Por Sybille Ariano
Pouco tenho escutado sobre este projeto que vem sendo discutido desde 1999 por países da União Européia. Os levantes na Grécia, as greves na França e na Alemanha despertaram meu interesse. Fui a busca de mais informações. Curiosamente, descobri que pouquíssimos estudantes e professores sabem o que isso significa. Não sabem a que pé está a discussão e muito menos os parâmetros de elaboração do projeto, a grande maioria não sabe “O que é o processo de Bolonha”.
Não pretendo, no entanto, explicar detalhadamente o processo. Para tanto, indico a leitura do texto “Declaração de Bolonha” e da avaliação feita por professores de universidades portuguesas e brasileiras, presente no link.
Gostaria apenas de propor uma rápida reflexão:
A declaração de Bolonha, elaborada em 1999 por 28 países da União Européia e hoje já assinada por 45 países entre membros e não membros, está prevista para ficar totalmente implantada em 2010. Um projeto claramente voltado para o mercado, sem tentativa de mascaramento ou sutilezas no texto, definindo-se como “chave para promover a mobilidade e empregabilidade dos cidadãos”.
* *
Mas afinal, qual a relevância deste projeto para o conceito de universidade pública e como irá interferir no modelo de universidade pública brasileiro?
* *
O processo se caracteriza como uma política pública que irá unificar o sistema educacional dos países participantes. Criando um sistema homogêneo que visa as necessidades do mercado, tendo como foco principal o modelo norte-americano. As conferências que vêm sendo realizadas desde 1999 estão definindo o caráter do sistema, podendo ser equiparado ao modelo de empresas transnacionais; convergir o sistema educacional para divergir no mercado dentro das diferentes realidades nacionais, criando maior competitividade.
O histórico de construção das universidades européias – luta de cada país pela elaboração de projetos educacionais levando em conta as especificidades culturais – será demolido por um projeto unificado que terá como fio condutor a superação da hegemonia norte-americana. Para competir, o mercado exige competidores equivalentes, é um grande investimento da União Européia: reproduzir a lógica liberal norte-americana em um modelo unificado, potencializando esta característica com a implantação deste modelo em vários países, usando este grande bloco para formar profissionais tecnicistas e derrubar a atual hegemonia norte-americana, tornando-se hegemônica ela mesma.
Com isso, há uma distorção no conceito de ensino superior público; re-significar a função da universidade pública, sendo esta agora destinada a servir ao mercado, formando sujeitos competidores treinados para acumular capital. Além de realizar parcerias com fundações privadas e cobrar taxas elevadíssimas de mensalidade, tornando cada vez mais acentuada a elitização da universidade.
No Brasil, as políticas públicas são bastante influenciadas por modelos internacionais; a reforma universitária de 1968 teve como referência o modelo departamental norte-americano. Nos anos 1990, as reformas seguiram as referências liberais elaboradas pelo Banco Mundial. Hoje, projetos no ensino superior têm como referência o Processo de Bolonha. Um exemplo é o projeto da “Universidade Nova” da UFBA [Universidade Federal da Bahia], modelo que sofre influência explícita daquele a ser implantado na União Européia. Segundo a coordenadora de graduação Márcia Pontes,
“O modelo europeu proposto pelo Processo de Bolonha é outro que pode servir para enriquecer os debates brasileiros sobre a Universidade Nova […] Com esse projeto, possivelmente as instituições européias aumentarão sua competitividade e formarão melhor os egressos, com um currículo mais adaptado às exigências do mercado de trabalho. Além disso, estudantes e professores terão maior mobilidade entre as várias instituições do continente […]” (PONTES, M. apud BORGES, 2007).
No sudeste, o projeto Universidade Virtual do Estado de São Paulo (UNIVESP), elaborado com uma displicência que desrespeita o trabalho duro de professores e pesquisadores das áreas de Humanas e principalmente profissionais que trabalham com educação, é um projeto que indiretamente reproduz esta submissão ao mercado. Uma vez que tende a graduar profissionais seguindo um programa de conteúdo fraco, formando professores medíocres e dando continuidade à lógica da desigualdade social alimentada pela baixa qualidade no ensino médio público. Deixando a tão aclamada competitividade em um grau de imensa desvantagem para os de baixa renda.
Para discutir as questões relacionadas à universidade pública no Brasil é preciso olhar com atenção para o que está sendo feito nas universidades públicas na Europa e Estados Unidos. Principalmente para criar focos de resistência e não permitir que os passos sejam dados na direção deste discurso em prol do mercado. Lutar por qualidade e formação humana a partir da realidade em que estamos inseridos, combatendo a formação para competitividade. Competitividade esta que irá favorecer as elites e intensificar ainda mais as desigualdades sociais.