Por Passa Palavra

Qualquer pessoa que acompanhe os debates no cenário político brasileiro durante os últimos anos pode perceber uma tendência preocupante: saem do palco as grandes mobilizações de rua, as grandes controvérsias públicas, as opiniões acaloradas, as alianças e divergências, e entra em cena o Judiciário não apenas como um poder cuja missão institucional é resolver controvérsias, mas como verdadeiro poder moderador extra-oficial. Titulação da reserva Raposa/Serra do Sol, aborto de anencéfalos, mensalão, transposição do rio São Francisco, asilo político a Cesare Battisti, estes e outros foram casos em que o Judiciário, apesar mesmo da existência de tensões sociais e tentativas de solução política, teve papel preponderante, quando não absolutamente decisivo.

Com a questão que envolve o assentamento Milton Santos não está sendo diferente.

Como o próprio Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) indica através de reportagem republicada em seu site, o problema envolve um grupo econômico familiar, os Abdalla, que teve bens confiscados pela União em 1976. Um destes bens, o Sítio Boa Vista, foi destinado ao antigo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) − atual Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS) − após o confisco. Apesar disto, os Abdalla conseguiram reavê-los através de uma ação de prestação de contas, mas não registraram a sentença em cartório, para ocultar patrimônio; graças à sentença, arrendaram a área à Usina Ester, empresa controlada pelos Nogueira − donos da EPTV (Emissoras Pioneiras de Televisão – afiliada da Rede Globo de Campinas e região). Quando o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) recebeu a posse do bem, concedida pelo INSS, já havia um conflito possessório entre o órgão e a Usina Ester; mesmo assim, o INCRA optou por instalar o assentamento na área, com base numa decisão judicial provisória, logo derrubada pela Usina Ester. Hoje, a empresa está com a faca e o queijo na mão, pois o conflito possessório foi resolvido pelo Judiciário em seu favor, numa decisão muito difícil de ser revertida.

Apesar de o próprio MST reconhecer que não há outra solução para o caso além da desapropriação da área, e de os assentados encontrarem-se num processo de luta bastante avançado, com ações de grande repercussão midiática, paira o fantasma da judiciarização do conflito, que tende a lançar tudo por terra. E devido a um motivo. Porque o INCRA, que deu origem ao problema assentando famílias numa área juridicamente instável, se vê paralisado pela burocracia: nem tem mais possibilidades de reaver a terra das mãos dos Abdalla na justiça, pois os recursos já se esgotaram, nem tem como reverter a decisão que reintegrou a Usina Ester na posse da área, porque também já perdeu todos os recursos possíveis nesta tentativa.

Se fosse apenas um problema do INCRA seria possível lançar as coisas na conta do cipoal burocrático, mas tudo indica que o próprio MST parece estar confiando mais na via jurídica e burocrática do que na conjunção entre esta frente e a luta prosseguida pelos assentados. Como entender sua afirmativa, veiculada pela imprensa corporativa num tom acusatório, estranho a um movimento social cuja força vem da solidariedade com todos que lutam para acelerar a reforma agrária, de que a ocupação do Instituto Lula não seria ação do Movimento, mas de infiltrados do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e da Intersindical? Em manifestação anterior às duas ocupações, a presença de algumas das mesmas organizações, assim como muitas outras que as apoiaram, foi noticiada pelo Movimento sem qualquer conotação negativa, dando até a entender que tal apoio era bem-vindo.

Em poucos dias, o MST parece ter saído de uma posição de apoio às mobilizações, inclusive com deslocamento de militantes, para uma postura que cria dúvidas entre seus militantes e simpatizantes. Se a censura pública contra militantes seus num processo de luta legítimo viesse sozinha, seria uma daquelas derrapadas que servem mais para dar munição à reação do que para avançar em conquistas reais, mas que vistas em perspectiva não causam grandes problemas. A censura, entretanto, vem junto com a tentativa do MST de acertar tudo “por cima”, confiando que o INCRA resolva a questão na justiça.

É estranho. Não parece ser o mesmo MST que denuncia a morosidade da reforma agrária sob a gestão de Dilma; que denuncia sua criminalização pelo Judiciário; que reconhece o caso do Milton Santos como parte de uma ofensiva do Judiciário contra a reforma agrária; que aponta a hegemonia da burguesia sobre a justiça brasileira e luta contra a judiciarização da política.

Vista por outro lado, a questão fica mais fácil de entender. O modelo de reforma agrária atualmente defendido pelo MST após mudanças em sua base produtiva – das cooperativas agrícolas para a agricultura familiar – exige alto grau de integração com órgãos como o INCRA, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Ministério da Agricultura. Este enquadramento institucional a que foram forçados tanto o MST quanto todos os demais movimentos de luta pela reforma agrária exige, necessariamente, um “jogo de cintura” institucional controlado por um número restrito de pessoas que, com o passar do tempo, construíram relações nestes órgãos e conseguem resolver problemas menores com simples telefonemas. Iniciativas que saiam desta rotina podem abalar as relações e romper a confiança mútua; as mobilizações de base, então, tendem a ser cada vez mais restritas a passeatas e atos simbólicos, e tendem igualmente a perder a “mordida”, a evitar qualquer confronto mais direto com estes órgãos. Vale o mesmo para ícones do chamado “campo democrático e popular”, como Lula, que vem sendo preservado de desgastes tendo em vista uma possível campanha presidencial em 2014, e Dilma; mesmo quando há responsabilidade direta sobre a questão (só a presidente pode assinar o decreto de desapropriação), sua imagem, na visão destes militantes já enquadrados, deve ser preservada a qualquer custo.

Com isto, cria-se um campo de atuação fora do controle dos acampados e assentados. No Brasil nem os direitos mais básicos dos cidadãos são ensinados na escola, quem dirá os mil e um truques dos processos judiciais. Recursos, agravos, acórdãos, vistorias, liminares, mandados, perícias, sentenças, embargos, ações, autos, averbações, tutelas, litispendências, exceções, trânsito em julgado, intimações, tudo isto para uma base social historicamente privada do acesso à educação ainda tem jeito de palavrão. Na tentativa de sobreviver em meio à burocracia e à sua linguagem, lideranças do MST terminaram acreditando que este palavrório, assim como as instituições onde ele é usado e os funcionários que o criaram, pode se somar às ações de massa e garantir o avanço da reforma agrária.

Mas o que se vê é exatamente o contrário. Dominar a linguagem jurídica e administrativa, criar relações de confiança nos órgãos públicos, aprender como funcionam os trâmites burocráticos, tudo isto ajuda a resolver situações dentro de um campo de alternativas já estabelecidas (agilizar a chegada de um trator que atrasou, negociar parcelamento de dívidas, reivindicar pavimentação de estradas vicinais etc.), quando a luta pela reforma agrária é, para sermos modestos, a tentativa de trabalhadores rurais organizados de ampliar suas alternativas de vida e de produção. É a reivindicação da parte dos que não têm parte.

Deste modo, deixar apenas ao INCRA a responsabilidade de resolver a questão do assentamento Milton Santos parece ser um tiro no pé. A desapropriação é a única solução viável, e é mais uma questão política do que simplesmente jurídica; a decisão sobre a desapropriação é política, e os instrumentos jurídicos apenas viabilizam sua concretização. Da mesma forma, sem pautar a questão no debate público através do único meio disponível aos assentados – as ações de massa – dificilmente se conseguirá qualquer medida paliativa no Judiciário. Quando o MST censura publicamente sua militância de base por tentar criar alternativas através de ações de enfrentamento direto, está, na verdade, contribuindo para reforçar não apenas a legitimidade de instituições que combate, mas também a transferência da política das ruas para os gabinetes – exatamente o lugar onde, apesar de seus esforços, é mais fraco. Se este é o caminho que o Movimento pretende seguir em casos parecidos, esta incoerência aparentemente simples poderá ser a origem de suas derrotas.

8 COMENTÁRIOS

  1. Olá

    Acho esta uma análise inviesada. Não se pode escamotearo facto de existir hoje uma incorporação do PT no bloco conservador e que o PSOL é fruto da recusar a fazer parte desse processo. Isso foi escamoteado ao não afirmar que esta manifestação foi marcada para o Instituto Lula em S. Paulo.
    O texto ao tomar o MST como um bloco, e ao associar esse bloco à franja petista do MST, não faz mais que tomar uma posição, inviesando a análises, dessa disputa interna.

    Quanto ao resto, vale dar uma vista de olhos na luta de classes na América Central para ver que a judicialização da política não é necessariamente uma armadilha.

    Abraço

    P.D.: Gostava de ler a vossa crítica ao “Lulismo” de André Singer. O livro, apesar de pretender descaradamente defender a guinada à direita de Lula (chamando-lhe de outra coisa), analisa-a objetivamente.

  2. Queria parabenizar o coletivo passa-palavra pelo texto, pelos questionamentos, pelas críticas. Vejo a perspectiva aterrizada se comparada com a leitura de “O MST e a reforma agrária” e “Reforma agrária? Que reforma?”. Sim, é triste ver a “mística” do MST virar “lobby”.

  3. Ferreira, certamente o MST não é um bloco monolítico, e o próprio caso do Milton Santos é prova disso. Porém, não dá pra não reconhecer que movimento segue, predominantemente, uma determinada linha política – que é, no mínimo (mas não apenas), a linha de seus dirigentes. A declaração pública retirando o apoio à ocupação do Instituto Lula (ou à ocupação do Gabinete da Presidência em SP, em dezembro), foi feita em nome do MST, e não de “uma franja petista”. E o problema não pára nas declarações: elas só expressam a postura que o MST tem seguido na prática.

    Sobre a judicialização da política, não sei se é necessariamente aí que está o problema. Me parece que aos movimentos sociais, aos “de abaixo”, cabe tentar arrancar a solução de suas demandas a partir de todas as vias “de acima” que puderem ser abertas. O judiciário é uma delas, mas há muitas outras. Nesse sentido, no caso do Milton Santos, a via “política” (pressionar diretamente a Dilma) parece mais eficaz, e por isso mais acertada, que a via judicial. O que preocupa é ver que o MST direciona sua mobilização cada vez mais contra o judiciário, e cada vez menos contra o governo – não porque isso seja mais interessante para Reforma Agrária (basta ver os números recentes), mas porque interessa blindar o PT no governo.

    Isso fica evidente no caso do Milton Santos. Retirar o apoio às ações dos assentados (e de seus apoiadores, sejam do PSOL, sejam de onde forem) da forma que tem sido feito, mostra claramente que o MST está mais interessado em defender o atual governo do que em defender sua base sem-terra, defender a Reforma Agrária.

  4. Acho que o Zé veio com boas ideias, mas atirando para o lado errado. Essa coisa de acusar a primeira organização mais à esquerda por iniciativas tocadas pela própria base fora do controle das lideranças mais consolidadas é bastante antigo: o próprio PT já foi acusado assim tempos atrás, depois os trotskistas (PSTU, PCO etc.). Como o PSOL está aparecendo mais na conjuntura, foi o primeiro alvo que o MST encontrou — e nisto Caio está certo: quem deu a nota foi o MST, refletindo o pensamento desta fração mais consolidada de lideranças que hoje ocupa os postos mais influentes do movimento, e não apenas uma “tendência” interna mais próxima do PT. Se há disputa interna no MST, como há em qualquer movimento, os dissidentes internos que não têm acesso à possibilidade de falar em nome do movimento terminam pagando o pato. Em última análise, pode ser até se ver obrigados defender posições que não são as suas. É o preço a se pagar pela unidade.

    Cabe a alguém de fora “ver” as disputas internas? Como, se o movimento ainda parece unificado — e age como se fosse? Se querem se fazer visíveis, às vezes a única forma é a divergência aberta, quando não a ruptura — e os 51 que romperam, pela esquerda, com vários movimentos tempos atrás mostraram que talvez só se possa ser coerente deste jeito.

    Mudo um pouco de assunto para falar na judiciarização da política. (Achei muito acertado terem falado em “judiciarizar”, e não em “judicializar”; prefiro a primeira forma, mais correta, que a segunda, um anglicismo que virou moda intelectual.)

    Em política não dá para cobrar o mesmo tipo de coerência que se tem na exposição de argumentos; é preciso ter sensibilidade para entender certas flexibilizações táticas, e a coerência se vê quando se vai juntando todas as flexibilizações e comparando-as com objetivos estratégicos.

    Quando o artigo fala, muito acertadamente, em duas frentes de luta, uma institucional e outra de massas, tenta dialogar exatamente com a necessidade de resolver problemas práticos onde quer que isto se faça necessário.

    Acho que quando o PP aponta o risco de se confiar mais em soluções “de gabinete” que em soluções “de rua” — e é o que está acontecendo no Milton Santos pelo que acompanho — tem outra coisa em mente: ver em que caminhos aqueles mais diretamente envolvidos com o problema têm a iniciativa, e em que outros ficam apenas esperando uma solução. Em que caminhos eles fazem a política com as próprias mãos, e em que outros ela lhes escapa por entre os dedos. Isto, creio eu, é o básico do aprendizado das lutas sociais, e também da construção de um movimento social forte, capaz de ter força para lidar com as várias instituições que aí estão.

    Ou, do contrário, o que se repete é isto aqui: http://www.youtube.com/watch?v=P0bzGw02d6E

  5. Quem dirige o Milton Santos não é o MST. A maioria dos militantes lá fazem parte de um racha do MST, que hoje se encontra próximo ao PSOL na análise, mas não faz parte do PSOL.

    A acusação a esses militantes já é antiga, procurem o documento ‘a saída dos que nunca entraram’, de autoria da Consulta Popular (que é cada vez mais próxima ao PT e do Governo Dilma). O tom acusatório stalinista já esta lá.

    Esses militantes deram a resposta com ação direta e movimento!

  6. É interessante notar que a “Judicialização da política” parece ser uma chave importante para compreender o processo de conciliação de classes encabeçado pelo Partido dos Trabalhadores.

    Tendo em vista que nenhuma mudança estrutural pode ser levada a cabo pelo governo federal, pois representaria o rompimento com determinados setores que formam a base de sustentação do governo. Deste modo, o judiciário aparece como um terceiro termo, ou seja, aquele responsável por mediar dois “interesses” heterogêneos (o capital e os trabalhadores). Assim, a resolução dos conflitos por meio do judiciário (tal como foi elencadas pelo autor do texto) serve ao governo de dois modos: 1) não cria uma tensão entre os interesses do Capital e dos Trabalhadores; 2) confere imunidade ao governo na implementação das políticas que vão de encontro aos interesses da classe trabalhadora. É dentro deste cenário que o Assentamento Milton Santos precisa ser incluído (como também o fato do governo recorrer a justiça para “decretar” a ilegalidade de uma greve, como aconteceu na greve do setor público, ano passado).

    Se essa é prática política do governo federal, a fim de contornar os conflitos e selar o “pacto” de conciliação de classes, fazendo com que os agentes envolvidos se mantenham numa relação de interdependência que sustente tal projeto político. Pode-se dizer também que o MST (pensado pra ser a base política do “projeto democrático popular” no campo) vem recorrendo à “judicialização da política” para resolução dos conflitos, para que o rompimento [com o governo federal] não aconteça. Deste modo, desloca-se para um outro terreno (o jurídico) a luta pela manutenção do assentamento, tal como o autor apresentou acima.

    A pergunta que não quer calar diz respeito aos motivos pelos quais o MST não pode romper com o governo, tendo que para isso “segurar” a radicalização da sua própria base? Ou seja, o MST precisa do PT como base de sustentação?

    O rompimento com essa aliança, poderia mudar os rumos da organização? Se sim, a crítica trotskista faz sentido, “é só uma crise de direção”. No entanto, não seria o projeto no qual serviu de sustentação para a formação deste campo político (CUT, PT, MST, MTD), e seus derivado (PSOL, PSTU, CONLUTAS, MTST), que deveria ser repensado? Seria as conquistas de cargos dentro do Estado que proporcionaria, como num passe de mágica, uma mudança estrutural? Enquanto esses setores eram oposição, a contradição não era explícita, e por isso alimenta as esperanças das organizações que “romperam” com o PT, como se fosse possível um “retorno as origens”, no qual resgatasse o projeto político “puro”, sendo que os integrantes destes setores seriam os “verdadeiros” portadores do processo de transformação que o PT não conseguiu realizar.

    O paradoxo do qual estamos enfrentando é que parece não haver nada “além” destas organizações, mais precisamente do MST. Na medida em que são esses setores os únicos que conseguem ter uma inserção (real) na base.

    Essa perspectiva não busca “jogar a água e a criança fora”, mas apenas lançar luz sobre a iminência da reorganização dos “de baixo”. Seja para construir uma outra forma de organização dentro do MST (como é a leitura de muitos companheiros combativos que constrói o movimento), seja “fora” desse campo político (como foi a saída “dos 51”); faz-se necessário fazer isso sob outras bases, sobre outra perspectiva. É o fracasso da luta dos trabalhadores por “ocupar” os espaços do Estado que parece ser a questão principal, e a “judicialização da política” apenas a forma pela qual os conflitos são resolvidos dentro desta esfera de conciliação de classes no Brasil.

    OBS: a leitura maniqueísta do Outro como o responsável por todas as mazelas só contribui para a (des)organização dos “de baixo”.

  7. bastante interessante a leitura do Paulo. Continuando: será que a “conciliação” é eternamente possível? estudos sobre o getulismo ou o peronismo sao bastante esclarecedores. Outro ponto: leituras maniqueístas normalmente nao sao inocentes. em alguns lugares se a “conciliação” nao é possível, a estratégia política é a “confrontacao clara e aberta”. Basta acompanhar a Argentina pra perceber isso (nao exclui excessos de confrontacao). Agora, se o Brasil como país anda “conciliado”, fora todos os problemas que isso gera, um dos piores é que a maioria das pessoas nao sabe exatamente a história dessa “conciliação”, ou seja, essa estratégia nao vai rumo a organizacao das pessoas e a sua politizacao e justamente porque nao “confronta”, a qualquer momento pode ser substituída por outra, que vá numa direcao parecida. enfim, se a estratégia confrontativa pode se destruir por justamente confrontar; a estrátegia de conciliar é autodestrutiva por si mesma. Em qual eu apostaria? nenhuma. aposto pela organizacao e formacao constantes já que parece que a discussao-chave de “outro modo de fazer política” anda bastante fora de moda no Conosul. Mas com certeza tem muita gente que nao concorda com isso e com essa aposta.

  8. Olá de novo.

    O meu desacordo com o texto tem a ver com a centralidade da fragmentação dos movimentos sociais de esquerda na política brasileira. Com o deslocamento do PT para a direita, e a sua acomodação ao status quo, o processo é de rupturas e saídas pela esquerda. O PSOL é apenas o maior grupo resultante dessas estruturas, mas não o único. Penso que é este facto objetivo e necessário que nos dará o norte para pensar na e estar com luta de classes no Brasil. (Daí que me incomode o fio-de-prumo quase doutrinário, da divisão entre luta de massas e luta jurídica, que organiza o texto).

    Por outro lado, vale a pena ver a camisa de onze varas (como se diz em Portugal) ou o bico de sinuca (como se diz no Brasil) em que o MST está metido. Com os programas de distribuição de renda (bolsa família; aumento do salário mínimo; e o emprego que gera o PAC), a popularidade do PT cresce mais vertiginosamente na periferia das cidades médias. Quem mora lá? Ex-camponeses expulsos da terra (pelo menos no Nordeste como mostrou a Ligia Sigaud). Ou seja, finalmente a popularidade do PT está a crescer na base social de recrutamento do MST (que, note-se bem, é maior, muito maior que a base de militância do MST). Não obstante, estes programas do governo olham para estes indivíduos (cidadão tem uma conotação negativa no Brasil) com essencialmente urbanos. Se dá dinheiro às famílias para enviar os filhos à escola e, posteriormente, ter um melhor emprego… urbano. (A própria Dilma afirma que é mais barato trazer os camponeses sem terra para a cidade e arranjar-lhes emprego do que fazer a Reforma Agrária – as palavras são Gilberto Carvalho, aquando da entrega do manifesto de intelectuais pela Reforma Agrária o ano passado). Enfim, aqueles que o MST vê como potencialmente rurais, o governo petista transforma em radicalmente urbanos. Mas me pergunto, apesar disto, até que ponto o confronto com o governo não reduzirá a penetração do MST nesta fração da sociedade que é a sua base social.

    Isto não me impede de apoiar as saídas pela esquerda do MST e, mais ainda, começar a colocar a hipótese que a bandeira da Reforma Agrária poderá ter de passar por fora do MST, assim como a bandeira do sindicalismo por fora da CUT. Mas se é necessário reconstruir a esquerda e os movimentos sociais brasileiros, após mais de 20 anos de liderança petitas, o que acabo de escrever assenta a conjuntura em que isso será feito.

    Abraço

    Post Script: Paulo, discordo do que afirma. O judiciário está no nível da tática e não pode ser elevado a estratégia, colocar uma ideia de terceira parte no meio, e chamar a essa estratégia de conciliadora. Basta olhar para os recentes acontecimento no Rio de Janeiro, em torno da desapropriação da Aldeia Maracanã e ver que, dependendo dos caso, o judiciário é um modo de se colocar no confronto com o Capital.

    Mais uma vez abraço!

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