Distrito Federal, 09/06/09
Fique livre pra passar e ultrapasse o passe livre!
Comunicado do Movimento Passe Livre do DF sobre a proposta do passe livre estudantil pelo governo
Em uma jocosa cerimónia organizada na Câmara Legislativa do Distrito Federal dia 20/05/2009 foi entregue pelo poder executivo ao legislativo uma proposta do GDF de passe livre para estudantes. Ela, segundo dizem, será votada em breve pelos deputados distritais do DF. A repentina proposta do GDF pegou muitos e muitas no contrapé. O evento fantasioso da entrega do projeto – composto por holofotes, paparicagens e tratos falsos – deixou muita gente de queixo caído, pensando “caramba, meus inimigos/as agora concordam comigo. Eles e elas avançaram ou fui eu que virei conservador (a)?”
Nós do Movimento Passe Livre do Distrito Federal (MPL-DF), que nos últimos cinco anos lutamos nessa causa, achamos que temos uma avaliação importante para compartilhar. Então, acerca deste projeto de passe livre, aparentemente surpreendente, o MPL-DF entende que:
* O Passe Livre estudantil é, sem sombra de dúvidas, uma vitória dos movimentos que há décadas apresentam esta pauta como alternativa aos transportes e incentivo à educação. Para nós do MPL-DF – que realizamos o debate do passe livre estudantil nacional e localmente por meio de nossas ações diretas – é evidente que esta proposta manteve-se viva na agenda política principalmente por que em sua defesa órgãos públicos foram ocupados, ruas foram fechadas e mobilizações de todos os tipos foram feitas. O passe livre existe hoje como realidade política porque foi, no passado, uma proposta ousada apresentada por diferentes grupos. Assim, saudamos com nosso sarcasmo todos e todas que, nesse passado, nos chamaram de inconseqüentes e malucos/as por propormos o passe livre e que hoje abraçam com unhas e dentes o projeto – talvez como única forma de manterem-se vivos politicamente. Os Governos do Distrito Federal, em especial, merecem este nosso deboche. Blé!
* Assim como nós, vários outros grupos e movimentos realizaram movimentações dos mais diferentes tipos, entimentos e formas lutando por esta e outras pautas comuns. Isso porque aqui o transporte coletivo, a mobilidade urbana e o direito à cidade são piadas de mau gosto. Isso porque a este Distrito se esforçou por manter separadíssimas as pessoas, segregando-as de modo que as máximas do movimento manguebeat “os de cima sobem e as/os de baixo descem; sempre uns com mais e outros/as com menos” são boas para descrever a realidade local. São igualmente inspiradoras as palavras do Movimento Hip Hop quando afirma que “A mente voltada pro bem o
tornará poderoso, dando forças pra sair do círculo vicioso; sub-raça é a puta que pariu; Revolucionárias do Brasil! Fogo no pavio!”
* Nas últimas décadas o sistema de transportes do DF seguiu a lógica geral da segregação urbana. O transporte coletivo, entendido “pelos de cima” como mercadoria, funcionou e funciona como os grandes latifúndios improdutivos: alguns pequenos grupos de coronéis lucram horrores com a necessidade de ir e vir mantendo o serviço ruim, perigoso e estressante; governos seguidamente privilegiam as empresas privadas às públicas; usuários/as pagam caro pra andar mal; trabalhadores/as rodoviários/as e metroviários/as em péssimas condições salariais e de carga de trabalho. Quando começamos nossas movimentações, em 2004, esse foi o cená¡rio que enfrentamos. E as diversas lutas que fizemos terminaram de deslegitimar essa forma de se organizar os transportes. Tanto foi que nas últimas eleições todas as candidaturas apresentaram planos, fantasias e promessas de mudança do sistema de transporte coletivo, dado que a pressão popular tornava necessárias respostas sobre o assunto. Incluíram, inclusive, o passe livre estudantil ou social em várias plataformas eleitorais.
* O atual governo do DF foi um desses que fez promessas sobre os transportes, prometendo modernizações com o Plano Brasília Integrada. Mas esse projeto seguia a lógica neoliberal, de fazer o serviço eficiente (sic) prevalecer à justiça social. E seus projetos fracassaram: o cartão Fácil ficou Difícil; a renovação das frotas trocou o ônibus velho pelo quase-velho; o aumento das pistas aumentou o número de carros, piorando os engarrafamentos; a integração era por região e não por cidade, mudando muito pouco a lógica urbana. Isso sem falar nos crescentes preços de metrô e micro-ônibus e na enorme dívida pública contraída. A verdade é que a crise econômica mundial ocorreu porque implementaram em todo o planeta a mesma política que o atual governo tenta implementar nos transportes e na cidade. Tanto no mundo como no DF, como os fatos mostram, essa política medonha fracassou que nem o Brasil na última copa do mundo de futebol: muita promessa, grana e estrela sem constelação e realidade.
* Agora vem o pulo do gato: com o fracasso parcial do neoliberalismo dos transportes – apelidado de Brasília Integrada – o governo em sua ânsia de apelo social recorre às agendas de impacto e apoio popular, as mesmas que ele antes rejeitou. O maldito, mal falado, malquisto e aparentemente derrotado passe livre ressurge das cinzas, como a mais bela das fênix libertárias. O mesmo GDF que chamou de inconseqüente o passe estudantil, que antes tratou o passe livre como inconstitucional, que mandou a polícia reprimir e prender manifestantes rebeldes reapresenta este projeto em um ato de desespero e reconhecimento do quão justa e eficaz era – e é – nossa pauta. Mas, na leitura deles, o passe livre é eficaz para sustentar re-eleições, e justo porque amansa o empresariado dos transportes com o
benefício indireto que eles propõem – já que querem pagar às empresas o valor total sem diminuir das passagens o preço que passageiras e passageiros pagavam pela meia passagem estudantil. Assim quer o governo fazer do passe livre para estudantes um aumento de lucro dos empresários, tipo um aumento indireto das tarifas. Mas, acreditem, os poderosos acabarão pagando gata por lebre, pois o povo não é bobo. Nós gatas nascemos pobres, porém livres!
* E, podem ter certeza, nossa luta não acaba aí. A conquista do passe livre, longe de ser um sossega leão, serve como incentivo à luta. O passe livre, demanda que veio de baixo e à esquerda, é mais uma prova concreta de que a luta social é válida e tem resultados, de que o poder do povo pode e vai fazer um mundo novo. É, porém, só o começo de um longo caminho que temos a trilhar. Além de esse passe livre ser todo restrito (burocrático, só no trajeto casa escola-casa, no período letivo), almejamos muito mais. Nossa pauta hoje é mais ampliada: queremos que o transporte coletivo seja pago pelos impostos de todos e todas, de modo que ninguém precise pagar passagens na hora do uso – seria a tarifa zero. Nossa proposta de sociedade… bem, vocês sabem, nunca fomos muito de ousadias, só queremos que a sociedade seja justa, sem capitalismo nem qualquer outra forma de opressão. É simples assim.
* Vale lembrar que até o momento não temos nenhuma conquista concreta: continuamos no campo das palavras e papéis. O governo agora fala usando as linguagens do movimento, os deputados agora afirmam que em breve a proposta será aprovada, os técnicos dizem ser esta uma questão de fácil aplicabilidade. Mas o direito ainda não foi implementado, e não faltaram oportunidades para tanto: outros projetos de passe livre já foram apresentados e rejeitados pelo no passado recente.
* E, por fim, como dissemos quando um desses foi aprovado, em 2005 “Se as autoridades, entretanto, acharam que iam nos calar aprovando esse projeto, se enganaram. Se acharam que íamos parar de lutar contra os abusos empresariais nos transportes, sua análise foi equivocada. Se acharam que, com esse pequeno avanço, iam evitar que a rebelião que vem ocorrendo em todo país atingisse a capital nacional, sentimos muito em informar mas, mais uma vez, nos subestimaram. Se, ao contrário, embora duvidemos, as autoridades aprovaram o projeto por achá-lo justo e necessário para a população, precisamos informá-los que, para alcançar o que é justo e necessário ainda há muito por fazer, e esse passe livre estudantil é apenas um começo. Nós, do Movimento Passe Livre, reafirmamos a nossa disposição e (mais que isso) a necessidade de continuar lutando. Não sossegaremos enquanto o transporte que alguns chamam de público não possa ser, de fato, assim chamado por todos/as. Enquanto o transporte coletivo e a sociedade não tiverem seus funcionamentos absolutamente alterados para uma lógica popular, as ruas ainda correm o risco de serem fechadas, os órgãos públicos não estão a salvo de serem ocupados, os ônibus ainda correm o risco de um catracaço iminente, etc. Por isso, como sempre dizemos (o) amanhã vai ser maior. As mobilizações, passeatas e atos continuam e o MPL mantém sua disposição de luta na sociedade, por uma vida sem catracas. Já fizemos muito, mas ainda temos muito mais o que fazer. O distúbio está só começando…”
“Passe, passe, passe livre sem limites: fique livre pra passar e ultrapasse o passe livre!” (Ciclovida).
Por uma vida sem catracas!
Movimento Passe Livre do Distrito Federal.