Ocupação Esperança: A reforma urbana e a cidade que queremos não cabem no “Minha Casa, Minha Vida”
Aquele que não conhece a verdade é simplesmente um ignorante,
mas aquele que a conhece e diz que é mentira, este é um criminoso.
Bertold Brecht
Não é de hoje que os trabalhadores Brasileiros – por conta de seus baixos salários – resolvem sua necessidade habitacional arranjando a vida entre a precariedade e a sobrevivência.
As ocupações, a autoconstrução, a ida para cada vez mais longe dos centros urbanos providos de infra-estrutura e serviços, o endividamento para conseguir o mínimo, enfim, mazelas mil que permeiam a tempos o cotidiano dos mais pobres deste país.
Muitas lutas foram realizadas, muitos movimentos sociais foram constituídos à partir delas, e, durante décadas, muitos foram os acúmulos políticos e teóricos produzidos em base ao enfrentamento na luta direta, na proposição de soluções, na construção de propostas e consignas que representassem os anseios que estas lutas buscavam responder.
O grande problema é que, três décadas depois do período em tivemos nosso mais importante momento de organização popular e sindical combativas, as organizações que provocaram a imaginação dos que desejavam sonhar com um modelo diferente de vida urbana capitularam ao projeto que termina numa pífia e teatral “participação popular”.
É impressionante como muitos governos elevaram ao centro das discussões sobre a cidade os conselhos municipais de habitação, a elaboração de planos diretores, os orçamentos participativos. Estes espaços ou instrumentos, ainda que tenham em sua origem lutas e buscas por um modelo mais democrático de gestão e mesmo de cidade, são hoje praticamente nulos. Foram esvaziados do conteúdo radical que os pariu e tornaram-se apenas instâncias de legitimação popular para os planos que acontecem – estes sim – em espaços que realmente definem a vida urbana. Os reais espaços de decisão não possuem nome nem formato, são encontros entre governantes e empresários, são negociatas entre construtoras, incorporadoras, bancos e políticos.
Os que propagam as mentiras de que estes são espaços por onde circula o novo mentem. Sabem das articulações de Cepac´s, operações urbanas, especulação imobiliária, corrupção, coronelismos na implementação municipal das políticas habitacionais e propagandismo vazio e cínico na construção da eleitoreira política nacional de habitação.
Sim, nós ocupamos!
Há quem diga da radicalidade deste ato e das tantas outras vias possíveis de diálogo. A estes respondemos: A radicalidade com que nossas vidas seguem sendo privatizadas, com que nossas comunidades tornam-se mercadoria para especuladores, com que nossos sonhos tornam-se propaganda eleitoreira, nos lançaram a uma situação em que a barganha mínima para nós é tudo.
A cidade que vivemos é injusta, desigual, com o medo desenhado em seus muros e grades, com o genocídio estampado nos quepes e fardas, com lindas famílias estampadas em jornais de venda de imóveis que se aconchegam debaixo de mendigos friorentos nas calçadas. A cidade que vivemos tem mais casas vazias que pessoas a procurar abrigo – e fecha os olhos. A cidade que vivemos fez da terra – símbolo da geração da vida – a mercadoria que simboliza a escravidão dos pobres. A cidade que vivemos transformou a palavra participativo em piada, a palavra violência em cotidiano, a palavra humano em carnes enlatadas no transporte público que engorda milionários.
Sim, nós ocupamos!
E dizemos em ações, que não queremos cercas, que não queremos medo, que não queremos grades, que não aceitaremos genocídios, que nos levantamos contra a venda de nossas vidas e sonhos.
Sim, nós ocupamos!
E dizemos aos nossos, da nossa classe, os que ainda não estão conosco; que venham, que somem, que fortaleçam, que redescubram seus direitos, sua força, seu poder. Que relembrem o que é sonhar, que se armem para lutar pelo sonhos então.
Sim, nós ocupamos!
E aos que nos governam – muitos dos quais já estiveram um dia também passando a noite sob lonas pretas – dizemos que a cidade que queremos, que a Reforma Urbana que necessitamos não se gera em gabinetes, reuniões e conferências; não! Se produz na luta, no embate, no confronto, na democracia direta e construção coletiva, no sonho da revolução, se produz na esperança – que nos move à luta mesmo em meio ao caos de fumaça de óleo diesel.
Sim, nós ocupamos!
E por querermos a lua, nossa ocupação é esperança!
Por uma cidade onde caibam todas as cidades!
Nas Lutas e Nas Ruas, eis de onde sai a Reforma Urbana que o povo precisa!
Helena Silvestre – Movimento Luta Popular