Cada vez mais comunidades e municípios começam a se organizar para repelir as investidas da Comissão Federal de Eletricidade. Milhares de usuários se declararam “em Resistência Civil às altas tarifas de energia elétrica”, constituindo um movimento de resistência nacional. Por Iris Cacho Niño e Antoine Libert Amico
Leia aqui a segunda parte desse artigo.
As contradições do sistema de energia do México
O sistema de produção, transmissão e distribuição de energia elétrica no México está permeado de contradições. Dados da Comissão Federal de Eletricidade (CFE) afirmam que a demanda de energia do país está coberta até 2017. No entanto, a CFE tem um amplo portfólio de novos projetos de geração de energia elétrica [1]. Esses projetos adicionais representam um aumento na capacidade de geração de cerca de 25.000 MW (Megawatts), praticamente metade da capacidade efetiva de geração atual, que é de 51.000 MW. Esses projetos de geração, que incluem, entre outros, 25 novas represas hidroelétricas e a criação do Corredor Eólico do Istmo de Tehuantepec (com 5.000 aerogeradores), estão ameaçando territórios de povoados e comunidades que seriam despejadas de suas terras para sua realização.
Apesar da Constituição Mexicana estabelecer que a energia elétrica é um serviço público, de propriedade da nação, boa parte dos novos projetos de geração estará nas mãos de empresas privadas. O diretor-geral da CFE, Alfredo Elías Ayub, reconhece que “cerca de 60 ou 70 por cento serão da CFE e mais ou menos um terço dessa geração será de projetos privados” [2]. Quer dizer que aproximadamente 1/3 da energia elétrica para os próximos anos será exclusiva de empresas privadas. Isso é possível graças à promulgação em 1992 da Lei de Serviço Público de Energia Elétrica, que foi parte dos compromissos adquiridos pelo governo mexicano frente às instituições financeiras internacionais para entrar no Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA). Essa lei permite que se ourtoguem permissões para a geração privada de energia elétrica por empresas privadas, o que antes era proibido pela constituição.
Segundo as pesquisas do Sindicato Mexicano de Eletricistas (SME), os 35% do total da geração de energia elétrica instalados no México são controlados por empresas transnacionais, particularmente de origem espanhola [3]. Com base na Lei de Serviço Público, o governo federal ourtogou um total de 671 autorizações ao capital privado para geração de energia elétrica, sob modalidades de permissões de geração privada em autoabastecimento, permissões de co-geração e permissões de produção independente.
Atualmente, a CFE se encontra produzindo somente 60% de sua capacidade total de geração. Portanto, existe uma reserva não utilizada de 40%. Ironicamente, essa reserva de geração corresponde precisamente ao que geram as empresas privadas. Quer dizer, a CFE tem capacidade de cobrir os 100% da demanda nacional de energia, mas prioriza que as empresas privadas gerem sua própria energia. Essa situação denota claramente a tendência privatizadora no setor energético do país.
Quanto ao consumo de energia gerada, o setor doméstico, que representa 88% dos clientes da CFE, consome apenas 26% das vendas da paraestatal. Já o setor industrial, que constitui apenas 1% da clientela, consome mais da metade da energia produzida pela Comissão Federal de Eletricidade. Nesse sentido, devido às diversas reformas econômicas realizadas por Vicente Fox e Felipe Calderón [presidentes do México entre 2000-2006 e 2006-2012, respectivamente], o setor industrial recebe grandes subsídios nas tarifas elétricas, enquanto os consumidores e consumidoras domésticos continuam padecendo com o aumento constante das contas de luz.
Este ano [2008], a Secretaria da Fazenda e Crédito Público (SHCP) – órgão federal que estabelece as tarifas de energia – concedeu um subsídio de 8 mil milhões de pesos para as tarifas industriais e comerciais, o que representa um desconto de até 50%. Felipe Calderón anunciou no último dia 1° de novembro uma tarifa preferencial para o setor industrial, que consiste numa cota anual. Por outro lado, a tarifa doméstica não parou de aumentar, particularmente desde que o ex-presidente Fox decretou em 2002 o fim dos subsídios às tarifas residenciais, o que gerou um aumento médio de 77% nas tarifas domésticas em todo país. Enquanto as grandes corporações recebem subsídios, as tarifas domésticas experimentam um aumento mensal constante em relação à inflação e ao aumento dos preços dos combustíveis. Assim, têm sido registrados aumentos de 200% e até 300% na conta de luz bimestral de usuários e usuárias na Cidade do México.
Essas contradições não são exceções à regra, mas sim características próprias de um sistema. Um sistema que prioriza o benefício das empresas sobre o bem-estar dos povos. Um sistema que busca produzir, massiva e constantemente, desconsiderando as consequências para as comunidades, o meio ambiente e as gerações futuras. Em resumo, um sistema conhecido como sistema capitalista.
O descontentamento popular se organiza
Atualmente assistimos a inúmeras expressões de descontentamento – pequenos e grandes atos de resistência que surgem de um mesmo problema. Nas comunidades rurais, os povoados se organizam: em alguns casos, para exigir tarifas justas e, em outros, para exigir respeito e reconhecimento aos movimentos de não pagamento das altas tarifas de energia elétrica. Nas cidades, frente aos altos preços da energia elétrica e em um contexto de crise econômica, uma prática cada vez mais recorrente é tentar “puntear” [fazer ‘gatos’] os medidores de energia, colocando um cabo no interior deles para que a corrente vá diretamente ao fusível sem passar pelo contador. Além disso, segundo dados da Procuradoria Federal do Consumidor (Profeco), a cada ano se apresentam na Cidade do México aproximadamente 1.300 queixas contra a companhia Luz e Força do Centro, sendo a maioria por causa dos preços caros do serviço.
Assim, a população busca, com aquilo que tiver ao seu alcance, diferentes maneiras de resistir e se insubordinar contra as agressões estruturais de um sistema que pauperiza cada vez mais seu entorno e impossibilita o acesso aos serviços mais básicos. Por vezes buscando apenas solucionar uma necessidade imediata, outras vezes construindo processos organizativos regionais. Dessa forma, foram as contradições do sistema energético que geraram movimentos amplos e diversos de rechaço ao modelo neoliberal do México.
Um dos exemplos mais emblemáticos das resistência aos megaprojetos da Comissão Federal de Eletricidade tem sido protagonizado pelos membros do Conselho de Ejidos [terras comunais] e Comunidades Opositoras à Represa La Parota (CECOP), que conseguiram frear o megaprojeto hidroelétrico nas suas terras. Depois de quatro anos de resistência, e ainda que o projeto da represa no esteja definitivamente cancelado, conseguiram defender e afirmar seus direitos enquanto comunidades. Com sua luta e suas experiências, têm sido inspiração para a criação de diversos processos de resistência aos megaprojetos da CFE e, particularmente, para diferentes iniciativas de coordenação entre esses movimentos.
Dessa maneira, durante o Encontro de Resistências ocorrido em maio de 2007 em Oaxaca, a valente resistência do CECOP frente às ameaças de repressão governamental foi a inspiração para a organização de uma Jornada Nacional de Mobilização contra a CFE, que aconteceu de 13 a 20 de junho de 2007. Essa jornada não foi só uma expressão de solidariedade com a digna luta do CECOP, mas também um espaço onde as comunidades e organizações de diversas regiões expressaram suas próprias demandas e exigências frente às arbitrariedades da Comissão Federal de Eletricidade.
Durante a Jornada Nacional realizaram-se marchas, encontros e pronunciamentos públicos em Campeche, Chiapas, Distrito Federal, Oaxaca e Veracruz, sendo as principais exigências: o cancelamento dos megaprojetos hidroelétricos e eólicos da CFE, o alerta à privatização do setor energético, o respeito aos movimentos de não pagamento das altas tarifas de eletricidade, o rechaço ao Plano Puebla-Panamá e o fim à repressão contra os movimentos de resistência civil.
A Jornada Nacional de Mobiliação contra a CFE se converteu, assim, na precursora dos trabalhos de coordenação e aliança nacional que hoje estão dando seus primeiros frutos. Resultado dessa jornada e de necessidades concretas de articulação, os povos em resistência às políticas da Comissão Federal de Eletricidade se encontraram no último mês de novembro em uma comunidade como uma longa e importante história de luta contra o modelo neoliberal.
Encontro Popular “Água, Energia e Alternativas Energéticas”: os povoados em resistência de La Parota
Dos dias 6 a 8 de novembro aconteceu em Aguacaliente, Bienes Comunales de Cahuatepec, comunidade que integra o CECOP no estado de Guerrero, o Encontro Popular “Água Energia e Alternativas Energéticas”. Mais de 400 pessoas representantes de redes nacionais, organizações sociais, sindicatos e comunidades dos estados de Guerrero, Campeche, Chiapas, Chihuahua, Distrito Federal, Jalisco, Nayarit, Oaxaca, San Luís Potosí e Veracruz se reuniram para compartilhar seus problemas e definir ações coordenadas a nível nacional.
Talvez tenham confluído pela primeira vez comunidades que resistem à política privatizadora de energia em quase todas as suas facetas: os megaprojetos (represas, parques eólicos, cabos elétricos de alta tensão), os aumentos das tarifas de energia elétrica e a mineração, que foram os eixos articuladores dos trabalhos durante os três dias.
O descontentamento e o inconformismo contra as altas tarifas de energia elétrica começam a se generalizar em boa parte do país. Nesse encontro se constatou que cada vez há mais comunidades e municípios inteiros que começam a se organizar e repelir as investidas da Comissão Federal de Eletricidade, que, seguindo os ditames das instituições financeiras internacionais, exporta energia a preço preferencial para outros países, principalmente para os Estados Unidos. Em contrapartida, vem impondo tarifas estratosféricas aos povoados [aldeias], que as comunidades camponesas e indígenas do país não conseguem pagar. Como resultado, milhares de usuários de Campeche, Veracruz, Tabasco e Chiapas se declararam “em Resistência Civil às altas tarifas de energia elétrica”, constituindo um movimento regional que vem se estendendo a vários estados do norte do país, como Baixa Califórnia e Chihuahua, assim como outras regiões, ganhando contornos de uma resistência nacional.
No Encontro Popular em La Parota, integrantes da resistência civil às altas tarifas de energia elétrica de Veracruz, Campeche, Guerrero, Oaxaca e Chiapas compartilharam experiências de luta e organização. A presença de processos organizativos tão diversos em formas, tempos e práticas permitiu que se fizesse uma espécie de radiografia a partir da experiência dos povoados, em um difícil caminho de resistência civil, de insubordinação, de questionamento a um sistema que lhes exige pagar pelo serviço.
Boa parte dos processos que se apresentaram parece ter seguido um mesmo caminho. No início as comunidades optaram por negociar a cobrança cara da energia elétrica com a Comissão Federal de Eletricidade. Foi um caminho que se abandonou em pouco tempo por causa da falta de interesse e incompetência da CFE, com as idas e voltas, as condições, as promessas não cumpridas, o oferecimento de “créditos” para, no fim, terminar pagando mais…
“A solução não é levar os recibos à CFE. Sim, é possível negociar os recibos, mas eles chegarão ainda mais caros no semestre seguinte… Fecham-nos as portas, não nos levam em consideração na CFE e em nenhum outro lugar se não estivermos bem organizados, por isso não temos outra opção além de aderir ao não-pagamento” (Depoimento de um companheiro do sul de Veracruz)
Outra experiência interessante foi a de um ex-trabalhador da CFE, que explicou: “Lópes Mateos [presidente do México entre 1958-1964] nacionalizou a energia elétrica, a CFE nasceu sem fins lucrativos: não para gerar lucro, mas para o benefício de todos os mexicanos… As tarifas são fixadas pela Secretaria da Fazenda, que não sabe nada de energia”.
Um dos momentos mais significativas se deu quando o processo organizativo das comunidades em resistência às altas tarifas dos estados de Campeche, Veracruz e Chiapas, que levaram vários anos de caminhada se fortalecendo cada vez mais, se encontraram com a Montanha de Guerrero, onde 27 comunidades começaram a gestar um processo de resistência às altas tarifas de energia elétrica. Frente ao caminho trilhado pelas experiências organizativas de Chiapas desde mais de uma década, assim como aos processos de Veracruz com seis anos e Campeche com dois anos, os representantes das comunidades de Guerrero se deram conta de que são muitas as comunidades em resistência ao pagamento das altas tarifas de luz, comunidades que tomaram em suas próprias mãos a manutenção das redes de energia elétrica para defender e reivindicar sua autonomia como povoados, comunidades que estão organizando movimentos sociais regionais e que aspiram construir um movimento nacional.
E esse foi precisamente um dos principais acordos do Encontro Popular: a conformação da Rede Nacional de Resistência Civil contra as Altas Tarifas de Energia Elétrica. Fruto da caminhada das resistências e da ânsia por aglutinar e coordenar forças, o nascimento da Rede Nacional significa uma articulação de vários movimentos do país que identificam um inimigo comum: o sistema neoliberal, que enriquece alguns e empobrece a vida de outros e outras…
As agressões governamentais não se fizeram esperar. Tão logo uns dias depois da realização desse Encontro, companheiros e companheiras do Movimento de Resistência Civil do Não Pagamento de Luz Elétrica do município de Candelária, em Campeche, receberam o aviso de uma denúncia criminal contra eles. Denúncia que se insere na estratégia de repressão e intimidação àquelas pessoas que se atrevem a levantar a voz e se organizar. Como disse um companheiro da Montanha de Guerrero: “O resultado das reivindicações dos nossos povos sempre foram as ordens de prisão”.
O movimento de Resistência Civil do Não Pagamento de Luz Elétrica no município de Candelária, em Campeche
O município de Candelária se encontra a 239 km da capital do estado e faz fronteira com Tabasco e a Guatemala. Candelária tem aproximadamente 37.000 habitantes e é um dos municípios do estado de Campeche com maior porcentagem de analfabetismo. Suas principais atividades econômicas são a agricultura, a criação de gado e o comércio. O salário mínimo da região é de 49,50 pesos diários.
O movimento de Resistência Civil do Não Pagamento de Luz Elétrica em Candelária, Campeche, é um movimento que teve início em agosto de 2006, devido às excessivas tarifas de energia elétrica e ao serviço precário proporcionado pela Comissão Federal de Eletricidade. Sua exigência tem sido o estabelecimento de uma tarifa justa, adequada ao nível aquisitivo da população da região. Atualmente mais de 30 comunidades se agrupam nesse movimento. Identificam-se com um decalque colado no medidor dizendo: “Não à privatização da Energia Elétrica!”.
Inicialmente, o Movimento de Resistência Civil tentou negociar com a Comissão Federal de Eletricidade exigindo uma tarifa mais justa. Esse caminho não funcionou; os descumprimentos dos acordos firmados pelos funcionários, os contantes cortes da luz pela CFE, assim como as reações violentas dos funcionários nas negociações, fizeram o Movimento de Resistência de Candelária desistir dessa via. Além da forte presença policial e militar que é regra em todo país, mas que em Campeche recrudesceu ainda mais, justificado por Calderón com o pretexto militarista da “luta contra o narcotráfico”. Foi assim que a Resistência Civil de Candelária decidiu tomar o caminho da autonomia e, exercendo o legítimo direito dos povos, deu por encerradas as negociações com a Comissão Federal de Eletricidade, passando a se agrupar com a “Outra Campanha”, esforço político organizativo que tenta construir “outra forma de fazer política”, articulando povos indígenas e camponeses, organizações sociais e civis, coletivos e pessoas. Começam então os esforços organizativos autônomos, realizando cursos de capacitação sobre o manejo de energia elétrica, com o objetivo de desenvolver uma formação sobre a reparação e manutenção do sistema elétrico.
Porém, começam também as intimidações, que desembocam em uma situação crítica para as companheiras e os companheiros em resistência na Candelária, Campeche. Há alguns meses começaram os rumores de que ocorreriam operações para desmontar as instalações elétricas das famílias em resistência. Em junho, as companheiras e os companheiros receberam a visita de uma comissão “especial” de empregados da CFE da capital de Campeche. Tranquilamente lhes comunicaram que não estavam planejando operações de desmantelamento. No entanto, um mês depois começaram as investidas. A primeira operação violenta aconteceu em 9 de julho, quando vários empregados da CFE iniciaram os cortes massivos de energia elétrica na sede do município da Candelária, deixando sem luz doze pessoas. A comunidade se agrupou para resistir à intimidação, exigindo a re-instalação total até às 23h30. Depois, no dia 25 de setembro, em uma operação mais violenta e intimidadora, da qual participaram cerca de 20 veículos equipados da CFE e três patrulhas da polícia municipal, foram feitos cortes massivos às comunidades em resistência da sede do município de Candelária e à comunidade Francisco J. Mújica, deixando 60 famílias sem energia. Em meio às exigências para a re-instalação do serviço, a resistência civil da Candelária se reuniu com um representante da CFE que se comprometeu em respeitar o movimento e informar as instâncias correspondentes sobre a situação.
O tal funcionário da CFE cumpriu sua promessa e informou as autoridades. Isso desembocou numa denúncia criminal contra Sara López e Joaquín Aguilar, dois dos mais ativos integrantes do Movimento de Resistência Civil do Não Pagamento de Luz Elétrica. Atualmente enfrentam um processo promovido pelo responsável legal da Comissão Federal de Eletricidade, Joel Rafael Baeza, como presumidos responsáveis pelos crimes de privação ilegal da liberdade de um funcionário público e de impedimento da realização de um serviço público, abrindo-se a investigação prévia de código PGR/CAMP/ESC-1/103/2008. Nos últimos dias se descobriu que existem, ao menos, três outros companheiros envolvidos na investigação prévia.
Esse processo penal aparentemente está sendo movido pela alta hierarquia da Comissão Federal de Eletricidade, a cargo do superintendente de Campeche, Augusto Trejo Castro, que, sob ordens de Jorge Humberto Gutiérrez Requejo, gerente da Divisão Peninsular da CFE (com escritórios em Mérida, Yucatán), vem empreendendo uma operação jurídica de desgaste, a fim de debilitar o processo político e organizativo das companheiras e companheiros da Resistência Civil. Esse endurecimento se mostra por dois fatos fundamentais: por um lado, o caso foi entregue à Agência do Ministério Público de Escárcega, apesar de existir um escritório na cidade de Candelária, citando em duas ocasiões de um dia para o outro, dificultando o deslocamento das companheiras e companheiros da Resistência Civil, criando um desgaste de ânimo e monetário muito forte. Por outro lado, quanto ao processo, existem comentários duvidosos e sugestivos por parte da advogada do escritório e os funcionários do Ministério Público que cuidam do caso, propondo aos companheiros aceitarem parte da responsabilidade sobre os acontecimentos, sugerindo que “as ordens vêm de cima”, havendo poucas possibilidades de avançar no processo penal. Essas situações permitem enxergarmos a participação de funcionários de médio nível e inclusive alto nível no processo contra as companheiras e os companheiros do Movimento de Resistência Civil de Candelária, Campeche.
Cabe mencionar que as companheiras e os companheiros de Campeche tiveram uma participação destacada no Encontro Popular “Água, Energia e Alternativas Energéticas” ocorrido recentemente em La Parota. Nesse encontro fez-se um acordo entre as principais lutas e movimentos organizados que enfrentam embates com a Comissão Federal de Eletricidade. Como explica a companheira Sara López: “estamos em resistência ao serviço ruim que a CFE fornece aos nossos povoados. Também estamos em resistência porque as tarifas são injustas e impagáveis, com um salário mínimo de 49 pesos… O serviço elétrico é do povo, não dos legisladores nem do governo. Não pagar as tarifas injustas não é um roubo à nação. O governo nunca nos consultou sobre as tarifas… Nós não estamos negando o pagamento, mas enquanto não houver uma tarifa justa, ainda que isso leve anos, não vamos pagar…”
A estratégia de repressão empreendida pelas instâncias oficiais coincide com um dos principais acordos do Encontro Nacional em La Parota: a conformação de uma Rede Nacional de Resistência Civil Contra as Altas Tarifas de Energia Elétrica. É evidente o temor das instâncias governamentais frente a um movimento popular de descontentamento e questionamento estrutural que se estende já por vários estados do país. Parece ser um tipo de advertência para outros movimentos de resistência civil que levam anos questionando e negando o pagamento das altas tarifas de energia elétrica.
A denúncia contra Sara López, Joaquím Aguilar e demais companheiros e companheiras é uma forma evidente de intimidação e perseguição política, disfarçada de procedimento penal, com a finalidade de amedrontar o movimento de Resistência Civil da Candelária, que vinha crescendo numericamente e em coesão das revindicações. O Movimento de Resistência Civil do Não Pagamento de Luz Elétrica em Candelária iniciou uma estratégia de defesa jurídica que conta com o respaldo das populações em resistência em Chiapas, Veracruz, Tabasco, Guerrero, Oaxaca, entre outros. A Comissão Federal de Eletricidade, a Secretaria da Fazenda, os governos estaduais e o governo federal devem saber que as resistências não estão isoladas e não vão responder individualmente. Esse é um movimento que cresce e ganha cada vez mais força. Se a estratégia governamental pretendia frear e debilitar um movimento, nas ações de resposta ganhará sentido, então, a palavra de ordem: “Se atacam a um, atacam a todos!”
Notas
[1] Comisión Federal de Electricidad, “Programa de Obras e Inversiones del Sector Eléctrico 2008-2017”.
[2] La Jornada, 2/02/2008.
[3] Sindicato Mexicano de Electricistas, “Las tres hermanas españolas se reparten el pastel de la generación de electricidad en México”.
Sobre este artigo
Este artigo foi originalmente publicado em espanhol no CETRI em dezembro de 2008, e agora traduzido pelo Passa Palavra a partir da sugestão deixada por um leitor em comentário em um texto sobre o movimento por água e luz de Guiné-Bissau. A parte 2 será publicada em português na próxima semana.