Por Adewale Stephen
Quando Mallam Sanusi Lamido, o controverso governador do Banco Central da Nigéria, levou longe demais as suas palermices habituais e insultou a inteligência das massas nigerianas, durante o Segundo Simpósio Anual do Comité do Mercado de Capitais em Warri, no estado do Delta, ao afirmar que «pelo menos 50% da força de trabalho nigeriana devia ser despedida [demitida]», houve muitos a pensar que Sanusi pisara a cauda do tigre e iria sofrer as consequências. Segundo o governador, a Nigéria gasta até 70% dos seus rendimentos com os salários e as gratificações do funcionalismo público. Ele argumentou que, se se diminuísse de metade o número de funcionários públicos, haveria dinheiro para desenvolver as infra-estruturas.
Logo que li esta proposta em The Punch Newspaper, achei que podia prever exactamente o aspecto que as reacções iriam tomar: os dirigentes do National Labour Congress (NLC, Central Sindical Nacional) fariam imediatamente uma declaração à imprensa, criticando asperamente Sanusi e exigindo talvez a sua demissão; toda a sociedade civil se iria erguer para censurar o homem de mão dos capitalistas; o sempre zeloso Femi Falana [advogado e activista dos direitos humanos] e outros solícitos togados aconselhariam aquele agente de destruição a moderar as suas afirmações; os nossos articuladíssimos escrevinhadores começariam a abrir-nos os olhos para o elevado grau de corrupção e a quantidade de dinheiro acumulada por instituições como o Banco Central sob a direcção de Sanusi; e a Assembleia Nacional recomendar-lhe-ia que não deitasse mais achas à fogueira política. Depois disso todos, incluindo o NLC, iriam dormir outra vez e Sanusi continuaria a desfrutar os benefícios proporcionados pelo seu cargo. No final de contas, estamos na Nigéria, onde se presume que cada cidadão tenha a memória curta.
Tudo o que sucedeu depois das declarações provocatórias e antipopulares de Sanusi mostrou que eu estava certo. Curiosamente, a única cena inesperada nesta peça deveu-se ao Congress for Progressive Change (CPC, Congresso para uma Mudança Progressista), que desancou a direcção do NLC por reivindicar a demissão de Sanusi. Para esse partido, o chefe do Banco Central é um simples indivíduo, sem influência política no Executivo. Isto só mostra o nível intelectual do CPC e revela também que, em termos de programa político, todos os partidos políticos capitalistas na Nigéria actual são como penas de um mesmo pássaro. Mas como poderia alguém sentir-se defraudado pela atitude tomada pelo CPC? No final das contas, o seu líder é Muhammadu Buhari, que num dos debates presidenciais de 2011 declarou que na Nigéria não existem problemas no sector de educação. Na sua opinião, «tudo está perfeito».
Para além disto, no entanto, as declarações de Sanusi e a distribe do CPC são sintomas da erosão das credenciais hipoteticamente ameaçadoras da direcção do NLC. Mostram que se trata apenas de um tigre de papel, assustador na aparência, mas desprovido dos traços reais de um verdadeiro tigre. Num ambiente capitalista, basta o nome da organização laboral para intimidar quaisquer estratos opressores da elite dirigente e nem sequer o presidente pode dizer que os trabalhadores são irrelevantes. E o mesmo se passa com os partidos políticos. Basta o controlo que os dirigentes sindicais deveriam ter sobre as massas para que aqueles partidos políticos manifestem sempre uma tão grande consideração pela direcção do NLC.
Mas aqui sucedeu o contrário. Que um partido político cuja relevância depende ainda da boa vontade popular se permita mandar para o diabo os dirigentes do NLC e lhes diga que «deixem de ser hipócritas» constitui um lamentável barómetro da popularidade do NLC. Sanusi é tudo menos burro. Ele sabe que a Nigéria é o único país em que um agente do governo pode proferir uma declaração daquelas e, apesar disso, os sindicatos permitirem-lhe que continue no poder. Noutro contexto, o seu cargo já teria passado à história. Mas o nosso NLC é um tigre de papel, cujos rugidos não vão além das páginas dos jornais.
Nos seus tempos áureos, a direcção sindical desempenhou uma inestimável função produtiva no avanço da sociedade nigeriana. Organizou as massas e defendeu os seus interesses contra relações de exploração manipuladoras e injustas. Participou vigorosamente no processo de descolonização e lutou contra os regimes neocoloniais para obter concessões em defesa dos interesses sócio-económicos dos desfavorecidos. Opôs-se muitas vezes à negligência, ao desleixo e à corrupção na condução dos assuntos do Estado e defendeu um projecto relativamente nacionalista e unificador, em contraste com a política altamente divisória prosseguida pelas elites dirigentes da Nigéria pós-colonial.
É uma ironia que não se possa dizer o mesmo acerca dos actuais dirigentes sindicais. Enquanto a situação na Nigéria piora a cada dia que passa, foram-se corroendo os pequenos ganhos obtidos pelo movimento sindical para melhorar as condições de vida dos trabalhadores. Os trabalhadores estão agora mais agitados, embaraçados e perturbados, esperando que os seus dirigentes lhes apontem um caminho concreto; mas esses dirigentes ou não estão onde deviam estar ou estão ocupados a namorar e jantar com a elite dirigente.
Está ainda fresca nas memórias a maneira decepcionante como o NLC pôs termo aos protestos de massa de Janeiro de 2012, quando os dirigentes sindicais argumentaram que haviam chegado a esse acordo porque o governo Jonathan prometera a implementação de um programa que aliviaria as dificuldades das massas trabalhadoras. Infelizmente para os dirigentes sindicais, os resultados de tudo isto confirmaram que não vale a pena comportar-se como um cavalheiro quando nos defrontamos com um bandido. Mal tinham passado dois meses, aquele mesmo governo suspendeu abertamente a implementação dos limitados «paliativos» propostos, enquanto a gasolina é actualmente vendida em muitos estados, se bem que não oficialmente, ao preço de 120 nairas.
A consequência daquela traição é o declínio da autoridade do NLC sobre os sindicatos da indústria, a difusão do descontentamento entre as bases, a diminuição da popularidade dos funcionários sindicais e um aumento da apatia e do cansaço entre os trabalhadores. Quando um número considerável de secções estaduais do NLC estava em confronto com os governadores dos estados acerca da não implementação do salário mínimo de 18.000 nairas, não houve uma resposta concreta da direcção nacional. Quando a precarização do trabalho se tornou a política dominante em muitos estados do sudoeste e até o governo federal se propôs proceder a uma mudança de cento e oitenta graus, a direcção nacional recusou-se sem rodeios a lutar contra este malefício do capitalismo. E enquanto as administrações de universidades por todo o país estão a aumentar as mensalidades em proporções astronómicas, muito acima das possibilidades da população comum, e os sindicatos progressitas estão a ser proscritos, o NLC, com o seu complemento, o Trade Union Congress (TUC, Congresso Sindical), volta a cara para o outro lado.
Os tradicionais métodos da confrontação sindical estão a ser substituiídos pelo compromisso disfarçado de negociação; a enganadora estratégia de estabelecimento de acordos está a substituir, enquanto táctica, os princípios de luta enraizados ideologicamente; a relevância social dos sindicatos está a aproximar-se de zero e a relevância política dos dirigentes sindicais está a reduzir-se cada vez mais. A situação é mais perturbadora ainda ao nível dos estados, onde muitos presidentes de sindicatos estão a fazer corte às empresas paraestatais e aos governadores em busca de nomeações e de participações em contratos que lhes engordem os bolsos. Parece que os sindicatos nigerianos nunca estiveram tão mal.
Os objectivos dos trabalhadores não podem ser realizados por um conjunto de dirigentes que dizem uma coisa em voz alta e outra diferente em segredo; não podem ser efectivados por esse conjunto de dirigentes que só quando visam alguma remuneração pecuniária é que gritam dos telhados todos os princípios do socialismo. As chefias actuais do NLC e do TUC deixaram de ser capazes de assegurar uma direcção.
E agora, quando ouvimos falar o homem de mão da elite dirigente nigeriana, que o NLC não se iluda, porque Sanusi não está sozinho. Ele revelou tacticamente aquilo que o governo Jonathan tem preparado para as massas nigerianas depois da eleição de 2015. É melhor que os sindicatos e as massas se preparem para os combates que se avizinham.
Não está em dúvida que a intervenção do NLC seja crucial para o crescimento e a sustentação de um desenvolvimento genuíno na Nigéria. Mas nos últimos cinco anos tem sido muito enfraquecida a capacidade do NLC para desempenhar um papel activo na promoção desses princípios e para ser um porta-voz genuíno das massas. Para que o NLC e o TUC sejam levados a sério tanto pelo Estado como pelos empregados é preciso que os seus dirigentes reflictam realmente no que estão a fazer.
Por fim, se por um lado admitimos que, com o correr do tempo, a actual direcção sindical aprenda a corrigir a sua actuação, por outro lado a inconsistência deliberada, que se está a converter na ordem do dia, não será só fatal para os sindicatos, mas comprometerá toda a confiança que as massas depositavam neles. A actual direcção sindical tem, portanto, de se remodelar ou, se permanecer estagnada, não é só ela que ficará em perigo, mas também as massas que a consideram como salvadora.
Nota sobre o autor
Adewale Stephen pertence ao Departamento de História da Universidade Obafemi Awolowo, em Ile Ife, no estado de Osun, na Nigéria.
O artigo no original em inglês encontra-se aqui.
Tradução do Passa Palavra