Perón encontrou no plano da ideologia a estabilidade e a conjugação simultânea dos pólos extremos que lhe faltaram na prática. Por João Bernardo
Leia aqui a 1ª parte deste artigo.
Pareciam criadas as condições para a estabilização do regime, e com este objectivo Perón deu nova forma ao seu partido. Fundado em Novembro de 1945, na imediata sequência da jornada de 17 de Outubro, o Partido Laborista tinha uma base sindical, consoante o modelo do trabalhismo britânico [1]. Mas Perón ampliou-lhe o escopo em Maio e Junho de 1946, convertendo-o em Partido Único de la Revolución Nacional e congregando nele todas as forças que o favoreciam, tanto os sindicalistas como os políticos oriundos do campo radical e os denominados independentes, e ainda os provenientes do nacionalismo [2]. No entanto, como o nome desta nova organização poderia evocar um sistema monopartidário quando a moda estava a ser ditada pelas democracias [3], passou alguns meses depois a chamar-se Partido Peronista [4]. Mais tarde, para mostrar que o regime dispunha de uma doutrina, o nome mudou para Partido Justicialista. A lição destes baptismos sucessivos é que se recusara ao sindicalismo a função de suporte exclusivo do regime, e se por isso foi necessário afastar alguns adeptos da primeira hora, em geral os dirigentes operários acomodaram-se à nova convivência e viram-se gratificados com lugares no aparelho sindical e com cargos no governo.
Todavia, a estabilidade pretendida, para a qual Perón parecia ter reunido todos os ingredientes, não se verificou, devido ao distanciamento dos militares. É certo que Perón cuidara de consolidar os seus apoios no exército e, sendo um dos chefes do Grupo de Oficiales Unidos, nomeado subsecretário da Guerra logo depois do golpe de 1943 e passando a ministro desta pasta em Maio de 1944, poderíamos supor que as forças armadas não lhe escapassem ao comando [5]. E se, por conveniências tácticas, Perón se manteve afastado do serviço activo após as aclamações entusiásticas de 17 de Outubro, uma vez ganhas as eleições o novo presidente assumiu o cargo já com o posto de brigadeiro-general [6]. Nem há razão para supor que um acordo entre militares e sindicatos fosse impossível ou sequer estranho. Se em alguns países, como a Espanha e a França, havia uma tradição de hostilidade entre os trabalhadores e os oficiais, noutros países, e a Alemanha é o exemplo que primeiro ocorre, eram numerosos os pontos de contacto entre os estados-maiores e as burocracias sindicais. Perón pretendeu efectuar a mesma convergência na Argentina. «Hoje o exército e os trabalhadores são ramos de uma só árvore: um, os trabalhadores que produzem a riqueza, e o outro, os soldados que vigilantemente a guardamos», disse ele em Julho de 1944 [7], chegando a apresentar o exército, pelo seu instinto de defesa corporativa, como um verdadeiro modelo de sindicalismo. «O melhor sindicato, a entidade profissional mais poderosa e melhor organizada, somos nós, os militares. Somos os únicos que conseguiram o sindicalismo perfeito através dos séculos», discursou Perón aos ferroviários em Janeiro de 1944, e aconselhou-os a imitarem o exército «para conseguirem a coesão e a força que nós conseguimos» [8]. Mas não parece ter convencido uns nem outros, e a consolidação do pólo sindical do regime correspondeu ao esmorecimento do pólo militar.
Apesar da intervenção da Dirección General de Fabricaciones Militares no primeiro Plano Quinquenal e malgrado o crescimento das indústrias de guerra, as forças armadas não se sentiram ligadas ao peronismo. A hostilidade visível dos generais para com Eva Perón e os seus apoiantes denotam a antipatia pelo carácter trabalhista do regime. E esta atitude foi tanto mais desastrosa para Perón quanto as forças armadas saíram triunfantes nas disputas de estratégia económica, conseguindo impor o prevalecimento da indústria pesada, aquela que directamente lhes interessava, sobre a indústria ligeira, defendida por Miguel Miranda e destinada ao mercado interno de consumo particular. No começo de 1949 Perón, para conciliar os oficiais, passou a apoiar a orientação económica que eles defendiam e afastou Miranda e os tecnocratas que lhe estavam ligados [9]. Mas não teve êxito. Nem sequer o teve quando, em Maio de 1952, decidiu ampliar ainda o âmbito de acção económica dos militares, conferindo ao Ministério da Guerra os poderes necessários para alcançar a auto-suficiência das forças armadas, que se transformaram numa vasta empresa [10]. Se não conseguiu assim seduzir o exército, também não foi com a distribuição de benesses que Perón pôde cativar os oficiais [11] e muito menos os converteu ao sujeitá-los ao programa de doutrinação justicialista [12]. À medida que diminuía a sua confiança nas forças armadas, Perón reduziu-lhes a dimensão e multiplicou as polícias, cujos efectivos chegaram a mais do dobro dos militares [13]. Afinal, ele viu-se na necessidade de mobilizar as patentes subalternas contra os oficiais [14], mas este expediente contribuiu para minar a coesão do exército, enfraquecendo-o enquanto ambicionado suporte do regime. No entanto, fora o próprio Perón quem escrevera, acerca dos preparativos da revolução de 1930, que «julgar que com os oficiais subalternos é possível fazer as tropas saírem para a rua, num movimento armado, é, na minha opinião, desconhecer o exército. Eu pensava que sem o compromisso dos oficiais nada se faria» [15]. Mas também é verdade que Perón escrevera isto em 1931, e os tempos haviam mudado. Agora não era mais ele o conspirador, mas a vítima da conspiração. As forças armadas ergueram obstáculos sucessivos e aquele fascismo «a partir de cima», tendo perdido o apoio do campo social de onde partira, assumiu os traços de um fascismo «a partir de baixo». Foi por ter deixado de contar com os militares que Perón se viu no papel de condutor da plebe, até que finalmente as forças armadas o derrubaram numa série de acções sangrentas, em que desempenhou a parte activa a marinha, onde a influência peronista fora sempre mais reduzida [16].
O mesmo distanciamento se verificou no outro pólo do eixo conservador. A Igreja havia apoiado Perón durante a campanha para a eleição presidencial de Fevereiro de 1946, emitindo uma carta pastoral que apelava para os fiéis não se filiarem nem votarem em partidos que defendessem a separação da Igreja e do Estado, a educação secular e a autorização de os divorciados voltarem a casar-se, como faziam alguns incluídos na oposição unida contra Perón [17]. O clero tinha razões para estar grato, porque no final de 1943 fora promulgada uma lei estabelecendo nas escolas públicas o ensino religioso obrigatório, assim como se haviam tomado algumas medidas para dificultar ainda mais o divórcio e se tinha começado a afastar as mulheres dos postos de responsabilidade [18]. No entanto, já durante a campanha para a eleição presidencial seria possível detectar os germens da discordância futura, porque a hierarquia eclesiástica se opunha a quaisquer formas de feminismo e o Partido Laborista incluíra na sua plataforma a obtenção de direitos políticos para as mulheres [19]. Os motivos de conflito reproduziram-se com a concessão do direito de voto às mulheres em 1947 e com a formação do Partido Peronista Feminino dois anos mais tarde [20]. Apesar dos benefícios que recebera nos planos ideológico e pecuniário [21], é possível que a Igreja se sentisse incomodada quando Eva Perón se referiu a si mesma como «Santa Evita» [22] ou anunciou num discurso que «tampouco podia conceber o céu sem Perón» [23]. Mais preocupante ainda seria a propaganda em torno da defunta Evita, que a apresentava como uma nova santa, concorrente desleal das outras porque os seus milagres se mediam em moedas bem sonantes. Manuais escolares destinados à infância representavam-na com um halo em torno da cabeça [24]; um sindicato importante, o da alimentação, enviou ao papa um pedido de beatificação de Eva Perón e vendiam-se imagens de uma Evita aureolada em cujo pedestal se lia uma estranha oração: «Deus te salve, Maria Eva, cheia de graça» e assim por diante [25]. Que inesperada Maria Madalena! Entretanto, numerosos dirigentes sindicais, considerando a Igreja uma instituição anacrónica, reivindicavam a legalização do divórcio e da prostituição, o que indicava uma nova dificuldade na conjugação dos pólos do regime, agravada pelo facto de o ensino do justicialismo ter começado a assumir nas escolas a proeminência que antes coubera ao ensino religioso [26].
Vários historiadores ficam perplexos perante a violência inesperada com que o regime peronista atacou a Igreja a partir dos últimos meses de 1954, intensificando-se o conflito até Junho do ano seguinte. A primeira medida francamente contrária às opiniões eclesiásticas foi a abolição da discriminação legal entre filhos legítimos e ilegítimos [27]. Em seguida o casamento de divorciados e a prostituição foram legalizados e Perón começou a advogar o lançamento de impostos sobre as propriedades da Igreja e uma reforma constitucional que separasse a Igreja e o Estado [28]. Penso que o súbito anticlericalismo se deveu à conveniência de atrair os operários numa ocasião em que o declínio económico iniciado em 1949 tornara mais difíceis as condições de vida. Entre 1948 e 1952 o Produto Nacional Bruto desceu 20% enquanto a população aumentou 17% [29], o que indica uma queda acentuada do rendimento per capita. Os salários reais diminuíram cerca de 32% entre 1949 e 1953 [30]. Foi precisamente então que a campanha pelo aumento da produtividade levou à intensificação dos ritmos de trabalho e à contenção dos salários, mas como agir de outro modo se de 1943 até 1953 os salários passaram do índice 100 para o índice 930, mas a produtividade só de 100 para 620 [31]? Todavia, e como os dirigentes sindicais fizeram notar, este crescimento da produtividade era entendido mais como um aumento do esforço dos trabalhadores do que como uma modernização da maquinaria e das instalações [32]. Tratava-se de mais-valia absoluta e não de mais-valia relativa. A deterioração das condições económicas havia já levado a uma série de greves ilegais em Fevereiro de 1949 [33] e em 1953 os descamisados ouviram uma linguagem nova, de apertar o cinto e trabalhar mais [34]. O número de grevistas aumentou consideravelmente em 1954 e neste ano a greve dos metalúrgicos foi dirigida por um comité exterior ao sindicato [35]. Uma guinada à direita na economia foi compensada por uma guinada à esquerda na ideologia e Perón manifestou-se interessado em promover a versão marxista do nacionalismo, que formava a ala esquerda do seu movimento [36]. Mas esta de pouco lhe valia, porque contava com uma pequena audiência, e ao apelar para o anticlericalismo, muito difundido na classe operária, Perón podia imaginar que tinha ali um substituto barato do aumento das remunerações [37]. Barato em termos económicos mas não em termos políticos, porque a Igreja excomungou Perón em 16 de Junho de 1955, no próprio dia em que ocorria uma sublevação militar, e passou-se abertamente para o lado da oposição, levando consigo uma boa parte do nacionalismo integralista [38]. Derrotada a sublevação, Perón tentou aproximar-se do eixo conservador, terminou as hostilidades contra a Igreja e desembaraçou-se dos ministros associados mais de perto à campanha anticlerical [39], mas a cisão estava feita e nada a podia colmatar.
A incapacidade do peronismo de mobilizar simultaneamente os quatro pólos do fascismo — 1) o partido e as milícias, 2) as milícias e os sindicatos, 3) o exército e 4) a Igreja — verificou-se também em relação às milícias. Antes de 1946 Perón podia julgar que não precisava de milícias porque tinha por detrás de si o exército, mais disciplinado e bem armado. As únicas milícias então existentes reuniam-se em torno de alguns grupos nacionalistas integralistas, que com maior ou menor convicção apoiavam a ditadura militar. Durante a campanha para a eleição presidencial de Fevereiro de 1946 a principal daquelas organizações, a Alianza Libertadora Nacionalista, agiu como força paramilitar contra os opositores a Perón [40]. Mas os grupos nacionalistas tornaram-se irrelevantes durante a década peronista e a própria Alianza, embora fizesse parte do regime e tivesse veleidades de usar armas para o defender nos estertores finais, nada contou [41].
Sem aproveitar as milícias da extrema-direita, Perón também não as formou na esquerda e refreou sempre os ímpetos truculentos dos sindicatos, cujos dirigentes, embora angariassem homens de mão e pistoleiros, estavam proibidos de formar hostes armadas. Em 1952, num ambiente de conluios militares, Eva Perón usou a Fundação de Ajuda Social para comprar cinco mil pistolas e duas mil espingardas, que foram entregues à Confederación General del Trabajo [42], mas três anos depois, quando a marinha, a aviação e até o exército conspiravam sem cessar e os trabalhadores queriam fazer um novo 17 de Outubro, mas desta vez com armas, o exército opôs-se a que os arsenais fossem abertos aos filiados da confederação sindical e Perón não interveio na questão, preferindo ceder às exigências dos inimigos do regime do que municiar os únicos que estavam dispostos a defendê-lo [43]. Neste fascismo paradoxal, foram os oficiais conspiradores quem dispôs do auxílio de milícias civis [44]. Aquando da frustrada sublevação militar de 16 de Junho de 1955, numa directiva endereçada aos seus subordinados o ministro da Guerra mandou «estabelecer contacto com a Confederación General del Trabajo (CGT) e evitar que o povo saia para a rua» [45]. «[…] peço-vos que estejam tranquilos», apelou Perón num discurso que proferiu pela rádio nesse mesmo dia, «que cada um vá para sua casa. A luta deve ser entre soldados» [46]. Falando a seguir a Perón, o secretário-adjunto da Confederación General del Trabajo convocou para o dia seguinte uma greve de protesto contra os insurrectos e deixou bem claro: «Essa greve, camaradas, devemos fazê-la recolhidos nas nossas próprias casas […]» [47]. Foi ainda «de casa para o trabalho e do trabalho para casa» a palavra de ordem que prevaleceu [48]. À medida que sentira o exército escapar-lhe, Perón fizera pairar a ameaça da criação de milícias operárias, tentando subjugar os oficiais com o perigo de uma sublevação dos descamisados, que só ele seria capaz de conter [49]. A manobra parece inepta, porque deixara os inimigos indignados com a ideia de um populacho em armas, mas sem os atemorizar, já que as armas jamais foram distribuídas aos operários. Mesmo quando Perón decidiu contra-atacar, em Agosto de 1955, e declarou que «temos de responder à violência com uma violência maior» e que «só restam dois caminhos: para o governo, uma repressão adequada aos manejos subversivos, e para o povo, uma acção e uma luta correspondentes à violência a que o querem levar» [50], não foi tomada qualquer medida para armar os trabalhadores [51]. Em Setembro de 1955 o peronismo foi derrubado por uma revolução militar.
O regime peronista percorreu os quatro pólos do fascismo, sem conseguir conjugá-los simultaneamente. Esta fragilidade teve raízes mais fundas do que a conjuntura económica, porque mesmo antes de as aspirações desenvolvimentistas ficarem comprometidas na passagem da década de 1940 para a década seguinte, e com elas a política de aumentos salariais, já o exército se havia revelado hostil à aliança com os sindicatos. Será que as cisões sociais eram demasiado profundas na Argentina daquela época para que um movimento pluriclassista conseguisse abranger todos os quadrantes ao mesmo tempo? Mas a estabilidade que faltou ao regime no plano institucional efectuou-se no plano ideológico, onde os cruzamentos e as fusões se operaram com eficácia.
Não creio que o estágio de Perón em Itália em 1939 e 1940 influísse na sua simpatia pela extrema-direita. Quantos tenentes-coronéis haviam sido destacados em serviço para aquele país sem que por isto se tivessem tornado mussolinianos? Mais significativas foram as relações mantidas durante alguns anos com Figuerola, o que situa Perón mais próximo do general Primo de Rivera do que de Mussolini ou de Hitler [52], até porque o regime de Primo de Rivera inspirara já as concepções de Uriburu [53]. De qualquer modo, a ascensão de Perón não se explica pelas pressões do Eixo, pois ela ocorreu apesar das derrotas militares do fascismo europeu e nipónico.
O peronismo foi também influenciado pela extrema-direita autóctone, que desde o começo do século XX, mas sobretudo desde a repressão à grande greve de Janeiro de 1919, assinalara um traço ininterrupto e se tornara mais activa a partir da presidência de Uriburu. Tal como sucedeu no Japão, na Argentina a extrema-direita civil nunca prescindiu da extrema-direita militar. A Liga Patriótica Argentina, fundada em 1919, e as organizações nacionalistas integralistas criadas ao longo da década de 1930 cobriam todo o leque que ia do conservadorismo truculento até ao verdadeiro fascismo com programa social, e desde as simples milícias até aos bandos de fura-greves e ao sindicalismo amarelo. Segundo alguns cálculos, o conjunto das organizações políticas nacionalistas reunia em 1943 quarenta mil filiados [54]; e embora o presidente Ramírez, em Janeiro de 1944, tivesse ordenado a dissolução dessas organizações, muitas continuaram a funcionar dissimuladamente [55]. No final da década de 1930 o catolicismo adquirira uma influência crescente entre os nacionalistas integralistas [56], o que propiciou a difusão do anti-semitismo [57], tanto mais fácil de se manifestar quanto só em duas outras cidades, Nova Iorque e Tel Aviv, havia uma concentração de judeus superior à que se encontrava em Buenos Aires [58]. A extrema-direita nacionalista apoiou a candidatura de Perón na eleição presidencial de 1946 [59] e os actos de hostilidade aos judeus contam-se entre as numerosas violências cometidas durante esta campanha [60]. Mas Perón, pelo menos em público, pronunciou-se repetidamente contra o anti-semitismo [61] e no decorrer da sua presidência os judeus ascenderam a postos de responsabilidade no exército e no corpo diplomático, de que haviam antes sido afastados [62]. O nacionalismo de Perón era de carácter cultural e não racial. «A raça não é, para nós, um conceito biológico», declarou ele. «É um conjunto de nobres virtudes, que fazem de nós o que somos e nos encorajam a ser o que devemos ser» [63]. Perón aproveitou-se dos nacionalistas e do seu programa, mas marginalizou-os enquanto força política [64].
A preponderância que o nacionalismo integralista e católico havia tido no golpe militar de 1943 foi substituída no peronismo pela influência exercida por uma forma abastardada de sindicalismo revolucionário. E ainda aqui os fios ideológicos se cruzaram, pois o modelo histórico evocado pelos nacionalistas integralistas era o ditador Juan Manuel de Rosas [65], que, se por um lado representara os interesses das oligarquias da província contra as propensões centralizadoras dos porteños, por outro lado gabara-se de ter compreendido os sentimentos e as necessidades dos gaúchos [66] e inaugurara um elitismo populista que desembocaria em Perón [67]. Entre os letrados, a apologia da tradição gaúcha nascera nos últimos anos do século XIX em reacção contra o modernismo positivista e cosmopolita imposto pela oligarquia. Foi naquele meio que surgiu o partido radical, em íntima ligação com a corrente propensa a reavaliar positivamente a ditadura de Rosas [68]. Assim, ao mesmo tempo que a dinâmica subjacente às referências ideológicas dos nacionalistas os dispunha a aceitar o peronismo, o populismo de Rosas abria a Perón outros horizontes, voltados para a linhagem radical de Yrigoyen.
Com efeito, múltiplos elos uniram duradouramente o peronismo à Unión Cívica Radical de Yrigoyen. Apesar de o golpe militar de 1943 se ter reclamado da inspiração originária dos insurrectos de 1930, que se haviam colocado ao lado da oligarquia agrária contra os radicais, Perón estava muito mais próximo da tradição de Yrigoyen do que do conservadorismo oligárquico [69]. Aliás, o Grupo de Oficiales Unidos surgira num meio ideológico yrigoyenista [70]. É certo que Yrigoyen autorizara, ou pelo menos aceitara, a repressão bárbara do movimento grevista na Semana Trágica de Janeiro de 1919 e a repressão não menos bárbara das greves na Patagónia em 1920 e 1921, mas ele distinguira-se dos conservadores por ter entendido as vantagens de governar com um movimento operário organizado em sindicatos e em várias ocasiões interviera a favor dos trabalhadores nos conflitos laborais. Habilmente, Yrigoyen mostrara-se conciliatório para com os sindicatos moderados e concentrara os ataques nos anarquistas [71]. Por tudo isto, e em geral pela indomável vocação populista, Perón mostrou que aprendera a lição de Yrigoyen [72]. Entretanto, no interior da Unión Cívica Radical tinham surgido tendências em que a plebeização da vida política se juntava ao nacionalismo económico, contribuindo para compor um fascismo autóctone [73]. Em todas as fases da sua carreira política Perón procurou estabelecer acordos com a Unión Cívica Radical ou, pelo menos, com alguma das suas ramificações, e uma ala minoritária dos radicais apoiou-o na campanha para a eleição presidencial de 1946, recebendo em troca a vice-presidência da República [74]. No final, parece-me impossível traçar uma fronteira nítida entre justicialismo e radicalismo, tanto mais que do lado dos radicais a linha de demarcação não era clara também. O romancista e ensaísta Manuel Gálvez, um dos intelectuais da extrema-direita nacionalista, considerava que os radicais do seu país estavam «não muito distantes» da versão italiana do fascismo porque eram «nacionalistas, acreditando em trabalhar pelo povo, com simpatia pelos procedimentos rápidos ou mesmo violentos» [75]. Ocupando uma posição simétrica à de Gálvez, os membros da extrema-esquerda nacionalista, que adoptavam consistentemente o marxismo, reivindicavam a tradição que levara de Yrigoyen até Perón e prometiam levá-la adiante [76].
Finalmente, a ampla síntese ideológica levada a cabo por Perón englobou outra síntese de escopo mais restrito, efectuada por Manuel Fresco enquanto fora governador da província de Buenos Aires, na segunda metade da década de 1930. Apoiando-se originariamente numa base conservadora, Fresco conseguira atrair os nacionalistas, cujas preocupações sociais levara para o campo do conservadorismo [77]. Era este o mecanismo constitutivo do fascismo, e desde a sua eleição para governador Fresco apresentara-se como fascista e tentara afirmar-se como chefe carismático de todas as correntes da extrema-direita [78]. Enquanto, por um lado, perseguira o comunismo, por outro lado ele procurara implantar na sua província um sistema corporativo, que teve como peça fundamental o Código do Trabalho, promulgado em 1937, estabelecendo a arbitragem obrigatória dos conflitos laborais. Centenas de conflitos foram resolvidos deste modo e Fresco gabava-se de ter conseguido aumentar os salários e melhorar as condições de trabalho. Entre os seus objectivos contara-se ainda a formação de organizações operárias de extrema-direita controladas pelo Estado, mas para isto faltou-lhe o tempo ou a capacidade [79]. «[…] um nacionalismo sindicalista, hierarquizado e totalitário», foi nestes termos que um jornal enalteceu as ideias de Fresco [80]. O presidente Ortiz demitiu Fresco das funções de governador em 1940 e ele respondeu ao repto com a fundação de um novo partido e de um jornal, que dessem às suas ideias e propostas práticas uma audiência nacional [81]. Os acontecimentos subsequentes ao golpe militar de 1943, porém, retiraram a Fresco a base social e o dinamismo político. Ele saiu da cena depois de ter apoiado a candidatura presidencial de Perón [82], mas muitas das suas teses acerca das relações laborais já tinham permeado o ideário de Perón, que haveria de as implementar [83].
A preocupação que Perón manteve até ser deposto, de governar sob as formas da democracia, foi-lhe útil porque só ele e Yrigoyen haviam alcançado a presidência graças a eleições livres e não fraudulentas [84], e o processo que levou à remodelação constitucional de Março de 1949 obedeceu a idêntico legalismo, respeitando os trâmites previstos pela constituição de 1853 [85]. Entretanto, embora os presos políticos se contassem aos milhares, a partir de 1946 os campos de concentração criados três anos antes caíram gradualmente em desuso [86], e apesar de se acumularem perseguições, violências e restrições, os partidos da oposição não foram proibidos e continuaram, se não a viver, pelo menos a vegetar. É certo que o justicialismo foi na prática um regime de partido único. No Senado nunca se sentou ninguém que não fosse peronista, a maioria peronista na Câmara dos Deputados era tal que podia proceder como queria, ou antes, como lhe mandavam, e Perón fez o aparelho judiciário obedecer ao seu regime, inclusivamente mudando a totalidade dos membros do Supremo Tribunal de Justiça [87]. Como se isto não fosse suficiente, Perón retomou na nova constituição a figura do interventor, que existia já na constituição anterior, e usou-a com tal prodigalidade que conseguiu impor a autoridade central nas províncias e municípios e em órgãos que se julgariam autónomos [88]. Mas tudo isto foi feito sob os formalismos legais, o que constituiu outro modo de manter abertas as portas aos radicais, com a vantagem suplementar de não as fechar aos conservadores, pois embora a partir de 1951 a oposição parlamentar se reduzisse aos radicais, de 1946 até 1951 os conservadores haviam detido alguns lugares na Câmara dos Deputados. O justicialismo foi um regime de partido único no poder mas de variados partidos na oposição. E o Partido Comunista acabou por ajudar Perón neste propósito, porque depois de ter participado de 1944 até 1946 na união das forças de oposição, descobriu a partir de 1947 as virtudes do peronismo nos jogos da geopolítica anti-yankee [89].
Como a ideologia não só reflecte a prática mas permite também idealizá-la, Perón encontrou no plano dos discursos a estabilidade e a conjugação simultânea dos pólos extremos que lhe faltaram na prática. O justicialismo, explicado pela primeira vez por Perón em Abril de 1949, pretendia manter um equilíbrio mutável entre o materialismo, o idealismo, o individualismo e o colectivismo [90]. Tratava-se de uma expressão perversa da realidade, que ao mesmo tempo lhe indicava os problemas e os resolvia num nível estritamente intelectual. Aí tudo é possível, mesmo o equilíbrio que materialmente foi impossível, e só um regime fascista que não conseguiu conjugar as forças necessárias ao fascismo poderia inventar o justicialismo. Dançando ora num pé ora noutro, Perón procurou realizar diacronicamente uma articulação social e política que só em sincronia podia resultar. O peronismo foi uma fuga em frente, um fascismo «a partir de cima» que perdeu o eixo conservador — o exército e a Igreja — e passou a apoiar-se apenas no eixo radical — o partido e os sindicatos — esforçando-se a partir daí por estabelecer o equilíbrio necessário ao fascismo enquanto regime, e jamais o conseguindo. Mas esta falta de consistência gerou paradoxalmente uma durabilidade histórica no plano da ideologia. E assim se enraizou entre os trabalhadores argentinos o mito do peronismo como bandeira da luta da sua classe quando ele pretendera ser o quadro de conciliação das classes [91], um caso de distorção da memória único nos fascismos, a tal ponto que em nenhum outro se mantiveram alas marxistas, pouco significativas numericamente, mas persistentes e muito activas no plano ideológico [92].
Numa nota à margem do livro escrevi o seguinte:
Depois do golpe de 1955 a progressiva cisão, até à ruptura, entre a direita e a esquerda peronista contribui para explicar uma boa parte da vida política da Argentina e explica o que se passou no segundo regime peronista. Nesse período os nacionalistas apoiavam a direita peronista contra a esquerda peronista. O morticínio no aeroporto de Ezeiza, no dia da chegada de Perón, é simbólico desta ruptura. E o facto de Perón ter sido incapaz de congregar a direita e a esquerda do seu movimento mostra que este segundo regime peronista já não era um fascismo ou então era um fascismo disfuncional. Tratou-se de uma outra versão da república de Salò, por outros motivos e de outra maneira. No fundo, o plano Gelbard correspondeu a uma tentativa de congregar — economicamente mas não politicamente — ambos os extremos do peronismo, uma tentativa condenada ao fracasso porque não se repercutia no plano político e porque lhe faltava o dinamismo social constitutivo de todo o fascismo.
Curiosamente, as milícias e a extrema-direita paramilitar assumiram mais importância e maior visibilidade no segundo regime de Perón do que no primeiro. Este é um elemento importante para percebermos as diferenças entre ambos os regimes, mas em que sentido? De que forma isto permite explicar a desagregação do segundo regime?
Notas
[1] Acerca da influência exercida pelo modelo do Partido Trabalhista britânico na criação do Partido Laborista ver H. Campo (1983) 226. Consultar também L. Mercier Vega (1975) 53.
[2] H. Campo (1983) 242 e segs.; H. Gambini (1983) 25-26; P. H. Lewis (1992) 214; L. Mercier Vega (1975) 55. G. I. Blanksten (1953) 330 afirmou que os nacionalistas foram os primeiros a ser submetidos ao processo unificador.
[3] G. I. Blanksten (1953) 334-335.
[4] H. Gambini (1983) 26.
[5] No entanto, leio em C. H. Waisman (1987) 180 que só cerca de um terço dos generais no activo apoiava Perón no início de 1946.
[6] G. I. Blanksten (1953) 71.
[7] Citado em H. Campo (1983) 157.
[8] Citado em id., ibid., 139. Veja-se uma versão um pouco diferente em H. Gambini (1983) 27-28.
[9] M. Goldwert (1972) 110-111. Já antes, segundo P. H. Lewis (1992) 195, o exército havia conseguido que as importações de carácter militar saíssem da alçada do Instituto Argentino de Promoción del Intercambio, IAPI.
[10] M. Goldwert (1972) 118-119.
[11] Id., ibid., 102. Segundo P. H. Lewis (1992) 220-221, embora Perón tivesse diminuído consideravelmente a percentagem do orçamento do governo destinada às forças armadas, ele aumentou as remunerações dos oficiais e facilitou-lhes as promoções.
[12] M. Goldwert (1972) 116, 119; P. H. Lewis (1992) 221.
[13] M. Goldwert (1972) 103,113.
[14] J. Godio (1973) 84; M. Goldwert (1972) 74, 103-104; P. H. Lewis (1992) 221-222; L. Mercier Vega (1975) 142.
[15] J. Perón (1994) 28.
[16] G. I. Blanksten (1953) 314. Segundo M. Goldwert (1972) 71, alguns autores atribuíram a hostilidade manifestada pela marinha de guerra perante o nacionalismo integralista e o peronismo ao recrutamento social dos seus oficiais, que seriam provenientes de estratos superiores aos do exército. Depois de ter prevenido que, na ausência de dados oficiais, vários oficiais da marinha por ele entrevistados consideraram esta explicação um mito, Marvin Goldwert acrescentou que, independentemente da proveniência social dos oficiais da marinha, a maior parte dos argentinos lhes atribuía um estatuto superior ao dos oficiais do exército.
[17] G. I. Blanksten (1953) 65-66, 233; H. Campo (1983) 234; J. Godio (1973) 19; M. Goldwert (1972) 92; P. H. Lewis (1992) 217; L. Mercier Vega (1975) 131; C. H. Waisman (1987) 174, 179.
[18] G. I. Blanksten (1953) 188-189; M. Goldwert (1972) 82; L. Mercier Vega (1975) 32.
[19] G. I. Blanksten (1953) 64.
[20] M. Goldwert (1972) 110.
[21] Id., ibid., 106.
[22] P. H. Lewis (1992) 218.
[23] E. Perón [s. d.] 254.
[24] P. H. Lewis (1992) 218.
[25] L. Mercier Vega (1975) 138-139. Ver igualmente P. H. Lewis (1992) 218-219.
[26] J. Godio (1973) 20; M. Goldwert (1972) 120.
[27] L. Mercier Vega (1975) 136.
[28] J. Godio (1973) 20; M. Goldwert (1972) 122.
[29] M. Goldwert (1972) 115.
[30] P. H. Lewis (1992) 208.
[31] L. Mercier Vega (1975) 105. Por seu lado, M. Goldwert (1972) 151 indicou que durante a década peronista a população aumentara 15%, mas a produtividade per capita crescera só 3,5%.
[32] P. H. Lewis (1992) 210.
[33] M. Goldwert (1972) 110.
[34] Id., ibid., 123.
[35] J. Godio (1973) 64-65; P. H. Lewis (1992) 208-209. Ver também L. Mercier Vega (1975) 218.
[36] N. Galasso (1983) 79 e segs.
[37] C. H. Waisman (1987) 181-182, 187.
[38] R. J. Walter (1993) 114.
[39] M. Goldwert (1972) 130; L. Mercier Vega (1975) 144.
[40] R. J. Walter (1993) 109-110. Para a caracterização da Alianza Libertadora Nacionalista ver a pág. 100.
[41] J. Godio (1973) 142; L. Mercier Vega (1975) 140; R. J. Walter (1993) 110-111.
[42] M. Goldwert (1972) 117-118; L. Mercier Vega (1975) 142. Encontra-se mencionada uma quantidade menor de armas em O. M. Pipino (1979) 212. Ver também P. H. Lewis (1992) 222.
[43] M. Goldwert (1972) 131-132; P. H. Lewis (1992) 222; O. M. Pipino (1979) 213.
[44] J. Godio (1973) 135-136; L. Mercier Vega (1975) 139.
[45] A directiva do general Lucero vem citada em J. Godio (1973) 37.
[46] Citado em id., ibid., 39.
[47] Citado em id., ibid., 41.
[48] Id., ibid., 32.
[49] M. Goldwert (1972) xx, 100-101, 113-114, 116.
[50] Estas passagens do discurso pronunciado por Perón em 31 de Agosto de 1955 encontram-se em J. Godio (1973) 155.
[51] Id., ibid., 183 e segs. «A recente proposta da CGT [Confederación General del Trabajo] de pôr à disposição do exército as reservas operárias para defender a Constituição e as autoridades constituídas é o primeiro passo para a organização das milícias operárias armadas que hão-de constituir o bastião invencível da Revolução Popular Argentina», anunciou em Setembro de 1955, nos derradeiros dias do regime, o editorial de um dos órgãos da ala marxista do peronismo, uma esperança frustrada como todas as outras da extrema-esquerda nacionalista. Citado em N. Galasso (1983) 85.
[52] G. I. Blanksten (1953) 298 observou que a influência espanhola sobre o justicialismo decorreu muito mais da ditadura de Primo de Rivera do que da de Franco. Ver também a pág. 299.
[53] M. Goldwert (1972) 19.
[54] G. I. Blanksten (1953) 330. Todavia, R. H. Dolkart (1993) 72 preveniu que «o número total de membros dos nacionalistas não pode ser calculado com exactidão». Por seu lado, C. H. Waisman (1987) 177 sublinhou que a extrema-direita nacionalista e integralista não fora preponderante no golpe militar de 1943.
[55] G. I. Blanksten (1953) 330-331.
[56] M. Goldwert (1972) 69-70, 85.
[57] G. I. Blanksten (1953) 223-224.
[58] L. Mercier Vega (1975) 224.
[59] G. I. Blanksten (1953) 66, 224. Todavia, segundo R. Puiggrós (1988) 90, em 1945 a Liga Patriótica Argentina aderiu à União Democrática, onde se reuniam as forças opostas ao peronismo.
[60] G. I. Blanksten (1953) 68; R. J. Walter (1993) 109, 110.
[61] G. I. Blanksten (1953) 68, 225, 227-228.
[62] R. J. Walter (1993) 112.
[63] Citado em G. I. Blanksten (1953) 228.
[64] R. J. Walter (1993) 99, 102, 110 e segs.
[65] G. I. Blanksten (1953) 38; R. H. Dolkart (1993) 76; D. Rock (1993) 15.
[66] G. I. Blanksten (1953) 26-27. Ver também A. Río (1968) 18 e 31.
[67] M. Goldwert (1972) xviii, 17, 19. G. I. Blanksten (1953) 318 comentou que «sob vários aspectos, o descamisado está para a Argentina de Perón como o gaúcho estava para o regime de Rosas». Para um exemplo de apologia conjunta de Rosas e Perón, ver A. Río (1968) passim.
[68] J. L. Romero (1983) 28 e segs.; C. H. Waisman (1987) 42.
[69] H. Campo (1983) 26 considerou a política de Yrigoyen como precursora da de Perón.
[70] R. Puiggrós (1988) 125.
[71] P. H. Lewis (1992) 112-115; C. H. Waisman (1987) 80, 148, 222-225.
[72] M. Goldwert (1972) 92; L. Mercier Vega (1975) 46-47.
[73] J. L. Romero (1983) 168-170.
[74] G. I. Blanksten (1953) 64-65, 331-332; H. Campo (1983) 203-204; L. Mercier Vega (1975) 167; R. J. Walter (1993) 103, 107.
[75] Citado em D. Rock (1993) 4.
[76] N. Galasso (1983) 45, 47, 49, 54, 56, 108, 117, 126, 135, 136, 154.
[77] R. H. Dolkart (1993) 73, 83, 85.
[78] Id., ibid., 84, 89. Acerca de Manuel Fresco ver também C. H. Waisman (1987) 241-243.
[79] H. Campo (1983) 53-55; R. H. Dolkart (1993) 86.
[80] Esta passagem do diário Bandera Argentina, 20 de Fevereiro de 1937, encontra-se citada em H. Campo (1983) 55.
[81] R. H. Dolkart (1993) 90, 100.
[82] H. Campo (1983) 55, 234.
[83] R. H. Dolkart (1993) 100; C. H. Waisman (1987) 243.
[84] G. I. Blanksten (1953) 260; M. Goldwert (1972) 92-93.
[85] G. I. Blanksten (1953) 72 e segs., 135.
[86] Id., ibid., 179, 182.
[87] Id., ibid., 114, 115, 117, 122 e segs., 132; L. Mercier Vega (1975) 56-60.
[88] G. I. Blanksten (1953) 136-137, 139-141, 153.
[89] Id., ibid., 394-397.
[90] Para uma exposição da doutrina justicialista ver id., ibid., 281 e segs.
[91] C. H. Waisman (1987) 250 afirmou que «os adornos do fascismo existiam ali na ideologia, na relação entre o chefe e as massas e numa organização do tipo de “movimento”, mas a substância tornou-se gradualmente muito diferente, a de um partido trabalhista de base sindical». «Perón lembra que o justicialismo nunca foi um movimento classista, mas que a reacção oligárquica acabou por dar ao caso argentino o carácter de luta de clases», observou L. Mercier Vega (1975) 201. Ou, nas palavras de H. Campo (1983) 7, «ao perder o apoio dos sectores militares […], da Igreja […] e das facções da burguesia […], o peronismo passou a ser […] um movimento de base quase exclusivamente operária». Ver também as págs. 149 e 151 e segs. E P. H. Lewis (1992) 475 evocou a «luta de classes, que mostrou ser o legado mais duradouro que Perón deixou ao seu país».
[92] N. Galasso (1983) passim.
Referências
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A crítica às políticas de “conciliação” entre capital e trabalho dentro do capitalismo, especialmente por métodos autoritários, é necessária. Porém volto a criticar a insistência do João Bernardo em banalizar o conceito de “fascismo”. Ao invés de pôr regimes políticos em seus devidos contextos histórico-geográficos, o JB parece preferir a busca de indícios que “lembrem” o fascismo europeu. Reduz assim o fascismo a um “tipo-ideal” do que ele acha que é fascismo, desistoricizando o conceito político-sociológico.
Como contraponto, deixo um link para o texto do prof. Hélgio Trindade, sobre o debate sobre o “fascismo latino-americano”. Ele expõe com clareza os argumentos contra a caracterização de governos latino-americanos, sejam os populistas (Perón, Vargas, Cárdenas, etc), sejam as ditaduras de segurança nacional (Videla, Pinochet, Médici, etc), como “regimes fascistas”. Não quer dizer que não existissem influências e semelhanças nos métodos de governo com o fascismo. Ou que muitos dos comandantes dessas ditaduras não fossem simpatizantes dos fascismos europeus. Mas é patente, também, a influência, p.ex., do liberalismo econômico e doutrinas militares imperialistas (Guerra Assimétrica francesa, ou “Guerra Suja”, p.ex.).
http://www.derechos.org/nizkor/brazil/libros/neonazis/cap5.html
Não tenciono perder tempo com este leitor, que conheço de outros comentários. Limito-me a salientar que no meu livro Labirintos do Fascismo. Na Encruzilhada da Ordem e da Revolta (Porto: Afrontamento, 2003) defini desde início o fascismo num contexto intercontinental e não só europeu, tanto num dos capítulos centrais, Os contornos do fascismo, como no capítulo dedicado a O momento histórico dos fascismos. Nesses como noutros capítulos analisei extensa e repetidamente o caso do Japão e, para mais, dediquei todo um capítulo à formação da noção de terceiro mundo, analisando o fascismo, além do Japão (de novo), nas Índias Orientais holandesas, no Timor português, nas Filipinas, na Indochina, na Birmânia, na Índia, nos países árabes e no movimento de Marcus Garvey, sediado nos Estados Unidos. Mais do que isto, considerei que na génese do fascismo se situam o italiano Enrico Corradini e o japonês Kita Ikki, contemporâneos mas ignorando-se reciprocamente. O fascismo foi desde o seu início um projecto político mundial e não só europeu, e foi assim que eu o estudei e apresentei. Mas repito que não gastarei mais tempo com este leitor e remeto os leitores interessados para a obra referida.
Antes de se tornar o hirsuto comandante plenipotenciário do crocodilo oliverde e de se crer absolvido pela história, um escanhoado advogado cubano admirava Perón e enaltecia a ‘jefatura’…
Para variar, o JB prefere prefere evadir-se dos questionamentos.
O artigo do prof. Helgio Trindade [ http://www.derechos.org/nizkor/brazil/libros/neonazis/cap5.html
] já realiza toda a discussão bibliográfica que o JB prefere ignorar sumariamente. Alguns pensadores latino-americanos tinham visões parecidas com a do JB, e que foram superadas por uma compreensão contextual dos movimentos e regimes autoritários e conservadores.
Características em comum com o fascismo se encontram em vários movimentos ou regimes políticos. Racismo, autoritarismo, machismo, xenofobia, homofobia, anticomunismo/antimarxismo, fundamentalismo étnico e religioso, chauvinismo, expansionismo, anti-semitismo e militarismo se encontram em vários grupos políticos. A Ku Klux Klan e a Action Française, por exemplo, compartilhavam todas essas características com o fascismo, ANTES do surgimento do fascismo, antes de Corradini ou Kita Ikki. O ovo da serpente estava posto há algumas décadas, mas foram as Guerras Mundiais que o chocaram.
Considero que a pior abordagem não é essa do JB, e sim a 3ª parte de “As origens do totalitarismo” da Hannah Arendt, pelo método um tanto tosco de exagerar semelhanças e abstraír diferenças entre a URSS e o III Reich, curiosamente contrariando as 1ª e 2ª parte do próprio livro. Depois disso, métodos semelhantes aos dos “Estados totalitários” foram usados na “luta contra o totalitarismo” durante a Guerra Fria (amigos meus sofreram isso na pele, nos anos 1970).
Pode-se ‘amar o poder’. E mais: pode-se desejar o fascismo (cfr. Wilhelm Reich, Deleuze&Guattari etc.), no auge da normopatia.
Potência subjugada acarreta auto-estranhamento, poder alheio e identificação com o opressor. O desejo que não age é o mesmo que engendra a peste emocional. O impotente Zé Ninguém se supercompensa na submissão ao poder.
Não concordo, Ulisses, com esse enfoque. Uma paixão só pode ser superada por outra mais forte. A confiança dos proletários uns nos outros e em si mesmos, autoconfiança “objetiva, perceptível aos sentidos e, portanto, um poder fora de qualquer dúvida”, é o único modo de suplantar a confiança na classe dominante e no poder, que se baseia primariamente na desconfiança dos proletários frente a si mesmos, aliados ao poder antes de tudo por medo a bodes expiatórios – por ex. “estrangeiros”, “judeus”, “imigrantes”, “criminalidade”, “vagabundos”, “vândalos”.
Afirmo que não se trata apenas de enfoques diferentes, o teu e o meu, que – aliás, ao que me parece – não são excludentes, mas co-inerentes. Trata-se, isto sim, de uma diferença de escala: da paixão individual (molecular) à consciência de classe (molar).
Da substância (em-si) ao sujeito (para-si), em cada momento do processo (metanoia), subjaz – como virtualidade – o partido histórico da revolução proletária mundial.
Zé Ninguém não é ‘proletário’, mas ‘cidadão, eleitor, contribuinte’ – sua paixão é a ordem, com ou sem progresso…