Compra da Escola da Vila e mais duas escolas particulares por fundo de investimentos precisa ser lida para além delas próprias. Por Tomé Moraes

No dia 14 de fevereiro, a holding Bahema anunciou a compra de 80% do capital da Escola da Vila em São Paulo e de 5% da Escola Parque no Rio de Janeiro, além da negociação para a aquisição de participação (ao que parece de 40%) na Escola Balão Vermelho em Belo Horizonte, com opção de compra do restante em todos os três casos (ou seja, direito a adquirir inteiramente os colégios em um prazo de 3 anos por preço prefixado). No dia seguinte, suas ações fecharam com alta de 23,33% – a terceira maior da Bovespa e a maior cotação desde junho de 2015 – e continuaram em subida acentuada até o dia 21. Qual o motivo de tanto entusiasmo entre os capitalistas?

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A Bahema surgiu na década de 1950 como uma empresa de comercialização de máquinas agrícolas, manteve atividades agropecuárias na Bahia e nos anos 1980 passou a direcionar o capital excedente para a participação em outras empresas, que tornou-se o grande negócio da companhia, em cuja carteira se destacam ativos do Itaú Unibanco. Seus principais acionistas são a família Affonso Ferreira, que detém 57,5% do capital, e o fundo de pensão dos trabalhadores da Caixa Econômica Federal (Funcef), com 20%. Em 2016, a holding criou um grupo educacional voltado ao ensino básico, que teve no anúncio de compra das três escolas particulares sua primeira grande aparição pública.

A mudança de área de investimento do grupo coincidiu com a ascensão de Guilherme Affonso Ferreira Filho, que prefere ser chamado de Guiga, ao comando da empresa. Guilherme é diretor do think tank liberal Instituto de Formação de Líderes e é um dos organizadores do “Fórum Liberdade e Democracia”, cuja terceira edição premiou o militante do MBL Fernando Holiday e o procurador Deltan Dallagnol.

Até o momento, é essa participação que mais tem chamado atenção da esquerda. Denunciando a venda da escola “criada pela filha de Paulo Freire” a um “simpatizante do MBL”, notícias como a dos Jornalistas Livres pintam a Escola da Vila como um bastião da resistência engajada em uma educação crítica que estaria agora sob ataque de neoliberais golpistas. Em resposta a essa narrativa, outra parte da esquerda expôs as altas mensalidades desses colégios, argumentando que “escola de rico” não deveria ser pauta dos movimentos.

Em comum, ambas as parcelas da esquerda têm a dificuldade de analisar a notícia como uma movimentação nas estruturas de produção da força de trabalho. É o que tentarei fazer, atendo-me a essa perspectiva, embora isso não signifique que outros elementos não estejam em jogo.

Todo projeto pedagógico é uma forma de organização do trabalho escolar

Uma primeira pergunta a se fazer é: por que uma grande empresa como a Bahema, “com histórico de sucesso em investimentos em diferentes setores”, volta-se agora para o setor educacional? E por que escolheu adquirir logo essas três escolas?

“As três escolas são conhecidas em suas cidades por um projeto pedagógico construtivista, que privilegia a formação de pensamento crítico, leva os temas da atualidade para dentro da sala de aula, e se mostra sensível às mudanças de metodologia de ensino em curso no mundo todo”, afirmou recentemente um site de notícias econômicas. E salientou que se trata “de um modelo diferente, por exemplo, das escolas do empresário Chaim Zaher e da Eleva Educação, investida de Jorge Paulo Lemann, cujos negócios são baseados em sistemas de ensino, mais homogêneos e escaláveis.”

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Consideradas pioneiras no ensino construtivista, as três são tidas como referência entre boa parte dos estudiosos em educação de todo o país e há décadas compartilham metodologias de trabalho com pesquisadores internacionais. Desenvolveram e difundiram, em três dos mais importantes centros metropolitanos do país, uma importante inovação na educação que acompanha tendências globais: partir dos conhecimentos dos alunos para uma construção progressiva dos saberes, numa forma alegadamente muito mais produtiva de aprendizagem. Os comunicados feitos pelas escolas sobre a compra reafirmam sua posição de referência no setor, agora com possibilidade de trocar experiências pedagógicas entre si para um aperfeiçoamento ainda maior da qualidade de ensino (ver aqui e aqui).

É estranho imaginar que a Bahema tenha escolhido logo essas três escolas, num investimento de mais de R$ 40 milhões, para em seguida desmontar justamente aquilo que elas tem de diferencial: seus projetos pedagógicos.

Ao contrário, o que a Bahema comprou são três marcas e os projetos pedagógicos ligados a elas – até porque, no caso da Escola da Vila, por exemplo, nem os prédios utilizados são de propriedade das antigas sócias. Ou seja, comprou uma expertise reconhecida em educação que está presente no currículo e nos materiais produzidos, mas assenta sobretudo na formação específica e nos métodos adotados pelos trabalhadores envolvidos no processo de produção, em especial os professores. Afinal, qualquer projeto pedagógico é uma forma de organização do trabalho nas escolas, que depende fortemente da sua apropriação, aplicação e desenvolvimento pelos funcionários e alunos que despendem horas e horas de trabalho ali.

Nas chamadas “escolas construtivistas”, a chave da produtividade é o engajamento dos professores no projeto pedagógico, que permite uma exploração maior e mais intensa do seu trabalho. Como o produto nesse caso é humano, o cotidiano de exploração é facilmente escamoteado pelo envolvimento inevitável com os alunos, aliado à crença no potencial transformador e mesmo emancipador daquele trabalho. Isso cria um alto grau de identificação com a empresa (potencializado pelo fato de que ela é frequentemente gerida por ex-trabalhadores da educação), o qual conduz, em primeiro lugar, a uma extensão do tempo de trabalho, ampliando as horas não pagas gastas pelos professores elaborando atividades, corrigindo provas, fazendo planejamentos e criando adaptações do material para alunos ou turmas específicas – tudo com o maior zelo possível. Em segundo lugar, há uma intensificação do trabalho no tempo remunerado: o professor organiza o tempo de trabalho de aula de forma a maximizar a aprendizagem do aluno (ou seja, aumentar a produtividade), acompanhando-o da forma mais próxima possível, o que por vezes inclui a introdução de tecnologias computadorizadas que aumentam a disponibilidade do trabalhador à empresa e o controle do seu trabalho dentro e fora da sala. A incorporação, a difusão e o aperfeiçoamento desses mecanismos de exploração são promovidos pelas escolas em cursos, seminários e artigos, entre outras iniciativas de troca de experiência e reflexão sobre a prática docente.

A tais eficientes tecnologias de gestão do processo produtivo escolar deve-se acrescentar o alto nível de engajamento do produto – o aluno – na sua própria produção, elemento central do método de ensino que as três escolas têm como referência. Tampouco se pode descartar o estágio como mecanismo de barateamento de força de trabalho qualificada, ou seja, superexploração: sob a justificativa de fins pedagógicos, os estagiários são contratados de forma precária e temporária, sem direito às garantias da CLT, embora realizem, na prática, o trabalho de professores assistentes – e sua proporção no corpo docente é muito mais alta do que se pensa.

Para além disso, o controle sobre o processo trabalho tende a aumentar com a mudança de gestão. Nos próximos anos, a administração passará das mãos das antigas sócias, que mantêm um relação pessoal de confiança com os funcionários – com todos os problemas e vantagens que uma administração pessoalizada, permeada por afetos, favores e lealdades, como essa pode gerar –, para a inevitável impessoalidade de uma “mantenedora” externa preocupada com a eficiência administrativa, que pode ser elevada aproveitando a escala alcançada pela reunião de três escolas. Mais distante do cotidiano escolar, é muito provável que a Bahema implante uma gestão empresarial por indicadores e metas (como as que regulam o contrato celebrado com as antigas sócias), introduzindo novos mecanismos de controle do trabalho em sala de aula, como serviços de avaliação externa do desempenho dos alunos (oferecidos por empresas como a Geekie e a Avalia) e de avaliação quantitativa dos professores pelos estudantes. O conselho consultivo de pais e alunos com que a Bahema acenou aos pais e mães insatisfeitos com a compra da Escola da Vila também pode vir a tornar-se, no futuro, um meio de pressão por produtividade sobre os professores.

A bola da vez: reforma do ensino

Nada do que foi dito, contudo, parece explicar inteiramente o investimento da Bahema, que dificilmente se justificaria pela rentabilidade de escolas como as adquiridas (ver aqui aqui). Para além da mera retórica com os clientes, a afirmação feita por um dos sócios do ramo educacional da Bahema em reunião com pais de uma das escolas, de que os novos investidores estariam dispostos até mesmo a arcar com prejuízo, pode ser uma pista para outros elementos em jogo.

Um destes elementos é certamente o Centro de Formação da Escola da Vila, que existe desde 1980 e oferece em seu site uma variada gama de serviços para professores e instituições de ensino: cursos presenciais, semipresenciais e online para educadores ministrados por profissionais que também dão aulas na escola, além de especialistas brasileiros e estrangeiros; seminários internacionais; parcerias com outras instituições para jornadas de “desenvolvimento profissional” online e presenciais; “supervisão empresarial” e assessoria para gestores escolares; cursos itinerantes realizados em outras cidades do país; viagens em grupo para entrar em contato com experiências inovadoras em educação e gestão escolar em países como Estados Unidos, Espanha, Portugal, Canadá, Argentina, Itália e México; e, ainda, visitas de um dia à Escola da Vila, com direito a um passeio pelo espaço guiado por uma dupla de alunos da escola.

Há certamente um enorme potencial de expansão do Centro de Formação, não apenas no ramo promissor de formação e consultoria de gestão para colégios privados, mas também no mercado de assessoria e formação terceirizada de profissionais para as redes públicas de Estados e municípios, no qual a marca Escola da Vila e a referência do método construtivista constituem um significativo diferencial.

Indo um pouco mais longe, os métodos e os materiais produzidos para as aulas pelos funcionários da Escola da Vila, o currículo que eles construíram, suas reflexões sistematizadas sobre a prática educacional e o know-how acumulado em gestão escolar constituem uma mina de ouro que pode dar origem a uma série de serviços à venda para colégios públicos e particulares, seguindo uma tendência entre os grandes grupos do setor, mas com um diferencial de produtividade em relação “sistemas de ensino” apostilados. E o primeiro cliente pode ser uma das três escolas compradas pela Bahema, a Balão Vermelho, já que um dos pontos negociados na aquisição de parte do colégio parece ter sido a criação de um Ensino Médio até então inexistente. Além disso, a reforma do Ensino Médio deve aquecer o mercado de consultorias para a implementação do novo currículo, com seus diferentes itinerários formativos (vale lembrar que em diversas escolas particulares já existem disciplinas optativas na grade curricular do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio), e do ensino integral.

Gira a porta entre os setores público e privado: Cláudia Aratangy, da Fundação para o Desenvolvimento da Educação à Bahema

Nesse sentido, é importante notar que a Bahema acaba de contratar, como consultora pedagógica, a ex-professora e mãe de alunos da Escola da Vila Claudia Aratangy, que além de trabalhar em seu Centro de Formação e ter sido indicada pelas antigas sócias da escola para esse papel, tem uma longa carreira em gestão de projetos educacionais. Claudia trabalhou na elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais durante o governo FHC, e depois coordenou a área de projetos da Fundação para Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo, onde foi responsável por elaborar projetos de formação de professores da rede pública. Ela acumulou, além da expertise de formação de professores, uma ampla gama de contatos no setor público.

E não custa lembrar que na divulgação da última edição do Fórum da Liberdade e Democracia, Guilherme Affonso Ferreira Filho declarou que era favorável à ideia do Estado como provedor universal da educação, mas que ele não deveria necessariamente gerir todas as escolas. Essa ideia é cara ao liberalismo e retoma um argumento de Milton Friedman em defesa de uma educação de qualidade como fundamental para uma sociedade democrática e estável: ela deve ser paga pelo Estado, mas pode ser executada pela iniciativa privada, como ocorre há anos em grande escala nos EUA e em diversos outros países.

Ora, já existem no Brasil iniciativas de gestão compartilhada de escolas públicas. Várias delas são consideradas “Escolas de Referência” e servem inclusive de modelo para a reforma do Ensino Médio. O governo de Marconi Perillo em Goiás é pioneiro na proposta de terceirização da gestão de escolas para Organizações Sociais (OSs). Raquel Teixeira, sua Secretária de Educação, tem participado com assiduidade de seminários corporativos sobre educação, como um encontro promovido recentemente pelo Itaú Unibanco (coincidência ou não, o mesmo banco em que a Bahema detém participação), e chegou a reunir-se com proprietários de escolas particulares de São Paulo para convidá-los a participar da concorrência pela gestão de parte da rede pública do Estado.

Não é um ímpeto filantrópico que está levando representantes de grandes empresas brasileiras e estrangeiras a organizar fóruns sobre a educação no país. Há uma avaliação corrente entre importantes setores do capitalismo brasileiro, governantes e órgãos gestores internacionais de que um dos maiores obstáculos ao incremento da produtividade do trabalho no Brasil é a má formação da força de trabalho. Uma análise do Itaú BBA indaga: “Em 1992 os brasileiros estudavam 4,8 anos, em média. Em 2014, o número subiu para 8 anos. Com esses resultados, a produtividade da mão de obra no Brasil deveria estar aumentando, contribuindo para o crescimento do PIB potencial do país. No entanto, as estimativas de evolução da produtividade calculadas a partir das contas nacionais e dos números do mercado de trabalho sugerem que, na melhor das hipóteses, a produtividade ficou constante. Por que isso acontece?”.

Raquel Teixeira em seminário sobre educação do Instituto Unibanco

Como deixou claro um artigo recente do Passa Palavra, há uma intervenção coordenada do capital para reduzir “a defasagem formativa e o grau de incerteza” na produção da força de trabalho, o que envolveria não apenas “um salto quantitativo” no ensino brasileiro, mas “uma completa adequação a qualidades requeridas pelos ‘novos tempos’. (…) Nas palavras de Neca Setúbal, as ‘atitudes contemporâneas’ esperadas de um jovem em formação podem ser resumidas nos seguintes quesitos: ‘ser criativo, buscar a solução de problemas e aprender a aprender; garantir a alfabetização digital para que mais pessoas possam usar as novas ferramentas; exercer cidadania e ser socialmente responsável; aprimorar a colaboração e a comunicação no trabalho’”. Não são justamente jovens assim que as escolas compradas pela Bahema, comprometidas com uma formação crítica, com o estímulo à criatividade, com o uso das novas tecnologias “a favor da aprendizagem” etc., prometem entregar? Os mesmo métodos de produção que convenceram tantos pais a optar por essas escolas na educação de seus filhos parecem ter impressionado o fundo de investimentos com sua eficiência e orientado sua decisão após visitas a dezenas de instituições.

Ainda que parte dos clientes dessas escolas pertençam à classe dos capitalistas, é difícil crer que os planos da Bahema se resumem a um projeto de aprimoramento da produção de burgueses e gestores. Desenvolver e comercializar em grande escala as tecnologias de incremento da produtividade do ensino elaboradas ao longo das várias décadas de existência desses colégios não apenas se encaixa com o diagnóstico de que é urgente realizar uma reestruturação produtiva na escola pública – reestruturação que já está em curso com iniciativas como a Reforma do Ensino Médio, lançada como MP há alguns meses – , como pode mostrar-se um negócio bastante lucrativo, capaz de atrair também diversos clientes na rede privada. Nesse processo, faria sentido manter as escolas adquiridas como referências da marca, centros experimentais de desenvolvimento e teste de novas tecnologias de educação, antes de comercializá-las em maior escala.

Resistência

Assim que a venda foi anunciada pela imprensa, um grande incômodo deve ter tomado conta do corpo de funcionários e das famílias de cada um dos três colégios. Na Escola da Vila, há processos incipientes de organização dos pais de alunos e dos funcionários.

Boa parte dos pais tomou conhecimento da transação pelos jornais, num período em que já não seria nada fácil retirar os filhos da escola, e teve como resposta da atual direção apenas o pedido por um “voto de confiança”. Embora uma parcela considerável veja os novos sócios com bons olhos ou se mantenha indiferente, alguns estão profundamente incomodados. As reuniões convocadas pela escola para apresentação dos novos sócios não reduziram a indignação das famílias, que aprofundaram o contato pelas redes sociais e já realizaram duas assembleias na escola, com a participação de ex-alunos e uma comissão de funcionários. Uma convergência única entre consumidores e trabalhadores parece estar em vias de se estabelecer, num gesto contrário às tentativas da direção do colégio de isolar o movimento dos funcionários.

Entre os pais da Escola Parque também gerou-se um grande mal-estar e circula um abaixo-assinado solicitando uma reunião com todos os pais e funcionários sobre a compra do colégio. Enquanto isso, os professores anunciaram a paralisação as aulas na quarta-feira, dia 15 de março, para participar das mobilizações nacionais contra a reforma da previdência.

Já os trabalhadores da Escola da Vila se reuniram poucos dias após a notícia para “compartilhar informações, angústias e temores” e começar a se organizar diante da insegurança em relação à manutenção das atuais condições de trabalho. Ao invés de assumir uma posição defensiva e apenas questionar a venda de forma abstrata ou exigir compromissos vagos dos novos sócios, eles tomaram a dianteira e elaboraram uma carta de reivindicações bastante concretas que visam estabelecer algumas garantias para a nova relação de trabalho, inclusive para além daquelas já existentes, dado que agora a escola é parte de um projeto com novos planos e objetivos. As reivindicações incluem: manutenção do projeto político pedagógico da escola; abertura total do contrato de compra e das metas por ele estipuladas para o período de transição; direitos autorais sobre o material didático produzido; manutenção das bolsas para os filhos de todos os funcionários; isonomia salarial entre os segmentos e unidades; a discussão de planos de carreira; “equiparação dos benefícios (plano de saúde e cesta básica) de todos os funcionários aos dos professores”; “fim das limitações de circulação e usufruto dos espaços e equipamentos de uso comum”; “autonomia total do corpo docente na organização do currículo do Ensino Médio”; e o reconhecimento do direito de organização dos trabalhadores.

Logo da Escola da Vila na década de 1980.

Apesar do clima de insegurança, tensão e boatos que se instaurou na comunidade escolar desde o comunicado da compra, os funcionários seguem organizados em um espaço horizontal de discussão que mantém encontros regulares. Depois de se opor a reuniões por segmento, conseguiram garantir um encontro dos novos sócios com todos os trabalhadores da escola, no qual se discutiu a carta de reivindicações dos funcionários, ampliando a legitimidade do documento e do fórum que o elaborou entre quem permanecia mais distante da mobilização.

O apoio dos pais a seus próximos passos, bem como o debate público que vem se iniciando ao redor da questão – com o potencial de desvalorizar consideravelmente a marca Escola da Vila – podem ser cruciais para desestabilizar a correlação de forças interna e vencer as estratégias de desmobilização da empresa. De resto, o quanto antes for travado contato entre os funcionários de todas as escolas adquiridas – cujos patrões passam a ser os mesmos –, mais força pode ganhar sua organização em cada uma delas, mantendo-se um passo à frente dos gestores.

De repente, esses trabalhadores se viram em posição estratégica, no centro de uma reviravolta nas estruturas de ensino que o capital parece estar apenas iniciando no Brasil. Seu processo organizativo aponta caminhos interessantes para outros trabalhadores da educação, tanto pela clareza de suas reivindicações, que abordam problemas comuns a diversos outros colégios particulares, como por sua forma de organização. E merece também a atenção daqueles que trabalham – ainda – para o Estado, uma vez que a realidade empresarial é o futuro comum que o capital vem preparando para todos os trabalhadores da educação.

Não se tem notícia, por outro lado, de movimentação significativa por parte dos alunos de nenhuma das escolas até o momento. É um indício, talvez, de que, por mais “críticas” que se proponham, não são tanto as pedagogias as responsáveis pelo engajamento dos jovens nas lutas.

Sobre o autor

Tomé Moraes é trabalhador da educação, hoje empregado no ensino privado. Já escreveu, neste mesmo site, uma análise sobre o Escola Sem Partido.

 

6 COMENTÁRIOS

  1. Neoliberalismo se entranhando no que poderia ser uma melhoria de formação de indivíduos, uma metastase preocupante. Essa visão de melhoria de produtividade de mão de obra já é o discurso na ponta da lingua dos gestores das escolas públicas do estado de São Paulo.

  2. Sou pai de um aluno da escola parque. A movimentação por lá tem sido incrivelmente fraca. Numa escola cujo número de alunos deve ultrapassar facilmente a casa dos 500, menos de 80 pais subscreveram o abaixo assinado solicitando esclarecimentos sobre a venda. Muitos pais que conheço não parecem se importar, e outros chegam a afirmar que a venda será boa para a escola. Há quem diga que já se tratava de uma instituição que buscava o lucro antes de ser vendida para a Bahema, portanto o objetivo principal não mudará. A diferença fundamental é que imaginávamos que a escola pertencia a um grupo de educadores com ideais que não se resumiam ao lucro, coisa impossível de acontecer com uma Holding. Ainda há que se adicionar o fato de um dos donos da Holding ser um ativista no campo da educação, com ideias assustadoras. Então entramos no pior dos mundos. Donos conservadores, que valorizam não apenas o lucro, mas que também se esforçam ativamente para divulgar e implantar suas visões de mundo conservadoras e excludentes. A reação dos pais não me surpreende, pois o perfil da grande maioria dos pais que encontrei na escola é muito mais conservador do que eu esperava. O tal pensamento crítico que se diz desenvolver por lá me parece se restringir ao campo da ecologia. Jamais vi alguma discussão sobre papel do Estado na sociedade, distribuição de renda, poder, violência. A escola já pertencia, de alguma forma, à Bahema antes de ser comprada.

  3. Algo interessante que de certa forma está no texto, mas não se elabora muito e nem tem espaço pra isso, é a dúvida sobre o que fazer em relação à esse ensino que, ao mesmo tempo que se mostra aos nossos olhos como um caminho de ensino mais interessante​ do que os outros conservadores, é a aposta dos setores mais desenvolvidos do capitalismo. Nesse debate entra tambem a discussão sobre o papel da educação na formação de militantes ou cidadões alienados. Alguem pode comentar?

  4. Excelente análise. Penso que o comentário de João Carlos fecha um ponto importante do texto, a tal criticidade desses projetos pedagógicos alternativos, uma criticidade anticapitalista romântica, com foco em outros mundos possíveis por via não de lutas coletivas, mas do exemplo pessoal e demais variantes de criticidade típicas da pequeno-burguesia, via de regra preocupada com a questão ecológica, fazer a sua parte, cidadania e demais balelas. Não conheço a proposta específica dessas escolas, mas se é na linha do construtivismo e do “aprender a aprender” e voltada (devido ao preço) para franjas altas da sociedade não admira que seja um espaço adequado à formação de mão-de-obra gestora, futuros patrões educados para o empreendedorismo, a começar pelo empreendedorismo de si mesmo. Daí não surpreender os alunos não se mobilizarem, será que estão mais interessados em cavar estágios e networks para quem sabe integrar os quadros de comando da Bahema, em vez de lutar contra ela e outras transnacionais do setor? Em todo caso a mobilização dos funcionários é interessantíssima e o alerta à atuação de uma grande empresa da indústria da formação de pessoas é importantíssimo.

  5. Tome de Moraes, (autor dotexto), João Carlos (comentarista), me digam por favor se hoje, em 2020, há ou não uma Associação de pais atuante nessas escolas recém compradas. Ual o link dessas associacoes… Obrigada.

  6. Segundo nos informou o autor, nenhuma associação foi formada, apenas algumas tentativas de famílias que pouco prosperaram.

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