Por Passa Palavra

 

As famílias que ocupavam um terreno ocioso da Prefeitura de São Paulo no bairro do Itajaí, região do Grajaú, amanheceram nessa segunda-feira, 16 de setembro, com a chegada inesperada da Tropa de Choque da Polícia Militar e agentes da Guarda Civil Metropolitana (GCM). Conforme relatam os moradores, a ação de despejo foi extremamente violenta e os policiais não fizeram qualquer cerimônia em usar expedientes ilegais de repressão. Dois militantes da Rede Extremo Sul foram presos na ação: um deles, acusado de “resistência à prisão”; o outro, “detido para averiguação”. Após atuação de um advogado do movimento, ambos foram liberados por volta das 14h.

“Não teve discussão, não teve agressão [da parte das famílias], não teve nada” – relatou um morador que estava no 85º Distrito Policial acompanhando os militantes da Rede Extremo Sul. Dona Noelia de Santos, 45 anos, conta que estava com a neta de 2 anos no colo quando uma bomba de efeito moral explodiu no seu pé. Perguntada se os policiais traziam alguma ordem judicial, ela diz: “Não apresentou nada, simplesmente se posicionou. A gente pediu um tempo pra juntar nossas coisas e eles já foram jogando bomba.”

Veja vídeo-denúncia da ação policial aqui.

A Polícia Militar não apenas usou de todo o seu tradicional arsenal repressivo – lançando bombas de efeito moral em cima de mulheres e crianças de colo, gás de pimenta e balas de borracha – como roubou a câmera que estava em posse de um dos militantes detidos e pelo menos 16 telefones celulares de moradores que filmavam a ação. Foram apreendidos ainda, sem destino confirmado, fogões, geladeiras e aparelhos de televisão. Perguntados sobre os celulares e a câmera subtraídos, os policiais na delegacia respondiam com toda desfaçatez e segurança que não sabiam do que se tratava.

Quem deu a ordem?

É verdade que a Polícia Militar responde a ordens do Governo do Estado, mas, neste caso, ela não poderia realizar uma ação de reintegração de posse num terreno cuja propriedade é da Prefeitura. E a desconfiança de que haveria aí a intervenção do prefeito foi confirmada já às 9h, quando o secretário-adjunto da Secretaria Municipal de Habitação (Sehab), Marco Antônio Biasi, ligou para uma pessoa do movimento e disse que nada poderia fazer já que  a ação era uma ordem dada por Fernando Haddad, prefeito da capital.

Vestígios da política habitacional popular de Haddad

A atitude gerou ainda mais indignação nas famílias porque na quarta-feira da semana passada, em reunião com representantes da ocupação, Biasi garantiu que a posição da Prefeitura era a de não realizar novo despejo até que, no prazo de sete dias, a pasta apresentasse publicamente uma proposta habitacional.

Com esta atitude Haddad não apenas deita por terra qualquer ilusão sobre o caráter popular de sua gestão,  como confirma que é despreparado para lidar com demandas sociais estruturais, das quais a questão habitacional em São Paulo é apenas um exemplo.  Ainda mais grave, para ele, o jovem prefeito dá sinais de que não irá muito longe em sua carreira política na medida em que não tem força para fazer cumprir um acordo político mínimo, sendo capaz de agir com alto grau de covardia sempre que necessário.

No meio da barbárie, um ato de solidariedade

Assim que foi encerrada a ação da polícia, cerca de 200 famílias ficaram sem ter para onde ir. Muitas tentavam ainda recuperar documentos e pertences, aproveitar pedaços de telha, de madeira e outros materiais de construção. Crianças de colo foram levadas ao Pronto Socorro pois tinham problemas respiratórios em decorrência da inalação de gases das bombas. Muitas pessoas feridas pelas cacetadas, bombas e balas de borracha lançadas pela polícia. Um cenário de horror.

Ao final da tarde, porém, famílias da ocupação Jardim da Vitória, localizada num terreno próximo, também no Grajaú, organizavam uma forma de receber parte das famílias despejadas que não conseguiriam se arranjar com parentes e amigos. Pedaços de lona, cobertores e algum alimento foram rapidamente arrecadados e repartidos.

E de amanhã em diante, sabe-se lá…

Os leitores portugueses que não compreendam certas expressões brasileiras
dispõem aqui de um glossário.

9 COMENTÁRIOS

  1. Essa última imagem que ilustra a notícia e que tá correndo por aí nas redes sociais não é do Grajaú, é de uma desocupação de uns dois ou três anos atrás num acampamento do MST em Americana. Pode parecer bobagem, mas acho um absurdo e um desrespeito com os próprios movimentos e pessoas envolvidas a utilização indiscriminada de imagens de pessoas pobres (sem apuração) para “valorizar” com sensacionalismo novos fatos, no fundo é dizer que tudo é igual a tudo e que pobre não se distingue.

  2. Paulo, sobre a foto, foi então um engano mesmo.

    Durante a desocupação pela manhã, estava publicando pelas páginas dos movimentos as notícias que vinham chegando da desocupação, informes dos detidos, etc. Vi essa foto sendo compartilhada inicialmente em um post das Mães de Maio sobre o despejo do Itajaí no facebook e na hora me pareceu evidente que fosse de lá. Acabei re-postando ela em canais de outros movimentos sem maior apuração, e é por isso que foi parar no Passa Palavra e na própria página da Rede.

    Foi um engano mesmo – e concordo que bastante sério. Obrigado pelo aviso, vou entrar em contato com os canais para corrigir.

  3. Paulo,
    De fato foi cometido um lapso. Por conta de problemas em nossa plataforma de e-mail, fomos obrigados a coletar imagens nas redes sociais, onde a confusão já estava criada. Corrigimos e lamentamos pelo ocorrido.

    Coletivo Passa Palavra

  4. pergunta para quem está envolvido:
    a solidariedade tem risco de virar consciência? Ouvi de gente envolvida que os ocupantes não relacionam muito essa onda recente de ocupações como uma continuidade de Junho. No entanto, se enchergaram talvez como uma onda de fato, partes de um movimento maior de ocupações ou algo do tipo?

  5. Primeiro não negociou com o MPL-SP sendo intransigente no posicionamento da prefeitura ante as manifestações, agora ele próprio solicita a reintegração de posse agindo de forma cínica.

    É, o PT mostrando que de ser o partidos dos trabalhadores resta(resta?) muito pouco.

  6. Não, não resta nada mesmo. Admitamos essa realidade brutal e sigamos nosso caminho.

  7. Caro Paulo e demais compas-leitores do PP,

    Tudo firme?

    Então, sempre penso mil vezes antes de esticar esse tipo de chiclete – nos termos que foram colocados aí em cima – entre companheir@s. Mas firmeza, vamos lá.

    A questão que você levanta, Paulo, é bastante séria e importante (não é nenhuma bobagem, de fato). O coletivo que edita as nossas páginas, e eu como integrante dele, procuro/amos tomar todo o cuidado possível em relação a isto – contextualização das imagens que utilizamos, sobretudo quando relacionadas a denúncias de casos específicos de violência do estado e de resistência popular. Aliás, está na origem e continua marcando a prática de nosso movimento (com todos nossos limites) justamente resgatar a história específica de cada um dos mortos, desaparecidos, agredidos, e das respectivas famílias e amigos que resistem contra o terror colossal do estado democrático – tornados “todos iguais” pela invisibilidade completa das, no máximo, estatísticas oficiais. Mecanismo de apagamento de histórias, ademais, que marca toda série de massacres do país desde sempre. Para isso resgatamos fotos – sempre sob concordância das famílias, contextualizando-as; resituamos outras imagens já públicas; incentivamos a produção de textos, livros (já publicamos 2, e participamos de outros), vídeos (inúmeros já), músicas, postagens na internet etc, visando o fortalecimento crítico das memórias específicas, e do que consideramos as nossas verdades (dos trabalha-dores) sobre essas histórias frente as (não)versões oficiais. A parte que publicizamos é mínima, inclusive, se comparada ao acervo muito maior que temos em nossas várias mãos – mas que não publicamos exatamente por esta “discriminação”, respeito e cuidado com os envolvidos diretos.

    O caso específico desta imagem circulada pelas redes sociais – cuja responsabilidade pela publicação é minha – para ilustrar uma campanha de solidariedade urgente referindo-se ao despejo do Itajaí – e há outras situações semelhantes – são daquelas circunstâncias marcadas pelo calor limite da luta. No caso, contra um despejo superviolento (de consequências imprevisíveis para os lutadores reprimidos, no momento mesmo da repressão), e a urgente necessidade de reforçar a campanha imediata pela integridade e a libertação dos dois compas que estavam detidos/presos então. Entre os vários corres para este intuito urgente – corre político, jurídico, comunicação, telefonemas, sem-créditos etc, um dos importantes recursos disponíveis eram as redes sociais – e naquele momento, até por conta das câmeras confiscadas pela polícia (e toda dificuldade adicional de comunicação), não havia imagens disponíveis imediatamente lá da ocupação do Itajaí. Mas havia uma necessidade imediata de amplificar uma mensagem de solidariedade, visibilidade e autoproteção para lá. Por isso utilizei, em caráter ilustrativo, a imagem pública de outro despejo de 2011 que – embora de certo setor do MST em território mais “rururbano”, a nosso ver simbolizava bem a sensação (sim, a sensação!) revoltante de um despejo absurdo/violento nos moldes do que estava em pleno curso então. Situação que alguns dos integrantes de nosso coletivo de comunicação já passamos na pele algumas vezes, tanto no campo como na cidade.

    Não se trata, portanto, de uma “utilização indiscriminada” de “imagens de pessoas pobres”. Essa utilização de imagens de outros lutadores e de outras lutas //para uma luta presente// é bastante discriminada – como é discriminada, noutros termos, o bloqueio de uma avenida ou o uso acalorado de um ônibus; ela é pensada e problematizada (os prós e contras dessa ou daquela forma de utilização) por nós, talvez sob critérios e circunstâncias distintas da sua – que nós respeitamos. A circunstância ali pedia reações num tempo curto, ampla mobilização imediata (sim, tb pra chamar a atenção, até pra tentar garantir/proteger a integridade física dos compas presos). A repressão tem sido cada vez mais imprevisível atualmente no país. Como deve saber, entre as grandes dificuldades enfrentadas pelas ocupações atuais do extremo sul, há o bloqueio midiático quase total de informação / cobertura jornalística sobre o quê ocorre nelas. Por isso não concordamos com os termos que você utilizou: “[acho] um absurdo e um desrespeito com os próprios movimentos e pessoas envolvidas” etc etc. O quê é “absurdo” e “desrespeito” pra você? Não acho que desrespeitei/amos nem os movimentos e pessoas retratadas anteriormente; muito menos os movimentos e pessoas reprimidas anteontem. E a certa “confusão”, sim, ocasionada pela ampla visibilidade da imagem desviada no calor da luta, a meu ver é menos “desrespeitosa” do que a omissão. Preferi correr o risco de, na hipótese a meu ver menor da guerrêra fotografada pudesse se incomodar de ter sua imagem tornada símbolo de resistência e solidariedade à outra ocupação, chegarmos de alguma maneira nela e esclarecermos, até nos desculpar se preciso fosse. Não estava/mos, de maneira alguma, colocando-a em risco. Preferi correr a hipótese mais provável da guerrêra se sentir orgulhosa por sua imagem ter sido bem útil pra outros compas de classe em risco noutra circunstância, em prol da resistência do Itajaí, do que o risco de não incidir dessa (melhor) forma possível nesta ou naquela luta. Qual o preço ou o “desrespeito” mais caro a pagar?

    Essa questão, como vê, não é tão simples como pode parecer, caro Paulo… Não seria absurdo e desrespeito maior, inclusive pros lutadores outrora fotografados, deixar de utilizar tais fotos públicas disponíveis – citando suas referências/fotógrafos/contextualizando-as sempre que possível – em solidariedade urgente a outros lutadores sociais em pleno perigo, ainda que noutro contexto? Na dúvida (que sempre nos acomete em momentos de decisão/ações como este, por mais que possa não parecer à distância), qual o “absurdo e desrespeito” maior: o risco da tomada de uma atitude (cheia de limites, como qualquer passagem da teoria ao ato) ou a compreensível prudência (mas possível omissão pelo excesso de abstração em “respeito aos pobres”)? Não é questão simples. Pois pode ter certeza, a força daquela foto de Americana e a sua sintonia com o quê estava ocorrendo então no Extremo Sul de SP, potencializou muito a circulação da imagem e das informações/campanha/mobilização necessárias mais do que nunca ali, que usaram tal foto como veículo de comunic-ação. Apenas numa das postagens que editamos foram mais de 100.000 visualizações ali quando era necessário isso. É sempre uma questão em aberto para nossa discriminação sobre a utilização de imagens de lutadores/movimentos, mas que via de regra optamos pela tomada de atitude (desde que a exposição específica não coloque em risco ninguém), assumindo todos os limites/consequências dessa utilização. Achamos tb que a maioria das pessoas e movimentos com os quais temos proximidade cotidiana preferem mais esta referência e identidade (de classe) recíproca, tornada mais pública, mesmo com possíveis confusões (que você chamou de “sensasionalista” e de nivelação “indistinta de pobres”), do que a historicamente planejada e discriminada invisibilidade de nossas lutas, de nossas irmãs e irmãos oprimidos-lutadores – pelos demais poderes estabelecidos. “Confusão sensasionalista dos ‘pobres’ tornados todos iguais” ou identidade recíproca / simpatia / solidariedade (de classe) entre trabalhadores em luta? A multiplicação da utilização daquela foto como símbolo da sensação vivida num despejo, e da solidariedade às famílias despejadas/reprimidas, por diversas páginas de outros movimentos (como da Favela do Moinho – https://www.facebook.com/photo.php?fbid=557065341027135&set=a.521104751289861.1073741829.414133231987014&type=1&relevant_count=1), e até mesmo no clipe de um rap feito por ocasião do despejo (lá do próprio Extremo Sul – http://www.youtube.com/watch?v=ogb5mGWf5P0), enfim, são dados a considerar nessa análise sobre as “armas, noites, pedras e poemas” utilizados na luta… Mas isso depende caso a caso, e são as pessoas e movimentos diretamente citados que devem dizer o quê preferem, ou aquilo que acham “desrespeito” a si próprio.

    É um questionamento e uma discussão que tem crescido entre nós: por exemplo, diante do aumento da visibilidade dos casos de violência policial e outras denúncias de violência / violações de DH, impulsionado pelos canais mais autônomos possíveis de comunicação de nosso movimento e nossa rede nacional de familiares e amigos, tem multiplicado questões (externa e internamente) deste tipo: não haveria um excesso indiscriminado de imagens/exposição das “vítimas”, flertando com o “sensacionalismo”? Não haveria uma “idealização”/“romantização” do “pobre” (como ouvimos recentemente tb sobre o caso do guerreiro Amarildo, a partir de certas imagens e poesias que foram feitas sobre sua história); não seria um grande problema tb, entre os nossos aliados artistas periféricos ou mesmo o papel de referência das mães periféricas e demais familiares de vítimas, o problema da “vaidade” e do “narcisismo” das “lideranças”? São todas questões relevantes, que devemos ter em vista e aprofundar sempre, mas sem deixar de balizar também a importância de: A – Em primeiro lugar, a quebra da invisibilidade total da grande maioria dessas centenas de milhares de casos (ampliação da discussão/reflexão sobre o assunto; da produção de material/texto/conhecimento sobre o tema outrora praticamente ignorado); B – A maior visibilidade, em alguns casos, pode ser tb o único recurso disponível pra nós aumentarmos o custo político de eventuais retaliações contra nossos movimentos – e nestes casos o quê você chamou de “confusão” e “imprecisões” pode ser positivo; C – Neste sentido, talvez seja preferível lidar com certa idealização/romantismo/sensacionalismo/confusão do que com a simples inexistência política do tema/pessoas: pelo menos viraram uma questão; D – O quê você chamou de “sensacionalismo”, por outro lado, é também uma espécie de legítimo reequilíbrio do terror das sensações terríveis do cotidiano da classe trabalhadora alvo preferencial de tal repressão (o famigerado “Notícias Populares” tinha a mesma pecha de “sensasionalista” junto à classe média à época de sua existência, porém – já discutimos muito isso, inclusive com dois jornalistas ex-NP – pelo menos ali os repórteres chegavam à ponta e os casos eram noticiados – e lidos – nas bancas populares); E – Por fim, talvez seja preferível também lidar com os desafios todos (e são muitos mesmo) colocados pela “vaidade” e o “narcisismo” de alguns (novos) protagonistas diretos, do que com os sem-número de problemas da frustração/depressão apassivadora, agravada pela burocratização dentro dos próprios movimentos, do ciclo anterior.

    Por último, ainda sobre esta foto específica e outras semelhantes, se você reparar bem, Paulo, nós temos buscado resgatar e republicar uma série de fotos históricas ganhadoras de recentes Prêmios Vladimir Herzog, e de outros acervos iconográficos afins de DH, que a nosso ver têm uma atualidade imensa. Há uma identificação muito forte com as lutas atuais; rememoram e reativam as lutas antigas; e podem ser ferramentas muito importantes pras lutas de hoje – sobretudo no calor de algumas mobilizações necessárias, como foi o caso do Itajaí. Por isso que muitas vezes fazemos “desvios” tb, mais ou menos “sensacionalistas”, de forma propositada, geralmente acompanhando junto as fotos/imagens de agitação e propaganda poesias, letras de rap, textos convocatórios, vídeos de lutas, enfim… (alguns outros integrantes de nosso coletivo propõem, muitas vezes, fotos até muito mais pesadas / sensacionalista… utilizando-as em caráter pessoal; nós temos problematizado isso).

    Lamentamos ao camarada “Sobre a foto” pelo comentário acima, e as consequências da passagem.

    Abraço ao Paulo e a tod@s compas leitores do Passa Palavra!

    Tâmo juntão!

    D

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