«Que tema o senhor me aconselha para o meu doutorado?», perguntavam-lhe com frequência os alunos de pós-graduação. E o professor sugeria-lhes que estudassem os banheiros — as casas de banho, como se diz em Portugal — das empresas. São um dos lugares cruciais da luta de classes, da luta em torno da expropriação do tempo de trabalho. Quantos e quantos minutos a mais cada trabalhador pretende descansar sentado numa latrina? Tudo somado, quantos milhões de horas por ano em todo o mundo? Não espanta que os gestores das empresas procurem restringir o mais possível o acesso a esses lugares imundos e paradisíacos. Mas nunca o professor conseguiu convencer nenhum aluno. Imaginem o diálogo. «Você está fazendo doutorado em quê?». «Bem…». Passa Palavra
POEMAS NO BANHEIRO DA FIRMA
Não há lirismo no cagar
é puro ato objetivo.
Estes meus gases do pensar
são do trabalho um paliativo.
*
se esse poema é um cocô
n’algo me deixa feliz:
me pagam por trabalho,
mas foi isso que fiz.
si este poema es una cagada
me alegro por la inmundicie:
me pagan por trabajo
pero esto fue lo que hice.
*
Os acionistas decidem o quanto engordam.
O CEO decide uma meta de merda para os próximos cinco anos.
Meu supervisor decide os horários em que posso cagar.
Eu decido, dentro deste horário, quando vou.
O cara da limpeza não decide merda nenhuma.
*
Enredados em relações sociais
destruíam máquinas.
Pensando agora, parece piada.
Parece piada, mas hoje
sem redes sociais não consigo trabalho.
Meu Deus! Como destruí-las?
*
Hola, Alô, Hi!
Em que puedo ayudarte?
Te pido seu ID number.
Sou poeta full-time,
pasado/futuro, eu verso e reverso
A todas las naciones,
uploading the Word!
*
Cruz e evangelho:
o fardo a carregar.
Difunde os testemunhos ao jovem e ao velho:
Sua santidade, o celular!
*
Oh voz que definha
que resiste, pequenina,
contra tanta possibilidade
tanta página vazia,
do que es capaz?
Atrás de uma mesa,
um computador,
lendo livros, histórias,
revoluções,
do que es capaz?
Oito horas mais o transporte
a comida, a cama,
do que es capaz?
A saudação, os nomes
as notícias relevantes dos jornais
e cada pedido banal
de abra-se isso,
passa-me aquilo.
Um canto, um coro, um monólogo.
Do que es capaz?
*
Soa o alarme, precisam de mim!
Corro a tirar o disfarce
Já no metrô desfaz-se toda identidade secreta:
Não o individuo que a humanidade merece, mas o trabalhador que o capital precisa.
AUTOVALORIZAÇÃO
Cordame de Notre Cunda, irmã[o] transexTAOpatafísico[a] do Corcunda de Notre Dame, pontificava: “ME[R]DRE! Defecagar em horário de expediente é a expressão orgânica mais elementar – literalmente: fisiológica – da resistência proletária ao tripalium…”
ABAIXO O TRABALHO!
PELA DITADURA DAS NECESSIDADES HUMANAS!