Por Aliado D.
Semana passada os funcionários fizeram reuniões de unidades que foram decisivas no processo de avaliação da força da greve e capacidade de mobilização. Infelizmente, a constatação era de que, fora daqueles que estavam em greve de “pijama”, havia poucos participando efetivamente e a mobilização decrescia (mesmo lembrando que não temos férias no meio do ano como os alunos) e setores diversos estavam a retornar, como unidades do interior e diversas unidades estratégicas como a Reitoria.
Apesar disto, um setor parado em greve de pijamas era fundamental, que eram dois setores da Reitoria. Uma das nossas últimas formas de pressão, além dos piquetes, que tiveram intervenção policial no contexto do recuo de diversas unidades, como o indicativo de saída de greve do Fórum das Seis, dos funcionários e professores da UNICAMP e diversas unidades da UNESP.
Os professores já acenavam sair e estávamos com um problema, pois sem mobilização não se garante algo que todo mundo acha que é automático e não é: o acordo de não cortar dias parados e não punição aos grevistas. Isto é sempre decidido em acordo de fim de greve.
Se não tivermos como fazer pressão, isto pesa contra os funcionários e no passado houve greves com corte de ponto, o que causa um impacto enorme, pois eles punem não somente os trabalhadores em greve com o corte, mas todos sem distinção, o que rompe o movimento grevista entre os funcionários para próximas lutas e resistências. E ao final, quando se declara o corte dos dias parados, em nosso caso 60, cortam-se principalmente unidades que não são de ensino, como Prefeitura e Reitoria, dividindo os trabalhadores entre si. Sobraria, caso não houvesse este acordo, um recurso de última instância como Guerra Santa desesperada sem perspectiva, pois de 60 dias a 90 não há muita diferença.
Isto pesou na avaliação, além do fato de não termos conseguido sequer colocar o Brandão em uma reunião de negociação na reitoria, mesmo em nosso melhor momento de mobilização, pois ao final tivemos de dar conta do refluxo do movimento de parte de professores e estudantes, que só se mobilizaram contra a polícia. E, no contexto onde esta aparecia mais no campus, dado o contexto da negociação, estes pareciam também retroceder, como as assembléias que diminuem, etc.
A pauta de readmissão do Brandão continuava de pouca assimilação entre estudantes e professores e, mesmo, muitos funcionários, até participantes do movimento de greve. Neste caso, os boatos eram mantidos, como o de tentativa de estupro e outros mais, sem que ninguém se interessasse em ver os processos, e mesmo dizendo que a própria juíza que o reintegrou teria voltado atrás, o que não é verdade. Notávamos, ao final, que muitos dos funcionários estavam ligados à questão salarial e da maioria da base que permanecia em greve; assim que a Reitoria assinalou aumento, sofremos pressão da categoria pelo retorno.
O Brandão assinalou para a continuidade de sua luta juridicamente, agora com apoio do juiz do trabalho Souto Maior, levando seu processo ao Supremo, onde acreditavam haver mais chances do que em São Paulo, pois aqui o judiciário é dominado pelos irmãos Marrey. Um Secretário de Justiça, um dos manda-chuvas do Ministério Público, e outro advogado das corporações e empresas privadas que se tornaram corporações em São Paulo; este último muito amigo do candidato a reitor João Grandino Rodas, diretor da Faculdade de Direito que, a mando de Fernando Henrique Cardoso, transformou o CADE em balcão de negócios, seja para as privatizações, seja para ajudar as empresas que se tornaram corporações, como a Abril, empresa do setor de comunicação, dona da MTV e da Veja, a abrir seu capital e financiarem suas dívidas com a elite venezuelana antichavista e as empresas de comunicação sul-africanas que lideravam o apartheid na África do Sul. Enfim, ele não é bem amado em São Paulo desde a ocupação da reitoria.
Mesmo assim, o Brandão teve uma liminar favorável contra seu processo bizarríssimo, em que defendeu os funcionários da FAU contra o diretor na época e os funcionários terceirizados, que são considerados em seu processo pela Universidade, interesse externo à Universidade e ao sindicato. Seu processo é estritamente político e um funcionário o pôs claramente à reitora que, caso fosse apenas uma questão jurídica, esta poderia não recorrer no momento em que o Brandão foi readmitido – e contávamos com isto para poder levá-lo à reunião de negociação como funcionário.
Tal liminar foi cassada em tempo recorde, mesmo com pouquíssimos funcionários da Reitoria e, da parte do comando, mesmo velhas desavenças entre funcionários mais mobilizados de diversas correntes políticas se desfizeram, segundo Brandão; fizemos o que podíamos após 35 dias de greve sozinhos e mais 30 com outros setores que entraram por outra pauta, a saída da PM num momento absolutamente desfavorável em termos de outras lutas e em termos de “opinião pública”, que dificilmente em outros momentos toleraria como hoje tolera a ação da polícia contra nós.
Foi terrível constatar esta hostilidade até entre estudantes. Nunca antes tinha havido manifestações de estudantes organizados de direita, que agora se manifestavam publicamente contra nós. Coisa do movimento estudantil que reverberava em nosso movimento.
O aceno da regularização das quase 1200 vagas irregulares, com risco de demissão, também gerou outro processo de refluxo, assim como outra de nossas questões principais, como o plano de carreira, que transformaria os funcionários submetendo-os a uma ideologia privatista, com o título genérico de gestor privatizando todas as funções de “básicos”, como motoristas e outros funcionários, que seriam substituídos por terceirizados. Condição de ausência total de direitos e de desincumbência da Universidade com seu bem-estar.
No entanto, os estudantes continuam em greve, mesmo que as assembléias estejam esvaziadas e os cursos efetivamente estejam seguindo sua rotina de outras formas. Espero que consigam avançar, apesar deste formato, em alguma coisa.
Se houvesse uma mobilização massiva dos estudantes, como em outras vezes, tudo seria diferente, é claro. A última vez que houve uma greve só de funcionários foi nos anos 80 e também teve, apesar do contexto, um fim estranho. Mas, como dizia Engels sobre a classe operária inglesa, todas as greves terminam derrotadas, o que mais podem fazer é criar a mínima consciência de classe para além do trabalho de Sísifo da luta sindical. E isto observamos.
Sobrou a nós nos organizarmos, transformando o comando de greve num comando de autodefesa e mobilização, funcionando com os representantes de unidades. Vejamos o que acontecerá e se conseguiremos encaminhar, desta vez, repostas inclusive às sindicâncias, sem ignorá-las, pois podem abrir brechas, como no caso do Brandão. À parte isto, a Polícia Civil voltou a chamar estudantes a depor e consta que também haverá funcionários chamados por causa da ocupação, além de crermos que por causa desta greve também.
Sentimos todos o gosto amargo na boca da derrota, mas sabemos que avançamos mais que outras categorias de trabalhadores, que só conseguiram manifestações mais fracas. Do mesmo modo, sofremos como todos os movimentos populares em luta a repressão do interdito proibitório, que atinge a todos e atinge ainda outras formas de mobilização de sindicatos e movimentos sociais, pois antecede a própria mobilização. O interdito funciona como um mandato de reintegração de posse preventivo, pressupondo a intenção de ocupar ou agir, que começou com os bancários. Tentaremos manter contatos com outras lutas num vínculo mais orgânico e fazer o Sintusp [Sindicato dos Trabalhadores da USP] voltar a participar inclusive de ações com os movimentos sociais, como sempre fez.
E sobre democracia na Universidade, tentaremos avançar no debate com as outras categorias. Não sabemos como conseguir avançar sozinhos com isto. No máximo, conseguimos pautar. Mas o quanto isto avança depende de outros fatores, como bem sabem os estudantes independentes, que o tentaram após a ocupação. Além disto, depende de um grupo muito maior para mudar a Universidade. Afinal, a Universidade está inserida numa sociedade em franco processo de direitização: conseguiria ela força, estrutura e sentido para se tornar uma comuna das três categorias? Como isto seria construído ou imposto, como parecem fazer crer os setores mais radicais?
Haverá uma plenária das três categorias para encaminhar estas coisas como projeto, e agora acho que o apoio dos trabalhadores nesta pauta será algo mais dinâmico e efetivo do que o Quinto Congresso da USP, que naufragou ao não conseguir liberar os trabalhadores para a participação, como as outras três categorias, gerando o celeuma inicial. Espero que desta vez esteja também pautado que parte do projeto desta Universidade passa pelos trabalhadores.
Talvez o importante no momento seja mantermos reuniões de funcionários das unidades, como na FFLCH [Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas], com 120 funcionários (num universo de 350), num período imediatamente posterior à greve; assim como o comando de ontem foi bem cheio quando se transformou no comando de autodefesa e mobilização com uma renovação de gente, esperando que a luta vá para muito além dos cdbistas (conselhos de base), gente “firmeza” que dá pra fazer muita coisa junto, esperamos. Deste modo mantêm certa estrutura de conselho, mesmo para problemas do cotidiano. Cogita-se talvez o início de um processo de formação política com o pessoal novo, para que não se perca, com início em breve.
Neste sistema de conselho ativo, talvez se mantenha um processo de mobilização e lutas com outras categorias. Do mesmo modo, ações acontecerão e Paraisópolis ainda sofre com as reintegrações de posse que querem transformá-la em uma nova “Água Espraiada”, com derrubada das casas para se construírem edifícios de luxo e comerciais.
A luta está aí, a tropeções, mas não diria que os representantes de unidades, cdbistas e sindicato, que construíram a greve, a traíram. Um impulso mais heróico poderia talvez ter origem com aqueles que são menos susceptíveis a ameaças, como estudantes e professores. Mas como vemos, hoje, mesmo a USP pode ser atacada pela polícia como outro lugar qualquer, acabando sua aura de sagrada terra de conhecimento, que é o que acontece com o progressivo sucateamento do trabalho, mesmo especializado, e da educação.
Mas houve momentos heróicos, como quando decide-se participar dos piquetes no próximo dia, às 5h30 da manhã, mesmo sabendo do risco de todos serem presos, conforme ameaça do comandante. Talvez um último esforço fosse possível? Cabe avaliar, apesar do que sinalizou Brandão e outros colegas de valor neste momento, além do fato de que termos assumido o papel de representar as unidades e de encaminhar suas demandas.
Que outro processo se inicie, para os funcionários, para além deste ciclo que se utilizou da ferramenta da greve. Mas, pode-se perguntar, há outras? Como manter a construção de movimento em luta na criação de poder popular? Uma única categoria em luta, ou mesmo de algumas unidades pode se sustentar para impor o que precisa?
Eis outra questão importante que temos para responder. E que agora é passada aos estudantes, que, espera-se, possam respondê-la na luta.
Ilustrações: duas esculturas de Constantin Brancusi.
É necessário acrescentar uma coisa:
Um informe estritamente derrotista só ajuda à burocracia e serve para desmobilizar, por isso é tão divulgado por aí.
A regularização das 1200 vagas que foram anuladas começaram sendo negadas pela reitoria como se fosse uma acusação infundada para mobilizar. Depois admitiu-se o que ocorria, quando levaram o processo para a regularização, como em momento anterior, esta parte do projeto havia sido vetada pelo governador, também esta questão foi fruto da greve, mas será necessário acompanhar mobilizado.
Sem mobilização, nada do que se ganha de um acordo de fim de greve é atendido, este é um dos problemas dos grupos radicais que desaparecem nesta hora. Muitos dos que trabalham em gera uma imagem de mobilização radical não constroem movimento, preferem assembléias esvaziadas para passar suas proposta e se os estudantes não os seguem, os estudantes é que são pelegos.
E isto porquê enxergam a estrutura vertical com a qual se organizam em tudo, então, se as pessoas fazem algo, é porquêa direção as conduz a isto. Se eles acabam com a direção e tentam impor suas pautas, então, para eles, a base deveria acompanhar suas direções.
Quando o movimento arrefece, eles jamais admitirão. Então eles passam a denunciar, procurarão algo para gerar tencionamento e vão embora, só reaparecendo na próxima mobilização.
Isto faz com que as coisas que são conquistadas não se materializem levando à próxima etapa de denúncias que se segue, e se possível, atrapalharão. Sempre ganhando alguns novos militantes e gerando publicidade para o movimento, que muitas vezes possui pautas eleitorais. Se falou em trabalho de sísifo, de subida e descida, também tem um no movimento estudantil.
E outra coisa, reposições salariais são importantes, mesmo que seja apenas de 80 reais no VR, que juntas com os 6 % vão acima da inflação, que é mais que qualquer outra categoria tenha conseguido este ano, assim como reposição de dias parados, não acho assim qualquer coisa.
Já a pauta política tem de vir da luta política. Dá pra pensar que todos os estudantes e funcionários estão na luta com o mínimo de consciência política e se ela cresceu com a luta ?
Se saiu com mais que entrou é uma derrota ?