Por Passa Palavra
No dia 24 de novembro o Comitê de Solidariedade a Cesare Battisti realizou um debate, que foi transmitido ao vivo pelo Passa Palavra.
Saímos desse debate animados e perplexos, sem conseguirmos separar estas duas sensações. Um dos representantes do Comitê de Solidariedade disse que nunca, em nenhuma das sessões realizadas até agora, tinha visto reunidos representantes de tantas entidades diferentes. Mas isto é animador ou desolador?
Mesmo tendo em conta o que explicou um membro do Fórum de Ex-Presos Políticos, que a sua presença tinha um caráter meramente individual, é certo que na mesa e na platéia contavam-se representantes de um partido, o Partido Comunista Brasileiro, e de uma corrente, a Esquerda Marxista. Mas, e os outros? Como um dos intervenientes observou, nem sequer fizeram um telefonema! E, no entanto, não foi porque não tentássemos, mas num caso não tivemos resposta e noutro caso disseram-nos que a agenda estava toda preenchida. Infelizmente as lutas sociais não obedecem a um calendário rigoroso, e talvez por isso se perdem tantas oportunidades.
Ouvimos também falar um representante da coordenação da Intersindical, e tudo o que ele disse nos deixou muito animados. Mas não podemos esquecer que a direção de um sindicato comunicou que não poderia estar presente no debate porque nesse dia tinha de fazer trabalho de base.
Isto é trágico. Praticamente todos os intervenientes, na mesa como na platéia, foram unânimes em relacionar a perseguição que é feita a Cesare Battisti com a criminalização de que têm sido sistematicamente vítimas os movimentos sociais, com a perseguição aos sindicalistas, com a política de genocídio que está sendo praticada nas favelas e que atinge o povo mais pobre e em grande medida a população negra.
Esta constatação deixou-nos animados, porque o caso de Cesare Battisti não é apenas o de um combatente estrangeiro que lutou no seu país, num continente do outro lado do mar. É um caso estreitamente ligado às perseguições políticas que ocorrem todo dia no Brasil. Uma figura personifica tanto a perseguição a Cesare Battisti como a criminalização dos movimentos sociais − o ministro Gilmar Mendes. Mas, e aqui ficamos perplexos, onde estavam as vozes dos movimentos sociais que são vítimas deste inimigo comum? Nenhuma se fez ouvir, não estavam presentes nesse debate. E foram vários os intervenientes, na mesa como na platéia, que observaram com estranheza essa ausência. Os grandes ausentes, afinal, eram os grandes atingidos. Será que os movimentos sociais ainda não deliberaram se são contra ou a favor da extradição de Cesare Battisti? Será que os movimentos sociais, bem como os sindicatos, não pensaram que a solidariedade que toda a esquerda lhes tem prestado em todos os momentos lhes impõe que sejam igualmente solidários? A solidariedade não é uma via de sentido único.
Todos os intervenientes estiveram de acordo num ponto, que é o ponto básico. A necessidade de fazer pressão sobre o governo e sobre o presidente Lula para que não extradite Cesare Battisti e o liberte rapidamente. Acharam uns que essas pressões se devem fazer, para empregar uma expressão que foi usada, como se fôssemos assaltar um baluarte inimigo. Defenderam outros que nesta questão o governo e o presidente são aliados a quem nos cumpre oferecer munições. Mas para lá desta clivagem, todos estiveram de acordo sobre a necessidade de pressionar o governo e o presidente.
Ora, como um dos intervenientes observou com lucidez, é impossível fazer pressões se não representarmos pelo menos alguns milhares de pessoas que se manifestem nas ruas por todo o país. «Não viemos aqui discutir o que o governo deve fazer», disse um dos intervenientes, «devemos discutir o que os movimentos sociais têm de fazer».
Mas será que os movimentos sociais e os sindicatos estão dispostos a mobilizar pelo menos uma pequena parte dos seus militantes e dos seus quadros, nesta luta que é também uma luta deles? Será que os partidos de esquerda estão dispostos a usar a influência que possuem? Cesare Battisti declarou − e fê-lo por várias vezes − que a sua salvação está nas mãos dos movimentos sociais. É um diagnóstico correto, mas é também perante uma grande responsabilidade que ele coloca os movimentos sociais.
Ainda aqui nossa perplexidade foi indissociável do otimismo, porque nada está perdido se as pessoas de base, se os militantes comuns fizerem pressão junto às entidades a que pertencem para elas se mobilizarem em defesa de Cesare Battisti. Seremos poucos demais, não conseguiremos nada?
Um dos representantes do Comitê de Solidariedade observou que a campanha de defesa de Cesare Battisti e de esclarecimento acerca da sua ação política foi toda ela conduzida pela internet, já que a grande mídia só se fez porta-voz do governo italiano e das forças que querem aqui a extradição de Cesare. A isto nós acrescentamos que mesmo na internet essa campanha foi conduzida sem qualquer colaboração de uma grande parte dos sites da esquerda institucional. Mas quanto a isto, em vez de perplexos, ficamos mais animados, porque vemos que muita coisa podemos fazer com as nossas forças.
O debate encerrou-se com a decisão de fazer um dia de vigília em apoio a Cesare Battisti, com indicativo de data para 10 de dezembro.
Como disse um dos representantes do Comitê de Solidariedade, o acordo é total quanto ao objetivo final, mas cada um ocupando seu espaço político próprio. Só assim podemos construir uma ação eficaz, uma vigília com um único ponto e que reúna o maior espectro social e político possível em torno desse ponto − Liberdade imediata para Cesare Battisti. Passa Palavra
O que há de fato: desmobilização preguiçosa dos movimentos sociais em relação ao processo de Cesare Battisti ou “fé cega/certeza ingênua” na/da não extradição do camarada pelo governo lula? Talvez ambas estejam presentes em nossos (mínimos a máximos) esforços, pois são faces do sistema de passividade imposta que dá fôlego às ações do inimigo de classe burguês.
Admiro sinceramente Cesare pela sua constatação de que sua salvação está nas mãos dos movimentos sociais. O que parece ser obviedade ou um arroubo de desespero misturado com esperança, na realidade revela, no mínimo, nas entrelinhas, um instinto (talvez fruto de tanto calejamento e sofrimento) de que apenas a luta autônoma pode nos libertar… inclusive de nossas velhas roupas (dogmatizações) coloridas e de nossa, em geral, letargia e indiferença em relação à nossa própria situação de miséria cotidiana e não apenas à criminalização do resistente Cesare e dos demais resistentes.
Creio que precisamos lutar para que fiquem mais claras e evidentes para todos nós, escolhidos e “escolhiveís” como vítimas pela máquina capitalista de criminalização seletiva e ostensiva, duas questões fundamentais:
Primeiro, não podemos ter ilusão de que o Governo Lula, numa hipotética situação de autonomia revolucionária da classe proletária, vacilaria em firmar um compromisso histórico com as forças mais obscuras do sistema estatal-mercantil para esmagar tal autonomia. Ou somos ainda tão ingênuos em pensar que esse governo não cumpriria, se fosse o caso concreto, o mesmo (ou pior) papel que o PCI cumpriu durante o chamado “maio italiano” (de fins dos anos 60 aos dos 70) para corroborar com o incremento e reforço do Estado de Exceção permanente característico das democracias contemporâneas? Dai, Lula poderá, sim, extraditar Cesare, o que não seria (ou seria apenas aparentemente, dada a força da ideologia do espetáculo de esquerda) uma traição ao seu passado, ao contrário do que é bem comum se pensar!
Por que haveria de ser surpresa uma atitude “traidora” do governo Lula? Lamento se ferir os brios do mais otimista ou de alguém recalcitrante e nostálgico do “antigo” sindicalismo de base cutista, tão vigoroso nos anos 70 (finais) e 80, mas gostaria de lembrar que não houve nesse período uma forte autonomia operária para que os partidos tradicionais de esquerda e sindicatos colocassem suas “mangas opressoras de fora”. Abstracionismo teórico? Talvez. Mas… talvez! Afinal, desde a revolução russa, as representações proletárias autonomizaram-se (verticalmente, para cima) em relação às autonomias proletárias. Então, há lições históricas que não são meras invenções mentais e que não podem ser esquecidas.
Resistindo democraticamente contra uma ditadura militar muito bem estabelecida e com gérmens mal desenvolvidos (e logo desaparecidos) de autonomia operária nas fábricas do ABCD paulista (principalmente, à época!) esse sindicalismo de base pôde manter um esteticismo revolucionário e “socialista”, preparando passo a passo (pela fundação e desenvolvimento de PT, CUT, etc) seu controle quase absoluto dos ânimos e atitudes dos movimentos sociais que se seguiram. Para um pacto de governabilidade de esquerda, fundamental é a sedação dos movimentos sociais e principalmente o impedimento de uma luta de classe.
Somos, quase todas e todos, frutos desse processo em grande medida arquitetado e gerido por competentes especialistas de esquerda, e, inclusive, dai se explica, em boa parte, nossa angustiante passividade.
Então, consequentemente, há uma segunda questão fundamental e que tem a ver com o presente e o futuro. A mobilização, seu viés a ser afirmado…
Frente ampla ou frente única foram os meios ou fórmulas de ação que pude ouvir no debate de 24/11. Que venham ou que se façam, afinal, devemos efetivamente alcançar a vitória concreta: a liberdade de Cesare. Quanto mais pessoas se somarem para alcançar isso, melhor, além de que se amplia o alcançe do debate, o que não significa necessariamente aprofundá-lo e vivificá-lo. E esse, é, na minha ótica, o desafio. E assim é porque se trata de uma questão prática, que deveria trazer resultados para além da fundamental (!!) liberdade de Cesare: a discussão ou rediscussão de nossos caminhos, dificuldades e, principalmente, de nossas identidades, junto a passos qualitativamente diferentes e firmes. Porque, é mais do que previsível, é praticamente certo que haverá tentativas de captura, recuperação, enquadramento do resultado dos nossos esforços, qualquer que seja esse resultado, em benefício do consenso fabricado da governabilidade de mercado, das superposições de vanguarda, enfim, das tradições estatistas dessa esquerda do capital.
Não que isso tudo possa ser evitado, é claro! Não podemos evitar e nem devemos fazer disso cavalo de batalha ou espaço de disputa política no terreno de especialidades do inimigo. Pois podemos optar por não nos diluir praticamente no espetáculo. E continuar a construir nossa luta de classe, AUTÔNOMA. Gostei muito da seguinte afirmação no artigo acima: “(…) em vez de perplexos, ficamos mais animados, porque vemos que muita coisa podemos fazer com as nossas forças”. Opa, isso me dá a esperança de que muita coisa já não poderá ser (tragicamente ou falseadamente) como antes.
Ficam aqui os meus questionamentos.
Por favor, gostaria de um e-mail de alguém do comitê Cesare para trocar informações.
Sou do DCE da UFBa e aqui tiramos a defesa da não extradição de Battisti.
Estou tentando há muito tempo contato com algém e não obtenho retorno.
Desde já agradeço.
Eis aqui uma entidade disposta em meio a tanta dispesão.