Destacamos que a Tarifa Zero garante outro direito fundamental: o direito de poder se movimentar pela própria cidade, e a partir disto conhecê-la, refletir sobre ela e produzir as ferramentas para transformá-la. Por Legume Lucas e Mariana Toledo [*]
Do passe livre estudantil ao projeto de Tarifa Zero
As lutas por transporte no Brasil ganharam grande destaque nos noticiários e na sociedade com as revoltas contra o aumento da tarifa de 2003 em Salvador, 2004 em Florianópolis e 2005 em Florianópolis e Vitória.
Também em São Paulo as mobilizações do Movimento Passe Livre remontam aos anos de 2004 e 2005. Em grande parte inspirados por estas revoltas citadas, diversos estudantes secundaristas e universitários recém ingressos na faculdade começaram a organizar núcleos em escolas das regiões Noroeste e Sudoeste de São Paulo em defesa do passe livre estudantil, argumentando que somente pela gratuidade nos transportes se conseguiria garantir aos estudantes o direito à educação. Foi a partir deste trabalho de base que foram feitas as mobilizações contra o aumento das passagens em janeiro de 2005, três manifestações pequenas que ocuparam os terminais Bandeira e Lapa.
Esta organização em núcleos, de maneira horizontal, atraiu para o movimento pessoas que não se identificavam com estruturas hierárquicas e desta forma não viam um espaço de atuação política dentro do movimento estudantil.
No ano de 2005 começamos a ter contato com Lúcio Gregori, ex-secretário municipal de transportes e um dos criadores do projeto de Tarifa Zero na década de 1990. O projeto defendia que o serviço de transporte coletivo fosse custeado de maneira indireta, como os serviços de saúde e educação. A lógica era pagar estes custos por meio de uma maior tributação das camadas mais ricas da população.
Nos fins de 2006 as tarifas aumentaram novamente, chegando a R$2,30. Era o primeiro aumento após o crescimento do movimento e a ampliação dos trabalhos; a expectativa dos resultados deste trabalho e da reação ao aumento era grande. Antes do aumento ser efetivado, o MPL-SP convocou uma manifestação que ocupou o Terminal Parque Dom Pedro; nesta manifestação parte dos manifestantes começou a abertura de portas de ônibus [autocarros] para que os usuários andassem gratuitamente, e outra parte dos manifestantes trancava a saída do terminal. O ato foi dispersado com intensa repressão da Polícia Militar e a noite terminou com várias pessoas no hospital e na delegacia [esquadra]. A repressão violenta da primeira manifestação marcou toda a organização posterior da luta contra o aumento. Em todas as reuniões da Frente de Luta contra o aumento a entrada, ou não, em terminais era objeto de disputa acalorada. Por conta do medo da repressão não entramos em nenhum terminal até o fim da jornada.
Conseguimos realizar diversos atos contra o aumento da passagem e inauguramos uma perseguição ao prefeito em eventos públicos: onde ele aparecia os manifestantes também apareciam questionando o aumento da tarifa do transporte. Estas ações conseguiam uma grande visibilidade midiática, apesar dos poucos militantes necessários para executá-las. Tentamos também neste momento pautar em nossos atos, panfletos e entrevistas a Tarifa Zero, mas em meio a tantas demandas este tema não conseguiu ganhar grande repercussão na sociedade.
A visibilidade da luta atraiu a atenção dos mais diversos grupos políticos, com as mais diversas intenções. O MPL-SP não tinha uma prática estabelecida para lidar com estes grupos, ainda não tinha refletido sobre as potencialidades e limites de se trabalhar junto com eles. Surgiram também inúmeros oportunistas que tentavam fazer da luta seu espaço de realização individual de confronto com a polícia. Esta confluência de problemas teve algumas consequências sérias, como a perda de um dedo por uma militante do MPL, ocasionada por um estilhaço de bomba lançado pela polícia, e a ameaça de morte (feita por alguns dos oportunistas) a três outros militantes. A não reversão do aumento, a falta de um planejamento do que fazer após o aumento e as tensões descritas tiveram forte impacto interno: os militantes estavam estafados, exaustos, várias pessoas se afastaram e o movimento entrou em uma longa fase de reestruturação.
Apesar de não ser visto pela maioria como uma conquista do movimento, entre os anos de 2007 e 2010 a tarifa de ônibus em São Paulo ficou congelada. O que não impediu que o transporte fosse palco de embates entre os políticos paulistanos, com o atual prefeito Gilberto Kassab chegando a declarar durante a campanha eleitoral de 2008 que “não ia descansar enquanto a tarifa não fosse zero”.
O MPL, enquanto isto, percebeu que precisava diversificar suas frentes de atuação iniciando trabalho em algumas comunidades, destacadamente na Zona Sul. O projeto era ampliar as bases sociais do movimento. Uma vez que não se defendia mais apenas o passe livre estudantil, as possibilidades de trabalho se ampliavam e estava presente o anseio de envolver na luta por transporte a população da periferia de São Paulo.
No trabalho comunitário era inevitável nos depararmos com as dificuldades presentes, tais como: a diversidade de interesses e necessidades dos moradores da região – as mobilizações se orientavam em torno de demandas imediatas, como a resistência à remoção de residências; a existência de mais organizações atuantes com projetos específicos – são associações comunitárias, partidos políticos, ONGs, tráfico de drogas; além do fato de várias pessoas, por vezes, precisarem escolher entre militar e trabalhar. Somado a isto, as distâncias prejudicavam o trabalho, uma vez que os militantes não moravam nestas comunidades e utilizavam o transporte coletivo para chegar nelas; também por não morar nelas, não possuíam os laços de pertencimento formados nestes bairros, e não era cogitado mandar um militante ir morar em um bairro para atuar ali politicamente. Todas estas dificuldades implicam, necessariamente, em resultados mais lentos, em uma mobilização menos intensa que a característica dos estudantes. Este trabalho em comunidades contribuiu para uma maior legitimidade do MPL perante a sociedade e para a formação política dos militantes, aprofundando a reflexão do movimento sobre a cidade.
Em paralelo, o MPL-SP começou a aprofundar seus conhecimentos sobre o transporte, organizamos atividades para entender a organização dos transportes em São Paulo, a construção de uma cidade segregada, pensando desde os aspectos infra-estruturais até os custos do sistema. A compreensão deste sistema nos fez resgatar a luta histórica da população pelo transporte, manifestada mais claramente nas revoltas populares contra os aumentos da tarifa, os chamados quebra-quebras. Esta consolidação de conhecimentos sobre o transporte, combinada com uma política de alianças com movimentos sociais, serviu para que o MPL-SP passasse a ser considerado uma referência no debate do transporte.
Em parte, a luta contra o aumento de 2010 refletiu estas opções do movimento. Apesar dos materiais de qualidade produzidos, da participação da bateria da Unidos da Lona Preta em um ato, estas manifestações não contaram com a ampla base secundarista que protagonizou os atos de 2006. O congelamento das tarifas por dois anos torna a aparente legitimidade social do aumento maior, mesmo que o valor a ser pago (2,70) fosse alto e significasse uma maior exclusão do sistema de transporte.
Durante o ano de 2010 o MPL passou por uma série de reestruturações internas com a saída de diversos militantes e o afastamento de outros tantos. Em setembro de 2010, em meio à campanha eleitoral, foi anunciado um possível aumento das tarifas, que seria o segundo aumento acima da inflação em um ano; a notícia logo foi abafada por motivos eleitoreiros. A campanha contra o aumento passou a ser organizada por meio da divulgação que este aumento iria acontecer e que era necessário se mobilizar contra ele; fez-se uma lista de contatos em escolas e começamos a fazer atividades com estes estudantes. A partir da articulação destes estudantes dois atos foram feitos ainda em 2010, antes do aumento ser oficialmente anunciado, o que fortaleceu um grupo de militantes para tocar [desenvolver] a longa campanha contra o aumento em 2011. Em momentos como o de aumento de tarifas, as contradições do transporte ficam mais evidentes: uma tarifa de R$ 3,00 tem um grande peso no orçamento das famílias. Aliado a isto, a conjuntura da cidade de São Paulo, de tensionamento político com o prefeito Gilberto Kassab. Todos estes fatores contribuíram para que as mobilizações se mantivessem com força ao longo de quatro meses.
A força desta jornada foi obtida por uma forte unidade na luta com movimentos sociais, entidades estudantis, grupos autônomos, trabalhadores dos transportes, partidos políticos e parlamentares. A partir deste consenso propiciado pela mobilização contra o aumento, o problema dos transportes em São Paulo foi trazido a público, permitindo que se pautasse de maneira ampla a reivindicação da Tarifa Zero, tanto na mídia quanto nas ruas.
A experiência acumulada ao longo destes cinco anos de luta permitiu ao MPL pensar em uma estratégia clara e bem definida para a continuidade da luta por transporte ainda durante o ascenso das manifestações. A força obtida nos atos e as alianças estabelecidas nos possibilitaram um passo maior, a proposição da Tarifa Zero para a cidade de São Paulo. Optamos por fazer um projeto de lei, construído com o nosso esforço militante, que fosse pensado e discutido dentro do movimento, ao mesmo tempo garantindo a nossa independência e materializando as discussões feitas ao longo dos anos. A escolha da forma de propor este projeto também não foi aleatória. A iniciativa popular demonstra que, apesar de estarmos mobilizados em torno de uma lei, acreditamos que ela deve ser discutida nas ruas, diretamente com as pessoas. Além disso, o processo de coleta de assinaturas constrói uma mobilização da sociedade, que será necessária se pretendemos aprovar o projeto.
Tarifa Zero é uma luta de todos e muda tudo
Nas mobilizações contra o aumento no ano de 2011, ficou clara a possibilidade e a necessidade da pauta do transporte aglutinar as mais diversas lutas, uma vez que todos aqueles que vivem na cidade são afetados pelo aumento, porque sempre que aumenta a tarifa, mais gente fica excluída do sistema de transporte. Neste sentido, é fundamental deixar claro por que a defesa da Tarifa Zero se faz imprescindível.
Os transportes coletivos urbanos devem ser encarados como um serviço público essencial, e nessa condição devem caminhar rumo à gratuidade total e universal. Somente desta maneira se poderá garantir o acesso a direitos sociais como saúde, educação e cultura. Destacamos que a Tarifa Zero garante outro direito fundamental: o direito de poder se movimentar pela própria cidade, e a partir disto conhecê-la, refletir sobre ela e produzir as ferramentas para transformá-la.
A efetivação do acesso à cidade em sua plenitude só pode ser obtida com a ampliação dos limites impostos à nossa mobilidade urbana e, para isto, é necessário que o transporte seja verdadeiramente público, ou seja, que todos possam usá-lo sem restrições. Evidentemente, o acesso aos diferentes espaços de uma cidade não irá fazer com que estes espaços sejam planejados e construídos pensando no bem-estar dos trabalhadores, mas este acesso permite a observação e a reflexão sobre este espaço, aclarando as contradições presentes na cidade.
A efetivação da Tarifa Zero, por meio da mobilização popular, pode demonstrar de maneira clara que a partir da organização, articulação e luta, podemos conquistar avanços na nossa sociedade e transformar a cidade em que vivemos. Neste sentido, a Tarifa Zero abre a possibilidade para o fortalecimento e a ampliação das lutas políticas e sociais na cidade.
[*] Legume Lucas e Mariana Toledo são militantes do Movimento Passe Livre.
Este artigo faz parte do dossiê temático DOSSIÊ: Campanha Tarifa Zero 2011
Não é exatamente um comentário, mas sim uma pergunta.
O Tarifa Zero ou Passe Livre, é um movimento anarquista?
Não, o MPL é um movimento autônomo do qual participam pessoas com as mais variadas concepções políticas.
Voces deveriam usar seu tempo para fazer um trabalho de respeito com as pessoas e nao badernar a inaguraçao de uma praça que durante muito tempo foi um centro de drogas e pessoas desocupadas fazer barrulho para usufluir de proveito proprio sao iguais aos politicos se que unem com ideais e filosofias diferentes no intuito de ganharem as eleçoes a qualquer custo. ejam mais inteligentes respeite o direito dos outros, pois voces parem um bando de baderneiros.
Oi Maria Ester,
O MPL faz um trabalho de base por outra proposta de transporte público, tentamos assim transformar a cidade em que vivemos. Se você procurar aqui no Passa Palavra irá encontrar diversos relatos destes trabalhos.
Quanto ao ato na Praça Roosevelt você pode ler mais aqui: http://passapalavra.info/?p=64918
Sinceramente acho que inaugurar uma praça as vesperas da eleição com o custo de mais de 55 milhões é eleitoreiro, já se manifestar contra uma política urbana autoritária, higienista e excludente, como fazemos há anos me parece uma luta popular.
oi gostaria de participar da manifestação que terá hoje dia 07-06-2013, pelo que vi será proximo a Faria Lima gostaria de confirmar o local e em qual altura??
Shalia,
Por favor, veja aqui:
http://passapalavra.info/2013/06/78554
A concentração é hoje, dia 7 de junho, às 17h, no Largo da Batata, próximo ao metrô Faria Lima.
Parabenizo a conquista do espaço na mídia.só isso já é gratificante porque ela está atrelada com o governo e não deixa passar nada que favoreça realmente o povo. só espero que não caiam na ilusão de aceitarem partidos políticos no movimento.Podem crer esse movimento tem tudo para vencer e, outros iguais a esse virão .Abraços!!