Por David Bacon
Nas últimas Black Fridays, a comemoração do consumo que ocorre anualmente nos Estados Unidos depois do Dia de Acção de Graças, houve uma tal afluência de clientes às lojas Walmart que algumas pessoas foram espezinhadas ao tentarem entrar. No entanto, na Black Friday de 2012 os compradores presenciaram protestos de trabalhadores em mais de mil lojas.
A Walmart é a terceira maior companhia mundial e a maior empresa mundial de comércio a retalho [varejo], com mais de dois milhões de trabalhadores em mais de 15 países. Tem uma tradição de salários baixos e uma política explicíta contrária a qualquer tentativa de organização dos trabalhadores em sindicatos ou instituições independentes.
Um estudo efectuado pela Universidade da Califórnia em Berkeley mostra que os salários são tão baixos que os trabalhadores da Walmart na Califórnia recebem anualmente 86 milhões de dólares de assistência pública relativamente a seguros de saúde e senhas para alimentos, financiados por quem paga os impostos. Desde há vários anos, têm sido muitas as críticas aos baixos salários praticados pela rede Walmart e à concorrência desleal para com os comerciantes locais. E durante muito tempo a companhia conseguiu manter os seus empregados longe de manifestações. Sempre que pode, a Walmart tenta apresentar um rosto paternalista de que somos todos uma grande família. Quando isto não funciona, recorre à velha táctica dos despedimentos [demissões] e do medo.
Mas os trabalhadores da Walmart estão a despertar e organizaram uma associação chamada OURWalmart (Organização Unida pelo Respeito na Walmart). Apoiados por um grande número de sindicatos, promoveram uma série de greves. A última e a maior ocorreu na Black Friday. O centro dos protestos nacionais da Black Friday foi Richmond, na Califórnia, já que dois presidentes de sindicatos internacionais [sindicatos activos nos Estados Unidos e no Canadá] e um dos membros do Congresso mais favoráveis aos direitos dos trabalhadores uniram-se a trabalhadores despedidos [demitidos] e a outros ainda com emprego, bem como a várias centenas de apoiantes do movimento.
Em dado momento, a presidente do Sindicato Internacional dos Trabalhadores de Serviços (SEIU), Mary Jay Henry, e a reverenda Carol Been, organizadora dos Clérigos e Leigos Unidos pela Justiça Económica, colocaram-se à frente de uma delegação que entrou na loja e tentaram entregar ao gerente uma lista de reivindicações, exigindo a recontratação dos despedidos e o respeito pelo direito à liberdade de expressão e de organização. Mas o gerente recusou-se a receber essa lista. Entretanto, os trabalhadores despedidos, apoiados por alguns que mantinham o emprego mas haviam deixado o trabalho para participar no protesto, entraram em confronto com os seguranças da Walmart. «Fui despedido porque protestei contra os comentários racistas do gerente de uma loja», declarou Misty Tanner.
Segundo o SEIU, quando um empregado afro-americano usou uma corda para puxar uma mercadoria, o gerente VanRiper disse-lhe: «Se fosse eu, punha-te esta corda ao pescoço». Em seguida, quando uma trabalhadora estava a falar com jornalistas, VanRiper ameaçou atropelá-la. Ela disse que de repente a preveniram de que já não tinha trabalho, apesar de as obras continuarem depois de ela ter ido embora. Os gerentes recusaram-se a fazer comentários sobre o seu caso, ou aliás a fazer quaisquer comentários.
A manifestação de Richmond foi organizada pela OURWalmart e por todo o lado se viam as Tshirts [camisetas] verdes do grupo. Ainda que conte com o apoio do Sindicato dos Trabalhadores da Alimentação e Comércio (UFCW), trata-se de uma organização autónoma, segundo dizem os próprios trabalhadores da Walmart. Alguns dias antes da Black Friday a Walmart apresentou uma queixa perante a Agência Nacional das Relações de Trabalho (NLRB), alegando que o UFCW e a OURWalmart estariam unidos organizacionalmente e que o sindicato violara a lei ao conduzir greves de reconhecimento por mais de 30 dias sem se inscrever na NLRB para a eleição dos seus representantes. «Isto só mostra a falta de respeito da Walmart para connosco», declarou Tanner. «Não estamos a organizar um sindicato, estamos a exigir que a companhia nos respeite e ponha fim à violação dos nossos direitos. A OURWalmart é uma organização de associados da Walmart».
A acção da Walmart junto à NLRB, acusando as greves de ilegalidade, parece uma tentativa de impedir a participação dos trabalhadores nas manifestações projectadas para chamar a atenção dos consumidores no maior e mais importante dia de compras do ano. Os grandes estabelecimentos de comércio a retalho [varejo], como a Walmart, contam com o dia seguinte à Acção de Graças para dar início à loucura consumista do Natal e garantir os lucros do ano. Em resposta, os organizadores da OURWalmart disseram que ocorreram manifestações em mais de mil lojas, espalhadas por 46 estados. Bill Simon, o presidente e CEO [chief executive officer, isto é, o principal gestor] da Walmart nos Estados Unidos, disse ao jornal britânico The Guardian que «na noite passada [a noite anterior à Black Friday] houve apenas 26 manifestações em lojas, e em várias delas não participou nenhum empregado da Walmart. Nas nossas lojas por todos o país tivemos uma Black Friday com muita tranquilidade e sucesso e as opiniões dos consumidores têm sido incrivelmente positivas». Talvez ele não tivesse recebido notícias dos gerentes de Richmond, pois essa loja esteve fechada durante várias horas e muitos consumidores voltaram para casa quando os empregados lhes explicaram por que motivo ali estavam.
O deputado George Miller, proponente da lei de reforma das questões de trabalho Employee Free Choice nas últimas sessões do Congresso, disse aos trabalhadores no parque de estacionamento da loja que a comunidade de Richmond, que ele representa, os defenderia a todos. «Não vamos permitir que nenhum patrão maltrate os trabalhadores pelo facto de pretenderem organizar-se», disse ele, «especialmente quando reivindicam um nível de vida decente, tal como todos os trabalhadores merecem». Mary Jay Henry respondeu à acção da Walmart, que invocara práticas trabalhistas ilegais, perguntando: «Sabem o que é uma prática trabalhista ilegal?». E ela mesma deu a resposta: «Trabalho injusto é trabalhar a tempo integral e viver na pobreza. Trabalho injusto é ver o custo do seguro de saúde aumentar todos os anos. Trabalho injusto é negarem as horas necessárias para dar apoio à família. Trabalho injusto é ser castigado por exercer a liberdade de expressão e de associação. Os trabalhadores da Walmart sabem o que é trabalho injusto porque o sofrem todos os dias».
Traduzido por Passa Palavra a partir daqui.