Por Letícia Catete

 

No dia 18 de dezembro do ano passado, foi veiculada na mídia uma notícia grandiloquente: o Rio de Janeiro abrigará “o maior centro corporativo do país”, as Trump Towers Rio. A Prefeitura acabara de firmar um acordo com a Organização Trump, empresa do magnata bilionário nova-iorquino Donald Trump, celebridade conhecida pelo bordão “Você está demitido!”, cunhado em seu reality-show “O Aprendiz” (de executivo). Parceiras do empreendimento, a MRP Internacional e a Even Construtora e Incorporadora serão responsáveis pela construção das cinco torres de até 50 andares cada, em um terreno de 32 mil metros quadrados.

Foi através dessas notícias que os moradores da Ocupação Quilombo das Guerreiras ficaram sabendo que supostamente em cerca de seis meses já não teriam sua moradia. Ocupando, há seis anos, parte do terreno para onde está prevista a construção das Trump Towers Rio, está a Ocupação Quilombo das Guerreiras. Seu coletivo, composto por cerca de 50 famílias, ocupou em 2006 o antigo prédio de engenharia da Cia Docas, abandonado há mais de vinte anos. Com muita luta e determinação, os moradores limparam e organizaram o prédio, formaram seus apartamentos e vêm mantendo coletivamente um espaço de moradia popular que é referência de organização nas ocupações urbanas do Rio de Janeiro.

Para manter a organização e funcionamento da ocupação, são feitas regularmente assembleias em que um morador de cada família, pelo menos, deve estar presente. As questões a serem discutidas são trazidas pelos moradores e todos têm seu espaço de fala. As decisões são tomadas coletivamente e comissões de trabalho são eleitas para cuidar de tarefas específicas. Todos os moradores participam de alguma forma para manter o prédio e suas atividades. A Quilombo das Guerreiras promove, todo ano, dois eventos marcantes: uma festa junina [festas dos santos populares] com música ao vivo, barraquinhas de jogos juninos e comidas; e a festa de aniversário da ocupação, com música, comidas preparadas pelos moradores e exibição de fotos. Outros eventos também são organizados ao longo do ano, como encontros de diferentes grupos e projetos, reuniões e churrascos.

Desde que a ocupação se estabeleceu, atividades com as crianças e adolescentes que lá moram são feitas semanalmente. Apoiadores da ocupação vêm promovendo atividades variadas, trabalhando com música, artes plásticas, literatura, cinema, criação e confecção de jogos e brinquedos. Há também passeios mensais para museus, exposições, mostras culturais e espaços de convivência diversos. As crianças organizaram um grande armário onde guardam brinquedos, jogos, bicicletas e materiais coletivos, os quais usam toda semana. Contam também com uma sala conhecida como a “escolinha”, organizada por uma moradora, onde são realizadas atividades pedagógicas. Os adolescentes começaram a produção de um documentário sobre a Quilombo das Guerreiras e utilizam a biblioteca da ocupação como espaço de trabalho.

Além disso, tem havido, ao longo desses anos, algumas experiências de grupos de reforço escolar compostos por apoiadores da Quilombo, que auxiliam as crianças e os adolescentes e os ajudam a estudar para provas e concursos. Já houve também outras atividades de leitura para as crianças, educação de jovens e adultos e oficinas de Teatro do Oprimido.

Em 2010, uma moradora junto com uma escultora que apoia a ocupação começaram uma horta urbana agroecológica no terreno da Quilombo das Guerreiras. O trabalho foi desenvolvido com crianças e alguns adolescentes que moram na ocupação. Foram feitos mutirões [trabalhos colectivos voluntários] abertos de limpeza da terra, construção de canteiros, compostagem e plantio. O desafio é grande pelo fato de a horta se localizar na parte externa do térreo [rés-do-chão], que fica bem em frente à Av. Francisco Bicalho, via movimentada que traz muito lixo e sujeira e por isso exige uma manutenção constante da horta. Mesmo assim, ela vingou e já se colheu uma quantidade razoável de frutos, incluindo tomates, abóboras, ervas e temperos, entre outros.

A horta agroecológica da Quilombo já sofre com as obras para a construção das Trump Towers. Sem que tenha havido qualquer tipo de notificação oficial de despejo, obras já começaram a ser feitas na rua em frente ao prédio, com a quebra da calçada e reforma das tubulações, dificultando o acesso à ocupação. Os equipamentos – tratores, areia – estão sendo guardados dentro do terreno da Quilombo, onde agora fica um segurança da empresa que faz a obra. Os enormes montes de areia prejudicam a horta, que a qualquer momento está prevista para ser destruída, com o começo das obras no espaço interno da Quilombo das Guerreiras.

Remoções e despejos como o previsto para a Ocupação Quilombo das Guerreiras estão, de alguns anos para cá, tornando-se cada vez mais frequentes na cidade do Rio de Janeiro. Com a prerrogativa da preparação para receber a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, a Prefeitura tem passado por cima de pessoas e comunidades inteiras (como no Morro da Providência, na Vila Autódromo…) para atingir seu objetivo de renovação da cidade com vias expressas, hotéis de luxo, estacionamentos, campo de golf, centros comerciais e empresariais. A zona portuária tornou-se uma  localidade extremamente visada e tem seu próprio projeto encaminhado: o Porto Maravilha. O objetivo desse projeto é ‘valorizar’ a área através de um processo de gentrificação intenso, no qual a população “indesejada” que lá reside – trabalhadores de baixa renda, pessoas em situação de rua – vem sendo  sistematicamente removida de forma que a área fique “livre” e “segura” para a especulação imobiliária. Os imóveis já têm tido seus preços aumentados, impossibilitando que as camadas que tradicionalmente ocuparam tal espaço continuem a fazê-lo, sendo empurradas para longe do centro da cidade onde, além de oportunidades de trabalho e acesso a serviços, está guardada toda uma memória, histórias de vida construídas.

No processo de planejamento da cidade, os cidadãos nunca foram consultados e têm suas vozes continuamente ignoradas e silenciadas. Com a Ocupação Quilombo das Guerreiras não é diferente. Mais de dois meses após o anúncio da construção das Trump Towers Rio, vive-se um clima de incerteza e apreensão, não havendo nenhum comunicado oficial por parte das autoridades. Os moradores têm seu futuro em suspenso. Há três anos, foi criado um projeto para realocação da Quilombo das Guerreiras e de outras famílias para um novo local, nomeado “Quilombo da Gamboa”. Os futuros moradores têm-se reunido mensalmente e já vêm organizando-se desde o princípio; no entanto, o projeto em si nem sequer saiu do papel, enveredando-se pelas vias burocráticas, e não há previsão para o início das obras. Enquanto, na mesma zona portuária, obras que são do interesse de grandes detentores do poder econômico já estão bem encaminhadas ou concluídas, esta da Quilombo da Gamboa, que diz respeito à necessidade primária de moradia e que é de interesse popular, permanece boiando num mar de indefinição.

A essa altura, o que as pessoas podem fazer é denunciar a arbitrariedade das políticas de planejamento urbano e remoção, afirmar e reivindicar seu lugar e contar sua história. Os moradores da Ocupação Quilombo das Guerreiras não aceitam que se passe por cima de seis anos de história, construção popular autônoma e luta pelo direito à moradia. Os governantes e megaempresários nacionais e internacionais fazem questão de ignorar a vida e história desses e tantos outros trabalhadores que vêm batalhando pelo direito à cidade e para que esta seja um espaço mais justo. A população, porém, precisa saber de histórias como a da Ocupação Quilombo das Guerreiras e dar-se conta de que é possível organizar-se e coletivamente fazer, a cada dia, a verdadeira revitalização da cidade.

Dia 9 de março, a partir das 15h, a Quilombo abre suas portas para o evento Abraço à Ocupação Quilombo das Guerreiras. Venham todos conhecer um pouco da história dessa ocupação, com direito a shows, exposição de fotos e lançamento de curta metragem.

Av. Francisco Bicalho, nº 49.

Veja mais aqui.

 

3 COMENTÁRIOS

  1. a luta é árdua, mas quando a vitória chega, ela nos faz flutuar de prazer e satisfação!

  2. Texto muito elucidativo e que denuncia, de forma veemente, o absurdo a que estamos sujeitos nas mãos destes governantes que só visam o interesse próprio e dos seus comparsas!

  3. SARAVÁ! Malungas quilombolas guerrilheiras: incansáveis e futuríveis – UTOPIA aqui&agora = EREHWON. AXÉ!

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