Pode o não voto ser uma forma de luta anticapitalista? Ouvimos a Plataforma Abstencionista que apela ao não-voto em massa, neste ano eleitoral em Portugal.

Passa Palavra (PP) – A Plataforma abstencionista visa sistematizar a expressão abstencionista. Como tenciona fazê-lo? Por outras palavras, em que consiste o conceito de «abstenção activa»?

Plataforma Abstencionista (PA) – Para as pessoas que fazem parte da PA o conceito de “não voto” implica mais qualquer coisa do que a simples não ida às urnas no dia das eleições. Implica, por exemplo, a promoção do abstencionismo como forma de luta consciente, a ligação desta atitude às lutas populares que vão sendo desencadeadas nas mais diversas áreas e também a divulgação de que é possível e indispensável uma nova organização social e económica da sociedade, em que capitalismo, hierarquia e dominação sejam conceitos e práticas não existentes. Uma sociedade em que as decisões sejam tomadas de forma participada e horizontal, sem que ninguém tenha de delegar a sua opinião de forma sistemática e irrevogável.

PP – Sendo a abstenção (tal como o voto, de resto) um acto de consciência individual, faz sentido torná-la matéria de campanha?

PA – Faz todo o sentido. É uma forma de luta contra esta sociedade capitalista como outra qualquer. Se os partidos fazem do apelo ao voto matéria de campanha, porque é que o apelo à abstenção não pode ser também feito? Numa frase, as campanhas servem, exactamente, para tentar mudar consciências.

PP – Que críticas fundamentais dirigis ao sistema eleitoral representativo e por que devem, em vosso entender, as pessoas recusá-lo?

PA – Porque na chamada democracia representativa os cidadãos não significam nada. Os cidadãos são chamados periodicamente a pronunciarem-se sobre ideias e projectos já preparados por outros e para os quais não tiveram, nem vão ter, qualquer participação. Ao longo da História, as democracias representativas têm inculcado na cabeça dos cidadãos que os resultados dos actos eleitorais significam uma procuração irrevogável para o Estado e seus representantes agirem em seu nome de forma omnipotente e omnipresente. A representatividade como modelo parece-nos, aliás, um atestado de infantilidade às pessoas em geral, que necessitam de entregar a decisão sobre o que afecta as suas vidas a pretensos especialistas, abdicando da sua individualidade, da sua autonomia e da sua capacidade de análise e decisão. Ao contrário, a democracia directa promove a criação de ideias e a sua aprovação de forma colectiva e participativa. Os delegados que daqui emanam são eleitos apenas para representar uma decisão específica, não tendo o direito de alterar uma decisão tomada numa assembleia popular e podendo ser demitidos dos seus mandatos em qualquer altura.

PP – A luta pela igualdade do direito ao sufrágio foi uma das mais encarniçadas batalhas da esquerda europeia e americana na modernidade. Um dos factores seus distintivos, até, relativamente à direita censitária (que preconizava o voto exclusivo para certas classes de cidadãos e camadas sociais, económicas ou intelectuais, ou ainda o valor diferenciado do voto de cada pessoa pela sua posição sócio-económica e política). A vossa posição é, hoje, uma posição de esquerda, ou isso não vos preocupa?

PA – Será que os governos têm posições de esquerda ou de direita? Consideramos que o apelo a que as pessoas deixem de legitimar elites e tomem as suas próprias vidas é uma posição que pode ser catalogada no que, habitualmente, se designa por “esquerda”, mas é uma questão que não nos preocupa.

PP – Gerações de pessoas foram impedidas de votar em Portugal pela ditadura do Estado Novo. Que dizeis a essas pessoas que, até a partir da sua própria experiência passada, criticam o não voto e associam apelos como o vosso a uma natureza de coisas idêntica à que as privou durante décadas da escolha eleitoral?

PA – Dizemos que a luta pelo direito ao voto, em que alguns de nós participaram, significa sempre o direito ao “não voto”! Em termos estritamente políticos são duas situações não comparáveis. Durante o fascismo, a luta pelo direito ao voto foi uma das formas possíveis para pôr fim a um regime político ditatorial e opressivo. Actualmente, somos de opinião que existem outras formas de luta para acabar com esta sociedade capitalista e hierarquizada, sendo o abstencionismo uma delas.

PP – Como responde a Plataforma Abstencionista à crítica de que, se nada muda com o voto, também nada muda com a recusa do voto?

PA – Como é referido na resposta anterior, a luta pelo direito ao voto significa também o direito ao “não voto”. Por isso, consideramos que é uma crítica que não está correcta. É óbvio que haverá sempre pessoas a votar, mas uma abstenção massiva é um claro sinal de rejeição dado às estruturas do poder político. No entanto, não chega a simples recusa do voto, se esta atitude não for acompanhada pela recusa activa ao capitalismo e a todas as outras formas de dominação. E é esta atitude que se procurará incentivar nas acções a desenvolver pela PA. Em suma, a recusa massiva do voto, desde que acompanhada por atitudes e acções onde as pessoas se apercebam que têm capacidade suficiente para, juntas, tratar dos assuntos comuns, parece-nos um bom caminho revolucionário e, assim, potenciador de mudança.

PP – Para alguns sectores de opinião, a mobilização em torno da abstenção é um processo secundário, em relação à «luta de classes» nos processos de combate ao capitalismo. Estão errados, esses sectores? Porquê?

PA – Estarão errados se considerarem o apelo à abstenção como um processo secundário. Consideramos que no combate ao capitalismo não existem processos principais ou secundários. Todos são necessários nesse combate, dependendo apenas a sua utilização do foro individual de cada um.

PP – Conhecem, na vossa plataforma, algum método mais democrático do que as eleições? Há alguma metodologia eleitoral com a qual estivésseis de acordo?

PA – Os abstencionistas opõem-se a eleições, defendendo que a acção directa e outras alternativas são soluções mais democráticas para uma sociedade mais justa do que eleger o Candidato X para um cargo qualquer. Assim sendo, não concordamos com qualquer metodologia eleitoral que delegue noutros o poder de decisão – usado posteriormente como poder omnipotente – e sem possibilidade de revogação.

PP – Que proposta alternativa, para que modelo de organização da sociedade aponta a vossa política? Que há de mais democrático do que eleições?

PA – No entendimento das pessoas subscritoras da PA não é forçoso termos de apresentar alternativas ao sistema actual. Isso seria entrar na lógica de actuação dos partidos, o que recusamos. A PA não tem de ter “política”, nem tem de propor um modelo de organização da sociedade. Isso é uma coisa que tem de ser construída dia-a-dia pelas pessoas, com avanços e recuos, com erros e sucessos. No entanto, somos de opinião que a alternativa mais consistente a esta sociedade tem de passar por uma sociedade autogestionada e anticapitalista, na qual as pessoas participem activamente nos processos de tomada de decisões.

PP – Que entidades, pessoas, movimentos incluem a vossa plataforma e quais os vossos projectos de acção e iniciativas futuras? Como pode a Plataforma ser contactada por quem nela esteja interessado?

PA – As pessoas e grupos que subscreveram a PA estão mencionados na lista de subscritores. Projectos de acção: reuniões, debates públicos, apoio a lutas e reivindicações populares. A PA pode ser contactada através do respectivo blogue: http://plataforma-abstencionista.blogspot.com

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