Muitos pulavam, outros passavam por baixo. Esta situação se prolongou por mais de uma hora e foi como se as catracas não existissem mais. Por Passa Palavra
Cerca de quinhentos manifestantes se concentraram na Candelária – região central do Rio de Janeiro – nessa terça-feira (28 de janeiro) por volta das 17h. Os motivos: contra o aumento das passagens das linhas intermunicipais; contra o já autorizado aumento na passagem dos trens, além de pressionar contra a intenção da Prefeitura de aumentar as passagens das linhas municipais.
O ato foi dinâmico, bonito. Uma bateria composta por militantes de diversos coletivos e com um grupo de palhaços fizeram a animação e mantiveram o ímpeto dos manifestantes. A polícia tentou impedir que os manifestantes chegassem até à Central do Brasil, mas foi inútil. Por volta das 19h o ato invadiu o saguão central daquela estação, símbolo da cidade.
Quando nos demos conta, manifestantes já pulavam catracas para ter acesso aos trens e a incentivar todos que ali estavam a fazerem o mesmo. As palavras de ordem “hoje é de graça”, “ei FIFA, paga minha tarifa” e “trabalhador não paga” eram entoadas por um número cada vez maior de pessoas; e as filas enormes que antes tinham como destino a bilheteria da Supervia, agora seguiam diretamente para as catracas, diminuindo o tempo de espera para embarcar.
Muitos pulavam, outros passavam por baixo. Idosos recebiam o auxilio dos manifestantes, outros se uniam à manifestação e, assim, a multidão que sofre todos os dias nos trens precarizados, apertados e encalorados voltou para as suas casas sem ter de pagar a tarifa. Essa situação se prolongou por mais de uma hora. Foi como se as catracas não mais existissem.
O ato se encerrou em frente à Central do Brasil com o grupo de palhaços encenando a vingança contra a catraca, que, como de praxe, termina com a já aguardada queima da catraca. A manifestação pegou as autoridades de surpresa e até onde pudemos acompanhar ninguém havia sido detido. Vimos, entretanto, mais uma aparição da classe para si, aquela que se conforma na junção de seus mais diversos setores em luta, por um novo modelo de mobilidade urbana.
Os leitores portugueses que não percebam certas expressões usadas no Brasil
e os leitores brasileiros que não entendam algumas expressões correntes em Portugal
dispõem aqui de um Glossário de gíria e termos idiomáticos.
Fotografias de Maurício Campos, Nova Democracia e Passa Palavra
Excelente! [aos editores: terça-feira foi dia 28 de janeiro, e não 29]
Esse é o primeiro ato do MPL (ou puxado pelo MPL) no Rio de Janeiro de que tenho conhecimento. Se realmente foi, começou muito bem!!! Luta direta também é praticar o Passe Livre – sem licença do Estado e das empresas.
Sobre isso, um trecho da reportagem do jornal Estado de São Paulo é puro combustível pra seguir nesse caminho:
“Algumas pessoas não entendiam o que estava acontecendo. Uma mulher chegou a perguntar ao major que comandava os policiais se podia mesmo passar sem pagar. “Aí é com a senhora”, respondeu o policial. Ela se afastou um pouco dele e pulou.”
http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,centenas-pulam-catracas-no-rio-em-ato-contra-aumento-das-passagens,1124082,0.htm
Só não captei (ou captei “excessivamente”) uma coisa: o título da matéria.
O que seria “começa pacífico”? (desde a perspectiva dos movimentos contra-hegemônicos, e não a da ordem dominante)
“Começa pacífico e termina em ______” é a estrutura básica de todas as manchetes e escaladas das matérias recentes sobre as manifestações no Brasil. Claro que no lugar de “catracaço” encontramos “depredação”, “violência”, “tumulto”, “vandalismo”.
Pensando nesse “aproveitamento” da estrutura, 1) ele gera um curto-circuito na expectativa de quem lê? Ele favorece um deslizamento semântico dos termos usados pela mídia corporativa, do abstrato e impopular “violência” para o concreto e potencialmente popular “catracaço”?
2) essa segunda consideração me remete à apropriação que os sans-culottes fizeram de uma das palavras de ordem dos jacobinos. No início da revolução os jacobinos trabalharam (desde o espaço das tribunas orais e impressas) variações diversas de “Pão e Liberdade”, que favorecia a abstração do item social “pão” pela proximidade com o item político “liberdade”. Alguns anos depois, no espaço das ruas, os sans-culottes começaram a trabalhar a palavra de ordem “Pão e Ferro” (armas), implicando numa referenciação mais concreta e autonomista, um desvirtuamento do dizer jacobino que produzia uma nova politização do social.
(essa análise foi feita por Jacques Guilhaumou e Denise Maldidier, e encontra-se em português no livro Gestos de Leitura, organizado por Eni Orlandi)
Se estamos disputando os sentidos de violência, tumulto, desordem, etc., estamos realmente fazendo algo estratégico, e algo que o PSTU (p.ex.) se absteve de fazer (ou fez errado) em sua polêmica com os Black Blocs.
Muito bonita a cena da população pulando a catraca!! Melhor do que parar o trânsito, queimar ônibus, etc. é fazer com que todos passem sem pagar. Nas próximas vezes que estas pessoas passarem pelas catracas elas se lembrarão deste dia em que passaram sem pagar…
Fica a contradição jogada para os metroviários e outras categorias do transporte que têm os sindicatos dirigidos pela CSP-Conlutas e que se recusam a liberar as catracas…
Este comentário de Giancarlo Sanguinetti recordou-me um facto que já mencionei noutros comentários. Em Lisboa, em Junho de 1968, durante o fascismo, os trabalhadores da Carris, ou seja, a empresa de transportes públicos da capital, fizeram uma greve que ficou conhecida como greve da mala. Os autocarros (ônibus) e os eléctricos (bondes) continuavam a circular, mas os cobradores recusavam-se a cobrar o bilhete (a passagem). Os passageiros viajavam gratuitamente, os transportes encheram a abarrotar e a Companhia Carris ficou seriamente atingida onde mais dói aos capitalistas. Esta greve durou dois dias, num regime em que as greves eram proibidas, em que eram proibido tanto o movimento sindical independente como todos os partidos e organizações opositores ao regime e em que os organizadores de greves e movimentações políticas eram presos e torturados. A repressão policial também se fez sentir neste caso, mas o governo cedeu e pressionou a administração da Carris a conceder aos trabalhadores um aumento salarial. Dois camaradas meus, um já falecido, estiveram envolvidos na organização desta greve. E note-se que na Carris os trabalhadores mais politizados eram os operários das oficinas, mas apesar de os cobradores serem menos politizados e terem de agir isolados, cada um num veículo, tiveram a coragem de estar no centro da luta e de resistir durante dois dias.
Mais ou menos na mesma época, mas não me lembro exactamente do ano, os médicos dos hospitais públicos, pelo menos em Lisboa, fizeram uma greve em que continuavam a atender os doentes mas não preenchiam os boletins administrativos relativos ao atendimento, que passava assim a ser gratuito. O alvo desta greve foi exclusivamente o Estado, através da administração hospitalar, e não os doentes.
Isto ocorreu em pleno fascismo, mas nunca se repetiram greves deste tipo na actual democracia portuguesa.
MPL fazendo manifestação no Rio de Janeiro… Sei não, hein?!
O ato de hoje no Rio de Janeiro teve algumas peculiaridades que eram previsíveis mas que convém “contar”:
A polícia estava extremamente mais bem preparada para agir com eficácia e planejadamente, de modo a desarticular os nossos grupos. Estavam também muito mais agressivos que no ano passado, distribuindo porrada etc sem o mínimo pudor. Houveram também duas fatalidades: uma bomba de efeito moral explodiu na cabeça de um jornalista, ele perdeu a orelha e foi levado sem pulso para o Hospital. Sobreviveu mas está em estado grave. Outro trabalhador, um camelô (vendedor) foi atropelado e um ônibus passou por cima de sua perna. A cena foi horrível e o senhor perdeu muito sangue; creio que sobreviveu, pois não vi notícias contrárias.
Estão tentando nos intimidar na expectativa de que não tenhamos coragem de manifestar durante a Copa. Era previsível, pois na final da Copa das Confederações também a ação da PM foi muito mais violenta que antes.
Reproduzo abaixo o depoimento de um camarada que estava na Central do Brasil quando a PM resolveu tacar o terror:
“No protesto de hoje, não acreditem em nenhuma narrativa que fale em “reação da polícia” ou “confronto”. O esmagamento da manifestação aconteceu quando já tinham sido isoladas a Central e a estação de Metrô, e os manifestantes simplesmente entoavam canções e gritos de protesto na praça. A concentração começou a aumentar porque chegava muita gente que buscava transporte. O que aconteceu, e eu vi de perto, foi um oficial da PM distribuindo cuidadosamente unidades com lançadores de bomba em posições-chave e, tudo montado, deu ordem de dispersão. Nesse momento foram lançados vários lençóis consecutivos de bombas de gás e efeito moral por sobre a aglomeração de gente (que incluía muitos passantes avulsos). As bombas passaram por cima da linha de frente e caíram atrás, onde as pessoas não esperavam e não estavam em posição de defender-se. Eu mesmo comentei, nesse exato instante, que era uma irresponsabilidade, porque as bombas vêm de cima e poderiam cair na cabeça de alguém desavisado. A partir daí, o choque avançou, provocando o caos, precipitando a desorganização do protesto, e aí passou a valer tudo, porque a multidão novamente foi desarticulada pelo próprio Estado.”