O grave é a banalização de uma luta extremamente importante para destruir a dissidência política utilizando de argumentos subjetivos como “olhares irônicos” para justificar expulsões sumárias. Por Independentxs Incontroláveis

Esse grupo de estudantes independentes de Goiânia e da UNILA sentiu a necessidade de analisar o processo pelo qual passamos no último Encontro Nacional de Estudantes de Ciências Sociais (ENECS) de 2014, que ocorreu na última semana. Duas questões fundamentais e alguns esclarecimentos que pensamos serem de interesse do movimento estudantil como um todo.

Em primeiro lugar, a instrumentalização da auto-organização estudantil para a autoconstrução de uma pequena burocracia estudantil, muitas vezes associada às burocracias partidárias. Pensamos que o entendimento da prática dessa burocracia é importante para compreendermos o atual imobilismo do movimento estudantil. Em segundo lugar, a instrumentalização da luta antimachista e do método do escracho para silenciar os questionamentos a essa burocracia. Aqui, o grave é a banalização de uma luta extremamente importante para destruir a dissidência política utilizando de argumentos subjetivos como “olhares irônicos” e “falas debochadas” para justificar expulsões sumárias.

Ao final da discussão dessas questões, disponibilizamos alguns depoimentos para maiores esclarecimentos.charge

Faz sentido? – A exploração-dominação estudantil

A princípio, pensávamos que o ENECS era um espaço vazio politicamente. Centenas de estudantes do Brasil inteiro de um determinado curso se encontravam, mas, à nossa surpresa, não havia espaços de discussão sobre os problemas concretos desses estudantes; apenas espaços com discussões requentadas e pautadas mais pela sede de instrumentalização destes por forças políticas do que pelo leitmotiv de uma transformação efetiva da realidade estudantil. Não havia debates sobre a repressão que anda afetando diretamente os estudantes, as políticas de pesquisa e currículo, as políticas educacionais para as universidades públicas e privadas. Os raros espaços efetivos foram puxados, curiosamente, por estudantes ou não vinculados à Articulação Nacional de Estudantes de Ciências Sociais (ANECS), ou mesmo contrários a este, como o caso do espaço sobre movimentos estudantis da América Latina, encabeçado por estudantes da UNILA, universidade que rompeu abertamente com a ANECS. Havia um espaço previsto para conhecer a cidade de São Luís, capital do Maranhão, e toda noite havia algum tipo de festa organizada, sempre nos mesmos moldes. No que isso era diferente de qualquer pacote de viagem turístico? Era o que nos perguntávamos, e também o que acabamos perguntando nos poucos espaços de discussão que havia, e ninguém conseguiu nos responder:

-Qual o propósito da nossa vinda?
Articularmo-nos politicamente.
-Mas com qual finalidade?
Para nos articularmos politicamente.
-Por quais pautas?
Pela articulação política!

Víamos alguns estudantes desqualificando os outros que não se interessavam por “questões políticas”, mas ninguém dizia qual era a questão política que estava sendo discutida naquele evento. Articulação política, nos diziam, era importante. Mas articulação política para quem?

O principal conteúdo das discussões do evento era: as prévias dos eventos regionais, os eventos regionais, preliminares ao nacional, os próximos eventos nacionais e a própria dinâmicas do evento que estava acontecendo. E foi aí que descobrimos, na prática, o que era Articulação Nacional de Estudantes de Ciências Sociais. Fundada para ser supostamente uma articulação autogestionária dos estudantes, esse grupo na verdade surge para se apropriar da mobilização destes para seus próprios fins, e amortizar esta mobilização em turismo vazio e em plenárias sem construção coletiva e sem fins claros. Para isso, utilizam das plenárias para comparar as suas competências em organizar eventos e deixar os estudantes satisfeitos com os espaços que arranjam. Listavam suas competências: conhecimento da estrutura das universidades, capacidade de articulação com as reitorias (e boas relações), contatos com artistas e bandas locais. De propostas de transformação, nada! Nos corredores ouvíamos as mexericas e as barganhas à boca pequena, feitas, genericamente, nos seguintes termos: “ajuda-nos a levar o congresso este ano, que no próximo votamos a favor de vocês”. E existe uma série deles para barganhar! [*] Através desse procedimento, alienam a maioria dos estudantes, que não têm motivo nenhum para ficarem horas e horas discutindo como deve ser um evento que é um fim em si mesmo – um aparato – desconhecido pela maior parte dos estudantes, diga-se – a ser disputado pelas facções políticas partidárias como o PT e o PSOL, ou proto-partidárias como Levante Popular da Juventude e afins.

barricadaslibertariasO ENECS podia ser um espaço importante de auto-organização dos estudantes – mas não é. Por quê? A quem interessa? Descobrimos que interessava justamente a essa nova modalidade de prática burocrática: a burocracia turístico-estudantil.

Esses novos burocratas se apropriam dos esforços da Comissão Organizadora do evento, a qual não ajudaram, que se responsabiliza pela organização das festas, excursões e debates. Apropriam-se dos esforços dos estudantes que se mobilizam por conta própria para conseguir ônibus em suas faculdades e se organizam para chegar ao encontro e participar dele. Finalmente, se apropriam do sentido político do evento e determinam o tom geral das atividades – muitas vezes sequer participando ou construindo muitas delas. A principal preocupação deste pequeno grupo ascendente é a participação nas plenárias decisivas em que podem-se determinar, à revelia, as ações dos próximos que assumirem o fardo de organizarem o evento.

Uma nota sobre a questão turística. Um fato concreto é que o evento propicia para estudantes pobres e também para a generalidade dos estudantes a possibilidade de viajar, conhecer outras cidades, conhecer outras pessoas, ir a uma praia ou um evento de maneira muito mais barata. Esse não é, de maneira alguma, o problema. É um efeito benéfico e concreto da organização estudantil. O problema é quando isso é organizado de maneira empresarial, expropriando a auto-organização estudantil ou ainda reduzindo-a a organização de excursões fora do evento, o que garante que o domínio das plenárias e dos espaços políticos fique restrito às facções que disputam o aparelho e mantêm a estrutura alienante.

Eram essas questões que começavam a colocar abertamente os poucos estudantes que resistiam e que, tentando participar das plenárias, tinham que suportar o desrespeito às discussões, a desorganização dos debates e a resistência em discutir qualquer questão de fundamento do curso ou do próprio evento. O motivo depois ficou evidente: discutir essas questões abertamente minaria o poder dessa emergente micro-burocracia. Mas, ao contrário do que se pensava, essas críticas não estavam sendo ignoradas: estavam sendo anotadas e veremos que serão justamente estas e estes estudantes que serão vítimas do escracho “antimachista” e “antirreprodutor-do-machismo”. É aqui que se percebe que o protagonismo reivindicado por algumas feministas burocratas – com o apoio das suas organizações – é na verdade a passividade dos estudantes em seu conjunto. A democracia excludente burocrática é a democracia ausente para esse estudante forçado à condição de subalternidade.

no pasaranO escracho e a exclusão – antidebate “antimachista”

O machismo no ENECS, assim como na sociedade, não se fez ausente. Não faltaram também maneiras diversas de tentar lidar com a questão. Logo nos primeiros dias, houve um problema com um rapaz espiando as meninas no banho coletivo contra a vontade delas. Enquanto prevaleceu a decisão de expulsar o sujeito, outras meninas pichavam no banheiro, de maneira sarcástica, um olho do Big Brother e um “”Relaxa baby, não somos todos iguais””

Logo após, houve um conflito com um estudante que não queria desligar o som alto. Os organizadores e organizadoras pediram que desligasse ou abaixasse e ele se recusou – de acordo com algumas mulheres, sendo agressivo e se recusando a responder às críticas femininas, apenas respondendo às masculinas. Deliberou-se, novamente, pela exclusão do evento pela questão do machismo. Algumas pessoas questionaram se foi machismo ou autoritarismo do sujeito, mas a decisão foi mantida.

Outro momento de preconceito foi quando uma pessoa que se identificava como trans quis tomar banho no banheiro feminino e foi expulsa pelas mulheres que lá estavam. Essa transfobia não foi oficialmente problematizada em nenhum momento.

O espaço autogestionado de mulheres

O essencial do conflito em torno da questão, no entanto, começou na sexta-feira à noite, em um espaço denominado “espaço autogestionado de mulheres”. Algumas mulheres defendiam que esse espaço fosse misto e informaram a alguns estudantes que ele de fato o era. Outras, que percebemos hegemônicas, defendiam que fosse exclusivo e retiraram os estudantes homens que chegaram a entrar no debate. Dois deles posteriormente serão escrachados por supostamente terem debochado e criticado do espaço exclusivo. Homossexuais e trans também foram excluídos. Mas o fato é que o conflito que aconteceu lá não foi entre homens, que se retiraram todos pedindo desculpas e no geral decepcionados, e mulheres. Foi entre as mulheres que divergiam sobre o próprio espaço.

Foi o que algumas de nós pudemos perceber ao tentar questionar o porquê do debate ser exclusivo. As coordenadoras do espaço imediatamente desqualificaram as mulheres que colocavam essas questões como “calouras”, “desinformadas sobre o feminismo”, “reprodutoras do machismo”. Deslegitimar a opinião de companheiras por esta opinião ser diferente, argumentando que estas companheiras são desinformadas é querer se colocar numa posição superior de saber o que é melhor para todas as mulheres e que as mesmas não o sabem. Na mesma reunião, quando colegas da Universidade de Integração Latino Americana (UNILA) chegaram com um colega homem e o mesmo foi impedido de ficar, as mulheres que não julgaram adequado este posicionamento, e vendo-se impedidas de discutir, abandonaram a reunião.mujeres libres

O resultado concreto desse espaço foi a produção de uma carta denunciando os casos de machismo que ocorreram no evento para ser lida na plenária final. Note-se que o suposto deboche dos homens ao espaço não foi colocado nessa carta que foi produzida. Note-se também que não se propôs nenhuma prática ou espaço misto posterior para combater o machismo na sociedade ou entre os estudantes de ciências sociais como um todo.

O golpe na plenária final e a defesa “antimachista”

Na plenária final, no entanto, instalou-se o circo dos horrores. A delegação de Goiânia, que se caracterizava pela ausência quase completa de grupos burocráticos ou partidos e pela crítica à essência do evento, subitamente retirou a sua candidatura como sede do evento. “Duas mulheres da própria delegação tomaram a decisão de retirar a candidatura da cidade à revelia da articulação ao longo da semana e da ampla maioria dos estudantes.” O argumento utilizado? A delegação de Goiânia era machista e, portanto, não teria preparo para fazer o evento. Quando questionadas nessa decisão, essas estudantes acusaram os questionadores de opressores machistas por quererem saber qual machismo tinha sido feito e por que isso justificava a retirada da candidatura.

Restaram as candidaturas de Uberlândia e Rio de Janeiro, que representavam regiões com maior peso dos partidos políticos que buscavam manter o controle do encontro. Os representantes de ambas as regiões se orgulharam de falar de suas boas relações com a reitoria e capacidade técnica de fazer um evento “bem-sucedido”. A única proposta que teria uma crítica ao que estava acontecendo e que tinha sido articulada por fora de qualquer cúpula partidária, entre os próprios estudantes presentes no evento, foi impedida de ser discutida. Indignadas diante desse fato, as delegações de Goiânia e da Universidade de Integração Latino Americana (UNILA) abandonaram a plenária e começaram uma articulação de formas de tentar discutir novas possibilidades de luta e organização.

As delegações de Goiânia e da UNILA se caracterizavam, ambas, pela forte crítica à burocracia que se apropriava do evento, a ANECS, e pela defesa dos espaços mistos para discutir o machismo. A UNILA, inclusive, representando a região sul, havia ido ao espaço para informar a ruptura dos estudantes da região com essa burocracia em prol da sua auto-organização.

O escracho burocrático

mujereslibres4Parecia que havia terminado o debate e cada um ia para o seu canto. Mas não foi o que ocorreu. A disputa que ocorreu na manhã se tornou, subitamente, um momento de opressão machista que necessitava ser punido a todo custo. As acusações eram: ironias, deboches, gritos que não tinham ocorrido. Os estudantes, que tinham se retirado da plenária, foram chamados novamente e acusados, além disso, de roubarem votos de uma plenária que sequer reconheciam e de casos de machismo. A grande acusação era que os estudantes haviam se retirado do espaço exclusivo debochando do mesmo. Tudo foi ouvido com paciência e, finalmente, pediu-se o direito de resposta. A negativa foi unânime: um estudante afirmou aos gritos que no estatuto se proibia que fosse dado voz a qualquer opressor machista, apenas à mulher. Uma estudante chegou ao microfone e falou que se sentia desconfortável com a presença dos dois estudantes acusados na plenária pelo fato de estarem fazendo olhares irônicos e embasbacados com o ridículo da situação e aprovou-se por unanimidade a sua expulsão do espaço. Eles se retiraram do espaço aos gritos de machistas e afins.

O que vemos aqui é o desvirtuar de uma luta de séculos, pela qual mulheres ao longo da história morreram, foram espancadas, lutaram arduamente por cada mínimo espaço e direito conquistado. Mulheres que ainda hoje sofrem com salários menores, com companheiros violentos, assédios e outras formas de opressão.

Utilizar esta luta de forma deturpada, como ferramenta para protagonismo, autopromoção e “carta-na-manga” quando não se tem argumentos em discussões políticas que dizem respeito aos posicionamentos políticos divergentes de outra ordem é transformar a luta feminina legítima em ferramenta para interesses próprios que de nada servem para a real emancipação feminina; é contraproducente e caricatura de forma negativa uma causa deveras importante.

Vemos que, claramente, o objetivo era matar e deslegitimar qualquer possibilidade de discussão alternativa ao jogo de cartas marcadas das burocracias que dominavam o evento. A expulsão de estudantes que já haviam abandonado a plenária não bastou para a sanha burocrática – não se permitira nem mesmo uma manifestação externa de indignação, como o foram os gritos de “tribunal de inquisição”. A plenária partiu para cima dos estudantes expulsos e outros que discordavam da expulsão ameaçando de agressão e ameaçando chamar a polícia para expulsá-los da universidade. Houve uma intensa troca de gritos entre “pelegos” e “machistinhas oprimidos” e, subitamente, a plenária final do evento se tornou uma plenária exclusiva de mulheres.

Lá, discutiu-se que punição dar aos estudantes que já tinham sido escrachados. Uma das propostas foi o banimento por três anos do evento, mais a publicação de seus nomes e fotos em todos os espaços possíveis como agressores machistas. A estudante de Goiânia que havia articulado o golpe contra a candidatura da cidade falou que ia processar administrativamente um dos estudantes escrachados pelas agressões que tinha sofrido. Por sorte, algumas mulheres mais razoáveis defenderam que era desproporcional e uma instrumentalização política do feminismo contra a dissidência. Essas mulheres tiveram que ouvir de outras, em um espaço supostamente seguro, que as suas falas tinham feito as outras “terem vontade de vomitar”. Outras declaravam que não suportavam ouvir críticas de homens. Ao final, votou-se pela expulsão por um ano dos estudantes do encontro e a denúncia, sem citar nomes, dos acontecimentos daquele dia.

Lembremos que todo esse processo foi iniciado por supostos “comentários debochados” e depois, “por caras irônicas”, que não podiam se questionados como evidência de… que crimes?

soldiaridadobreraÀ guisa de conclusão…

Achamos importante revelar o procedimento do escracho e as razões pelas quais ocorreu para que tanto a luta antimachista quanto a luta estudantil não sejam mais instrumentalizadas por essas burocracias ascendentes para garantir seus interesses. Esse tipo de ataque não deve ter sido o primeiro, nem será o último.

O resultado funesto da perpetuação dessas práticas seria uma deslegitimação crescente tanto do feminismo, encarado por essa burocracia como arma contra inimigos políticos, quanto da luta estudantil, encarada pelos estudantes como irracional ou mero pretexto para viajar.

É justamente esse resultado que pretendemos evitar. A luta efetuada pelos estudantes pela emancipação das mulheres e dos homens e a luta pela emancipação estudantil só podem se dar à revelia e contra essas práticas e instituições burocráticas que se consolidaram e naturalizaram no movimento estudantil de Ciências Sociais e nas entidades como um todo.

Uma das propostas que surgiu desse embate foi a construção de espaços paralelos, de forma autônoma, articulados diretamente entre os estudantes envolvidos, sem passarem pelas instâncias burocráticas de decisão. Tal articulação não seria “representativa” ou “diretiva”, mas seria um espaço de troca de experiências e tentativa de construção de iniciativas comuns de luta e de trabalhos de pesquisa, articulação, produção de documentos. É um primeiro passo, mas é um momento de uma luta que pretende reforçar lutas locais contra a burocracia universitária que submete os estudantes aos interesses do Estado e do fortalecimento das empresas brasileiras transnacionais e demais empreendimentos capitalistas.

Para finalizar, disponibilizamos os depoimentos de alguns estudantes para quem quiser ter mais informações a partir das falas individuais dos estudantes envolvidos. Estamos abertos também a demais esclarecimentos que queiram ser prestados.

Assinam
Lilia Azevedo – UFG Goiânia
Beatriz Letícia – UFG Goiânia
Grouxo Marxista – UFG Goiânia
Ian Caetano – UFG Goiânia
Marlon Bezerra – UFG Goiânia
Gabriel Teles Viana – UFG Goiânia
Timoteo Correia – UFG Catalão
Matheus S. Cheren – UNILA
Tania Rodriguez – UNILA

Sábatha Fernandes – Unila

Assina também:
Coletivo Horizontal de Ações Proletárias Estrategicamente Unificadas (CHAPEU)

Delegação UNILA – ENECS 2014;
Coletivo KALHO – Foz do Iguaçu.

DEPOIMENTOS

Lília Azevedo – EMAC – UFG Relato

Desvirtuar uma luta de séculos, na qual mulheres ao longo da história, morreram, foram espancadas, lutaram arduamente por cada mínimo espaço e direito conquistado. Mulheres que ainda hoje sofrem com salários menores, com companheiros violentos, assédios e outras formas de opressão.
Utilizar esta luta de forma deturpada, como ferramenta para protagonismo, auto-promoção e “carta-na-manga” quando não tem argumentos em discussões políticas que dizem respeito da posicionamentos políticos divergentes de outra ordem é transformar a luta feminina legítima em ferramenta para interesses próprios que de nada servem para a real emancipação feminina é contraproducente e caricaturiza de forma negativa uma causa deveras importante.
Estive em uma assembleia de mulheres que se propõe um espaço para debate, mas que na prática, não admitia discordâncias, a menos que fosse conveniente. Entramos, eu e uma companheira e dois companheiros homens, no espaço referido para participar da reunião, nossos colegas foram informados de que era um espaço somente para mulheres, pediram desculpas e saíram.
Na reunião, uma camarada questiona o porque de não haver meninos na reunião e qual a justificativa para isso… quando algumas garotas manifestaram concordância, a coordenadora da reunião tomou a palavra e perguntou se havia alguma caloura na reunião, pois, na visão dela, calouras não saberia o que seria feminismo.
Deslegitimar a opinião de companheiras por esta opinião ser diferente, argumentando que estas companheiras são desinformadas é querer se colocar numa posição superior de saber o que é melhor para todas as mulheres e que as mesmas não o sabem.
Na mesma reunião, quando colegas da universidade UNILA chegaram com um colega homem e o mesmo foi impedido de ficar, as mulheres que não julgaram adequado este posicionamento e vendo-se impedidas de discutir, abandonaram a reunião.
Impediram homens homossexuais e transgêneros de participar, camaradas que sofrem da mesma forma com o machismo, excluindo-os de uma reunião que se propunha a discutir questões de gênero e opressões por meio do machismo. Qual o sentido disso?
Impedir acusados de machismo de sequer se pronunciar, condenando o mesmo automaticamente transforma o assunto em tabu. E dificultar o debate em nenhum momento da história resultou em resolução de qualquer problema.
Se alguém precisa inventar casos de machismo para lutar contra, seria saudável olhar para os lados e ver o mundo real, ele tem muitos casos verdadeiros para serem combatidos.

DEPOIMENTO IAN

Sair da plenária e ser inquerido a voltar, apenas para ser acusado de vários absurdos, que não apareceram em momento algum em diversos momentos em que tais denúncias poderiam ter sido feitas, para depois ser privado do direito à defesa – direito mínimo em qualquer espaço que se proponha a ter o MÍNIMO de propósito democrático – para depois, mediante a escrachos dos mais escabrosos e despropositados de que se pode ter nota, ser expulso do espaço do qual eu já havia, anteriormente, me ausentado por descrença política. Esta é a postura que sintetiza toda a prática matreira, truculenta e atravancadora da luta social; ainda se valendo de uma luta tão importante quanto o é a do feminismo.

[DEPOIMENTO: MARLON]
Estou aqui por meio deste depoimento e com o consentimento dos demais companheiros. Todos presentes no ENECS 2014 realizado em São Luís do Maranhão, o evento contou com a presença de mais de 300 estudantes de absolutamente todas as regiões do Brasil, era vistoso a pluralidade de concepções ideológicas, tipos variados, pessoas diferentes todos ali com algo em comum: somos estudantes de ciências sociais buscando troca de experiências que possam ser relevantes dentro do campo das ciências sociais.
Pois bem, no evento presenciamos eventos deveras contraditórios que extrapolam a questão do entendimento, e eu me pergunto até que ponto uma estupidez tão irrelevante pudesse tomar proporções tão violentas. Fomos acusados de machismo várias vezes, o que poderia ter sido resolvido a luz do bom diálogo respeitoso o que não ocorreu de fato. Durante algumas ocasiões presenciamos realmente manifestações de violência, e quero ressaltar aqui que homens e mulheres se violentaram reciprocamente não podendo haver portanto um predomínio sexista com relação as violações.
Uma prova disto é que os supostos casos de machismo relacionados aos estudantes da UFG não foram esclarecidos na plenária, pois categoricamente não houve direito de resposta. Ora, mas eu os provoco: como pode ser possível um indivíduo ser acusado de algo tão sério e não poder falar em sua própria defesa?! Se até os acusados de assassinato regozijam desse direito, porque não os supostos machistas não teriam esse direito?! Uma vez que de longe não houveram agressões físicas, por mais que essas pessoas nos acusem de machismo eu as peço que antes de darem nomes aos bois elas tenham provas concretas, que apresentem então um exame de corpo delito comprovando as agressões físicas. Ora estudantes que não deixemos esse evento se tornar um espaço estéril, sem perspectiva de transformações políticas, é desvirtuar a luta feminista, é transformá-la em tabu. Pois todos somos oprimidos pelo capitalismo, não devemos nos digladiar de forma tão estupida, devemos nos unir contra aquilo que de fato possa nos abalar.
Os ataques feitos pelos companheiros são jocosos, burocráticos, estéreis. Pois não houve de fato nenhuma acusação séria, deliberou-se um machismo fantasma que desencadeou um efeito dominó, uma mentalidade turva. Quero com esse depoimento expressar minha indignação para com essa situação de forma mais honrosa sem ter que citar nomes diretamente, porque percebo que todos perderam com um evento tão crasso.
As ditas feministas dizem que não podemos compartilhar de seu sofrimento, porém eu sinto que quando uma mulher eh violentada toda a sociedade perde sua dignidade, sua humanidade, a mesmas coisas com os negros e qualquer minoria desfavorecida, quero aqui expressar o meu apoio incondicional á esses movimentos. Pois não me reconheço enquanto indivíduo opressor, também sou oprimido e compartilho dessa insatisfação.
Para finalizar quero aqui com a presença de meus companheiros pedir as pessoas que cometeram os ataques que nos esclareçam essa situação, pois estamos cientes da gravidade das acusações e sabemos quão difícil é sofrer acusações infundadas.

Beatriz Letícia Silva – FCS – Relato

É sabido que dentro do evento, ENECS –Encontro Nacional de Estudantes de Ciência Sociais, encontro realizado todos os anos por estudantes de ciências sociais, houve uma atividade com a proposta de um espaço autogestionário de mulheres. E um dos principais questionamentos do espaço foi a exclusão dos homens do debate, depois que companheiros foram expulsos ao manifestar o interesse em participar da atividade. Como justificativa a essa questão foi a resposta vaga, inconcisa e inferiorizante da coordenadora da atividade de que poderiam haver calouras e que as mesmas não saberiam do que se tratava o feminismo e que a mesma não se sentiria bem as criticas masculinas. Tal discurso causou revolta nas companheiras presentes que se posicionaram contra o método exclusivo do espaço. As coordenadoras da atividade em réplica acusaram as companheiras de reproduzir um discurso de opressão machista. Essas acusações repercutiram em acontecimentos mais sérios na plenária final, onde os companheiros que não puderam participar do debate foram acusados de machismo, a argumentação para tal acusação foram relatos de posturas agressivas de companheiros que nem se quer estavam presentes no momento da possível agressão e expressões faciais vagas que podem ser traduzidas de varias maneiras.

Acusações vis que não mostram argumentos concretos, e não se provaram verdadeiros, pois são frutos de oportunismo de um certo grupo de estudantes, para abalar a estrutura de outros que têm o posicionamento contrário frente a essas questões. Tais táticas só deslegitimam o movimento feminista, o qual esses estudantes tanto defendem.

 Mais um depoimento: Sábatha Fernandes
Como mulher e aspirante à cientista social, não posso deixar de expressar minha indignação com o que ocorreu com os companheiros que tentaram se aproximar do “Espaço Autogestionado de Mulheres” realizado durante o XXIX ENECS.

É necessário, antes de tudo, pontuar que compreendo que o ocorrido não foi de veras uma denúncia de machismo, mas sim, um ato de apropriação de uma luta histórica pela emancipação da mulher para perseguir posições políticas divergentes das dadas por um pensamento que tenta se impor ao movimento de área de estudantes de ciências sociais.

O aparelhamento feito pela ANECS (ou melhor, por figuras que dizem representantes de uma entidade que se mostra atrasada desde seu nascimento), nos diversos espaços do evento e, mais ainda, na Plenária Final, que mais parecia uma plenária da entidade que da base dos estudantes, bem como, o esvaziamento dos espaços que demonstraram que o perfil do encontro estava muito mais voltado ao turismo que a uma articulação política, fizeram que os estudantes da UNILA que defendemos em todos os espaços do encontro que o movimento deve ser horizontal e desburocratizado nos retirássemos do espaço, inclusive, respeitando a deliberação do último ERECS-Sul onde as escolas decidiram não compactuar com ANECS.

O espaço autogestionado de mulheres foi questionado também por nossas companheiras, já que mesmo compreendendo a necessidade que as mulheres tem de se articular primeiramente antes de travar lutas conjuntas com seus companheiros, não identificamos nesse espaço um teor de luta e sim de lamentações, mesmo assim e questionando a retirada de companheiros do espaço não abdicamos do diálogo em tal espaço.

Os companheiros retirados do espaço, não coincidentemente, são companheiros que buscaram nos demais espaços travar o debate com relação a aproximação do movimento às lutas concertas do povo. Vale aclarar também, o argumento utilizado para a retirada dos homens foi que essa é uma diretiva da ANECS deliberada no último ANECS, mas que não foi aclarada para os “calouros” que foram criminalizados por tal ação.

No inicio da plenária final, foi relatado um caso de expulsão de um homem acusado de machismo durante o evento que fora expulso, intrigantemente, até esse momento o caso dos companheiros supracitados não foi tratado. Após um processo de atropelamento de pautas e esvaziamento de propostas políticas, algumas pessoas se retiraram do espaço, entre essas, nossa delegação (da UNILA) e tais companheiros. Enquanto discutíamos sobre todo o ocorrido fora da plenária, os companheiros foram acusados de machistas e chamados para dar esclarecimentos eles tiveram direito a voz. Indignados, gritamos do lado de fora da plenária que a plenária havia se tornado um tribunal inquisidor. Por quererem acompanhar uma suposta discussão de gênero e não serem aclarados devidamente sobre o teor do espaço, as mulheres que fomos contra as acusações, fomos intituladas submissas e reprodutoras do machismo.

Mesmo que tal fato fosse vinculado apenas ao ocorrido no espaço de mulheres, o simples fato de homens quererem adentrar ao espaço explica acusa-los de machistas, ainda mais sem direito de resposta? Queremos desconstruir o sexismo ou queremos revanchismo? Que cientistas sociais estamos formando? Se por divergências com relação às linhas do movimento nos acusamos utilizando de bandeiras contra opressão, oprimindo nossos companheiros.

Certamente, o episódio vivido deve ser tomado como reflexão crítica para pensarmos que mundo queremos e como agimos para construí-lo. Aos oportunistas fica o lamento.

NOTAS

[*] Existe, por exemplo, o CONECS, Congresso de Estudantes de Ciências Sociais – que é um evento mais restrito para definir as diretrizes do Encontro de Estudantes geral. Existe o Encontro Regional dos Estudantes de Ciências Sociais, que por sua vez também é precedido por um Congresso Regional de Estudantes de Ciências Sociais. Cada um desses eventos é objeto de disputadas barganhas entre as diversas forças políticas que compartilham, apesar de todas as diferenças ideológicas, a prática burocrática e a vontade de controlar o aparelho.

As imagens retratam o movimento feminino las libertarias, de uma época e de uma luta feminina que ainda resiste a ser esquecida, e a foto de capa dispensa explicações. Passa Palavra

11 COMENTÁRIOS

  1. Há pouco mais de um ano o Passa Palavra publicou um texto “polêmico” e profético:

    “Na verdade, tanto homens como mulheres usam de autoritarismo e manipulação para fazer valer suas posições dentro dos movimentos, e é necessária ou muita hipocrisia ou a miopia dos devotos para não o reconhecer. O argumento atinge o ridículo ao vermos moças, que enfrentaram corajosamente a brutalidade das cargas policiais nas ruas de muitas cidades brasileiras, dizerem que precisam de espaços próprios para se reunirem, porque sentem como ameaçador o machismo dos rapazes militantes de esquerda. Quando constatamos que as denúncias acerca da violência machista recaem sobre os rapazes da esquerda (habitualmente de fraca envergadura física e flacidez muscular) e não sobre seguranças de boate ou membros de outras profissões hercúleas, mas exclusivamente sobre aqueles que entram em pânico sempre que são acusados de politicamente incorretos, concluímos que há outras pautas ocultas nos argumentos das feministas excludentes. Ao não questionar certas representações sexuais historicamente constituídas e ao assumi-las como se fossem determinações biológicas, o feminismo excludente facilita o reforço das manipulações e hierarquias no interior dos movimentos, só que desta vez em benefício… das mulheres? Não. De algumas mulheres sobre as restantes e, por aí, sobre a totalidade do movimento.”

    http://passapalavra.info/2013/07/81401

  2. O tipo de militância descrito no texto é endêmico a assembleias de centros acadêmicos, DCEs e demais organizações (teoricamente) representativas dos estudantes. Escondendo-se atrás de pautas genuínas, alguns usam o “sentir-se oprimido” para calar críticos e o debate. Discordar, questionar, torna-se “silenciar”. Como basta a acusação – o réu não tem direito à defesa -, tais artimanhas rapidamente provam sua eficácia. E qual será o membro de coletivo, ou mesmo o indivíduo, que colocar-se-á à mercê dos escrachos? O primeiro é suicídio político; o segundo, social. Escolhem atacar o enunciador, não a substância de seu argumento.

    Curiosamente, o silenciador, supostamente machista, está sempre em outros coletivos/partidos/etc.

  3. Assinam tambem: Delegação UNILA – ENECS 2014;
    Coletivo KALHO – Foz do Iguaçu.

  4. Sou mulher e sofro diariamente com o machismo em alto e baixo nível e conheço outras mulheres vítimas sérias que abala toda sua vida até hoje.
    Analisando historicamente, o feminismo teve avanços na luta de forma séria e decisiva.. por isso, é lamentável que o machismo e a luta das mulheres comecem a ser usado de forma meramente oportunista. Tal movimento se tornando excludente, incoerente, como se fosse um tipo de seita pequeno burguesa, acaba dando brecha para casos como este se tornar tão normal, lamentável.
    Só há uma coisa que deveria ser deixada mais clara ao texto e que foi o estopim de todo o escracho e histeria na plenária final: a mudança de local do próximo ENECS.
    Uma coisa bastante importante de ser analisada é isso. Como apenas duas estudantes podem decidir que em Goiás não tem como ser feito o ENECS por não haver “discussão de genero no local” e porque “o povo de lá é tudo machista”, não acho um argumento plausível de se passar assim. Só não é, como é inaceitável este passar, quando todo o resto dos estudantes de goiás discordam dessa posição e querem que seja lá. Ora, se a base discorda, de onde foi tirado então esta posição? Tem que ver isso, né?
    Vale lembrar também, o que foi muito bem apresentado no texto: objetivo final de como tem sido o ENECS, que também explica o que occoreu mais uma vez,uma das estudantes que disse que não tinha como ser em Goiás é também militante do PSTU, aonde seja coincidência ou não, tal partido não tem uma base forte, assim como o PSOL, e a grande maioria dos estudantes de CS são mais independentes e autônomos,bem oportuno então que se mude o local, não?
    E o argumento de serem machistas e …. “olha lá, acaba de surgir uma denuncia contra esses mesmos estudantes que estão cobrando o motivo de mudar o local do encontro de terem tentado entrar no espaço exclusivo das mulheres” – ve que este se torna inquestionável pela forma que tem sido lidado a luta contra o machismo. Pavoroso pensar que não é questionado o real motivo para mudar o local pelo simples fato destas mulheres chorarem e acusarem de machista e que estavam a oprimindo ao perguntar.
    Pois bem, como mulher, quero estar na linha de frente na luta com meus companheiros, logo, sendo mulher ou não entendo que : espaço político é espaço político e não é nesse espaço que vou usar a “fragilidade feminina” que tento quebrar ao meu favor. Apresente argumentos, provas, debate, é assim que deve ser… falam tanto do homem usar seu “privilégio como tal”, mas acabam caindo no erro de fazer parte de um gênero oprimido para fuga do debate.
    Mais bizarro ainda é a forma de exclusão destes estudantes sem terem ao menos direito de defesa, não vejo este espaço como nem um pouco democrático. Mesmo que seja uma mulher que o acuse de machismo não quer dizer que esta seja pura e não esteja sujeita a erros, tal denuncia deve ser apurada como qualquer outra.
    Essa reflexão é crucial para avançarmos na luta contra qualquer forma de opressão e para luta de classes, ou vamos retroceder, ou vamos perder… ou todos nós vamos nos matar mesmo.

  5. OVO DA SERPENTE (e outros bichos escrotos…)
    Examinar a relação metabolismo >existência< metanoia: o gideano bicho da seda, o 'souci de soi' de Foucault e a autopraxis proletária de Rubel reelaborados como insumos de uma produção [universal concreto(?)] que é o fazer&agir crítico-criativo ou contra-efetuação das paixões tristes.

  6. A quem interesse, segue a nota aprovada com as acusações. As inquisidoras feministas aprenderam a lição com as polícias civis do país: não individualizam conduta, atribuem coisas vagas, consideram a resistência por si só como evidência de crime e mentem, mentem e mentem. Segue a nota para quem se interessar:

    “Nota das Mulheres da ANECS sobre o machismo ocorrido na Plenária final do XXIX ENECS

    Para nós, mulheres, a escrita também é uma forma de empoderamento, considerando que historicamente a escrita era praticada apenas por homens.
    Infelizmente, hoje utilizamos da escrita para relatar um caso de machismo ocorrido no XXIX ENECS (Encontro Nacional de Estudantes de Ciências Sociais). Durante este evento que foi construído coletivamente pelas regionais que compõem a Articulação Nacional de Estudantes de Ciências Sociais e pela Comissão Organizadora do ENECS – São Luís, algumas mulheres foram vítimas de machismo.
    No dia 01 de agosto de 2014 no ENECS ocorreu o espaço autogestionado de mulheres, espaço este construído por mulheres e voltado apenas para a participação de mulheres. Acreditamos que os espaços públicos foram por muito tempo acessíveis apenas para homens, e por isso, é importante existir um espaço voltado para que as mulheres pudessem se empoderar, praticar a sororidade e compartilhar experiências vividas.
    Durante este espaço ficou evidente que nem todas as mulheres concordavam com este tipo de organização, sendo assim foi estabelecido o debate sobre a necessidade de construção de espaços mistos, espaços exclusivos para mulheres, espaços de diversidade sexual e espaços livres para discussão do feminismo, machismo e patriarcado.

    Algumas mulheres não concordando com espaço de empoderamento exclusivo para mulheres e com o impedimento dos homens de participarem do espaço se retiram do debate. Poucas mulheres contrárias ficaram para fazer o debate e acumular junto conosco.
    Durante espaço, houveram alguns homens que entram na tentativa de participar afirmando que foram informados que se tratava de um espaço misto. Logo ao entrarem foram comunicados que este era um espaço autogestionado de mulheres. E que portanto, precisariam se retirar.

    Dentre esses homens que pedimos para se retiram, três tiveram uma atitude desrespeitosa com o espaço. Estes estudantes que são alunos da Universidade Federal de Goiás, 2 de ciências sociais e 1 de jornalismo. Ao serem informados que não poderiam ficar no espaço um dos estudantes de ciências sociais, comentou em tom de deboche que aquele era um “espaço de mulherzinha”. Durante o espaço essa fala foi problematizada por uma das participantes, para que pudéssemos fazer a crítica do porque o espaço deveria ser apenas para mulheres.
    No outro dia, 2 de agosto de 2014, no período vespertino tivemos no ENECS a plenária final. No momento em que as escolas deveriam apresentar suas candidaturas para sediar o próximo ENECS, dois estudantes envolvidos no ocorrido anterior, procuraram o resto da delegação da UFG Goiânia, para discutir se levaríamos o XXX ENECS para Goiânia. Duas companheiras se mostraram contrárias, porque uma das funções do encontro é acumular debate para questões tais como machismo, homofobia e racismo. E havia sido constatado que a UFG-Goiânia ainda não tinha debate suficiente para tocar essas bandeiras.
    Ao expor suas posições e contar que haviam se sentindo desrespeitadas com o ocorrido as companheiras foram questionadas de forma agressiva: “O que aconteceu?” “Quem foi machista?” “Fala quem foi?”, ao ponto do estudante de jornalismo apontar o dedo para a companheira que não quis contar quem havia “sido debochado”. Ao serem acusados de machistas, se retiram da plenária. E não voltaram.
    Pouco depois, uma das companheiras foi conversar com um estudante de Ciências Sociais que estava com cartões de votação (dos três votos que tínhamos, 2 estavam com eles). Ao chegar perto do estudante que estava junto com os estudantes que haviam sido agressivos na plenária, houve outro deboche por parte do estudante de jornalismo que disse “Vamos cantar a música do pelego?”. Fazendo uma clara referência ao fato de a companheira se organizar em um partido.

    A companheira, foi informada pelo estudante de Ciências Sociais que este havia perdido os cartões e voltou para plenária, para relatar o caso a comissão organizadora do evento. As duas estudantes ao relatar para comissão organizadora, foram informadas que poderiam denunciá-los na plenária e juntas decidiram que essa atitude seria cabível.
    Por não estarem em condições de relatarem pediram a duas testemunhas que pudessem relatar. E ainda, pediram que os estudantes acusados fossem convidados a ouvir a denuncia. Coube a comissão organizadora comunicá-los.

    Ao fazer saberem que estavam sendo acusados de machismo os estudantes foram extremamente agressivos com as duas mulheres da Comissão Organizadora que foram comunicá-los. Foi dado o tempo pra que eles pudessem ir até a plenária, o que não aconteceu e o relato foi feito.
    Logo após, terminar o relato os estudantes chegaram a plenária e pediram para saber porque estavam sendo acusados. Ao serem informados que não cabia espaço para defesa e que a acusação já havia sido feita, os estudantes começaram em tom agressivo a dizer que queriam saber do que estavam sendo acusados. Novamente, as duas testemunhas foram fazer o relato, mas foram atropeladas pelo dois estudantes que gritavam: “Você viu?” “Mentirosa!!”

    Na medida em que outras mulheres pegavam o microfone a agressividade se tornava mais visível. Quando foi solicitado que eles se retirassem da plenária o estudante de jornalismo saiu gritando que se sentia “oprimido pelo feminismo.” Poucos minutos depois, o estudante autor do deboche do espaço, visivelmente bêbado, discutiu com uma integrante da comissão organizadora e inclusive, tentou agredi-la. Sendo necessário chamar outras pessoas para segurá-lo, como também a ajuda da guarda para conte-lo.

    Com isso, foi decido que a plenária não poderia mais continuar e que era necessário que os homens dessem espaço para que as mulheres pudessem decidir o que fazer naquele momento. Durante o espaço tivemos várias posições sobre o que fazer, todas as mulheres (inclusive aquelas que não eram do curso) foram ouvidas e puderem colocar suas posições acerca de suas concepções. Então, as mulheres presentes decidiram que os estudantes estão expulsos de todos os encontros, conselhos e espaços da Articulação Nacional de Estudantes de Ciências Sociais por um ano.

    Acreditamos que nós mulheres não devemos mais aceitar esse tipo de comportamento de homens que se dizem acusados sem saber o porque e que se mostram cada vez mais satisfeitos com os privilégios de uma sociedade machista, racista, classista e patriarcal.

    “Feminismo é a idéia radical de que mulheres são gente!”

  7. Curioso constatar o tom (em função dos atuais acontecimentos) profético daquele texto do PP (resgatado pelo Dokonal) sobre o feminismo excludente.

    Lendo os comentários daquele texto (e prevendo os que aqui surgirão em instantes) não posso deixar de pensar que o ocorrido no ENECS é justamente aquele discurso (dos comentários) posto em prática.

    Ao que parece, qualquer questionamento às práticas organizativas e ao discurso adotado por alguns feminismos (sobretudo se as questões forem levantadas por homens) são interpretados como negação da opressão de gênero, como relativização da luta das mulheres e, em última instância, como machismo (na esquerda estudantil atual, a qualificação de machista é pior que a figura do ‘pelego’ ou do ‘estalinista’).

    Chega-se, assim, a um feminismo tautológico, de si para si próprio, refratário a qualquer tipo de crítica (que rejeita mesmo críticas sobre pontos acessórios), auto-suficiente e que, em última instância, promove uma sutil biologização da cultura (penso ser esperado o nervosismo de qualquer pessoa -homem ou mulher- submetida a uma situação ‘delicada’ como essa. O nervosismo não advém do fato do sujeito ser homem).

    Como resultado imediato dessas práticas, já se constata que camaradas do ME (homens e mulheres) com alguma crítica a qualquer particularidade do feminismo (ou de suas organizações) preferem permanecer calados nas plenárias por medo de escrachos ou do isolamento social/político (sobretudo.

    Ao fim e ao cabo, promove-se mais uma cisão no interior das lutas sociais, semeando os elementos do terror e do policialesco (o politicamente incorreto cá está) no seio das lutas.
    Todo companheiro, a partir de agora, torna-se um inimigo em potencial.

    Por fim, quero salientar que expulsar camaradas de uma plenária sem lhes conceder direito de defesa, sem especificar as acusações, sob o escracho do platéia sedenta é prática das mais torpes (resquício do estalinismo? forma de eliminar oposições?).

  8. Fui quem falou na plenária exclusiva sobre a desproporcionalidade que as ações estavam tomando, sobre como algumas acusações tal como o chamado de pelegagem e o roubo dos cartões eram questões políticas, não machistas, que portanto, deveriam estar separadas das outras questões e não podiam servir como base para qualquer punição sob a acusação de machismo. Falei tbm que o desejo de saber o ato da acusação e o autor dela é completamente normal, que o convite para o espaço auto-organizado alegando que ele era misto, era real, já que as próprias mulheres da UNILA assumiram que o fizeram e que então só sobrava o deboche, que embora sim, pode ser opressor e machista não era motivo suficiente pra uma expulsão. Tentei argumentar também que o único critério de análise não poderia ser a subjetividade e que a negação de um direito de resposta além de antidemocrático, partia de uma falsa noção de uma universalidade feminina, que nos coloca automaticamente como companheiras, negando-se as práticas espúrias comuns na militâncias. Como resposta recebi deboche, inúmeras interrupções durante minha fala, agressividade e um notório “tive vontade de vomitar na sua fala”. Vi claramente que a tal sororidade defendida por grande parte do feminismo, conceito do qual discordo é seletiva e que os espaços auto-organizados, que por sua vez eu concordo que devem existir, podem reproduzir tudo aquilo que criticam e ser um espaço também de silenciamento, além de uma instrumentalização política. Por tudo isso é de supor que estaria de pleno acordo com o texto, mas alguns questões me incomodaram. E como eu fiquei loucamente fritando com tudo que aconteceu, minhas questões são muitas, então peço calma e já antecipo minhas desculpas pelo tamanho do comentário.

    Vocês dão uma centralidade a ANECS que pelo que eu vi, ela não possui. Colocam todo o problema do encontro à ANECS, como se houvesse uma prévia idealização de maneiras de esvaziar e burocratizar o espaço. O que pra mim, após vivenciar 2 encontros de psicologia e 2 de diversidade sexual, além do enecs é uma posição equívocada. Esse esvaziamento e despolitização da militância de área é um fenômeno geral, quantas executivas atuantes de curso vcs conhecem? Os encontros se tornaram um fim em si mesmo,isso é claro, tanto que alguns nem fazem plenária, assumem que o encontro serve mesmo é pra vivência, mas isso é algo exclusivamente da CS ou tá ligado a um contexto mais geral um tanto mais complexo do que vcs colocaram? Algumas questões básicas que foram responsáveis pela desorganização do evento diz respeito a falta de informação, atrasos dos materiais, falta de prévia divulgação das atividades e locais, isso cabe a comissão organizadora, não a nacional. O que eu to querendo dizer não é que a ANECS não é burocrática ou sei lá o que, meu ponto é que vcs dão um poder que a ANECS ao estar separada da base, não tem. Colocam ela como responsável pelo interesse do turismo dxs estudantes, sério mesmo? Isso não perpassa pela politização dos alunxs, pela programação, pela comissão organizadora, por questões individuais, pelos atrativos da cidade? Claro que a desorganização instiga mais ou menos o nível de interesse do turismo, mas esse é o único motivo? E a crítica que fazem as festas diárias e ao dia ao turismo partem de uma visão limitada de vivência universitária, colocando como únicos pontos importantes as apresentações de trabalho e as discussões políticas. Uma festa não pode ser política? O lazer não é parte fundamental da existência humana e justamente não é esse escape que nos possibilita enfrentar as tensões cotidiana, principalmente vindas da militância? As trocas de experiências informais, possível libertação do corpo, constituição de laços, trocas de culturas não possuem valor e devem ser excluídos do encontro? E o conhecimento do local onde se está não gera um acúmulo cultural, conhecimento do cotidiano das pessoas, da própria desigualdade? Devemos ficar presxs a um cronograma previamente pensado? Pra mim essa crítica ao turismo e as festas é bastante rasa e se relaciona como uma lógica congressista, em que se consome o evento e restringe a vivência acadêmica a (re)produção de conhecimentos. O problema está nisso em si ou no modo que isso é feito?

    Me incomoda também algumas omissões, eu não estava nos três momentos mais tensos(no espaço auto-organizado, na expulsão da plenária e nas trocas de gritos). Mas por meio de relatos fiquei sabendo que o deboche no espaço auto-organizado foi real, o próprio acusado disse que fez piadinhas, saindo do espaço fingindo-se de gay, além de depois o mesmo ter trocado gritos com uma menina.E sobre o espaço misto, foi sim deliberado que haveria um no outro dia, mas não aconteceu. Essas questões são relevantes e me soam bem problemáticas ao serem omitidas.

    E pensando sobre os espaços mistos, porque será que eles não existem? Será que há uma real demanda da maioria dos homens em discutir feminismo? Sei que em um ENEP teve, desde então acontece paralelamente os espaços auto-organizados e os GT’s. Então esse espaço misto não existe porque meramente há uma cúpula que quer excluir certas pessoas do debate ou porque isso não se mostra ou não se mostrou até então como uma demanda? E se havia esse interesse pela discussão porque não propor pro conta própria um espaço de discussão sobre o tema?

    Discordo também da análise feita sobre a instrumentalização da questão. As questões levantadas por vocês não são novas, tampouco, fortes o suficiente para causar algum dano na estrutura do encontro e na ANECS. Alguns gatos pingados de duas universidades não são inimigos políticos forte o bastante pra criação intencional de um fato político. Até porque quem comprou a briga não foram só membros da ANECS, ao ser negada a defesa não houve pronuncias em defesa de vcs, após os gritos de “tribunal da inquisição”, não foi uma ou outra pessoa ir lá brigar com vocês, foi quase a plenária inteira. Pra mim o evento foi mais sobre uma concepção autoritária e revanchista de feminismo e a criação de uma histeria coletiva. As pessoas ali presentees, homens e mulheres da ANECS ou não, realmente acreditavam no que diziam, o que dominava o espaço era as emoções, a irracionalidade.

    Alega-se que homem trans e homossexual foram impedidos de entrar no espaço auto-organizado. Ora, porque não seriam? Um homem trans é um homem, assim como um homossexual, gênero e sexualidade são coisas distintas.

    Há duas coisas que achei bem curiosas, a questão colocada que na explusão do caso do som, foi-se questionado se seria autoritarismo e não machismo, pra mim ficou subentendido que era o posicionamento de vcs já que era uma informação não relevante pra sentença. Ora, algo não pode ser autoritário e machista ao mesmo tempo? Não se apropria de uma desigualdade de gênero para impor ainda mais uma força? Nas relações entre as pessoas, autoritárias ou não, quando as questões de gênero não estão postas? Outra coisa foi a questão do uso de X, conheço a escrita de alguns dxs autorxs e o uso da linguagem inclusiva não faz parte dela, inclusive há críticas a mesma, fiquei me perguntado, ela teria sido usada porque outrxs autorxs do texto acham relevante tal escrita, porque é um texto sobre questões de gênero então pra evitar tensões quanto a isto optou por usá-la ou pq a linguagem inclusiva parece interessante quando é pra focar as críticas em alvos femininos, mas não quando pra incluí-las em questões que não tocam diretamente no gênero ou em críticas?

    Me pareceu leviana a acusação da UFF e UFU como espaços dominados por partidos, sobre a ufu havia sido colocada por uma pessoa da delegação de gyn q ela era sim dominada pelo PSOL e as relações de forças ali presentes meio que confirmaram isso, mas e qnto a UFF, essa afirmação parte do que? As relações com reitoria e blabla, podem dizer sobre o movimento burocratizado, mas não necessariamente partidário. Me pareceu leviano também o modo como colocam sobre a questão da mulher trans ser impedida de usar o banheiro, foi uma insinuação de um suposto feminismo transfobico da organização, mas isso foi colocado nos espaços? A organização sabia disso? Me parece informações relevantes de serem colocadas.

    Me pareceu problemática também dizer que a centralidade do evento estava nas articulações regionais, isso não é real. Teve um ou dois espaços pra isso, no máximo 3. O resto era GD’s, espaços auto-organizados, apresnetação de trabalho, mesas. Problemático também dizuer que a delegação de goiania decidiu se retirar da plenária quando só uma parte dela o fez.

  9. No comentário/relato acima, de Karina O., o que me chamou atenção foi principalmente essa parte:

    “As pessoas ali presentees, homens e mulheres da ANECS ou não, realmente acreditavam no que diziam, o que dominava o espaço era as emoções, a irracionalidade.”

    Às vezes nos perguntamos como num país tão ilustrado como a Alemanha, com a importância que tinha suas universidades, seus filósofos para a cultura mundial, pôde florescer o irracional nazismo. Guardada as proporções, o fenômeno tem suas similitudes.
    Esse irracionalismo feminista começa a trazer seus frutos podres aos olhos de todos minando movimentos que poderiam trazer alguma forma de contestação social progressista.
    Teremos uma esquerda pre-iluminista em breve, a depender desse feminismo.

  10. A crítica quanto a questão do turismo é muito válida, apesar dessa postura não ser restrita aos estudantes de ciências sociais. Também entendo as críticas quanto a questão da burocracia. E justamente por saber da importância de ambas as críticas, avalio que é de suma importância que elas aparecem dentro dos espaços articulados que já existem, pelo contrário vamos ficar criando polarizações dentro do movimento estudantil que são desnecessárias. A nossa luta é maior.

  11. ADENDO [ao comentário de 7 de agosto de 2014 08:54]

    GIDE [o bicho da seda]
    “A fé move montanhas; sim: montanhas de absurdos. Não oponho à fé a dúvida, mas a afirmação: o que não saberia ser não é.
    Portanto, eu me recusarei a considerar a finalidade na natureza. Segundo o conselho dos melhores, substituirei sempre, sistematicamente, o porquê pelo como. Por exemplo: sei (pelo menos, disseram-me) que o bicho da seda, fabricando seu casulo, descarrega uma substância que o envenenaria caso não o fizesse. É para salvar-se que ele se evacua. Isso não impede que o casulo, que ele está obrigado a formar sob pena de morte, e que ele não saberia nem poderia elaborar diferentemente, proteja a metamorfose da lagarta; mas esta não se tornará borboleta se não expelir o veneno sedoso… Sou forçado, também, a admirar quanto o ‘como’ junta-se aqui ao ‘porquê’, confunde-se com ele de íntima maneira em um nó tão apertado que não se pode distinguir um do outro.
    O mesmo para o molusco e sua concha. O mesmo sem cessar e por toda parte; na natureza, a solução não se separa do problema. Ou melhor, não há problema; só há soluções.” Gide, A. – Feuillets d’automne PP 260/1

    FOUCAULT [‘souci de soi’]
    “A preocupação pela liberdade foi um problema essencial, permanente, durante os oito grandes séculos da cultura clássica. Existiu, então, toda uma ética que girou em torno do cuidado de si, o que proporciona para a ética clássica sua forma tão particular. Não pretendo afirmar com isto que a ética seja o cuidado de si, mas que, na Antiguidade, a ética, enquanto prática reflexiva da liberdade, girou em torno deste imperativo fundamental: ‘cuida de ti mesmo’.”

    RUBEL [autopraxis proletária]
    “… a emancipação do homem, mediante a abolição do capital e do Estado, e a criação da comunidade mundial ‘autogerida’ passando por uma fase de domínio ditatorial marcada por alguns estigmas da era burguesa. Esta é a natureza da transformação material e espiritual que Marx expressa com o conceito de autoemancipação…”

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