Na quarta parte desta “biografia política” de Mário Pedrosa se analisará fundamentalmente a caracterização feita por ele do regime militar brasileiro e da estrutura do capitalismo mundial através das obras A opção brasileira e A opção imperialista, ambas de 1966 – suas últimas ações de peso antes do exílio em 1970. Por Manolo
1. Do golpe militar ao exílio (1964-1970)
O golpe de 1964 encontrou Pedrosa como presidente da Associação Brasileira dos Críticos de Arte (ABCA), cargo para o qual havia sido eleito em 1962, e como professor do Colégio Pedro II.
Em 1965 foi criado o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de “oposição consentida” criado dentro do sistema político bipartidário criado pelo Ato Institucional n.º 2 (AI-2) e pelo Ato Complementar n.º 4: um partido político, neste sistema, só poderia ser criado se contasse, de início, com pelo menos vinte senadores e cento e vinte deputados federais no ato de sua fundação. O MDB – apelidado pelo povo de “Manda Brasa” – reuniu principalmente egressos do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e do Partido Social Democrático (PSD), pilares do varguismo no período que vai da redemocratização de 1945 à edição do AI-2, e militantes do PCB, que desde 1947 atuava na ilegalidade; muita gente do PSB entrou nele, incluindo Mário Pedrosa.
Pedrosa escreveria sobre a ditadura diversas vezes, como neste artigo de 25 de setembro de 1966 para o Correio da Manhã:
Durante os primeiros tempos após o 1 de abril, …as vítimas eram confinadas, senão materialmente, sem dúvida moralmente. Os cidadãos comuns as temiam como vítimas obscuramente culpadas das três iras dos deuses, e delas se afastavam por prudência. Mas hoje é espantosa a transformação. Todos as procuram movidos por um generoso e por vezes inarticulado sentimento de reparação. Nesse movimento de aproximação aos cassados, às vítimas da ditadura militar… está a prova de que a ditadura já é uma sobrevivência no tempo. (grifos nossos) O povo brasileiro em sua imensa maioria já lhe retirou qualquer apoio… Agora é a ditadura que se vai confinando de mais a mais, num crescente isolamento do povo representado por todas suas camadas.
Participou do enterro do estudante Edson Luís, morto pelos militares em 1968. Em plena vigência do AI-5, a partir de 1969, o conflito dos artistas de vanguarda com a censura começou com a proibição da exibição de obras consideras “políticas” pelos censores, e chegou ao seu ponto mais tenso com a proibição da mostra dos artistas selecionados para a representação brasileira à IV Bienal de Paris, no MAM-Rio, o que provocou enérgico protesto da Associação Brasileira dos Críticos de Arte (ABCA), sob a presidência de Mário Pedrosa, na forma de um documento no qual a entidade anunciava seu propósito de não mais indicar seus membros para integrar júris de salões e bienais. A repercussão no exterior do fechamento da exposição do MAM e o documento da ABCA foi enorme, provocando um boicote internacional à Bienal de São Paulo. A partir desses fatos e com a ditadura tornando-se cada vez mais brutal a partir dos anos 70, os artistas de vanguarda assumiram uma posição de marginalidade, ora agravando o conflito com a censura, ora exilando-se no exterior para continuarem vivos.
2. As duas Opções (1966)
Após o golpe de 1964, Pedrosa escreveria a um amigo:
Estou pensando em escrever um livro sobre as multinacionais ou a teoria da contra-revolução mundial. Eles têm um projeto, fundado numa tecnologia cada vez mais desumana. Um domínio da “civilização do Hotel Hilton”. O que eles querem fazer é a “civilização do Hotel Hilton”! Baseada no plástico, nessa matéria-prima que não tem nada a ver com a organicidade da natureza e da terra, implantando uma civilização falsa. Isso é a teoria da contra-revolução mundial, internacionalmente. É preciso um rearmamento ideológico fantástico para continuar a luta ideológica, que não se encontra mais em lugar nenhum.
Este livro tão subestimado pela posteridade seria, na verdade, dividido em dois: A opção imperialista e A opção brasileira, ambos lançados pela – então – combativa editora Civilização Brasileira, de Ênio Silveira. O primeiro tem 543 páginas; o segundo, 311 – belo volume para o que pretendia ser apenas uma análise do regime militar! É o projeto apontado no prefácio de ambos os livros:
Este livro nasceu do impacto causado pelos acontecimentos que culminaram com a deposição do governo João Goulart e a subida ao poder, a 1 de abril de 1964, sob nova conjugação de forças, de um Governo discricionário. O autor tentou mas não conseguiu situar aqueles acontecimentos dentro dum contexto limitado ao âmbito nacional. Cedo verificou que não se explicavam, isoladamente, e que mesmo o Brasil todo, como nação, como Estado, como economia e sociedade, não era produto exclusivo de si mesmo, da evolução de sua simples história. Era cada vez mais, ao contrário, como que resultante de um paralelograma de forças que o impele para uma direção diferente, externa, que não resulta, por sua vez, da dinâmica de suas forças interiores, autênticas. Do confronto dessa mecânica de forças depende, entretanto, o futuro do País. (A opção imperialista)
Opção Brasileira, que ora vem a público, foi concluído em setembro de 1965 como parte final do livro que comecei a elaborar em maio de 1964 e foi desdobrado nos que agora são editados, independentes entre si embora, é claro, ligados por um pensamento comum. (A opção brasileira)
Em A opção imperialista, Pedrosa analisa as transformações do capitalismo no século XX após a Segunda Guerra Mundial para fazer o “rearmamento ideológico fantástico” a que se propusera. Como nos tempos de Vanguarda Socialista, Pedrosa bate firme nos setores da esquerda – o PCB principalmente – que, travados pelo dogmatismo, seguiam na “mesma estratégia de antes da guerra” que mantinham
velhas formulações teóricas num mundo que assistia ao desmentido mais acabado às perspectivas socialistas, comunistas, marxistas quanto ao futuro do capitalismo; este era, com efeito, capaz de novo surto de desenvolvimento de suas forças produtivas, por uma notável transformação de suas estruturas. O mundo está pagando caro essa impotência teórica. (…) …o saldo negativo dos socialistas, principalmente dos comunistas russos ou chineses, foi bem maior que o do lado capitalista. Toda uma equipe de economistas ocidentais, principalmente norte-americanos e ingleses, fez valioso esforço para fazer da velha economia acadêmica uma ciência viva, capaz de corresponder em parte às modificações formidáveis surgidas no capitalismo ocidental e, principalmente, americano.
Apesar da crítica – acertada – ao dogmatismo da esquerda de então, Pedrosa tinha como alvo principal o capitalismo. Enquanto em Vanguarda Socialista Pedrosa tentava articular debates entre militantes socialistas, “lançar muitas idéias, disseminar um corpo de idéias para os indivíduos, os pequenos grupos a fim de que esses, organizando-se e orientando-se por elas, se reúnam e se preparem para uma ação sistemática e esclarecida sobre o que se chama de largas massas”, nas duas Opções dedicou-se ao estudo das estruturas do capitalismo; não haveria motivo, assim, para centrar fogo em outro alvo.
O quadro analisado por Pedrosa apontava o seguinte:
(a) As tensões do capitalismo após a crise econômica de 1929 haviam sido resolvidas por meio de “reformas contra-revolucionárias”, reformas destinadas a recolocar a economia capitalista ao mesmo tempo em que esmagavam os movimentos anti-capitalistas.
(b) A instituição capitalista chave do mundo contemporâneo, fruto deste longo período de reformas contra-revolucionárias, não é mais o Estado, como Pedrosa dissera em escritos anteriores, mas sim a corporação, a grande empresa capitalista, dominada por uma oligarquia fechada.
(c) O proprietário privado foi substituído pelo burocrata, porque o primeiro, embora aproveite-se da exploração do trabalhador, não controla mais a exploração: “Assim como por toda parte (Rússia inclusive) a burocracia tende a usar o Estado como sua propriedade privada, também nos Estados Unidos uma formação social, senão nova, amadurecida e consciente de seu poder, a oligarquia dos dirigentes das grandes corporações, tende a dar aos negócios do Estado a tônica de sua presença”.
(d) O caráter coletivo da produção sob as grandes corporações, somado ao espraiamento da propriedade sobre ela entre uma nuvem anônima de acionistas, tendem ao socialismo, e o domínio dos controladores, gerentes e gestores só se dá mediado por uma longa série de contradições.
(e) O capitalismo fundado na corporação nada tem de progressista, e as reformas dentro dele tendem a aprofundar a dominação capitalista.
(f) A verdadeira transformação social e econômica tem de girar em torno da empresa e dentro da empresa, no local de trabalho, na luta pela socialização da corporação.
(g) A automação cria uma contradição na produção capitalista: ao mesmo tempo em que aumenta a produção, diminui a necessidade de trabalhadores, e a demissão destes últimos cria uma massa de desempregados estruturais incapazes de consumir.
(h) Com a diminuição da massa de consumidores, a indústria cultural – expressão que Pedrosa não usa, mas de cujo conteúdo “frankfurtiano” passa bem perto – estimula o consumo do supérfluo em doses cada vez mais maciças.
(i) Apesar de a automação conter virtualidades negativas, contém em si a possibilidade de libertar o trabalhador das cargas horárias excessivas, e pode, assim, conter germes de socialismo.
(j) A estratégia socialista nos países de “alto capitalismo” passa pela pressão social pela socialização da corporação através de lutas legais, de massa.
(k) Nos países de “baixo capitalismo”, “subdesenvolvidos”, a revolução deve dar conta dos novos capitalistas agrários que substituem progressivamente os antigos proprietários latifundiários, e deve revelar uma face internacionalista mais profunda, pois os inimigos a enfrentar são comuns e articulam-se todos no imperialismo internacional; é uma revolução “dupla: a emancipação nacional em face dos interesses imperialistas alheios e contrários” e a “emancipação social das classes oprimidas e de baixos e médios rendimentos, internamente”.
(l) Toda reforma nos países “subdesenvolvidos” que ficar restrita a alterações administrativas, técnicas ou legais de ordem interna “será reforma tipicamente contra-revolucionária, pois visa a enquistar ou calcificar a subordinação da economia primária à do Estado ou Estados imperialistas, controladores dos recursos financeiros internacionais”.
Há outras passagens interessantíssimas:
Sob o regime das reformas contra-revolucionárias institucionalizadas, inclusive nos países democráticos ocidentais, a eficiência produtiva aumentou, a racionalidade econômica cresceu, a cultura chegou às “massas”, mas tudo em detrimento do homem, do homem com os seus fins e aspirações contraditórias, substituídos esses por jornadas de trabalho mais curtas mas infinitamente mais intensas e um dia a dia cada vez mais cheio de mata-tempos, distrações e divertimentos organizados, sistemas de informações crescentes em quantidade e relativa diminuição do valor, propaganda das vantagens da melhor democracia, da melhor cerveja, do melhor calista, do melhor negócio, da melhor igreja, do melhor cinema, circo ou jogo, do melhor político, do melhor campeão, do melhor governo, do melhor trabalhador ou patrão, do melhor doutor, da melhor mãe, etc., etc. O melhor no pior também é objeto de admiração. Todas as manifestações culturais de nosso tempo participam desse otimismo, desse enfechamento sobre o presente – é o ópio do povo. Tudo isso vem do arsenal totalitário das reformas contra-revolucionárias. As categorias sociais desaparecem, o homem é atomizado; é o ideal da democracia, da boa, isto é, representativa. Esse ideal foi criado pelo fascismo. É o que impera nos Estados Unidos.
A classificação do homem na sociedade tende a desligar-se de seu trabalho, de sua função na produção para caracterizar-se pelo grau de seu consumo. A circularidade social de que tanto se orgulha a civilização americana é tanto maior quanto maior a capacidade consumidora em bens do cidadão (…) Vem daí a capacidade da civilização americana de institucionalizar todas as atividades. Ao fabricar em massa as coisas mais espontâneas ou casuais, por definição artesanais ou do fazer manual, são institucionalizadas, como a torta, a maionese, a pipoca, o sorvete, o brinquedo, a gravata, o bonde, o berimbau, o saxofone, a esteira, o rosário, o santo, a imagem, a lembrança, o amor, o casamento, etc. Assim, a população inteira, todos os dias, de norte a sul, de leste a oeste do país, come a mesma torta, a mesma salada, nas mesmas horas, de alto a baixo da escala social. As coisas são arrancadas de seu local familiar regional e confeccionadas em massa, como objetos neutros, atos sociais neutralizados, quase abstratos, trocados, efetuados, consumidos de ponta a ponta do território nacional (…), indiferentemente ao clima, gostos, hábitos, tradições de mesa, tradições familiares, tradições antropológicas e culturais, como um automóvel, uma postura municipal, um instituto legal, enfim, democraticamente para todos.
Corre nos meios sindicais americanos da C.I.O., como anedota, um diálogo que Walther Reuther [líder sindical metalúrgico dos EUA, ativo entre as décadas de 1930 e 1960] teria tido em 1954, numa nova usina Ford em Cleveland, modelo de automação mais avançada, com um dos diretores da companhia. O diretor, ao chegar em enorme salão, onde não havia operários, apontou-lhe orgulhosamente as máquinas e disse: “Que fará o senhor para arrecadar as contribuições [sindicais] dessas pessoas?” Reuther, não se perturbando, respondera: “que fará o senhor para que essas pessoas lhe comprem automóveis?” A automação faz medo ao operário. E pelo diálogo transcrito, parece intenção dos líderes sindicais fazer, por ricochete, medo aos patrões. Estes dizem àqueles: seus homens serão dispensados, vocês não terão mais quem lhes pague a contribuição para seus sindicatos e sua burocracia. Aqueles replicam: vocês não terão mais compradores para seus automóveis.
[A produção em massa americana] joga milhões de pessoas fora do circuito social, impelindo da vida para o suicídio ou o confinamento a velhice, suprime permanentemente do ciclo do trabalho uma média de cinco milhões de homens ainda na mocidade e na virilidade (desemprego estrutural), reduz quarenta a cinquenta milhões de seres a viver duramente, de rendas largamente insuficientes, mas atrai à domesticidade, numa volta ao campo feudal de viver das primeiras épocas do capitalismo, quase três milhões de trabalhadores do supérfluo, obrigando o resto da população próspera a consumir pelo consumir, carros todos os anos, nylons feitos para não durar, tecidos de um dia e meio, lâmpadas elétricas não de dez mil horas mas de mil de duração, batons de todas as cores, embalagens de mais a mais luxuosas, a serem, em suma, os compra-tudo-todos-os-anos, inclusive de obras de arte perecíveis todos os meses,ou, como designou todo esse regime, com muita precisão, Vance Packard, “the wastemakers”, os fazedores de desperdício.
A intervenção dos fundos de pensão tem assim crescido na aquisição das ações e títulos de empresas sólidas, constantemente, desde o fim da guerra. Uma grande concentração de compras de número limitado de emissões da mais alta qualidade explica (…) a posição destacada daqueles fundos em todo o mercado financeiro nos últimos cinco anos ou por aí. Esses fundos ainda estão em crescimento e longe ainda da maturidade. (…) [Adolf Berle] chega mesmo a conceber a possibilidade de que aqueles fundos se apropriassem de uma parte tão substancial das ações preferenciais de uma companhia que o controle efetivo passasse aos seus trustes. (Note-se que A opção imperialista é de 1966 e já tratava do papel dos fundos de pensão que, décadas depois, quando criados no Brasil, seriam um dos, senão “o” principal motor do capitalismo financeiro do país!)
Nele estão também as duas primeiras citações de artigos da revista Socialisme ou Barbarie em língua portuguesa:
Em Socialisme et Barbarie, n.º 32, 1961, Paul Cardan [pseudônimo de Cornelius Castoriadis], num magnífico ensaio sobre Le mouvement révolutionnaire sous le capitalisme moderne, assim o descreve: “A luta operária no plano econômico exprimiu-se sobretudo pelas reivindicações de salário, às quais o capitalismo opôs uma resistência encarniçada durante muito tempo. Tendo perdido a batalha nesse plano, êle acabou por adaptar-se a uma economia cujo fato dominante, do ponto de vista da procura, é o acréscimo regular da massa dos salários tornada base de um mercado constantemente ampliado de bens de consumo. Êsse tipo de economia em expansão em que vivemos é, no essencial, produto da pressão incessante exercida pela classe operária sôbre os salários – e seus problemas principais resultam dêsse fato… Assim (e também em função de outros fatôres) depois de ter resistido muito tempo à idéia da intromissão do Estado nos negócios econômicos (considerada como “revolucionária” e “socialista”) o capitalismo chega finalmente a adotá-la, e a desviar em seu proveito a pressão operária contra as conseqüências do funcionamento espontâneo da economia, para instaurar, através do Estado, um contrôle da economia e da sociedade, servindo em fim de contas seus interêsses” (Socialisme et Barbarie, pág. 93.) (A opção imperialista, p. 96, nota 1)
O professor Simon já nos falou da “fábrica de processamento de dados ao lado da fábrica de processamento físico”. O socialista revolucionário francês fala de “usina do plano”, “cujo trabalho consistirá numa verdadeira fabricação em série dos planos e suas várias partes separadas”. (Socialisme et Barbarie, nº 22, julho-setembro de 1957, P. Chaulieu [outro pseudônimo de Cornelius Castoriadis], Sur le Contenu du Socialisme, pág. 37.) É a chegada do automatismo social. (A opção imperialista, p. 519, nota 1)
Já em A opção brasileira, menos ambicioso, Pedrosa atacava a hipótese, formulada principalmente pelo PCB, de que seria possível uma revolução burguesa no Brasil. No Brasil, afirmava Pedrosa, toda modernização se fez através do Estado; o golpe de 1964 seria apenas uma expressão disso. A existência de uma burguesia industrial progressista, contraposta a uma aristocracia agrária retrógrada, era uma falácia, segundo Pedrosa: o que existia era um setor agrário vinculado à exportação, que patrocinou diretamente o início da industrialização. Sendo assim, era impossível considerar qualquer forma de contradição entre os interesses da burguesia brasileira e aqueles do capital internacional.
A definição mais próxima do regime instaurado em 1964, para Pedrosa, seria o de uma ditadura bonapartista, nos moldes definidos por Marx no 18 Brumário; mesmo assim, para Pedrosa, um “bonapartismo nos trópicos” não seria a forma mais precisa de definir o regime, pois
As classes dominantes no Brasil e, com elas, parte significante das suas Forças Armadas já não se movem senão com a consciência plena de que se movem dentro e um contexto político maior, fora do qual não se arriscam. Esse contexto é a área política imperial delimitada pelos Estados Unidos.
A intervenção de um agente imperalista externo seria elemento essencial deste “bonapartismo tropical”, gestado em longas décadas de contradições sociais internas. Se, num primeiro momento, a ditadura militar foi confundida com um governo acima das classes, as reformas econômicas de Otávio Bulhões e Roberto Campos mostraram que a ditadura militar era pautada justamente pelo “contexto político maior” a que Pedrosa se refere: suas políticas liberalizantes, tendentes a facilitar a ação do capital internacional no Brasil, agrediram fortemente a burguesia nacional, em especial a industrial.
As grandes – de capitais alienígenas – essas não são submetidas a idênticos regimes correcionais. A determinação dos seus preços escapa na prática ao alvitre do governo. O contrário é que é mais correto dizer. A lógica da “reforma” do capitalismo, que move seus ideólogos e tecnicistas à frente do comando econômico do País, os leva a desalojar os grupos industriais de onde se encontram instalados, mediante o mecanismo de transferência de categorias de importação – de especial para geral – para os produtos similares de fabricação estrangeira. Por essa alteração ou supressão de tarifas, os privilégios de que gozavam esses grupos brasileiros são ameaçados ou desfeitos pela chegada livre daqueles similares. Os fanáticos do capitalismo ideal ficaram satisfeitos: vencerá, afinal, a eficiência competitiva.
Após a resolução 63 do Banco Central, que abriu ao capital financeiro internacional o mercado de capitais brasileiro e permitiu a formação de grandes conglomerados financeiros na forma de bancos de investimentos, ficou mais explícito o papel da ditadura militar como representante dos interesses do capital estrangeiro – em especial estadunidense – no país. Outro aspecto teria sido, segundo Pedrosa, a política recessiva instaurada pela dupla Campos/Bulhões, tendente a desindustrializar o país e recolocá-lo no rol das economias agrário-exportadoras e justificado – como afirmavam ambos – pela natureza “artificial” da industrialização brasileira desenvolvida pelo Estado. Esta política quebrou as expectativas da base social do regime, e pôs às claras a natureza do regime. O “bonapartismo tropical” seria ainda mais desmascarado com o fim do multipartidarismo e das eleições diretas no Brasil em 1965 e 1966, causado pela crescente vitória eleitoral das oposições.
A ditadura militar, para Pedrosa, era resultado das pressões do capital externo sobre a burguesia nacional, que, para reprimir os movimentos sociais – em plena efervescência sob o governo João Goulart, e pressionando-o a fazer as reformas de base – renunciou a seu sistema político (especialmente o parlamento) para fazer retroagir a industrialização brasileira e retornar ao status quo anterior. Outra característica do regime militar que o diferenciaria de um bonapartismo “clássico” é a ausência de um líder carismático, substituído aqui pela burocracia estatal. O resultado seria o cerceamento das demais liberdades democráticas e o encolhimento dos direitos trabalhistas.
Ainda em 1966, Pedrosa se candidataria mais uma vez a deputado pelo MDB – para repetir o fracasso da tentativa de 1950. Seria sua última ação política antes do exílio.
REFERÊNCIAS
Além, evidentemente, dos livros A opção brasileira e A opção imperialista, encontrados com certa dificuldade em sebos, a referência fundamental foi mais um artigo da coletânea Mário Pedrosa e o Brasil, organizada por José Castilho Marques Neto (São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2001): “Mário Pedrosa e o socialismo democrático”, de Isabel Loureiro. Além disso, a já referida cronologia da Enciclopédia Itaú de Artes Visuais ajudou a rastrear as atividades de Pedrosa no período.
Encontrei uma boa dissertação sobre este período da vida de Mário Pedrosa, cuja leitura recomendo: “Mário Pedrosa e o estado Bonapartista militarizado no Brasil de 1964”, de Dirlene de Jesus Pereira Rocha.
Achei ótima a temática e as citações. Só quisera saber se ainda conservam a fonte da carta de Pedrosa citada (o parágrafo que começa com a nota “Estou pensando em escrever um livro sobre “).Seria de grande ajuda,
Agradecerei qualquer informação,
JuliaB
Na quela época estas mulheres lindas, divas das telas verdadeiras rainhas tinhão um objetivo em comum acabar com a censura e seria uma honra voltar a ver essas divas como TONIA CARRERO, ODETE LARA de voltas nas telas, e uma verdadeira lastima que NORMA BENGELL não esteja mais entre nos.