“Digamos NÃO aos princípios promovidos pelo Banco Mundial para investimentos ‘responsáveis’ por parte das empresas agro-alimentares!” – um apelo lançado em Abril deste ano por quatro grandes ONGs e posteriormente subscrito por centenas de outras em todo o mundo. Por La Vía Campesina – FIAN – Land Research Action Network – GRAIN

A vermelho, países onde têm sido feitas compras de terras.
A vermelho, países onde têm sido feitas compras de terras.

Respondendo à nova vaga de açambarcamento de terras, na qual Estados e investidores privados, desde a Citadel à Goldman Sachs, alugam ou compram dezenas de milhões de hectares de boas terras agrícolas na Ásia, em África e na América Latina para produzirem alimentos ou agrocombustíveis, o Banco Mundial (BM) está a promover um conjunto de sete princípios capazes de assegurar o êxito desses investimentos. A FAO, a FIDA e o CNUCED aceitaram juntar-se ao BM para, juntos, fazerem progredir esses princípios [1]. O seu ponto de partida é que a actual corrida do sector privado para a aquisição de terras agrícolas comporta riscos. O BM terminou agora um estudo que mostra como é importante essa tendência que vise sobretudo a transferência para investidores estrangeiros de direitos sobre terras agrícolas dos países em desenvolvimento. O BM parece convencido de que qualquer fluxo de capital privado destinado à expansão do agronegócio transnacional nas regiões onde ainda não penetrou é bom e deve poder avançar para que o sector industrial possa tirar mais riquezas do meio rural. Como esses investimentos implicam uma privatização massiva e uma transferência dos direitos sobre a terra, o BM pretende fazer aplicar um certo número de critérios para diminuir os riscos de explosões sociais: “respeito” pelos direitos dos actuais utilizadores da terra, da água e de outros recursos (por meio de indemnizações), protecção e melhoria das condições de vida das famílias e das comunidades (fornecendo-lhes empregos e serviços sociais), e respeito pelo meio ambiente. São estas as ideias centrais que se escondem por trás dos sete princípios do BM para permitir um açambarcamento de terras “socialmente aceitável”.

Um funcionário da Karuturi Global Limited, uma empresa da Índia que tem quatro herdades comerciais na Etiópia, com os seus trabalhadores agrícolas em Bako, no centro da Etiópia, em Novembro de 2008.
Um funcionário da Karuturi Global Limited, uma empresa da Índia que tem quatro herdades comerciais na Etiópia, com os seus trabalhadores agrícolas em Bako, no centro da Etiópia, em Novembro de 2008.

Estes princípios não atingirão os objectivos anunciados. Estes princípios são, ao contrário, uma cortina de fumo para tentar legitimar a aquisição de terras em grande escala. Facilitar o controlo a longo prazo por agentes estrangeiros sobre terras agrícolas que pertencem a comunidades locais é totalmente inaceitável, quaisquer que sejam os princípios seguidos. Os princípios do BM, que seriam totalmente voluntários, visam desviar a nossa atenção do facto de que a crise alimentar actual, marcada por mil milhões [um bilhão] de pessoas em situação de carência de alimentos, não será resolvida pela agricultura industrial em grande escala, que é o objectivo de todas estas aquisições fundiárias.

Criança da escola primária de Dambas comendo alimentação de emergência, uma refeição de milho e ervilhas secas, normalmente a única em 24 horas, na região fustigada pela seca de Wajir, no nordeste do Quénia.
Criança da escola primária de Dambas comendo alimentação de emergência, uma refeição de milho e ervilhas secas, normalmente a única em 24 horas, na região fustigada pela seca de Wajir, no nordeste do Quénia.

O açambarcamento de terras começou a intensificar-se em numerosos países no decurso dos últimos dez ou quinze anos, com a adopção de políticas de desregulamentação, de acordos comerciais e de investimentos, e de reformas de governação voltadas para o mercado. As recentes crises alimentar e financeira foram o pretexto para esta vaga de açambarcamento de terras por governos e investidores financeiros para tentar garantir a capacidade da produção agrícola e os futuros stocks alimentares, assim como activos que, seguramente, lhes irão render grandes dividendos. Os governos ricos procuram alugar terras agrícolas por períodos longos a fim de alimentarem as suas populações e as suas indústrias. Paralelamente, as empresas procuram concessões de longa duração para aí estabelecerem plantações onde produzirão agrocarburantes, borracha, óleo, etc. Observa-se a mesma tendência nas regiões costeiras, onde a terra, os recursos marinhos e os hídricos são vendidos, alugados ou cedidos a promotores de turismo e às elites locais, em detrimento dos pescadores artesanais e das comunidades locais. De uma forma ou de outra, as terras agrícolas e as florestas são subtraídas ao controlo dos pequenos produtores – mulheres e homens –, dos pescadores e dos criadores de gado para fins comerciais, o que conduz à sua deslocação, à fome e à pobreza.

Com este actual açambarcamento de terras agrícolas em grande escala, o paradigma da mundialização transpôs uma nova etapa que irá sapar [enterrar] a autodeterminação dos povos e a sua soberania alimentar. O BM vê a terra e os direitos à terra como um trunfo crucial para as empresas que buscam grandes dividendos para os seus capitais. Para eles, a terra não é apenas a base para se produzirem alimentos e matérias-primas necessárias às novas formas de energia, é também a pedra angular para explorar as reservas de água.

fetch-5phpPor isso é mais importante do que nunca cada um proteger os seus recursos da cupidez das empresas e dos Estados, a fim de os manter à disposição de quem deles precisa para se auto-alimentar e alimentar os outros de forma durável, permitindo assim sobreviverem enquanto comunidades e sociedades.

O açambarcamento de terras em grande escala – mesmo quando não é acompanhado por expulsões forçadas – priva as comunidades locais de terra, destrói modos de vida, deixa menos espaço para políticas agrícolas orientadas para os camponeses, e arrasta uma distorção dos mercados que favorece a concentração cada vez maior do agronegócio e do comércio global, em vez de promover uma agricultura campesina durável, virada para os mercados locais e nacionais e para as gerações futuras. Deste modo serão também aceleradas a destruição dos ecossistemas e a crise climática.

fetch-4php1Promover ou permitir o açambarcamento de terras em larga escala é uma violação do Pacto internacional relativo aos direitos económicos, sociais e culturais. Está em contradição com a Convenção das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas. O açambarcamento de terras em grande escala ignora os princípios adoptados pela Conferência Internacional sobre a Reforma Agrária e o Desenvolvimento Rural (CIRADR), em 2006, e as recomendações feitas pela Avaliação Internacional dos Conhecimentos, das Ciências e das tecnologias agrícolas ao serviço do desenvolvimento (IAASTD em inglês).

O açambarcamento de terras em grande escala deve cessar imediatamente. Os princípios do BM tentam levar a crer que os açambarcamentos de terras podem não ter consequências desastrosas. Em vez disso, as organizações campesinas e dos povos indígenas, os movimentos sociais e grupos da sociedade civil reconhecem amplamente:

O que é preciso é:

– manter a terra nas mãos das comunidades locais e implementar uma verdadeira reforma agrária para assegurar um acesso equitativo à terra e aos recursos naturais;

– apoiar fortemente a agricultura campesina agro-ecológica, a pesca, a criação de gado em pequena escala, programas de investigação agro-económica participativa e programas de formação, para que os pequenos produtores possam produzir em abundância alimentos de qualidade e para todos;

– fazer mudanças profundas nas políticas agrícolas e comerciais com o objectivo de optar pela soberania alimentar e de apoiar os mercados locais e regionais a que as pessoas possam ter acesso para tirarem o seu lucro;

– promover sistemas agrícolas e alimentares baseados no controlo, pelas comunidades, de recursos como a terra, a água e a biodiversidade;

– implementar regulamentações estritas e obrigatórias que limitem o acesso das empresas e outros sectores públicos e privados às terras agrícolas, às zonas costeiras e húmidas, às pastagens e às florestas.

Nenhum princípio, seja qual for, pode justificar o açambarcamento de terras!

La Via Campesina
FIAN
Land Research Action Network
GRAIN

22 de Abril de 2010

Nota:

[1] Ver “Principles for Responsible Agricultural Investment that Respect Rights, Livelihoods and Resources”, disponível apenas em inglês aqui. A FAO é a organização das Nações Unidas para a alimentação e a agricultura; a CNUCED é a Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolviemtno; e o FIDA é o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola.

Tradução: Passa Palavra

Declaração entretanto subscrita por:

ÁFRICA

African Biodiversity Network (ABN)
Anywaa Survival Organisation, Ethiopia
Association Centre Ecologique Albert Schweitzer (CEAS BURKINA), Burkina Faso
Coordination Nationale des Usagers des Ressources Naturelles du Bassin du Niger au Mali, Mali
CNCR (Conseil National de Concertation et de Coopération des Ruraux), Sénégal
Collectif pour la Défense des Terres Malgaches TANY, Madagascar
Confédération Paysanne du Congo, Congo RDC
COPAGEN (Coalition pour la protection du patrimoine génétique africaine)
East African Farmers Federation (EAFF)
Eastern and Southern Africa Small Scale Farmers’ Forum (ESAFF)
Economic Justice Network of FOCCISA, Southern Africa
Food Security, Policy and Advocacy Network (FoodSPAN), Ghana
FORA/DESC, Niger
Ghana Civil Society Coalition on Land (CICOL), Ghana
Haki Ardhi, Tanzania
Inades-Formation
IPACC (Indigenous People of Africa Co-ordinating Committee)
London International Oromo Workhshop Group, Ethiopia
ROPPA (Réseau des Organisations Paysannes et des Producteurs de l’Afrique de l’Ouest)
Synergie Paysanne, Bénin

ÁSIA

Aliansi Gerakan Reforma Agraria (AGRA), Indonesia
All Nepal Peasants’ Association (ANPA), Nepal
Alternative Agriculture Network, Thailand
Alternate Forum for Research in Mindanao (AFRIM), Philippines
Andhra Pradesh Vyvasaya Vruthidarula Union (APVVU), India
Anti Debt Coalition (KAU), Indonesia
Aquila Ismail, Pakistan
Asian Human Rights Commission (AHRC)
Bantad Mountain Range Conservation Network, Thailand
Biothai (Thailand)
Bridges Across Borders Southeast Asia, Cambodia
Centre for Agrarian Reform, Empowerment and Transformation, Inc., Philippines
Centro Saka, Inc., Philippines
CIDSE, Lao PDR
Daulat Institute, Indonesia
Delhi Forum, India
Focus on the Global South, India, Thailand, Philippines
Foundation for Ecological Recovery/TERRA, Thailand
Four Regions Slum Network, Thailand
Friends of the Earth Indonesia (WALHI), Indonesia
HASATIL, Timor Leste
IMSE, India
Indian Social Action Forum (INSAF), India
Indonesian Fisher folk Union (SNI), Indonesia
Indonesian Human Rights Committee for Social Justice (IHCS), Indonesia
Indonesian Peasant’ Union (SPI). Indonesia
International Collective in Support of Fishworkers (ICSF), India
Kelompok Studi dan Pengembangan Prakarsa Masyarakat/Study Group for the People Initiative & Development (KSPPM), Indonesia
KIARA-Fisheries Justice Coalition of Indonesia, Indonesia
Klongyong and Pichaipuben Land Cooperatives, Thailand
Land Reform Network of Thailand, Thailand
Lokoj Institute, Bangladesh
MARAG, India
Melanesian Indigenous Land Defense Alliance (MILDA)
My Village, Cambodia
National Fisheries Solidarity Movement (NAFSO), Sri Lanka
National Fishworkers Forum, India
National Forum of Forest Peoples and Forest Workers, India
Northeastern Land Reform Network, Thailand
Northern Peasant Federation, Thailand
NZNI, Mongolia
PARAGOS-Pilipinas, Philippines
Pastoral Peoples Movement, India
PCC, Mongolia
People’s Coalition for the Rights to Water (KruHA), Indonesia
PERMATIL (Permaculture), Timor-Leste
Perween Rehman, Pakistan
Project for Ecological Awareness Building (EAB),Thailand
Roots for Equity, Pakistan
Sintesa Foundation, Indonesia
Social Action for Change, Cambodia
Solidarity Workshop, Bangladesh
Southern Farmer Federation, Thailand
Sustainable Agriculture Foundation, Thailand
The NGO Forum on Cambodia, Cambodia
Village Focus Cambodia, Cambodia
Village Focus International, Lao PDR
World Forum of Fisher Peoples (WFFP), Sri Lanka

AMÉRICA LATINA

Asamblea de Afectados Ambientales, México
BIOS, Argentina
COECO-Ceiba (Amigos de la Tierra), Costa Rica
FIAN Comayagua, Honduras
Grupo Semillas, Colombia
Red de Biodiversidad de Costa Rica, Costa Rica
Red en Defensa del Maiz, México
REL-UITA
Sistema de la Investigación de la Problemática Agraria del Ecuador (SIPAE), Ecuador

EUROPA

Both Ends, Netherlands
CADTM, Belgium
Centre Tricontinental – CETRI, Belgium
CNCD-11.11.11, Belgium
Comité belgo-brasileiro, Belgium
Entraide et Fraternité, Belgium
FIAN Austria
FIAN Belgium
FIAN France
FIAN Netherlands
FIAN Norway
FIAN Sweden
FUGEA, Belgium
Guatemala Solidarität, Austria
SOS Faim – Agir avec le Sud, Belgium
The Slow Food Foundation for Biodiversity, Italy
The Transnational Institute (TNI), Netherlands
Uniterre, Switzerland

AMÉRICA DO NORTE

Agricultural Missions, Inc. (AMI), USA
Columban Center for Advocacy and Outreach, USA
Cumberland Countians for Peace & Justice, USA
Grassroots International, USA
National Family Farm Coalition, USA
Network for Environmental & Economic Responsibility, United Church of Christ, USA
Pete Von Christierson, USA
PLANT (Partners for the Land & Agricultural Needs of Traditional Peoples), USA
Raj Patel, Visiting Scholar, Center for African Studies, University of California at Berkeley, USA
The Institute for Food and Development Policy (Food First), USA
Why Hunger, USA

INTERNACIONAIS

FIAN International
Friends of the Earth International
GRAIN
La Vía Campesina
Land Research Action Network (LRAN)
World Alliance of Mobile Indigenous People (WAMIP)
World Rainforest Movement (WRM)

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