O elemento central do nosso tempo – que remete Rosa e Lenine para o terreno da arqueologia industrial – é o da subjectividade política e cultural do trabalho vivo, considerado em todas as suas manifestações. Por Ricardo Noronha

partidos11“Dissemos que os operários nem sequer podiam ter consciência social-democrata. Esta só podia ser introduzida de fora. A história de todos os países demonstra que a classe operária, exclusivamente com as suas próprias forças, só é capaz de desenvolver uma consciência trade-unionista, quer dizer, a convicção de que é necessário agrupar-se em sindicatos, lutar contra os patrões, exigir do governo estas ou aquelas leis necessárias aos operários, etc.”

Vladimir Illitch Ulianov (Lenine), Que fazer?, 1902.

“E finalmente, digamo-lo claramente entre nós, os passos em falso dados por um movimento operário genuinamente revolucionário são, historicamente falando, incomensuravelmente mais fecundos e preciosos do que a infalibilidade do melhor comité central.”

Rosa Luxemburgo, Questões de organização da social-democracia russa, 1904.

foto-11. Estas duas citações estão gravadas na história do movimento operário, como expressão de dois arquétipos revolucionários em permanente conflito no seu seio, mesmo se, a um olhar mais atento e rigoroso, não escapa a existência de significativos momentos “leninistas” no pensamento de Rosa e de outros tantos elementos “luxemburguistas” na estratégia de Illitch.

Se recupero a polémica é precisamente porque, respondendo ao desafio de ressuscitar o debate em torno dessa tensão, me parece ser fundamental superar os termos em que ele se tem colocado, abandonando definitivamente o século XX.

O elemento central do nosso tempo – que remete Rosa e Lenine para o terreno da arqueologia industrial – é, desde logo, o da subjectividade política e cultural do trabalho vivo, considerado em todas as suas manifestações. Difuso à escala mundial, diferenciado e fragmentado por inumeráveis fronteiras (nacionais, geracionais, identitárias, de género), disciplinado por outras tantas instituições (escola, prisão, hospital, hospício), enquadrado por inúmeras técnicas de controlo e repressão (urbanismo moderno, vídeo-vigilância, registos informáticos e biométricos, seguranças privados e estados de excepção permanente), o proletariado possui – apesar disso ou precisamente por isso – uma riqueza de comportamentos, uma capacidade subversiva e uma inteligência colectiva que tornam qualquer forma-partido clássica – com os seus procedimentos formais, a sua disciplina, a sua hierarquia, as suas formas de representação e a sua permanente acumulação de tédio e passividade – um objecto artesanal, incapaz de potenciar a sua acção e de se tornar uma ferramenta organizativa.

partido-e-mov-32. Não se trata, evidentemente, de rejeitar a estratégia e a organização como elementos decisivos em qualquer combate político, mas de enterrar concepções e tradições fantasmagóricas herdadas de momentos históricos ultrapassados, que teimam em pesar sobre as cabeças dos vivos. A forma-partido, tal como a herdámos, é apenas mais uma da longa sequência de instituições onde o trabalho vivo se vê subordinado ao trabalho morto, o presente ao passado, precisamente porque assenta no pressuposto de que existe uma consciência transcendente que se trataria de materializar em processo emancipatório, um conjunto de ideias a concretizar com o máximo de eficácia, uma assembleia a preparar meticulosamente na reunião de célula, uma verdade oculta que só à vanguarda é revelada, um palácio de inverno a tomar segundo um minucioso plano de operações militares. É essa cultura política eivada de paternalismo que se torna necessário abater rejeitando, simultaneamente, a oposição entre partido e movimento e a subordinação da rua às instituições.

partido-e-mov-43. O partido de que necessitamos está directamente dentro de cada movimento e percorre-o, na medida em que este se constitui em subjectividade política e desafia a ordem capitalista. É um movimento real que supera o actual estado de coisas. Um conjunto de lugares, de infra-estruturas, de meios partilhados e os sonhos, os corpos, os murmúrios, os pensamentos, os desejos que circulam entre esses lugares, o uso desses meios, a partilha dessas infra-estruturas. É uma combinação entre desejo, raiva e inteligência, um antagonismo difuso, uma afirmação intransigente de hedonismo proletário. A perspectiva de quebrar os circuitos capitalistas exige, para se tornar efectiva, que as rupturas se multipliquem e se agreguem. Essa agregação é aquilo a que chamamos partido. As suas formas são invisíveis para os intelectuais das classes dominantes, na exacta medida em que são evidentes para todo o proletariado. A sua linguagem é estrangeira para o capital, mas familiar a todos os que o combatem. Na revolução que vem, o Estado procurará em vão os seus cabecilhas, apenas para os encontrar por toda a parte onde o seu poder é desafiado.


17 COMENTÁRIOS

  1. Eu também.

    Achei uma intervenção muito boa, vigorosa. Que se propõe a pensar para além do que sempre é dito.

  2. Não há novidades, relevantes para o debate actual, no que o autor afirma; já há cem anos, Eduard Bernstein afirmava ‘O movimento é tudo, a meta final nada’, para gaudio de anarquistas e de todos os anti-leninistas.
    Negar o papel indispensável de um partido político do proletariado, conduzindo o “movimento” para o caminho da revolução, significa desarmar as lutas, atomizando-as e tornando-as perfeitamente enquadráveis e “digeríveis” pelo sistema dominante, como toda a história do século XX evidencia.
    Ou seja – parafraseando uma camarada minha – os anarquistas também querem o socialismo e o comunismo, não sabem é como lá chegar…

  3. Eu julgava que o que «toda a história do século XX evidencia» é a capacidade dos partidos políticos de tipo leninista para «desarmar as lutas, atomizando-as e tornando-as perfeitamente enquadráveis e “digeríveis” pelo sistema dominante». Mas estava enganado, evidentemente. O êxito da União Soviética e das democracias populares aí está para o demonstrar, e também os progressos que a República Popular da China tem feito em direcção à sociedade sem classes.

  4. João Bernardo,
    Julgava muito mal, então. A ironia – grosseira – quanto às derrotas do socialismo na Europa e ao percurso muito discutível da China, evidencia aquilo que aparenta ser um seu mal disfarçado contentamento. E isso é profundamente lamentável, tal a dimensão histórica terrível dos retrocessos que tais derrotas acarretaram, não só para os respectivos povos – hoje sujeitos à exploração capitalista mais selvática e à perda de direitos verdadeiramente civilizacionais – mas para os trabalhadores e povos de todo o mundo.
    Entretanto aqui, a discussão, claramente, é outra, a saber: que conquistas e transformações revolucionárias foram operadas, sob a direcção e aplicando as concepções bernesteinianas, nos últimos cem anos? A resposta a esta questão o ajudará – se, hipoteticamente, tal ainda for sua intenção – a constatar o fiasco político desta corrente ideológica, periódicamente “recuperada” quando o confronto de classes se agudiza.
    Entre o Trabalho e o Capital, a este último dá muito jeito estas “terceiras” vias, suas aliadas objectivas e que indisfarçavelmente vai apoiando, obviamente.

  5. Camaradas, mais virá, a seu tempo.
    Caro Júlio, o que mais me fascina na citação de Bernstein é que ela é mais vezes avançada por marxistas-leninistas do que por social-democratas. Como se os termos em que um reformista colocou a questão fossem os únicos possíveis e imagináveis. Para um comunista resulta claro – é esta pelo menos a minha opinião – que aceitar a distinção entre o movimento real e o objectivo final é já uma maneira equivocada de colocar a questão.
    A não ser, é claro, para quem acha que a consciência política do proletariado deve ser introduzida «a partir de fora», supõe-se que por um qualquer grande educador. Essa ideia merece ser enviada, rapidamente e em força, para o caixote de lixo da história.

  6. Caro Ricardo,

    Educador por educador, a termos que escolher, vale bem mais a pena escolher Lénine, pois este tem por si a experiência histórica a confirmar a justeza daquela sua ideia.
    Para os que se reclamam marxistas-leninistas – obviamente uma escolha do foro individual de cada um, tanto reclamarem sê-lo uns, quanto repudiarem-no outros -, sem dúvida que continua na actualidade a ter plena validade a tese de Lénine que você entendeu citar, como introdução do seu escrito, tese amplamente confirmada, aliás, por exemplo, na própria experiência concreta do sindicalismo brasileiro que, com raras e louváveis excepções, se caracteriza por orientações reformistas, típicas da conciliação de classes e opostas a qualquer ideia de transformação revolucionária da realidade.
    Saudações cordiais.

  7. Pois Júlio.
    Mas repare que o sindicalismo português, fortemente influenciado por um partido que se reivindica do marxismo-leninismo, sofre exactamente dos mesmos problemas.
    Discordamos na interpretação da experiência histórica do bolchevismo. Será assunto para outro debate.
    Um abraço.

  8. Pois sim, Ricardo
    Claro que o debate nuclear pode sempre prosseguir, eventualmente com ganhos para os leitores. Fica, então, para nova oportunidade, apurarmos quais serão, na sua opinião, os sucessos históricos para o proletariado em resultado das teses – e práticas – centrais do expontaneísmo.
    Quanto ao sindicalismo português, o que dele afirma não tem fundamento, no que respeita às orientações e práticas da CGTP. Traição de classe e conciliação de classes ao serviço do capital são manifestos, sim, no “sindicalismo” da UGT, a “central” amarela portuguesa, bem como em uma ou outra empresa, cuja CT esteja submetida às práticas igualmente conciliatórias e co-gestionárias que caracterizam o Bloco de Esquerda, como por exemplo na Auto-Europa.
    No Brasil, ao contrário, o reformismo co-gestionário da actividade sindical é um fenómeno sistémico, isto é, os sindicatos são entidades sociais integrantes do sistema geral de exploração, para infelicidade do proletariado brasileiro. Acordos para retirada de direitos, acordos para despedimentos, acordos para redução dos salários reais, desafortunadamente não são a excepção mas uma triste regra, sem prejuízo, evidentemente, das honrosas e combativas posições de classe, assumidas por alguns sindicatos.
    Outro abraço.

  9. Caro Júlio, vai ter que esforçar-se um pouco mais.
    O que digo acerca da CGTP tem todo o fundamento. Note como uma fracção cada vez mais significativa do proletariado português está fora de qualquer representação sindical, sem que os marxistas-leninistas percam o sono com isso. Falo, evidentemente, das centenas de milhares de precários e precárias que trabalham sem direito a subsídios de férias ou de natal, com contratos de 6, 3 e até 1 mês, ou a recibos verdes, sem que os sindicatos façam a esse respeito algo mais do que declarações piedosas e lamechas.
    Para além disso há, como saberá, o caso das várias empresas que fecham sem que os sindicatos façam mais do que negociar primeiro e lamentar depois. Conciliações de classes há-as de todos os géneros, não é preciso ser fotografado a apertar a mão ao patronato, basta gerir a passividade dos trabalhadores, organizar a sua derrota e vir mais tarde explicar-lhes que nada havia a fazer.
    O sindicalismo ordeiro e respeitoso da CGTP, com os seus aumentos percentuais que continuamente alargam as diferenças salariais no interior da classe trabalhadora, com a sua calendarização definida na Soeiro Pereira Gomes, com a sua desconfiança perante tudo o que sejam movimentos sociais que não controla, com o seu patriotismo mal amanhado que despreza a existência de milhares de trabalhadores imigrantes em Portugal, esse sindicalismo do qual aparentemente o Júlio se orgulha, trouxe-nos até aqui. Quase 1 milhão de desempregados, centenas de milhares que emigram, 2 milhões de pobres (muitos dos quais trabalham!).
    Que me importa que a CGTP não dê o seu «acordo» para os despedimentos e as reduções salariais? Os sindicatos, ou são um instrumento efectivo de luta ou não o são. Ninguém se alimenta de tiradas intransigentes que acompanham estratégias impotentes.
    Hoje, qualquer radicalização da luta – não a que eu desejo, mas a que se impõe – só pode vir de baixo, da base, de lutas concretas que demonstrem que isto não vai lá com paninhos quentes e procissões bem ordenadas. Você chama-lhe «espontaneísmo» porque tem medo de lhe chamar luta de classes.

  10. Caro Ricardo,

    O seu viés contra o sindicalismo de classe da CGTP e, por natural extensão ideológica, o seu anti-leninismo militante, impossibilitam-no de ver a realidade. Sem muito esforço, poderia constatar a realização pela CGTP e pelos sindicatos nela filiados, só nos últimos dois/três anos, de numerosas manifestações envolvendo muitos milhares de trabalhadores e, nalguns casos, reunindo mais de 150.000 e até ultrapassando os 200.000 trabalhadores participantes, manifestações cuja dimensão seria grande em qualquer país, muito mais o são num país com a dimensão de Portugal. Mas, se quiser, tem mais. Em estudo recente e despretencioso (André Levy,03/Set°/2009), só entre Janeiro e Agosto deste ano, tiveram lugar no país 248 processos de lutas,com greves, manifestações, concentrações, desde o nível de empresa até ao de sectores de actividade inteiros, envolvendo nuns casos dezenas de empresas e mihares de trabalhadores e noutros casos (administração local, professores, função pública, etc), envolvendo centenas de locais de trabalho e muitas dezenas de milhares de trabalhadores. Ainda lhe acrescento que, para só mencionar as ocorridas nos últimos dias, se registam actualmente lutas na Covina/Saint-Gobain, Scrotturb,CP-Carga, Auto-Sueco, Aerosoles, Califa, Claer, Delphi, EMEF, Rhode, Lear, Auto-Europa, Jadoibérica, Império Pneus, Euroresinas, SMTUC, IFM-Platex, entre outras. Lutas em defesa de direitos contratuais, contra a precariedade, pela manutenção dos postos de trabalho, por aumentos de salários, contra a aplicação das leis anti-operárias do Código do Trabalho. E para os trabalhadores imigrantes, a posição da CGTP é uma posição de irmãos de classe: salários e direitos (laborais, segurança social, acesso à saúde, ao ensino, etc) iguais para todos. A você, pelo que afirma, não lhe “importa” que a CGTP não subscreva acordos de traição aos interesses de classe dos trabalhadores que ela representa, acha isso irrelevante. Pois é, os trabalhadores portugueses não pensam assim, e é por isso que, contra todas as manobras e golpes (uns de traidores domésticos, outros mesmo de dimensão internacional), continuam ao longo dos anos, desde a sua criação em 1972, a ter toda a confiança na sua central de classe.
    Como vê, factos e realidades que nos podem auxiliar e ensinar muito, mas claro, você parece não apreciar. Talvez aprecie mais os “incêndios de palha”, organizados uma ou duas vezes por ano – frequentemente misturando-se nas grandes manifestações unitárias do 1° de Maio, organizadas pela CGTP – dos “movimentos de base” tipo “ATTAC”, “My Day”, “SOS Racismo”, fogachos de “acções de luta” que, uma vez cumpridas, com muita alegria, muito colorido e muito entusiasmo, levam os seus autores a voltar ao rimanço dos arroubos teóricos de café ou internéticos, até ao próximo ano… A escolha, neste caso, evidentemente, é sua. Pelo meu lado, já escolhi há muito, elegendo a luta de massas e uma justa militância política, de classe e revolucionária.
    A encerrar (pela minha parte) esta troca de comentários, deixo-lhe dois apontamentos: 1) para lhe renovar a sugestão de avançar, para os leitores, quais os exemplos concretos de lutas e sucessos que possui para nos mostrar e que atestem o êxito – teórico e prático – que alega para as suas concepções “movimentistas” e expontaneístas, seja em Portugal, seja em qualquer outro país, desde Bernstein até hoje; 2) para assinalar que, para quem como você tanto afirma valorizar os “movimentos sociais”, fica deslocada e até chocante a sua tentativa de responsabilizar os movimentos operários e sindicais de classe – bem como os marxistas-leninistas – por tudo o que de mau atingiu (e atinge!) o proletariado nesta época neo-liberal e imperialista. Despedimentos, pobreza, miséria, perda de direitos civilizacionais, deslocalização de empresas, precariedade dos postos de trabalho, o fenómeno da desfiliação sindical, etc, tudo seria culpa da CGTP e dos leninistas? Talvez também o “aquecimento global”, as invasões do Iraque e do Afeganistâo, o golpe fascista nas Honduras, a crise sistémica do capitalismo?!
    Uma essencial honestidade intelectual, é condição indispensável e insubstituível. Tal como uma concepção da história, particularmente das lutas do proletariado, dialéctica e materialista, que permita alçar a visão do nível do umbigo para o do mundo real que todos integramos, visando corrigir os erros e aperfeiçoar o que realizamos, o que fazemos mesmo, em colectivo e com dimensão de massas. Ah!, e não temer – de facto e no concreto -, a luta de classes, claro.
    Saudações cordiais e democráticas.

  11. Não desconheço as manifestações com 150 mil e 200 mil pessoas, até porque costumo participar nelas. Limito-me a constatar a sua insuficiência. Na verdade, todos os filiados da CGTP poderiam desfilar nas ruas de Lisboa sem que isso alterasse a questão de fundo, que é a correlação de forças dentro das empresas.
    Você refere várias mobilizações em sectores do funcionalismo público, que é, como se sabe, o grande esteio da intersindical (que, já agora, foi fundada em 1970). Mas no sector privado já tem que referir muito nebulosamente as «lutas» que são, na sua grande maioria, momentos meramente simbólicos. E o problema é que isto não vai lá com simbolismos.
    Note como você resume a posição da CGTP em relação aos imigrantes num plano puramente platónico, das intenções e das declarações de princípios. Mas eu costumo ir a manifestações de imigrantes e não é costume ver lá sindicalistas. E nas manifestações sindicais não há muitos imigrantes. Seguramente não será uma questão fortuita. Ainda há alguns anos o Sindicato da Construção Civil do Porto denunciava imigrantes ilegais ao SEF. Será seguramente um caso extremo e não exemplar, mas fica a constatação de fundo: a CGTP tem da classe trabalhadora uma concepção nacionalista, na qual prioriza os trabalhadores portugueses, o que entra em flagrante contradição com os princípios de um sindicalismo de classe.
    A partir de certa altura o seu texto entra numa fase de triunfalismo marxista-leninista que eu não consigo acompanhar. Note como você pretende saber o que pensam «os trabalhadores», garantindo-me a mim (que pelos vistos devo ser um especulador da bolsa) que eles mantêm toda a confiança na CGTP. Você nem se dá conta da menorização que está a levar a cabo e do paternalismo que revela com essa pretensão. Desde logo, se o conjunto da classe trabalhadora paralisasse a economia, não haveria código laboral que avançasse nem governo que sobrevivesse. E todos sabemos que as últimas duas greves gerais estiveram bem longe de o fazer e por isso mesmo abriram caminho a uma ofensiva generalizada contra os trabalhadores. Mas na mitologia que você compõe nada disso interessa, porque os trabalhadores estão «objectivamente» ao lado da CGTP e do PCP, dispensando qualquer demonstração ou argumentação. Repito-lhe que a correlação de forças no interior das empresas e, por extensão, em toda a sociedade, é largamente favorável ao capital e qualquer sucesso ou insucesso de uma estratégia de classe deve ser medido por essa bitola. Estamos a perder. E se estamos a perder é necessário fazer o exame crítico dessa perda. Tudo aquilo que você chuta para canto com um discurso que eu já ouvi milhares de vezes e que está repleto de violinos.
    É porque reconheço às lutas dos trabalhadores a capacidade de inverter e alterar o actual estado de coisas que as coloco no centro do problema. Não há no modo de produção capitalista nada mais poderoso do que a mobilização colectiva da classe trabalhadora. Os trabalhadores não são coitadinhos. São quem faz tudo funcionar e, por isso mesmo, quem detém o efectivo poder de tudo transformar.
    Não responsabilizo a CGTP e o PCP por tudo o que de mau acontece aos trabalhadores, simplesmente atribuo-lhes a responsabilidade de organizar a sua derrota adoptando tácticas e estratégias erradas.
    O pretende você que eu faça? Que lamente que os capitalistas queiram explorar cada vez mais os trabalhadores? Denuncie o carácter de classe dos governos? Constate o crescimento da desigualdade? Tudo isso é fácil, mas não nos tira de onde estamos.
    Aceito finalmente o seu desafio, embora me pareça insustentável que você continue a falar de Bernstein para me atacar quando é o PCP que defende um programa indisfarçavelmente reformista e social-democrata, preso nos limites do nacionalismo e das instituições, cujo horizonte histórico é um capitalismo de rosto humano.
    Veja como em França, um dos países do mundo com mais baixas taxas de sindicalização, as greves dos transportes em 2007 paralisaram efectivamente o país, foram votadas diariamente de braço no ar em assembleias de grevistas e seguiram até às últimas consequências, enfrentando, a repressão e a ilegalização. E mesmo quando as centrais sindicais procuraram fazer recuar o movimento para abrir espaços de negociação, o movimento de base resistiu e continuou a lutar até obter o que pretendia. Não foram os sindicatos que criaram as lutas dos trabalhadores, mas precisamente o contrário. E é isso que os marxistas-leninistas continuamente pretendem fazer esquecer.
    Podia dar-lhe os exemplos da luta contra o CPE, também em frança, ou das manifestações de Dezembro de 2001, na Argentina, que fizeram cair dois governos. Em ambos os casos o movimento transbordou a sua representação sindical ou partidária e fez disso uma vantagem estratégica.
    Mas nada disto parece ser o importante neste debate. Já vimos que para você tudo está bem porque o nosso sindicalismo é de classe. Uma formulação reconfortante e que o faz dormir descansado. Os males do mundo, é preciso ir encontrá-los nas terríveis maldades praticadas pelas forças das trevas. Uma fábula que embalaria qualquer criança. Só que nós já não temos idade para isso. Para quem fala de umbigos, você parece estar muito satisfeito com o seu.
    Um abraço cordial e democrático.

  12. Os comentários ja vao c/ mais palavras que o artigo em si por isso prefiro concentrar-me no artigo.

    Os conceitos usados como ‘partido’ e ‘movimento’ sao complicados e acho que o artigo talvez seja demasiado curto para desbaratá-los e realmente explorá-los. Tanto um como outro sao termos que, quer seja essa a intencao ou nao, tendem a coletivizar as tais subjetividades de que se fala. Todos nós trabalhadores sentimos e sofremos a acao do capitalismo, quer seja através de consequencias óbvias como a exploracao laboral ou consequencias mais subtis como a compartimentalizacao do nosso tempo “livre” pelos outros. Mas o problema deste artigo será exatamente em tentar, duma maneira talvez inocente, conjugar e conciliar as tais formas que “são invisíveis para os intelectuais das classes dominantes, na exacta medida em que são evidentes para todo o proletariado”. Eu nao sei quais sao essas formas, de fato. Será a sabotagem ligeira da producao através de trabalhar muito lentamente quando o patrao nao olha? Será roubar material da fábrica/escritório para usar em casa? Se for esse tipo de formas entao concerteza que nao sao invisíveis para a classe dominante, que aliás tem conta esses fatores quando contrata trabalhadores, prestando muita atencao a testes psicotécnicos, fatores sócio-culturais (uma corrente fascisto-racista a explorar no capitalismo atual) e por aí afora.

    Eu também gosto de pensar que esse movimento realmente existe, e ‘as vezes ele prova a sua vivacidade precisando para isso de situacoes de ruptura e crise de tal maneira brutal que nao restam outras opcoes. Mas esperar a revolucao a partir dessas circunstancias é uma atitude milenarista que acha que por centenas de milhares de pessoas na rua realmente vai mudar alguma coisa, nao sabendo no entanto o que fazer para as impedir de voltarem a casa, sentarem-se no sofá e ligarem a TV. Para se conseguirem progressos mais sustentados e sem retrocesso serao precisas mudancas de linguagem, comportamentos, atitudes nos espacos que nao se vem, nos espacos nao-mediatizados, nos espacos que o partido de vanguarda apenas ve como território a colonizar e ditar. Falo do seio das famílias, dos grupos de amigos, das salas de aula das universidades e nos outros espacos de nao-producao capitalista. E essas mudancas nunca podem vir de fora, de alguém que as comanda ou influencia. Se a revolucao virá ou nao, nao sei e quem diz que sabe, até muitas vezes apontando datas e lugares, é mais marxista que o próprio Marx. O capitalismo como existe agora apenas poderá ser derrubado por quem o cria todos os dias desde o momento em que acorda até que adormece, enquanto produz e enquanto consome. Se existe vontade de o fazer, isso apenas poderá acontecer de maneira espontanea, com mais ou menos empurroes aqui e ali como aliás seria impossível nao haver duma forma ou doutra. O resto será história e oxalá estaremos cá para a ver.

  13. Olás, a tod@s! Achei o texto ingênuo e pouco produtivo, tanto no sentido de colocar mais claramente o debate como de apontar como os movimentos poderiam dar conta da tarefa partidária… a necessidade de uma organização que agrupe diversos movimentos é necessária? Se for, em que medida se difere da forma partido pensada por Lenin? Acredito que o grande debate de fundo, aqui, é a questão entre verticalidade e horizontalidade na organização dos trabalhadores… É uma questão complexa e que nao pode ser discutida em abstrato, sendo importante entender a conjuntura vivida para se entender a forma mais adequada para luta. Acho baboseira utilizarmos a prioris do tipo: a organizacao (verticalizada ou horizontalizada) é a melhor forma de organizaçao.

    Uma ressalva: As ideias de Lenin avançam na questao da organizaçao… podemos entender que ele formula essa afirmação posteriormente. A formulação pode parecer discreta, mas é essencial: entende que os trabalhadores por si só não conseguiriam com suas lutas superar o plano da consciência advindo da luta econômico sendo necessário a intervenção de um ente externo (o partido)… mas Lenin passa a entender que o partido, por sua vez, é também manifestação do movimento da classe trabalhadora, logo é e não-é um agente externo, enquanto produto da luta de classes. Assim como Marx não foi um agente externo desvendando o funcionamento do capital, mas resultado do próprio movimento de lutas da classe trabalhadora, é e não-é um agente externo… tudo dependerá de sua maior ou menor vinculação orgânica as lutas da classe…

    Espero ter contribuido para que o debate continue com novos textos mais aprofundados

    Jefferson Vasques
    Camará comunicação e educação popular
    (www.camaracom.com.br)

  14. Jefferson, o que tem a ver a necessidade de uma organização que agrupe os diversos movimentos com um partido político, e com um partido político à moda leninista?

    Qual a ligação lógica entre uma necessidade de unidade, ou de certa unidade, e a necessidade de um partido?

    No comentário do João Bernardo, por exemplo, ele externou o entendimento de que os partidos fragmentam e não unificam.

    Minha experiência diz o mesmo também. Em movimento social os partidos em geral são um problema quando se quer agregar pessoas, formar movimento, dar unidade. Isso porque cada um que arrastar o movimento consigo, de acordo com seu programa, criando inúmeras disputas políticas que nada tem a ver com a luta, mas sim com vontade de poder.

  15. Olá,

    O debate está bem interessante – e vale a pena apresentar uma perspectiva também.

    Então Jefferson e demais: eu não só concordo com o Léo, mas – e principalmente – acho que a perspectiva leninista de organização social que você apresentou não leva em consideração as diferentes formas de conflitos sociais presentes hoje na América Latia – e, com suas distinções, em vários lugares do mundo.

    Por exemplo: vamos considerar a luta na Bolívia ruim, simplesmente por eles não seguirem o “modelo leninista”. Isso, claro, considerando que as conflitividades sociais não são uniformes.

    O Álvaro Garcia Linera, vice-presidente boliviano, é formado na escola leninista de pensamento. E, ao mesmo tempo, entende que Antonio Negri e Michael Hardt apresentam contribuições importantes para o entendimento do que passa na Bolívia. E, além disso, ainda considera a questão indígena e colonial fundamental para construção de uma outra sociedade – e não apenas um assunto concernente a uma aliança tática. E, com isso, vemos os vários avanços sociais e políticos nesse país – além de sua perspectiva de integração regional solidária.

    Tudo isso, claro, devemos levar em conta – sem endeusarmos nenhum líder ou processo social. Evo Morales e Linera, para exemplificar também, apóiam uma integração regional altamente duvidosa (a IIRSA). Mais informações:

    http://www.ircamericas.org/esp/3314

    http://www.geopolitica.ws/leer.php/111

    http://blog.controversia.com.br/2009/05/25/infra-estrutura-a-servio-do-grande-capital/

    Outro ponto, que muitas vezes perturba nossa esquerda, é que esses modelos não garantem o “sucesso” do projeto revolucionário. Ou, assim aceitaremos, a questão das mulheres vai continuar sendo encarada apenas como uma reivindicação de segundo plano – sem entendermos que essa questão atravessa nossas lutas sociais. Na Bolívia esse questionamento começa a surgir. Ler o importante artigo do coletivo Mujeres Creando:

    http://lavaca.org/notas/eva-evo-y-miss-universo/

    Bem, era isso. Falei demais – e continuemos o debate.

    Abraços.

  16. Olás! Leo Vinicius: por mais que vc avalie que o modelo leninista de organizacao não seja o necessário hoje é impossível, se não quisermos jogar a historia de lutas da classe trabalhadora, fugir do debate organizativo colocado por Lenin. Por isso acho problematico quando vc diz que “o que tem a ver a necessidade de uma organização que agrupe os diversos movimentos com um partido político, e com um partido político à moda leninista?”. A discussão, volto a dizer, está entre verticalidade e horizontalidade, coordenação ou direção… e continuo achando ingenuidade acreditar que se pode ficar em algum extremo dessa relação dialética. A sociedade em que vivemos não é horizontal… ilusão achar que conseguiremos partindo de uma realidade desigual sob o capitalismo desenvolver relações horizontais. Seria fugir da concretude real… o capitalismo nos coloca na verticalidade… nascemos e já estamos mergulhados em “relações sociais necessárias e independentes de nossa vontade”. Claro, não podemos nos acomodar a elas. Nossas organizações devem, enquanto processo de luta, buscar a horizontalidade… mas a horizontalidade plena só é possível após a superação do capitalismo. Portanto, pra mim, a grande questão é como pensar uma organização que de conta dessa determinação material e histórica mas não se entregue a ela. Lenin propôs uma saída (toda construída em cima de uma conjuntura muito específica) mas que ainda pode nos ajudar a pensar a organização hoje. Rosa, em seus debates com Lenin, trouxe outros elementos também muito interessantes. Vejam, não faço apologia de lenin… mas lendo sua obra e estudando o desenrolar da historia é pra mim impossível negar a importancia de sua reflexao sobre a organização.

    Xavier, posso concordar que os partidos que se dizem leninistas hoje tem enorme dificuldade para se envolverem nessas formas de luta, compreende-las e tal. Mas isso não significa, pra mim, que o modelo todo de organizacao deve ser jogado fora por isso. E, certamente, nenhum modelo de organização garante o sucesso na luta revolucionária… mas, pra mim, a forma de organização é um dos elementos essenciais, é ela que pode permitir que um ser-coletivo (partido, movimento de movimentos, frente ampla, etc) possa olhar a realidade e traçar uma estratégia/tatica correta de ação.

    Abraços a todos, jeff

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