Por detrás do discurso da “não-proliferação” de armas nucleares, existe realmente um gigantesco mercado que o capitalismo não se consente ignorar. Ao contrário do que nos querem fazer crer, há uma total promiscuidade entre as tecnologias nucleares “civis” e o seu aproveitamento para fins militares. Esse grande negócio acontece por trás da cortina de fumo dos discursos. Por Manlio Dinucci e Tommaso di Francesco

O que ocorreu em Washington nos dias 12 e 13 de Abril foi a maior cimeira convocada nos últimos 65 anos por um presidente dos Estados Unidos: nela participaram os chefes de Estado e de governo de 47 países.

Tema central: a “segurança nuclear”. De facto, o presidente Obama puxou o sinal de alarme: «O perigo mais imediato e mais extremo, hoje, é o terrorismo nuclear». A esta ameaça, acrescenta-se em Washington, junta-se a da proliferação nuclear: então acusa-se o Irão [Irã], e na sua esteira a Coreia do Norte, de alimentarem ambições nucleares, em violação do Tratado de Não-Proliferação (TNP). A proposta de base, feita por Obama na Cimeira, é a de reforçar o controlo de todos os quantitativos de urânio muito enriquecido e de plutónio.

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Na véspera da cimeira sobre segurança nuclear, o primeiro-ministro indiano Manmohan Singh e o presidente estadunidense Barack Obama assinaram um importante contrato de transferência de materiais nucleares.

Mas, paradoxalmente, são precisamente os Estados Unidos e as outras potências nucleares, protagonistas da cimeira de Washington, que favorecem a proliferação dessas armas. Numa situação em que um pequeno grupo de Estados pretende conservar a posse de armas nucleares, e continua a modernizá-las, é cada vez mais provável que outros tentem obtê-las. Além dos nove países que as têm, há pelo menos 40 que estão em condições de as fabricar.

Não há de facto uma clara separação entre o uso civil e o uso militar da energia nuclear e, com os reactores, pode-se extrair urânio muito enriquecido e plutónio adequados ao fabrico de armas nucleares. Calcula-se que a quantidade disponível em todo o mundo permitiria fabricar mais de 100.000 armas nucleares, e a produção continua em quantidades crescentes: mais de 130 reactores nucleares “civis” produzem urânio muito enriquecido, adaptado ao fabrico de armas nucleares.

O que estão a fazer os Estados Unidos, promotores da cimeira, para garantir a “segurança nuclear”, é demonstrado pelos factos. Em 29 de Março concluíram com Nova Deli um acordo na base do qual vão fornecer à Índia combustível nuclear “extinto” para fins de reciclagem, e esta poderá extrair daí urânio e plutónio. Assim se torna operacional o acordo estabelecido em 2008 pela administração Bush, que prevê o fornecimento à Índia de material físsil e de tecnologia nuclear.

Em troca, a Índia compromete-se a aderir “parcialmente” ao TNP, submetendo às inspecções 14 instalações nucleares civis, mas mantendo 8 instalações militares não sujeitas a inspecções. Os programas de Nova Deli preveem um desenvolvimento exponencial da indústria nuclear que abre um mercado de mais de 150 mil milhões de dólares, e ao qual os EUA querem ter acesso com a venda de reactores e de tecnologias que são, de facto, de duplo uso, civil e militar. Mas os Estados Unidos estão em concorrência com a Rússia, que assinou o enorme acordo para o fornecimento de tecnologias nucleares à Índia.

À mesa desta mesma cimeira, junto com o primeiro-ministro indiano (com quem Obama se encontrara na véspera para oficializar o acordo), sentava-se o primeiro-ministro do Paquistão, um aliado dos EUA que nunca subscreveu o TNP. Tal como a Índia, este possui um arsenal calculado em 70 a 90 armas nucleares. Presentemente, segundo o New York Times de 12 de Abril, como reacção ao acordo Washington-Nova Deli, o Paquistão está a construir mais três instalações para realizar “uma segunda geração de armas nucleares”.

_matiasA essa mesma mesa se sentou, também, um outro aliado dos Estados Unidos, [o Estado de] Israel (representado pelo ministro das Informações e da Energia Atómica, Dan Meridor), que não subscreve o TNP nem admite oficialmente ser possuidor de armas nucleares, apesar de possuir centenas delas. Fora de qualquer controlo, Israel acumulou uma quantidade de plutónio para armas nucleares que se calcula ser de meio quintal [50 kg], e continua a produzir dezenas de quilos por ano. Ao contrário, o Irão [Irã] não foi convidado, ele que subscreveu o TNP e não possui armas nucleares. E, ao lado de Israel, sentam-se a França, que forneceu a Israel o seu primeiro reactor para o fabrico de armas nucleares, e a Alemanha que, com os Estados Unidos, contribuiu para a potencialização das forças nucleares israelitas fornecendo-lhe três submarinos Dolphin com capacidade de lançamento de mísseis nucleares.

Todavia, para não prejudicar os países árabes, os Estados Unidos assinaram uma série de acordos para fornecimento de tecnologias nucleares e de material físsil aos Emirados Árabes Unidos, à Arábia Saudita, ao Bahrein, ao Egipto, a Marrocos e à Argélia.

Assim se abriu uma grande campanha promocional – na qual também participam a França, o Japão, a Rússia e a China – para vender centrais nucleares chaves-na-mão no Médio Oriente e no norte de África. Espalham-se assim tecnologias “civis” que permitem a outros países a construção de armas atómicas. Tudo isso em nome da “segurança nuclear”.

Versão original do Il Manifesto, publicada em italiano e francês em VoltaireNet. Tradução do Passa Palavra.

Imagem de Destaques por Latuff.


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