Polícia disparou bombas de gás lacrimogênio em Salvador

 Por Passa Palavra

Hoje (22 de junho) foi um dia muito ruim para as manifestações em Salvador. Um desencontro de informações provocado, em parte, pela falta de articulação dos organizadores dos atos e, de outra, pela ação intencional dos meios de comunicação, provocou o esvaziamento das ruas. Enquanto nas redes sociais muitos eventos eram cancelados e confirmados durante a semana, para vários locais diferentes e horários distintos, as redes oficiais de comunicação anunciavam a todo momento que não haveria mais manifestação hoje, pois o Movimento Passa Livre (MPL) [*] a havia cancelado.

Além disso, boa parte daqueles que mesmo assim resolveram somar-se a algum ato se deparou com um forte aparato policial nas ruas, intimidando a todos. Manifestantes, ou pessoas que parecessem com um para a polícia, eram fotografados, seguidos e revistados em diversos pontos da cidade. Para piorar, muitos boatos de que hoje a repressão seria ainda maior do que a que caiu sobre a manifestação de quinta-feira passavam de boca em boca. Foi inclusive com base nesse medo que as diversas organizações da esquerda combinaram, no dia anterior, um trajeto que causasse o menor transtorno possível ao evento da Copa das Confederações, que aconteceria na cidade.

Aliás, foi por causa deste evento, o jogo entre Brasil e Itália, que as manifestações espontaneamente foram convocadas para o dia de hoje e, também por causa dele, as ruas estavam vazias. De fato, a caminho de um dos pontos marcado para ter ato no dia de hoje, o mais próximo do estádio onde aconteceria o jogo, as pessoas vestiam novamente verde e amarelo, mas era indo em direção à Fonte Nova para assistir à partida de logo mais, e não para protestar. O jogo, pela primeira vez, mobilizou mais do que as ruas.

Por último, e não duvidamos que tenham mais justificativas do que estas já apresentadas, é este o período do ano em que a cidade de Salvador se encontra mais vazia, pois muitos viajam para o interior do estado para participar dos festejos juninos. Este conjunto de fatores ajudou em muito para que não mais do que três mil pessoas se encontrassem no Campo Grande com o intuito de protestar. Em outros pontos da cidade, um número ainda menor de pessoas se reuniu. Um contrate enorme se comparado aos mais de 30 mil que tomaram as ruas na quinta-feira.

Com as ruas vazias, o campo estava pronto para a esquerda mais tradicional fazer o que mais gosta: marcar terreno e se perder entre gincanas colegiais. Entre os manifestantes que compareceram ao Campo Grande, a grande maioria era formada por militantes de organizações políticas tradicionais, partidos e sindicatos, e outra parte tinha um caráter mais libertário, principalmente anarquistas. No meio disto tudo, as pessoas e grupos que organizavam a coluna da Tarifa Zero.

Sem chegar a nenhum consenso sobre qual trajeto seguir, um bloco formado por militantes da Consulta Popular, PT e PCdoB seguiu pelas ruas vazias da cidade, bem na hora do jogo, em direção ao Iguatemi. Eram cerca de quinhentas pessoas, mas ao longo do trajeto muitos outros se agregaram e um número aproximado de cinco mil conseguiu chegar ao destino final. Muitas pessoas que estavam receosas da ação violenta policial se sentiram à vontade e somaram-se à coluna governista, que foi ganhando caráter mais popular.

A coluna governista tinha muito a comemorar. Estavam satisfeitos com o pronunciamento da presidenta na noite anterior e decretavam ali a vitória das mobilizações, esquecendo-se de que estas manifestações eram, em sua maior parte, contra os governos que eles defendiam e que a polícia que bateu na quinta-feira era controlada também pelo governo que eles sustentavam. No dia anterior, em um dos muitos espaços que foi construído para definir o caráter das mobilizações, qualquer proposta de roteiro diferente daquele já determinado pelo bloco governista era vista com muito receio. E o fato de a polícia ter acompanhado esta coluna até o seu final, bloqueando as ruas, determinando o ritmo e o percurso, somou-se aos rumores de que o Governo do estado é que havia pré-definido tudo. Os próprios militantes dos partidos ajudavam a polícia a faziam barreiras de contenção para que parte dos manifestantes não se desgarrassem do roteiro e seguissem à revelia, rumo às ruas de acesso ao estádio.

O ato chegou ao seu destino no mesmo momento que o jogo terminava na Fonte Nova, quando a cidade voltaria a ter um fluxo intenso de pessoas e automóveis, e por isso não causou transtorno algum à cidade. Entretanto, e estranhamente, a polícia resolveu dispersar os que ali estavam com bombas, mesmo após o ato de cantarem o hino nacional. Até este momento, ninguém encontrou um motivo, por mais banal que seja, que justificasse a ação da polícia. Os que correram para dentro de um shopping próximo foram presos por invasão de propriedade.

Já na outra coluna, que partiu com um número igual (quinhentas pessoas), mas que não agregou quase mais ninguém, partiu em direção à Fonte Nova, para o confronto direto com um número de policiais, maior do que eles. O resultado era óbvio: bombas, prisões, muitas agressões e perseguições pelas ruas da cidade. Até o momento que escrevemos este artigo, advogados que apoiam as manifestações estão tentando libertar os que ainda se encontram presos. São aproximadamente trinta detidos, a maioria acusada de desacato, dano ao patrimônio e invasão de propriedade. Pessoas das duas marchas foram presas.

Entretanto, muitos outros sequer saíram do Campo Grande. Avaliaram que era suicídio enfrentar a repressão policial com aquele reduzido número de pessoas, mas também não havia sentido algum em se juntar a uma marcha dirigida pelos setores governistas. Entre eles estavam o coletivo que pauta o Tarifa Zero, grupos ligados à refundação do MPL e alguns outros agrupamentos da esquerda. Somente os advogados destacados para apoiar este pessoal seguiram junto às duas outras colunas, em solidariedade. Em breve avaliação, estes setores decidiram construir os próximos atos.

***

Apesar disto tudo, é importante, neste ponto, tentar avaliar um pouco o que se passa em Salvador. A primeira coisa é que o esvaziamento de hoje não pode, de forma alguma, ser parâmetro para medir o calor das lutas na cidade. Somente na semana que vem, com a volta da vida cotidiana, é que saberemos o sentimento das maiorias. Se não houver mais uma vez desencontro de informações, será a quantidade de pessoas e, principalmente, as pautas que elas trouxerem para as ruas que irão definir os próximos embates.

A segunda é que, diferentemente de muitas outras cidades, o ato anterior (quinta-feira) não teve caráter conservador. Claro que muitas pessoas vieram ao ato com as pautas mais variadas e muitas delas de teor moralista ou patriótico. Porém, as palavras de ordem mais fortes foram aquelas que focaram no transporte urbano. As pessoas se agregavam a todos aqueles que colocaram de forma objetiva esta questão e foram juntas até o local em que a polícia provocou o confronto.

Além disso, em nenhum momento as pessoas que se enfrentaram com a polícia eram oriundas de grupos originalmente conservadores. Eram visivelmente meninos e meninas negras da periferia que explodiam ali a sua raiva. Além das músicas em torno do passe livre e da Copa, não se cantavam muitas outras coisas. É verdade que os militantes dos partidos políticos não vestiram suas camisas nem levantaram suas bandeiras, assim não se pode avaliar com maior precisão a força do sentimento antipartido, nem para quais partidos essa revolta será direcionada, mas os grupos sociais que geralmente potencializam o antipartidarismo em geral, e o anti-esquerdismo em particular, não conseguiram dar voz às ruas nem toparam o confronto com a polícia. Sequer os gritos de “sem violência” ou “sem partidos” eram ouvidos com muita frequência e força. O medo que tomou conta da esquerda, pelo menos em Salvador, não encontra sustentação.

Por isto, o que colocamos aqui servirá de argumento para rebater a tese dos setores governistas que se desenha: a de que devemos sair das ruas, pois Dilma já assumiu o compromisso de atender às reivindicações e que qualquer mobilização que se construa agora será reforço do golpe institucional da direita.

Nota

[*] O núcleo do MPL de Salvador estava desativado e vem tentando se reerguer durante este processo de lutas, mas não tomou a frente das mobilizações. Portanto, não existe MPL em Salvador, apesar de que por aqui, e provavelmente em muitos outros locais, MPL passou a ser o nome dado a todas as manifestações de rua.

6 COMENTÁRIOS

  1. texto muito canhestro. Percebe-se pela quantidade de parágrafos destinados à dita “coluna governista” em comparação com o único parágrafo destinado à outra coluna.
    Como assim os governistas tinha muito a comemorar? isso é seu sentimento, n o q se passou. Em nenhum momento vi essa comemoração ou coisa do tipo. os gritos eram pautados pelo passe livre/redução da tarifa e pelos 10% do pib à educação. Pauta de esquerda. Enquanto grupos com tendencias conservadoras por vezes emplacavam o grito contra PEC 37, contra à corrupção, dentre outros itens da pauta conservadora q a mídia doutrina, apesar de na maioria das vezes serem abafados pelos gritos q citei ligados À esquerda.
    Quanto aos q foram na outra coluna, o desencadear dos fatos mostrou a irresponsabilidade deles, q desde o início pautaram a tentativa de impedir o jogo, o q claramente se via q seria motivo para massacre pela PM. A “coluna governista” acertou em evitar ir em direção à fonte nova, pq a manifestação de quinta-feira já tinha mostrado no q isso resultava: massacre promovido pela polícia armada e treinada contra manifestantes q estavam indo às ruas pela primeira vez, sem noção algum de manifestação, quanto mais de enfrentamento das forças do Estado e sem acúmulo algum no final das contas. Aí vc sugere um peleguismo na marcha em outro sentido, faça-me o favor…
    Este texto me parece mais uma adequação da realidade aos entendimentos e anseios de quem escreveu do que qualquer outra coisa. O autor acerta em alguns pontos, como no perigo de governistas reduzirem as coisas a um pouco provável golpe à direita, mas ele mesmo incorre no erro de reduzir uma manifestação onde eu, que estive nela (no entender do autor, em meio aos governistas), vi pautas conservadoras tentarem ecoar e sem muita dificuldade pode-se ver no youtube ou vídeos no facebook, gente puxando gritos de ordem de pauta de direita, mas q para o autor era apenas uma marcha comemorativa dos “governistas”

  2. Olá, gostei do seu texto e da sua análise. Ontem estava com o pessoal indo pra o Iguatemi, mas não sou petista ou “governista”. Aliás nem sabia q os ali estavam eram. Até porque tinham vários cartazes criticando o PT. E você, autor do seu texto, qual a sua bandeira? Fiquei curiosa porque não tem identificação de quem escreveu.

  3. Manoela,
    A autoria do artigo está claramente indicada, somos nós, o coletivo Passa Palavra. A nossa posição política está explícita nos documentos do quem somos, em cima, na coluna da direita.

  4. Concordo com Camilo, não foi exatamente isso o que aconteceu. Não houve “comemoração governista”. É preciso separar o governismo (que existe e vem tentando desqualificar as mobilizações desde o começo) dos militantes da base do PT e de outros partidos de esquerda, tanto os que estão no governo quanto os que estão na oposição, que estão na rua defendendo as pautas do transporte público e outras pautas de esquerda. É preciso pensar além de Salvador e entender que tentar ir sozinho agora é se colocar à mercê de uma tomada direitista das manifestações. Não é só no eixo Rio-São Paulo. Lá o fascismo é mais explícito, por conta dos carecas e da força do PSDB. Mas tenho conversado com gente em todos os pontos do Brasil e a situação de uma tomada direitista é a mesma. Em que pese o esvaziamento, a manifestação de Salvador foi vitoriosa em levar para as ruas uma pauta nitidamente de esquerda.

  5. Golpe da direita pra que?

    Os caras lucram horrores com a superexploração dos trabalhadores daqui ajudados pela política conciliadora praticada pelo Partido dos Trabalhadores.

    Qual temor que se pode ter diante do governo federal controlado pelo PT, ou ainda, diante das organizações de massa ligadas ao PT como MST e CUT?

    Falar em golpe serve para evitar ou se poupar das críticas à esquerda.

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