Num lugar de Lisboa, junto à Travessa da Luz, entre as casas de um bairro e parte nenhuma, há uma escultura feita por quatro alunas e um aluno da Escola Virgílio Ferreira, uma negra grávida, obra densa e bem implantada, melhor do que muitas que se vêem pela cidade. Chama-se Mãe África, e a Câmara [Prefeitura] teve a inusitada boa ideia de a colocar ali. Podia tê-la posto num lugar mais visível, mas é melhor do que nada. O material da escultura é precário e alguém lhe levou uma mão, com aquela propensão que caracteriza os lisboetas a quebrar as extremidades das estátuas femininas. De vez em quando partiam os dedos da senhora nua que um escultor dado ao simbolismo tacanho depositou nos braços de Eça de Queiroz. Mas essa era de pedra, seria mais difícil roubar-lhe a mão inteira, e agora substituíram-na por uma de bronze, para dificultar a vida aos fetichistas. A pouca distância da mulher negra sem mão, na esquina da Travessa com a Rua Conselheiro José Silvestre Ribeiro, alguém escreveu numa parede: «Um homem não tem país». Apátrida, meu irmão, que tão concisamente exprimiste o que alguns de nós andam há tanto tempo a dizer e que o fulano que foi para casa com a mão da estátua involuntariamente ilustrou. Passa Palavra