôs um sindicato burocrático, dirigido pelos PELEGOS e que se resume a um serviço social paternalista, sem nenhuma concepção de classe, de democracia nem de organização de massa.
A ditadura aproveita de intercâmbios internacionais utilizando a estrutura sindical para servir seus interesses. Só os ‘pelegos’ participam das reuniões da OIT. Foi um período de grande concentração do capital e sua internacionalização, com todas suas conseqüências na vida do trabalhador. O isolamento dos trabalhadores do Brasil foi terrível. A prática sindical impediu que os trabalhadores do mundo saibam o que se passava no Brasil, excepto pelos contatos dos exilados membros da Oposição Sindical que transmitiram informações a partir de 1968 com a preocupação de forjar relações internacionais com um mínimo de informações. Quando a OS surgiu em 68, foi uma novidade. Ela rompia com a velha estrutura. Sua proposta é a de um sindicalismo de massa. Ela põe a questão da democracia que depende da participação política dos trabalhadores. Desde o início, sabíamos que esta proposta iria desembocar na criação de uma Central porque era uma proposta de classe.
Quando explodiram as greves de 79 no ABC, já se apresentaram como um movimento sindical de massa e democrático. Todas as decisões são tomadas em assembléia geral na presença de todos os trabalhadores, o que revoluciona a prática sindical dos ‘pelegos’.
A partir de 79, o movimento se desenvolveu, foi exitoso em fazer a ligação entre OS e Autênticos, etapa muito importante na criação do Novo Sindicalismo. O encontro dos Autênticos e da OS só podia levar à unidade, pois a proposta da OS era uma proposta de massa assumida pelos trabalhadores. Também, as resistências de certos grupos mais firmes da OS eram uma incoerência.
A partir de então, os sindicatos foram conquistados por este movimento que desembocou na criação da CUT em 83. Depois, os trabalhadores, pela CUT, tiveram condições de tornar sua situação conhecida no exterior, rompendo assim com o sindicalismo tradicional. Quando dos Congressos de 1981 e de 1983, as confederações sindicais estrangeiras foram convidadas e ocorreu a abertura internacional.
Uma das primeiras Centrais sindicais a ter confiança no novo sindicalismo e a lhe demonstrar sua solidariedade foi a CFDT. Foi a primeira central a reconhecer oficialmente a CUT desde sua fundação em agosto de 83.
A CUT, ao passar do tempo, aparece como a principal central do Brasil, sua força vem da importância dos sindicatos que a compõem e não de seu número, pois se o Brasil tem 5.000 sindicatos, eles têm importância muito desigual.
Os sindicatos dos bancários de SP, Rio e POA são da CUT e representam 60% dos empregados de banco do Brasil.
Nas telecomunicações, 70% dos sindicalizados pertencem à CUT. Na Metalurgia, nas últimas eleições sindicais, com duas chapas disputando, a CUT obteve 47% dos votos em SP, 43% no Rio e 48% em POA. A CUT, atualmente, representa 15 milhões de trabalhadores.
A nova república nada mudou para os trabalhadores. O Ministério do Trabalho conservou seu papel de controle e intervenção. A CLT impede que a CUT tenha relações normais como central sindical. Até este momento, o governo não reconheceu oficialmente a CUT. Entretanto, a CUT existe, ela é uma realidade, o governo discute com ela porque é uma força social, mas não reconhece oficialmente a organização que os trabalhadores criaram.
A CUT propõe a extinção do latifúndio e da classe dos latifundiários. A CUT sabe que a implantação de novas tecnologias é irreversível, mas os trabalhadores, que não são consultados, devem poder participar nas decisões. A CUT luta para que os direitos dos trabalhadores sejam incluídos na Nova Constituição, porque sem estes direitos não pode haver verdadeira democracia. A CUT afirma que a legislação do trabalho deve mudar totalmente e que as relações trabalhadores-empresas devem ser reguladas por convenções e não por autoritarismo. A CUT reivindica sua representação na OIT. A CUT luta pela aplicação da Convenção 87.
Em outros países, os patrões das grandes empresas multinacionais ou nacionais, privadas e públicas, dialogam com os trabalhadores, reconhecem as organizações sindicais dentro e fora da empresa. Mas, qual é o comportamento dos dirigentes das empresas multinacionais no Brasil? Eles são mais reacionários que os patrões privados. Mantêm excelentes relações com as federações patronais, e não reconhecem a CUT e continuam a negociar com os ‘pelegos’. Não podemos mais permitir que os patrões no Brasil ignorem a CUT, as comissões de fábrica, que eles aceitam em seus países.
É importante que os trabalhadores no mundo escutem este grito e manifestem sua solidariedade ativa”.
José Cardoso
Março de 1986.
Na contracapa lemos:
“O ‘Brésil des Travailleurs’ nasceu de uma demanda de sindicalistas brasileiros. Durante os duros e longos anos de exílio e de ditadura feroz, vários boletins de informação foram publicados. No inicio ‘Brésil Information’, durante o período mais duro da repressão. Em seguida, ‘Unité Syndicale’ foi a expressão da oposição sindical.”
Com a volta do exílio, estes militantes se incorporaram em diversas atividades de articulação para fundar a CUT e o PT, e em centros de educação popular. Por exemplo, Ferreirinha, Castro Alves, Luisão, Ibrahim, Roque Aparecido, Frati, Manoel da Conceição e Zé Pedro (estes dois apenas no início) participaram do CEDAC. Em São Paulo, Ibrahim, Luisão, Roque e Frati fundaram o CAPPS, e em seguida Frati fundou o CEPASE. Em várias regiões surgiram entidades com afinidades com o CEDAC; contudo, apenas algumas com laços orgânicos.
O contato com experiências como a própria CFDT após maio de 1968, a revolução argelina, a Revolução dos Cravos em Portugal, o “outono caldo” dos trabalhadores italianos, as lutas dos trabalhadores nos países do Leste europeu, levaram estes companheiros, uns mais outros menos, a uma compreensão muito rica do projeto da autogestão socialista. Este era um eixo comum: as experiências desenvolvidas na volta ao Brasil, junto com os que por aqui ficaram, reconstruindo no dia-a-dia o movimento operário-sindical e popular.