Por Inny Accioly

No ano de 2012, o Brasil foi sede da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável (RIO+20) e nós, brasileiros, pudemos acompanhar uma verdadeira enxurrada de publicidades louvando a natureza e inúmeras receitas para a tão proclamada sustentabilidade. Certamente, as mentes mais críticas se inquietaram com a seguinte pergunta: Já que hoje tanto se fala na defesa do meio ambiente, por que as práticas são tão devastadoras?

Há dez anos, na ocasião da RIO+10, o ambientalista Fábio Feldmann [1] anunciou: “Desde a Rio 92, a consciência ambiental aumentou, mas nem por isso a degradação ambiental diminuiu.”

Apesar do aumento da aceitação do ideário ambiental no meio empresarial e no meio político, observamos que muitos dos que proferem o discurso da sustentabilidade socioambiental levam adiante práticas reconhecidamente insustentáveis. Aliado a isso, atuam diretamente para a “flexibilização” da legislação ambiental, o enfraquecimento dos órgãos de fiscalização e o corte sistemático de verbas para a gestão do meio ambiente, configurando um claro movimento antiecológico. [2]

Para a melhor compreensão das disputas travadas no campo ambiental, especificamente na arena política, voltemos nossas atenções para o “Poder Legislativo” do Estado brasileiro, o Congresso Nacional, composto pela Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Nestas duas “casas” foram criadas comissões específicas de Meio Ambiente, onde são debatidas as matérias ambientais, emitidos pareceres, realizadas audiências públicas e votados projetos de lei na temática ambiental.

Analisando a composição das mesas diretoras destas comissões de meio ambiente e as declarações relativas às doações das campanhas eleitorais dos parlamentares membros, identificamos grupos empresariais e setores produtivos que investiram fortemente nas campanhas eleitorais de parlamentares que, após eleitos, exerceram função nestas comissões, nos anos de 2010 e 2011.

TABELA 1

TABELA 2

Dentre as empresas identificadas, algumas foram alvo de denúncias de irregularidades trabalhistas e respondem ou responderam processos ambientais e trabalhistas. Muitas destas empresas já foram multadas por órgãos ambientais.

Segundo a Constituição Federal de 1988, a Câmara dos Deputados “compõe-se de representantes do povo” e o Senado Federal “compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal”. É importante considerar que estes representantes são eleitos pelas populações dos seus Estados de origem e que, no Brasil, a legislação eleitoral (Lei nº 9.504/97) prevê e autoriza doações de recursos financeiros por parte de pessoas físicas e jurídicas aos candidatos às eleições.

Entretanto, o financiamento privado de campanhas eleitorais, sendo uma prática legalizada, carrega consigo alguns graves problemas. De acordo com a Lei nº 9.504/97, Art. 30-A, § 2º, “Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado”.

Entretanto, a Constituição Federal, em seu art.55, § 2º, diz que a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado por meio de voto secreto, nos casos em que o parlamentar infringir proibições definidas na lei, promover quebra de decoro parlamentar ou tiver direitos políticos suspensos. Desta forma, um candidato que tenha captado ilegalmente recursos para a sua campanha eleitoral, se for comprovada a fraude após o candidato ter sido diplomado, este só poderá ter seu mandato cassado através de votação secreta dos seus próprios pares. A história recente já nos mostrou como são solidários os parlamentares quando o assunto é a cassação de seus colegas no Congresso.

Outro ponto importante a ser considerado em relação ao mecanismo de financiamento privado de campanhas eleitorais é a prática corrente de algumas empresas investirem grande quantidade de recursos na candidatura de muitos dos candidatos que posteriormente são eleitos, demonstrando que esta verba recebida de fato faz a diferença nas eleições.

Neste sentido, podemos compreender que a representação política feita através dos parlamentares que compõem o Congresso Nacional não traduz a pluralidade de interesses de uma sociedade conflituosa, mas manifesta as posições e acordos de determinados grupos do poder econômico. Criam-se os monopólios da representação política, com os parlamentares atuando como funcionários das empresas que os ajudaram a se eleger, trazendo a lógica excludente do mercado para o campo da representação política no Congresso Nacional.

Observando o quadro das “doações”, percebemos a estreita relação entre empresas ligadas ao “agronegócio ampliado” e as comissões de Meio Ambiente do Congresso Nacional. “Agronegócio ampliado” refere-se ao fato de, hoje, o agronegócio não se restringir aos proprietários rurais, sendo a agricultura atual avalista de um complexo sistema externo a ela (que engloba setores de transporte, geração de energia, logística, crédito rural, pesquisas, desenvolvimento de maquinaria, etc.) e que a subordina aos interesses do grande capital industrial e financeiro.

Desde 2001, empresas do agronegócio vêm investindo sistematicamente em campanhas de fortalecimento de sua imagem, tanto através da publicidade quanto através da Educação. O investimento publicitário no campo da Educação é uma forte estratégia do setor do agronegócio, aliando seus objetivos de valorização de suas logomarcas aos temas da sustentabilidade. Podemos notar, também, que o foco deste investimento é prioritariamente a Educação Pública.

Como exemplo, consideremos o caso da empresa Bunge [3], que foi identificada como uma das financiadoras de campanhas eleitorais de parlamentares que posteriormente vieram a compor as comissões de Meio Ambiente do Congresso Nacional e também de parlamentares que votaram pela flexibilização da legislação ambiental, especificamente do Código Florestal Brasileiro.

Sob o nome Bunge&Co., é uma das principais empresas do agronegócio e de alimentos do país. Situa-se entre as líderes em aquisição de grãos e processamento de soja e trigo, em produção de fertilizantes e ingredientes para nutrição animal, em fabricação de produtos alimentícios e em serviços portuários. No Brasil, as três empresas do grupo – Bunge Fertilizantes S/A, Bunge Alimentos S/A e Fertimport S/A – atuam de forma integrada em toda a cadeia produtiva, com presença em 16 estados. Principais ações em 2006: atividades educativas de meio ambiente para alunos e professores do ensino fundamental na Reserva Figueira Branca, nos CDALs (Centros de Divulgação Ambiental e Lazer) e no Centro de Educação Ambiental de Araxá; projeto em que estudantes trocam resíduos recicláveis por livros e CDs educativos; recuperação de matas ciliares da Bacia do Vale de Itajaí; capacitação de agricultores em legislação ambiental e na conservação da biodiversidade do Cerrado; promoção do Primeiro Workshop de Sustentabilidade, sobre a conservação da Amazônia; obras de infraestrutura (construção em Araxá de sede do Ministério Público, cadeia pública e complexo viário Max Neuman).

Destaques do Investimento Social Privado em 2007: expansão das ações de proteção ao Cerrado, por meio de parceria com as ONGs Conservação Internacional e Oréades (260 mil hectares abrangidos); criação, com as mesmas organizações, da Aliança BioCerrado, com o fim de promover a conservação da biodiversidade na região; parceria com Ministério de Meio Ambiente para educação ambiental de produtores; monitoramento de pacto para erradicação de trabalho degradante na cadeia de suprimentos agrícolas; parceria com ONG na reciclagem de óleo usado, interagindo com mais de 60 mil famílias.

Desta forma, podemos entender que a insistência do grupo empresarial em investir em educação ambiental assume o propósito de disseminar valores que tornem legítimos os seus próprios interesses corporativos. Um ponto que nos chama a atenção é a parceria que esta empresa estabeleceu com o Ministério do Meio Ambiente, especificamente na educação ambiental de produtores. Como fruto desta parceria, em 2007, foi produzida uma cartilha chamada “Responsabilidade ambiental na produção agrícola”.

A íntima relação do grupo Bunge com governos estaduais e municipais é explicitada em sua própria página na internet:

A Bunge recebe, de forma pontual, ajuda financeira indireta de governos municipais e estaduais, para a instalação ou ampliação de empreendimentos industriais ou agroindustriais considerados prioritários, isto é, que possam impactar positivamente a economia local. Esses impactos são medidos por meio da geração de renda, emprego para a mão-de-obra local, aquisição de matérias-primas produzidas localmente e potencial influência na criação de micro e pequenas empresas.

A participação dos governos se dá por meio de incentivos fiscais, financiamentos em condições especiais e doações de terrenos. Por motivos estratégicos, o Grupo não considera conveniente divulgar detalhes dessas operações. [4]

É preciso lembrar que o grupo “Bunge” tem a sua matriz em Nova York e opera em países da América do Sul (Argentina, Brasil, Colombia, Paraguay, Peru e Uruguay), além de países da Ásia, África, Oriente Médio, Caribe e Europa.

Este grupo empresarial trabalha com a cadeia de produção global de alimentos, operando ao longo de todo o seu comprimento. “Nós vendemos fertilizantes aos agricultores, nós compramos as suas culturas, armazenamos, movemos e transformamos em produtos de valor agregado – alimentos para animais, farinha, óleo vegetal, açúcar e biocombustíveis”[5].

Na cadeia de produção e distribuição da Bunge, o Brasil ocupa o papel de exportador de produtos agrícolas, processador de oleaginosas e moinhos de trigo. Para tanto, “suprimos agricultores com fertilizantes comerciais. Possuímos e operamos oito usinas no Brasil que produzem açúcar, etanol e eletricidade”.

As atividades da Bunge no Brasil são intensivas no que diz respeito ao uso dos “recursos naturais”. Podemos notar que, enquanto “incentivadora” dos agricultores locais, quaisquer danos causados ao meio ambiente seriam de responsabilidade destes agricultores e não da Bunge. Ao mesmo tempo, é de extremo interesse da Bunge a exploração intensiva da natureza. Assim, através de meios econômicos de coerção, impõe aos agricultores as condições para a exploração da natureza. Ao mesmo tempo, realiza cursos, palestras e elabora cartilhas sobre como preservar a natureza e ser “ambientalmente responsável”.

Se aceitamos que o problema não é esta ou aquela corporação nem esta ou aquela agência internacional, senão o próprio sistema capitalista – com suas “compulsões pela constante autoexpansão” – concluímos que os efeitos prejudiciais deste sistema não podem ser eliminados apenas domando as corporações globais ou tornando-as mais “éticas”, “responsáveis” ou “socialmente conscientes”. Nem a corporação mais benigna ou “responsável” pode escapar a estas compulsões do capitalismo, pois tem que seguir as leis do mercado com o objetivo de sobreviver, o que significa inevitavelmente colocar os lucros acima de todas as demais considerações, com todas as suas consequências destrutivas.

Neste movimento de autoexpansão das “compulsões” capitalistas, podemos perceber que os Estados Nacionais (incluindo suas repartições em estados e municípios) desempenham um papel fundamental ao garantirem: tanto a propriedade quanto a não-propriedade; o poder coercitivo (jurídico e militar) nos momentos em que são necessários; as isenções fiscais e financiamentos “especiais”; as doações de terras em prol de um “interesse público”; as parcerias em obras que a rigor deveriam ser realizadas pelos governos; as parcerias na área da educação, como forma de “educar o consenso”.

Neste contexto, o discurso ecológico ganha força enquanto ideologia capaz de unificar as classes em torno de um falso consenso. A preocupação com a qualidade ambiental, por ser manifestada em diferentes contextos, por diferentes setores sociais e com diferentes posicionamentos políticos, carrega consigo, na maioria das vezes, a falsa prerrogativa de estar acima da luta de classes, acima dos interesses políticos, de estar “nem à direita e nem à esquerda” e de ser uma preocupação comum pela manutenção da vida na terra [6].

Assim, a chamada “consciência ambiental” segue contribuindo para o aprofundamento das contradições de classe, a exploração consentida dos trabalhadores, o mascaramento dos conflitos sociais e a ampliação do lucro dos capitalistas.

Notas

[1] Fábio Feldmann atua na área de meio ambiente desde os anos 70, como militante, parlamentar, secretário de estado e consultor. Foi fundador de diversas ONGs ambientalistas. Participou, como Deputado Constituinte, na elaboração da Constituição de 1988, sendo responsável pela elaboração do capítulo destinado ao meio ambiente. Durante sua vida legislativa, Fabio Feldmann foi autor de diversas leis, dentre elas: a Lei de Redução de Emissões de Poluentes por Veículos, a Política Nacional de Educação Ambiental e a Lei de Acesso Público aos Dados e Informações Ambientais. Além disso, Fabio Feldmann foi relator de importantes leis como a Política Nacional de Recursos Hídricos e do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza.
[2] Accioly; Sánchez; Layrargues, Anti-ecologismo no Congresso Nacional: o meio ambiente representado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Anais do VI Encontro Pesquisa em Educação Ambiental. Ribeirão Preto, setembro de 2011. Disponível em http://epea2011.webnode.com.br/products/a0063-1-/.
[3] As informações foram retiradas do relatório “O Investimento Social Privado dos EUA no Brasil – Uma análise de empresas do Grupo+Unidos”, elaborado pelo GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas). Disponível em http://www.gife.org.br/publicacao-o-investimento-social-privado-dos-eua-no-brasil-uma-analise-de-empresas-do-grupo-unidos-d6375fff52ea.asp.
[4] Disponível em http://www.bunge.com.br/sustentabilidade/2008/port/11.htm. Acesso em 22 de maio de 2012.
[5] Tradução nossa. Disponível em http://www.bunge.com/citizenship/food_chain.html.
[6] Para exemplificar, observemos a campanha realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil intitulada “Eu sou Nós”, que tem o objetivo de “escutar” as pessoas sobre “O futuro que queremos”, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (RIO+20). “A ideia central é fazer com que as pessoas abram mão da própria identidade, comecem a pensar coletivamente e participem da conversa mais importante da história” (Sérgio Amado, presidente do Grupo Ogilvy no Brasil, que desenvolveu o conceito da campanha). Disponível em http://www.onu.org.br/rio20/onu-lanca-campanha-eu-sou-nos-para-sociedade-brasileira-participar-da-rio20/.

Ilustrações: quadros de David Teniers.

6 COMENTÁRIOS

  1. Excelente texto, de grande importância para os debates atuais em torno dos desafios ambientalistas. Parabéns!

  2. Importante percebermos que não são somente as empresas Internacionais que mascaram os fatos para seu próprio bem suceder; as políticas governamentais agem dessa forma, omitindo dados, fatos e problemas, pois seria humanamente impossível a não percepção dos conflitos gerados e instabilidades a partir de decisões da gabinetes ou arranjos institucionais que se fazem para se lançarem bandeiras de intenções que não geram viabilidades saudáveis para os povos no futuro. Nem mesmo as políticas Educacionais escapam disso, pois através delas se defendem índices e numeros que fantasiam uma eficiencia no processo de formação do cidadão, e com isso, os povos cada vez mais alienados, passam a incorporar aquilo ao qual estão inseridos. pois a essencia humana naturalmente nos adapta a aquilo dos qual fazemos parte, e nem percebemos nosso próprio fim. É assim com a cultura local, capitalismo mundial, políticas governamentais, decisões intencionais, bandeiras pretenciosas irracionais. Dificil agora mudar: mas não impossível.

  3. Teu texto, Inny, traz à luz aquilo que a obscuridade das transações comerciais consegue sempre (ou quase sempre) apagar. Num mundo em que consciências são manipuladas maquinadamente por empresas de comunicação, ou as tendo como veículos nada inocentes, toda luz deste tipo precisa ser alimentada. Desconsertantes os dados que nos apresenta, sobretudo da influência do agonegócio nas ações “ecológicas”. Como nossa imprensa, tão jactante, pode manter isso calado? É claro, são empresários do ramo da comunicação, que estão, na verdade, muito felizes com o status quo – nada além disso. Mas que grande teatro este montado! Este seu texto precisaria ser divulgado em algum “grande veículo”: há fendas nos muros da Mídia, felizmente. Esses atores merecem um “making off”. Não há engrenagem que não possa ser travada.

  4. Este texto reúne uma quantidade de factos muito interessantes, mas deixa uma oscilação nas conclusões. Considera-se que o apoio prestado pelas grandes empresas à ecologia serve para classificar as grandes empresas como demagógicas? Ou considera-se que o apoio prestado pelas grandes empresas à ecologia serve para classificar a ecologia como inteiramente compatível com o grande capital? Ou seja, este artigo reforça o senso comum ou coloca o senso comum em dúvida? Não me admiraria que a maioria dos leitores nem sequer percebesse que é prisioneira do senso comum.

  5. A ecologia é uma ideologia do capital e se volta contra os trabalhadores e contra os capitalistas retardatários.

  6. Amanda,

    O interessante é que parte da direita, e de uma direita radical, diz o inverso: que a ecologia é uma ideologia comunista, que o verde é a nova cor dos comunistas, e coisas parecidas.
    Eu acho que essa discussão toda sobre ecologia deve sofrer de uma imprecisão conceitutal muito grande, de modo que haja tanta falta de convergência e afirmações opostas e embasadas virem à tona. Ou quem sabe a “ecologia” deveria ser olhada através da visão de mundo proudhoniana composta por antinomias irredutiveis: a ecologia é isso, mas também é aquilo outro que é seu oposto.
    Ou quem sabe a ecologia seja “só uma palavra”, cujo significado é dado nas lutas, e assim sendo possa adquirir diferentes significados práticos.

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