O Expresso Tiradentes, implementado na cidade de São Paulo, é apresentado atualmente, ao lado do metrô, como o que existe de mais moderno no transporte urbano. Resta-nos perguntar, o que acompanha tal projeto?
O Expresso consiste atualmente em uma via exclusiva de circulação do VLP (Veículo Leve sobre Pneus) que liga o Mercado Municipal, no centro de São Paulo, ao Sacomã, na região Sudeste. Cabe fazermos uma breve retrospectiva deste projeto, que já adentra à quarta gestão da prefeitura e já mudou de nome três vezes. O plano inicial incluía a construção de 170 km de vias suspensas, enquanto o projeto atual tem apenas 32 km, dos quais somente oito estão em funcionamento. Desde sua concepção, o projeto foi marcado pelo forte teor marqueteiro, tanto que foi o mote da campanha eleitoral que elegeu Celso Pitta [prefeito de São Paulo entre 1997 e 2000, teve sua gestão marcada por fortes escândalos de corrupção e pela duplicação da dívida municipal]. Lembremos que a gestão Pitta terminou completamente desmoralizada, o que fez as administrações posteriores tentarem recriar a nomenclatura do projeto – tanto para apropriar-se dele, como para desvinculá-lo da imagem de elefante branco – uma vez que foram gastos já R$ 675 milhões de reais e estão previstos mais R$ 650 milhões, totalizando R$ 80 milhões por quilômetro.
Em atividade há quase dois anos, o Expresso tem estações integradas com terminais de ônibus (municipais e intermunicipais), uma estação de metrô e uma de trem. Atualmente, após protestos, os usuários podem pegar os ônibus intermunicipais pagando a diferença entre as tarifas, o que significou uma economia no gasto diário de parte da população trabalhadora.
O Expresso Tiradentes tem como função o transporte massivo e veloz da força de trabalho. Como pode se imaginar (dado o trajeto) serve de linha alimentadora de outros pólos centrais do transporte na cidade. A maior parte dos usuários possui uma impressão sobre o Expresso que condiz com a propaganda institucional. Avaliam-no como rápido, eficiente e moderno. Realmente a estrutura do Expresso inclui elevadores, escadas rolantes, pequeno intervalo entre veículos, curto tempo de viagem entre os pontos terminais. Coisas pouco comuns no transporte coletivo brasileiro. A simples comparação com as estruturas de corredores de ônibus na cidade de São Paulo coloca o Expresso Tiradentes como uma exceção, e não como elemento da política de transporte que centralizou uma grande quantidade de recursos nos último doze anos.
Trata-se de uma política pública que permite a redução do tempo gasto diariamente no deslocamento de trabalhadores, que são obrigados a usar uma parcela (não paga) de seu tempo para se locomover até o trabalho. A redução nesta exploração não remunerada permite um melhor desempenho da força de trabalho, na medida em que diminui o cansaço físico e mental do trabalhador. O transporte de grandes contingentes de população em um tempo razoável ajuda o fluxo da economia capitalista, na medida em que os trabalhadores gastam menos tempo em deslocamentos e mais em consumo.
O exemplo mais bem acabado deste “transporte eficiente” no Brasil é a cidade de Curitiba. Na década de 1960 a cidade estabeleceu determinados eixos de desenvolvimento nos quais se concentrariam as atividades econômicas, estruturas urbanas e os empregos. Criando uma forte segregação espacial, o que era central ali não era a população morar perto destes eixos de desenvolvimento, mas que se conseguisse deslocar rapidamente para estes eixos. O paradigma de Curitiba como “cidade-modelo” e, portanto, a necessidade de expansão dos investimentos em transporte coletivo ganharam força à medida que ficou patente a crise da opção pelo transporte individual. Os recordes sucessivos de congestionamentos na cidade de São Paulo colocam em xeque o modelo de construção de grandes avenidas e investimento público em transporte privado. Tal crise foi evidenciada na última eleição para prefeitura na qual todos os candidatos tinham como um dos principais temas o transporte coletivo.
O Expresso Tiradentes se enquadra como um pesado investimento público em infra-estrutura urbana, acompanhado de outros grandes investimentos como a construção de estações de metrô e do Rodoanel Leste (anel viário em torno de São Paulo). Todos estes têm o sentido de tornar mais dinâmico o fluxo de mercadorias (incluindo aí pessoas) na cidade. Tal dinamicidade indica uma transição de um estágio de exploração extensiva para intensiva. A construção de meios eficientes de circulação em massa de pessoas está relacionada a uma imagem de Cidade Global, que visa atrair um maior fluxo de capitais a partir de suas estruturas aparentemente modernas. Trata-se de uma construção mítica que procura esconder a segregação espacial e as contradições geradas a partir deste tipo de investimento público.
Os investimentos feitos nas infra-estruturas urbanas, como o Expresso Tiradentes, se inserem em uma dinâmica capitalista moderna, na qual a exploração se dá de maneira intensiva, e precisam ser entendidos e criticados tendo em vista a totalidade do fenômeno urbano e particularmente do sistema de transportes em São Paulo. A crítica padrão ao transporte coletivo no Brasil, diagnosticado como demorado, lotado e velho, embora verdadeira, não dá conta de iniciativas como o Expresso Tiradentes e pode até mesmo entendê-lo como uma solução. Temos que admitir que ele significa uma considerável melhora nas condições de vida das pessoas que o utilizam. Porém, a crítica radical deve ter em vista que é uma estrutura urbana que mantém e reforça a segregação espacial na medida em que a valorização espacial expulsa as populações pobres. Também mantém a lógica de exclusão no sistema de transporte coletivo à medida que seu uso continua mediado pela tarifa. Passa Palavra
Nas regiões metropolitamas os trabalhadores chegam a gastar, no total, 5 ou 6 horas se locomovendo da moradia ao trabalho e deste a moradia. Essas 4, 5 ou 6 horas se somam as 10 de trabalho. No caso de jovens trabalhadores, incluíndo-se mais 4 horas de jornada escolar, encontramos uma juventude que pouco mais tem para dormir do que 4 horas por dia. É essa a situação de boa parte da juventude francorrochense, dos que moram nas cidades dormitório ou nos bairros mais afastados. Daí que o espaço e tempo da locomoção seja utilizado para leitura, alimentação, consumo, namoros, amizades, entretenimento. O tempo dentro do trem ou do ônibus é um tempo precioso na vida destas pessoas.