O fascismo nasceu invocando argumentos de emancipação nacional que uma grande parte da esquerda aceitava e, o que é mais grave, continua hoje a aceitar. Por João Bernardo

O Brasil vive uma profunda mudança de sua inserção na economia e na política globais. Nunca antes na história deste país se produziu, exportou e investiu tanto, em especial fora das fronteiras – desenvolvendo as empresas transnacionais de origem brasileira. Nunca antes a política externa brasileira foi tão independente – com base na exploração dos recursos econômicos da América Latina e na disputa de mercados e de espaços de investimento em África. Nunca antes o Brasil foi tão engajado – ao ponto de grandes capitalistas apoiarem políticas compensatórias “de esquerda”. Na verdade – e é o que queremos investigar com esta série de artigos – nunca antes o Brasil foi tão imperialista.

nacao-proletaria-2Muito interessado pelos problemas do desenvolvimento, o economista sueco Gunnar Myrdal lançou o apelo «Nações proletárias do mundo, uni-vos!» [1] e o intelectual brasileiro Mário Pedrosa escreveu «Países subdesenvolvidos do mundo, uni-vos! Não tendes a perder senão vossas cadeias!» [2]. Embora considerasse que o combate ao subdesenvolvimento exigia a luta das massas pauperizadas contra os ricos dos países pobres, o que implicava que as nações subdesenvolvidas eram atravessadas por antagonismos sociais, Mário Pedrosa afirmou igualmente que «os povos subdesenvolvidos começam a dar mostras, por grande parte de seus governos, de quererem se apresentar “organizados” no terreno internacional como um proletariado total constituído da soma de nações pobres», e apelou para que «os proletariados específicos dos grandes países industrializados» se pusessem «à altura das tarefas históricas» e fizessem «aliança com as nações proletárias» [3].

E ninguém se espantou pelo facto de o socialista Gunnar Myrdal, personalidade eminente da esquerda europeia, que fora ministro no governo socialista do seu país nos anos imediatamente seguintes à segunda guerra mundial e passara depois a desempenhar funções de responsabilidade na ONU, pedir emprestada ao Manifesto de Marx e Engels a fórmula da luta de classes para preenchê-la com os países marginalizados no desenvolvimento económico. Do mesmo modo, foi possível que o marxista Mário Pedrosa, uma das mentes mais lúcidas da extrema-esquerda da sua época, possuidor de uma cultura muito vasta e que se notabilizou noutros campos além da política, tivesse levado ainda mais longe a analogia, num livro que por outros motivos eu classifiquei repetidamente como uma das grandes obras de teoria marxista da segunda metade do século passado. Mas por que me limitar a estes dois? Outros autores de esquerda usaram e usam, se não as mesmas palavras, pelo menos o mesmo conceito, sem que isto faça abrir a boca de espanto ou sequer piscar os olhos, e é possível que uma boa parte dos leitores deste artigo pense que se trata de uma noção surgida na esquerda para dar conta do fenómeno do imperialismo.

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Enrico Corradini

Mas o conceito de nação proletária presidiu à própria génese do fascismo e ao seu desenvolvimento tanto político como económico. Foi entre 1908 e 1910 que o político e pensador nacionalista italiano Enrico Corradini começou a apresentar o seu país como uma «nação proletária» [4]. «Há nações que estão numa situação de inferioridade relativamente a outras, tal como há classes que estão numa situação de inferioridade relativamente a outras classes», escreveu Corradini em Outubro de 1910. «A Itália é uma nação proletária; basta a emigração para o demonstrar. A Itália é a proletária do mundo» [5]. Com efeito, entre 1871 e 1901 quase três milhões e meio de pessoas haviam abandonado a Itália rumo ao estrangeiro, e nos quinze anos seguintes o número de emigrantes aumentou para cerca de nove milhões. Nas vésperas da primeira guerra mundial a debandada movia já quase um milhão de pessoas por ano, e Corradini pretendia orientar essas multidões de deserdados para a colonização africana.

Classificar um país como «proletário» requer consideráveis distorções vocabulares. A palavra proletariado define uma classe social, pressupondo a cisão entre exploradores e explorados no interior de cada colectividade nacional. Ora, designar como «proletária» uma «nação» equivale a pensá-la enquanto colectividade predominantemente homogénea, negando a sua clivagem em classes antagónicas. A passagem da oposição de classes para a solidariedade entre classes foi o primeiro resultado daquela operação terminológica, mas a junção dos dois vocábulos teve outra faceta. «As nações surgiram porque houve um antagonismo», escreveu Corradini em 1908, «e, de certo modo, elas mais não são do que a consolidação de um estado de guerra permanente de uns contra os outros» [6]. Nestes termos, seria utópico imaginar que, tal como a agregação dos indivíduos levara à formação de nações, também a junção das nações poderia conduzir a um supranacionalismo. Se a vida, como os darwinianos explicavam, era uma luta pela existência, então a existência das nações só podia ser uma luta entre elas. Havia que devorar, para não ser devorado. O imperialismo seria a redenção da nação proletária.

O paradoxo terminológico da «nação proletária» e a reorientação política que nele estava pressuposta cobriram uma operação política arriscada, o apelo aos sindicalistas revolucionários para que dinamizassem o vetusto nacionalismo. «Por favor, não percam de vista os sindicalistas», preveniu Corradini em Abril de 1909. «Eles têm de certo modo um ponto de partida idêntico ao nosso. Trata-se da primeira doutrina sincera e forte produzida pelo inimigo» [7].

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Georges Sorel

Convém aqui prevenir que os sindicalistas revolucionários mencionados por Corradini se distinguiam consideravelmente dos sindicalistas revolucionários franceses, preponderantes na Confédération Générale du Travail (Confederação Geral do Trabalho) depois do congresso de Amiens, em 1906. Discípulos do francês Georges Sorel, cujas ideias tiveram muitíssimo mais êxito a sul dos Alpes do que no seu próprio país, os sindicalistas revolucionários italianos formavam no final de 1902 uma facção no interior do Partido Socialista, e a conjuntura parecia ser-lhes favorável, porque em 1903 a tendência radical obteve o controlo do jornal diário do partido e conseguiu a maioria no congresso de 1904. Mas noutro congresso efectuado quatro anos depois os reformistas triunfaram e passaram a orientar o diário nacional. Verificando a impossibilidade de conquistar os postos de comando, os sindicalistas revolucionários abandonaram o Partido Socialista, e como ao mesmo tempo foram afastados dos lugares de direcção nacional na central sindical socialista, a Confederazione Generale del Lavoro (CGL, Confederação Geral do Trabalho), dedicaram-se à actividade regional e desempenharam um papel de relevo na preparação e na condução de inúmeras lutas. Para evitar a acção da burocracia reformista, os sindicalistas revolucionários organizavam os grevistas através das Câmaras do Trabalho, que no seu entender deveriam constituir a célula fundamental da sociedade futura, e foi assim que nas grandes greves rurais de 1907 e 1908 eles adquiriram uma base efectiva, não se limitando a ser uma corrente de opinião e transformando-se numa força social no seio da classe trabalhadora italiana.

Foi a estes sindicalistas e neste preciso momento que o nacionalista Corradini teve a audácia de propor uma conjugação de forças. Na sua opinião, e consoante o modelo sociológico exposto por Vilfredo Pareto, os sindicalistas constituíam uma nova elite em formação, capaz de derrubar a antiga elite decadente e de revitalizar a nação. O dirigente nacionalista apercebera-se da fraqueza dos grupos sociais conservadores, com os quais seria impossível inaugurar um nacionalismo agressivo, e o seu génio consistiu em, a partir da direita, ter entendido a necessidade de renová-la politicamente, usando para isto o proletariado. Residiu aqui a substância mesma do fascismo.

No congresso de Florença, em Dezembro de 1910, constituiu-se sob a égide de Corradini a Associação Nacionalista Italiana. Ao mesmo tempo, com a publicação de La Lupa, a partir do final de 1910, os sindicalistas revolucionários encetaram o diálogo que os aproximou dos nacionalistas de Corradini, e no ano seguinte surgiu a oportunidade de estreitar esta convergência. Em Setembro de 1911 o governo de Roma enviou ao sultão otomano um ultimato reclamando o reconhecimento dos direitos italianos sobre a Tripolitânia e a Cirenaica. Como se previa, o governo turco rejeitou as exigências e a Itália iniciou as campanhas militares na Líbia. Muitos sindicalistas revolucionários, incluindo algumas das personalidades mais significativas do movimento, como Arturo Labriola e Angelo Oliviero Olivetti, apoiaram activamente a agressão, vendo na expansão para o Norte de África uma forma de absorver a emigração, tal como proclamavam Corradini e os seus nacionalistas. Nesta ocasião, porém, a ala belicista do movimento teve de enfrentar a oposição de correligionários mais numerosos e não menos relevantes, em especial aqueles que, através das Câmaras do Trabalho, mantinham contacto directo com o proletariado. Afirmando que a conquista da Líbia não reflectia os interesses da nação, mas apenas a ganância de um grupo de capitalistas, os sindicalistas revolucionários hostis às aventuras coloniais participaram ao lado do Partido Socialista na greve geral de Setembro de 1911, convocada em protesto contra a expedição africana. Todavia, não se deve exagerar a importância do desacordo, porque em Novembro de 1912 as duas tendências realizaram um congresso unificado, onde decidiram abandonar a CGL, e com a colaboração de outras correntes próximas, incluindo anarquistas, criaram uma central sindical, a Unione Sindacale Italiana (USI, União Sindical Italiana). A audiência de que beneficiavam continuava a ser considerável, pois a nova organização podia apresentar mais de cem mil membros, perante os trezentos mil dos sindicatos socialistas [8]. Mas as fricções no interior deste movimento não deviam ser pequenas, já que a USI mantinha uma posição claramente antimilitarista, e as contradições tornaram-se insanáveis em 1914, quando os partidários da intervenção na guerra mundial acenaram com a possibilidade de satisfazer os sonhos do irredentismo a expensas do Império Austro-Húngaro. Enquanto a maioria da USI, sob orientação anarquista, defendeu que o país permanecesse neutral no conflito, os dirigentes sindicalistas revolucionários adoptaram unanimemente a posição contrária, figurando todos eles na primeira fila dos entusiastas da entrada da Itália na guerra. A cisão era inevitável.

Unione Sindacale Italiana
Unione Sindacale Italiana

Os sindicalistas revolucionários abandonaram a USI para fundar em Outubro de 1914 o Fascio Rivoluzionario d’Azione Internazionalista (Fascio Revolucionário de Acção Internacionalista), o primeiro de uma série de fasci que em poucos anos levariam a Itália a um destino bem conhecido. A grande matança foi apresentada como uma guerra revolucionária. «Nós, revolucionários que permanecemos fiéis aos ensinamentos dos nossos mestres», lê-se no manifesto inaugural do Fascio, «acreditamos que não é possível ultrapassar os limites das revoluções nacionais sem passar primeiro pela fase da própria revolução nacional. […] Se cada povo não viver no interior do quadro das suas fronteiras nacionais, formadas pela língua e pela raça, se a questão nacional não estiver resolvida, não poderá existir o clima histórico necessário ao desenvolvimento normal de um movimento de classe» [9]. Com igual inspiração Mussolini proclamou dois meses mais tarde: «Os revolucionários afirmam que a Internacional só poderá existir quando os povos tiverem atingido as suas fronteiras. É por isso que somos partidários de uma guerra de carácter nacional» [10]. E assim, com tal argumentação, um dos mais notáveis chefes da extrema-esquerda do Partido Socialista Italiano converteu-se em fundador do fascismo. Neste contexto devemos meditar nas implicações das palavras de Engels, quando escreveu, numa carta endereçada a Kautsky em 7 de Fevereiro de 1882, que o movimento socialista só se desenvolve depois de a nação se ter unificado e adquirido a independência [11]. A filiação directa de um aspecto crucial da génese do fascismo numa tese sustentada pelo ilustre co-fundador do comunismo moderno confirma que a conversão da luta de classes em luta de nações abriu a brecha teórica e prática onde o fascismo se instalou. Numa série de artigos publicada neste site sob o título Marxismo e Nacionalismo analisei esta questão, causando grande escândalo entre alguns provincianos, veneradores de santos e de lugares-comuns. Espero que agora a indignação não seja menor. O fascismo nasceu invocando argumentos de emancipação nacional que uma grande parte da esquerda aceitava e — o que é mais grave — continua hoje a aceitar.

Mussolini numa ficha policial de 1903
Mussolini numa ficha policial de 1903

E assim a audaciosa operação política proposta por Enrico Corradini teve êxito. O nacionalismo foi renovado e revigorado graças à energia proletária dos sindicalistas revolucionários, que, juntamente com os futuristas — uma corrente estética e política que, por sua vez, operara uma convergência entre o nacionalismo e um certo anarquismo — e com os arditi — os ousados, tropas de elite, uma espécie de comandos — constituíram os três elementos formadores do movimento de Mussolini. Mas se Mussolini levou para o fascismo as massas de militantes, foi Corradini a provê-lo da formulação teórica básica e da principal orientação estratégica, até que por fim os nacionalistas se integraram no Partido Nacional Fascista (PNF), em Março de 1923. A partir do momento em que não bastavam já a ferocidade e os maus modos dos squadristi e era propriamente necessário governar, acabaram por ser os antigos nacionalistas, apesar de minoritários, quem, com a sua competência e o seu rigor doutrinário, dominou por dentro a direcção do PNF. «Mussolini não foi o inventor do aspecto imperialista do fascismo; herdou-o de Corradini», notou Jacques Ploncard d’Assac, um fascista francês que durante muitos anos foi português de adopção. «Mussolini não inovou nada; realizou» [12]. Nesta perspectiva, pode dizer-se que Mussolini teve a capacidade táctica de concluir na prática a estratégia política paradoxal concebida e inaugurada por Corradini em torno do conceito de «nação proletária».

Nacionalismo e expansionismo formam um continuum. Nos finais de 1935, a meio da guerra de conquista da Abissínia, Mussolini teve a desfaçatez de proclamar «à Itália proletária e fascista»: «A guerra que começámos em terras de África é uma guerra de civilização e de libertação. […] É a guerra dos pobres, dos deserdados, dos proletários» [13]. Como se não fosse a Abissínia ainda mais «proletária» do que a Itália! E no seu discurso de 10 de Junho de 1940, quando anunciou a entrada da Itália na nova guerra mundial, o Duce retomou os termos da «nação proletária». «Esta luta gigantesca não é mais do que uma fase do desenvolvimento lógico da nossa revolução: é a luta dos povos pobres e com mão-de-obra abundante contra os açambarcadores que detêm ferozmente o monopólio de todas as riquezas e de todo o ouro da terra; é a luta dos povos fecundos e jovens contra os povos estéreis e votados ao desaparecimento; é a luta entre dois séculos e duas ideias» [14]. Do princípio ao fim, a dialéctica paradoxal da «nação proletária» forneceu o fio condutor do fascismo.

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Kita Ikki

O mesmo sucedeu do outro lado do mundo. A extrema-direita japonesa nunca hesitou em conjugar o expansionismo com os apelos libertadores. Estreitamente ligadas às forças armadas, as associações patrióticas sabiam que o seu país só se poderia afirmar como potência mundial contra os interesses das principais nações europeias e dos Estados Unidos, e apresentavam esta rivalidade como um renascimento da Ásia e uma defesa dos valores orientais contra a cultura ocidental. Já num livro publicado em 1906 Kita Ikki, o fundador do fascismo japonês, estabelecera uma analogia entre o confronto de classes no interior das fronteiras nacionais e a disputa entre Estados na arena mundial, e anunciara a necessidade de promover o imperialismo nipónico através de uma estratégia que estimulasse os movimentos opostos ao colonialismo ocidental na Ásia. Mas foi numa obra editada em 1923 que ele expôs de maneira detalhada o programa que a partir de então serviu de referência inevitável à extrema-direita radical. Além de defender uma série de reformas económicas e sociais, Kita propôs um plano de armamento intensivo, que desse ao exército a possibilidade de encetar uma política externa agressiva. Este país movido pela ambição imperialista era apresentado por Kita como o campeão dos restantes povos asiáticos contra o colonialismo ocidental. «Tal como no interior de uma nação se trava a luta de classes pelo reajuste das desigualdades, também a guerra entre nações por uma causa nobre há-de resolver as actuais desigualdades injustas», escreveu Kita naquele livro. «Os socialistas ocidentais entram em contradição ao admitirem que o proletariado tem o direito de recorrer à luta de classes dentro do país e ao condenarem simultaneamente como militarismo e agressão a guerra travada pelas nações proletárias» [15]. O paradoxo da «nação proletária» desvendava-se uma vez mais na sua verdadeira função, justificando os novos expansionismos, e era anunciado além-fronteiras sob a forma não menos paradoxal de um imperialismo anti-imperialista.

Talvez isto não soe estranho a alguns leitores. Era o mesmo tema daquelas forças políticas de esquerda que há bem pouco tempo bramavam contra a ALCA, onde dominaria o imperialismo norte-americano, e teciam loas ao Mercosul, onde domina o nascente imperialismo brasileiro. Pois não serviria o poderio económico do Brasil para emancipar os países latino-americanos da prepotência yankee? É possível definir com rigor o caminho que levou os paradoxos da «nação proletária» a criarem raízes fundas na esquerda e na extrema-esquerda brasileiras, como mostrarei no artigo seguinte.

Notas

[1] Citado em Mário PEDROSA, A Opção Imperialista, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, pág. 308.
[2] Id., op.cit., pág. 309.
[3] Id., op. cit., págs. 528-529 n. 1 (sub. orig.).
[4] Segundo Adrian LYTTELTON, La Conquista del Potere. Il Fascismo dal 1919 al 1929, Roma e Bari: Laterza, 1982, págs 27-28 e 31, foi na obra do poeta Giovanni Pascoli que Corradini encontrou a imagem da Itália como «nação proletária». Mas o que me interessa aqui é o conceito político, não a expressão literária.
[5] Citado em Zeev STERNHELL, Mario SZNAJDER e Maia ASHERI, The Birth of Fascist Ideology. From Cultural Rebellion to Political Revolution, Princeton, Nova Jersey: Princeton University Press, 1994, pág. 164.
[6] Citado em Jacques PLONCARD D’ASSAC, Doctrinas del Nacionalismo, Barcelona: Acervo, 1971, pág. 98.
[7] Citado em Pierre MILZA, Mussolini, [Paris]: Fayard, 1999, pág. 107. Note-se que segundo Gioacchino VOLPE, História do Movimento Fascista, Roma: Novissima (ano XIX), 1941, pág. 13 estas apreciações de Corradini datariam de 1910.
[8] Estes são os números fornecidos por Z. STERNHELL et al., op. cit., pág. 139. Porém, P. MILZA, op. cit., pág. 92 atribuiu apenas cem mil membros à USI e pretendeu que a CGL mobilizava meio milhão de trabalhadores.
[9] Citado em Z. STERNHELL et al., op. cit., pág. 205.
[10] O manifesto de Mussolini de Dezembro de 1914, Contro la Neutralità, encontra-se citado em G. S. SPINETTI (org.), Mussolini. Spirito della Rivoluzione Fascista, Milão: Ulrico Hoepli, 1938, pág. 49.
[11] Paul W. BLACKSTOCK e Bert F. HOSELITZ (orgs.), The Russian Menace to Europe, by Karl Marx and Friedrich Engels, Glencoe: Free Press, 1952, págs. 116-117.
[12] J. PLONCARD D’ASSAC, op. cit., págs. 92, 93 (sub. orig.).
[13] Discurso de 18 de Dezembro de 1935 antologiado em G. S. SPINETTI (org.), op. cit., pág. 203. Uma versão um pouco diferente encontra-se em BENOIST-MÉCHIN, Histoire de l’Armée Allemande, vols. I a VI, Paris: Albin Michel, 1964-1966, vol. IV, pág. 166. Ver também G. VOLPE, op. cit., pág. 211.
[14] Antologiado em Charles F. DELZELL (org.), Mediterranean Fascism, 1919-1945, Nova Iorque: Walker, 1971, pág. 214 e citado em P. MILZA, op. cit., pág. 777 e Enzo SANTARELLI, Storia del Fascismo, 2 vols., Roma: Editori Riuniti, 1981, vol. II, pág. 402.
[15] Citado em Richard STORRY, The Double Patriots. A Study of Japanese Nationalism, Londres: Chatto and Windus, 1957, pág. 38.

A seguir: As raízes ideológicas do Brasil Potência: 2) a economia da «nação proletária».

25 COMENTÁRIOS

  1. Ativistas param pesquisa marítima da Petrobras na Nova Zelândia
    10/04/2011 – 04h49

    A Petrobras suspendeu neste domingo uma pesquisa do fundo marinho no norte da Nova Zelândia, depois que vários ativistas pularam na água para criar um obstáculo para a passagem do navio que realiza o estudo, segundo a imprensa local.

    A Petrobras iniciou na semana passada uma prospecção para localizar jazidas de gás e petróleo em cerca de 12 mil quilômetros quadrados da bacia de Raukumara, diante do Cabo do Leste, após receber no ano passado a permissão do governo neozelandês.

    Desde então, uma pequena frota de cinco embarcações com 50 ativistas a bordo, entre eles membros do Greenpeace e de uma tribo maori que vive no Cabo do Leste, navega pela região.

    Os manifestantes mergulham sob o Orient Explorer, que recebeu a ordem da companhia de suspender a prospecção ao considerar que os trabalhos eram muito perigosos.

    “Isto não é um protesto. É um ato de defesa de nossas terras e águas ancestrais que nos sustentaram durante gerações”, disse o porta-voz maori, Rikirangi Gage.

    O porta-voz da Petrobras, Mark Blackham, minimizou o impacto do protesto nesta operação da companhia, prevista para durar cerca de 60 dias.

    http://www1.folha.uol.com.br/mundo/900677-ativistas-param-pesquisa-maritima-da-petrobras-na-nova-zelandia.shtml

  2. As duas antologias mais completas dos textos antieslavos e nacionalistas germânicos de Marx e de Engels são
    Paul W. BLACKSTOCK e Bert F. HOSELITZ (orgs.) The Russian Menace to Europe, by Karl Marx and Friedrich Engels, Glencoe: Free Press, 1952.
    Roger DANGEVILLE (org.) Marx et Engels. Écrits Militaires. Violence et Constitution des États Européens Modernes, Paris: L’Herne, 1970.
    Só conhecendo os textos recolhidos nestas duas obras é que se pode entender a dimensão do problema. É útil igualmente a leitura de uma obra de Marx, que indico numa tradução em espanhol
    Karl MARX, Historia de la Diplomacia Secreta en el Siglo XVIII, Madrid: Taller de Sociología, 1979.
    Uma das filhas de Marx, que reeditou a obra depois da morte do pai, achou mais prudente suprimir-lhe um parágrafo, que considerou demasiado antieslavo.
    É igualmente elucidativa a leitura de uma interessante análise, feita por um marxista e conhecedor de Marx (infelizmente, as duas coisas não andam frequentemente juntas) muitíssimo competente, que cito numa tradução em espanhol
    Roman ROSDOLSKY, Friedrich Engels y el Problema de los Pueblos “Sin Historia”. La Questión de las Nacionalidades en la Revolución de 1848-1849 a la Luz de la “Neue Rheinische Zeitung”, México: Pasado y Presente, 1980.

  3. João, qualquer forma de pensamento corresponde a necessidades de desenvolvimento de certa base material. No caso italiano e japonês, a certa exigência de desenvolvimento burguês. Colocar a questão do fascismo como nascida nos conceitos elaborados por Corradine, sem remeter-se ao desenvolvimento objetivo das relações sociais italianas e globais, é um exercício por demais idealista.
    Me parece, principalmente por outros textos e comentários seus que você tem consciência disso, mas nesse texto, o que a meu ver deveria ser central torna-se marginal ou inexistente.

  4. Discordo do Mauricio.

    Para o objetivo do texto, e o limitado espaço, não faria sentido ficar discorrendo sobre as ‘condições materiais’ que permitiram o fascismo. A menos que eu esteja enganado, o objetivo é mostrar como o fascismo se nutriu de elementos importantes da esquerda, e da confusão entre nação e classe social. O objetivo do texto, a menos que esteja enganado, é alertar a esquerda, para que a história não se repita.

  5. No âmbito latino-americano, é preciso lembrar da influência dos escritos de José Martí sobre a esquerda, inclusive a brasileira, das décadas de 1960 e 1970, devido à Revolução Cubana. Como já foi debatido inúmeras vezes neste espaço, os fascimos vêm sempre acompanhados de uma cosmogonia. Martí é um dos grande ideólogos dessa cosmogonia latinoamericanista ultra-nacionalista, como é possível ver em textos como Nuestra América, onde afirma: “La historia de América, de los incas a acá, ha de enseñarse al dedillo, aunque no se enseñe los arcontes de Grecia. Nuestra Grecia es preferible a la Grecia que no es nuestra. No es más necesaria. Los políticos nacionales han de reemplazar a los políticos exóticos. (…)” (1995:46). Ainda: “El gobierno ha de nacer del país. El espíritu del gobierno ha de ser el del país. La forma del gobierno ha de avenirse a la constitución propia del país. El gobierno no es más que el equilíbrio de los elementos naturales del país” (idem:45). Evidentemente, estamos falando de um processo histórico de independência de uma Colônia em relação à sua Metrópole, mas isso não altera o conteúdo ideológico destas formulações. É interessante ver a referência ao Império Inca como mito de origem, “nuestra Grecia”. Também não é difícil parafrasear Martí, afirmando que “nossos burgueses são preferíveis aos burgueses que não são nossos”. Essa influência se deu não só na política, mas nas mais diversas manifestações estéticas entre os artistas da esquerda, desde cantautores chilenos como Victor Jara, em canções eternizadas por Mercedes Sosa, como na poesia de Pablo Neruda, entre outros.

    MARTÍ, José. “Nuesta Améica” in: Martí y la identidad latinoamericana (textos escogidos). Bogotá: Difundir, 1995, p.43-52.

  6. Caro João Bernardo,
    Seu artigo possui algumas evidências interessantes à respeito do uso de retórica pseudossocialista e de cooptação de lideranças proletárias para a causa da política imperialista e autoritária dos fascistas. Alerta, também, para os riscos das analogias, como a idéia de “nações proletárias”, que deve ser sempre vista como metáfora, e não literalmente.
    Porém, há algumas críticas que eu gostaria de tecer.
    Creio que a argumentação é fragmentada. A tese de que o discurso anti-imperialista seria apenas uma forma de iludir as massas para uma política esbarra no fato de que algumas nações não possuem qualquer possibilidade de exercer o imperialismo sobre outra, e que, mesmo assim, possuem movimentos populares anti-imperialistas. Ou será que todos os sacrifícios do povo cubano, na sua resistência a uma sórdida e cruel ofensiva econômica e ideológica (e mesmo militar e terrorista) são apenas um vil engano, planejado por algum gênio do mal? E sem dúvida, mesmo fazendo ressalvas ao centralismo burocrático do governo cubano, os direitos socioeconômicos conquistados são uma evidência que sugere que não foi um esforço inútil.
    Outra dificuldade é que o fascismo nunca foi “anti-imperialista”. Há, no discurso fascista, muita paranóia. Sempre se acusa uma minoria racial ou religiosa de conspirar contra uma nação, idealizada como comunidade harmônica. Mas, apesar das queixas, o fascismo (no discurso e ainda mais na ação) é violentamente imperialista. Mesmo os fascistas de países sob ocupação, durante a II Guerra Mundial, preferiam cooperar com os invasores nazista, enquanto que a resistência nacional era conduzida pela esquerda antifascista. Tome o notório caso de Pétain e outros dirigentes da Hungria e da Bulgária. E mesmo, tempos depois, a aliança de Salazar e Franco com a Otan, e a maneira como os fascistas latino-americano se aliaram às forças do imperialismo estadunidense para derrubar governos democrático-constitucionais e instaurar regimes terroristas e reacionários, que, se não eram exatamente fascistas na estrutura, com certeza mostravam, na prática, sua afinidade com a ideologia e métodos fascistas.
    Se o assunto era a controversa tese do “sub-imperialismo brasileiro”, por que não falar dos erros estratégicos da própria esquerda brasileira, ao confiar na possibilidade de uma “aliança com a burguesia nacional-progressista” contra o capital imperialista e o latifúndio? Erros esses que eram baseados não em uma “confusão entre classe e nação”, que levaria a um “nacionalismo terceiro-mundista”. Eles sem dúvida eram nacionalistas, e inclusive contribuíram para valorizar a produção cultural das classes populares brasileiras, desprezada pelo preconceito racista e elitista da burguesia e aristocracia rural brasileiras, mas o erro analítico não era uma confusão, e sim uma filosofia etapista da história, que os levava a concluír que, depois da abolição da escravidão, viria naturalmente o feudalismo, e só então o socialismo. Herdaram tais equívocos do dogmatismo stalinista, do positivismo comteano, mesmo de um preconceito eurocêntrico que muitos deles herdaram da cultura das classes dominantes do Brasil.
    Há, sem dúvida, uma ascenção do CENTRISMO lulista, que goza de uma hegemonia quase inquestionável sobre o subproletariado e sobre a burguesia. Seu aspecto mais pernicioso foi a política de desmobilização e cooptação dos movimentos sóciopolíticos populares, e uma promeça vaga de um “capitalismo com inclusão”. O sucesso reside na capacidade de conseguir o apoio da centro-esquerda e da centro-direita. PORÉM, a esquerda brasileira não me parece confundir classes sociais e nações, e mostra uma coerente oposição tanto às classes dominantes “nacionais” (que, todos sabem, não são tão nacionais assim) quanto ao imperialismo de qualquer outro país. Muitos, inclusive, fazem críticas ao “sub-imperialismo”.
    Portanto, se o assunto é a “raíz ideológica do Brasil potência”, como ideologia do “sub-imperialismo”, o correto seria procurar estas raízes dentro da própria história social, econômica, política e intelectual do Brasil, e não fazer algumas analogias duvidosas com o Japão e a Itália (que, não custa lembrar, nunca foram colonizadas, ao contrário das sociedades latino-americanas e africanas). Talvez chegasse mesmo à conclusão de que o nacionalismo revolucionário ou reformista teve um papel importante nos processos de independência política, abolição da escravidão ou servidão coloniais, modernização, reforma agrária (em alguns casos) e mesmo da superação do complexo de inferioridade e do eurocentrismo, embora não conseguisse romper completamente os laços de dependência econômica, e que, embora possua limites claros, principalmente quando associado a uma mentalidade reformista de “reconciliação das classes”, não deixou de realizar na história das sociedades pós-coloniais uma função progressista (e isso quando não falamos de projetos que associam a libertação nacional diretamente a uma revolução proletária e componesa!).
    Ou você vai nos dizer que era melhor deixar a independência e reformas pontuais de lado, para cumprir à risca um internacionalismo dogmático? Se você sabe o que significa todo o terror, escravização, genocídio e parasitismo do colonialismo (verdadeiro laboratório do nazismo), vai concordar que o nacionalismo revolucionário “terceiro-mundista” também possui os seus méritos históricos.

  7. Corrigindo:
    …e sim uma filosofia etapista da história, que os levava a concluír que, depois da abolição da escravidão, viria naturalmente o feudalismo,DEPOIS O CAPITALISMO, e só então o socialismo…”

  8. Caro Matheus,
    A sua crítica dirige-se ao primeiro artigo de uma série de dois. No final está indicado o título do artigo seguinte. Na próxima semana talvez algumas das suas questões fiquem esclarecidas. Além disso, estes dois artigos, como um anterior escrito pelo colectivo do Passa Palavra e vários outros que se seguirão, integram-se numa série mais vasta, sob o lema «Nunca Antes Na História Deste País», como está explicado em caixa. Calculo que à medida que esses artigos forem publicados algumas das suas questões se esclareçam e muitas mais surjam ainda.
    Quanto ao anticolonialismo dos fascistas e dos nacionais-socialistas, ele não se exerceu, evidentemente, nas terras eslavas ocupadas, onde foi implantado um escravismo de Estado. O Terceiro Reich teve uma acção anticolonialista nos países árabes e no apoio à independência da Índia, onde foi central a figura de Subhas Chandra Bose. Mas a acção anticolonialista mais importante deveu-se ao fascismo nipónico. Como observou Ba Maw, sem a Esfera da Co-Prosperidade não teria havido Bandung. Noutro lugar tratei extensamente da parcial filiação do terceiro-mundismo no fascismo.
    O que sobretudo me interessou neste artigo e no artigo seguinte foi estimular os leitores a reflectirem sobre o carácter que têm — ou facilmente podem ter — certas noções, tão comuns na esquerda que são aceites como evidências. E, pelo incómodo que o artigo está a provocar em alguns leitores, vejo que consegui o meu objectivo. Um texto que incomoda é um texto que faz reflectir.

  9. Caro João Bernardo,
    Vou aguardar os seus próximos artigos, mas já posso observar que há uma enorme dificuldade na noção de um “anticolonialismo fascista”,na medida em que os Estados nazifascistas da Europa, durante a II Guerra Mundial, possuíam planos imperialistas claros. Se eles ajudavam árabes a derrotar os colonizadores ingleses e franceses, certamente era para, em seguida, para colonizar estes países. Mas confesso que não sei o que é a “Zona de Co-prosperidade”, e por isso vou me abster de opinar (embora a ação do imperialismo japonês se baseasse no terrorismo e escravismo de Estado). Por outro lado, as ditaduras de Salazar e Franco se esforçaram ao máximo para manter as posses coloniais dos seus respectivos países.
    Sabe-se que os métodos repressivos empregados pelos ingleses e franceses (e belgas, alemães, estadunidenses nas Filipinas, etc., em menor escala)eram semelhantes ao dos fascistas: tortura e assassinato sistemático dos resistentes, extermínio planejado de populações consideradas hostis aos interesses coloniais (inclusive, inventaram os campos de extermínio). A ideologia racista e supremacista dos fascistas também mostra, ao que meus conhecimentos indicam, ter sua origem no discurso legitimador do imperialismo. A própria HAnna Arendt, inicialmente, planejou orientar a sua pesquisa sobre o “totalitarismo” remetendo suas origens ao colonialismo e imperialismo, mas mudou o seu plano, em razão do seu apoio aos EUA na Guerra Fria.
    Os movimentos de independência da América Latina começaram no séc. XVIII e chegaram a resultados no séc. XIX, sob inspiração do Iluminismo, do liberalismo e do republicanismo, e ainda hoje o anti-imperialismo mostra sua filiação a estas lutas. Na Índia, temos Gandhi, na Iugoslávia, a guerrilha antifascista e a Terceira Internacional, e assim por diante.
    Se o seu objetivo era fazer refletir, está de parabéns, porque isso você conseguiu (ao menos em relação a mim). Mas acho que é difícil falar do anti-imperialismo, em especial fazer uma analogia com o fascismo, sem pesquisar a história dos próprios movimentos de independência política e econômica dos povos submetidos ao colonialismo (e à dependência). E, no caso do Brasil, é bom lembrar que o “Brasil potência” era o discurso da ditadura militar, aliada do imperialismo dos EUA. E que os carrascos da ditadura tiveram aulas de tortura com veteranos franceses da repressão ao movimento de independência de Argélia. Técnicas de tortura aplicadas aos próprios franceses, durante a ocupação nazifascista (não preciso sequer falar de Klaus Barbie, não é?).
    um abraço

  10. Caro Matheus,
    Por favor, não me ponha a dizer coisas que eu não disse. Mas esse é o mal de muitos comentários, passemos adiante. Já que você se interessa por estes assuntos, e porque a questão é muito mais vasta do que as fronteiras do Brasil, sugiro-lhe que, com tempo, pesquise antes de mais em torno da Esfera da Co-Prosperidade. Não se pode entender o que é o paradoxo de um imperialismo anti-imperialista sem ter estudado a esfera da Co-Prosperidade, que foi o próprio tema da guerra no Pacífico. Prossiga com a génese da independência da Indochina. Quem teria posto Sukarno no poder? E como? E com que consequências? Passe depois às Filipinas, veja Laurel, o velho Aguinaldo, essa figura mítica da luta pela independência, e outros, Benigno Ramos, Ricarte. Não esqueça a Birmânia, Ba Maw, que eu citei, e sobretudo os Trinta Camaradas. E quem teria pela primeira vez aberto ao Viet Minh o caminho de Hanói? E não fiquemos por uma versão hollywoodesca da luta pela independência da Índia, centrada na figura de Gandhi. Repito que Subhas Chandra Bose foi aqui um pesonagem não menos fundamental e, bem vistas as coisas, venceu depois de derrotado. E, nos países árabes, veja no Egipto o movimento secreto de oficiais durante a guerra e as suas relações com o Terceiro Reich, veja o Quadrado de Ouro no Iraque, a vida política na Tunísia sob a ocupação germano-italiana, veja os casos dos argelinos Mohammed El Maadi e Mohammad Said. Procure os traços de tudo isto, com tempo e paciência e curiosidade. Não há pressa, a história não acaba amanhã. E já que você falou do iluminismo e da inspiração que insuflou nas independências latino-americanas, leia, de Roa Bastos, Yo, El Supremo, uma das obras maiores da literatura universal. E neste complexo de problemas encontrará — quem sabe? — resposta para as questões que coloca acerca do Brasil. É que a história não se faz com ideias feitas. Talvez tudo o que eu aqui nomeei, acontecimentos tão rasgados de contradições e figuras tão contraditórias, ajudem a esclarecer a carga que emana da noção não menos contraditória de nação proletária.

  11. Caro João Bernardo,
    Qual foi, exatamente, o argumento seu que eu teria supostamente distorcido? Estou tentando argumentar de maneira leal, e o meu ponto principal é que, se o assunto é a ideologia do “Brasil potência”, você deveria pesquisar em primeiro lugar a história intelectual do Brasil (sim, ela existe! e não é “terceiro-mundista” em nada!), e, a partir daí, determinar as fontes de acordo com os autores citados, e contextualizar cada discurso. Ao invéz disso, você fez uma analogia de um discurso que você acredita vir da esquerda (e que não veio) com o discurso fascista, apenas a partir do termo “nação proletária”, que sequer foi utilizada pelos ideólogos do “Brasil potência”.
    Falei de Iluminismo porque a luta pela independências nas Américas foi feita sob inspiração iluminista, e tomando como exemplo as revoluções liberais. Desde os processos mais elitistas (Brasil) até as revoltas populares dos escravos haitianos, a inspiração era o Iluminismo e as Revoluções norte-americanas e francesa. E muito do anti-imperialismo latino-americano se mantém ligado a estas lutas primeiras, incorporando ainda a memória da resistência indígena, das rebeliões dos escravos africanos e à mais atual luta proletária e camponesa. Não se pode entender o que acontece na Venezuela, Bolívia, Cuba, e Equador (zapatismo, MST, etc.) sem ter isso em mente, e, afinal, não vamos fazer aquilo que George Orwell critica em seu “What is fascist?”, não é?
    A ideologia do Brasil potência foi obra do general Golbery do Couto e Silve, que em seus tratados de geopolítica fala explícitamente da possibilidade de o Brasil tornar-se uma potência imperialista regional, mas contanto que associado ao imperialismo norte-americano, e combatendo o que ele chamava de “inimigos internos” (advinhe o que era!). Como um dos altos burocratas da ditadura militar, seus livros ecoaram nas palavras e políticas públicas dos ditadores militares brasileiros. Influência fascista? Sem dúvida alguma, e ecléticamente mesclada à ideologia da Guerra Fria. Mas absolutamente nenhuma menção a “nações proletárias”. O “Brasil potência” dos sonhos dos neofascistas brasileiros sempre era um Brasil burguês, cristão e conservador (e o próprio fascismo europeu tinha a idéia de “povo aristocrático” e “povo de senhores”, muito mais fortemente que de “nação proletária”; e enfim, a discussão sobre a nação proletária obscurece o papel do racismo imperial na ideologia fascista). Tudo isso é profundamente diferente do tipo de nacionalismo revolucionário pregado por Darcy Ribeiro, que também não fala em “nação proletária”, e sim em “proletariado/campesinato nacional”, o que é muito diferente.
    Quanto a essa avalanche de nomes (são todos relacionados À Co-Prosperidade?), acho difícil pesquisar um por um. Mas as minhas “ideias feitas” (que incluem uma boa noção dos crimes de guerra do Japão imperial) sugerem que isso deveria ser tratado como uma divergência entre discurso e prática, ou simples hipocrisia, mais ou menos como quando se fala de “imperialismo humanitário” ou “dos direitos humanos”.

  12. Matheus, eu não vi qualquer sugestão neste texto do João Bernardo de que o discurso do “Brasil potência” ou “anti-imperialista” existente no Brasil tivesse origem na idéia de “nação proletária”.

    O que o JB apresenta neste texto é simplesmente uma história de como em alguns países, particularmente a Itália, o fascismo emergiu e foi nutrido por elementos da esquerda.

    E se é para discutir o Brasil com base neste artigo, o ponto é: o discurso nacionalista e anti-imperialista bastante presente em grande parte da esquerda brasileira (e não só brasileira), possuiu ou não possui elementos que levam a uma concepção fascista? Basta ver a defesa que pessoas influentes na esquerda possuem em relação a regimes e estadistas de países que eles consideram anti-imperialistas, deixando em segundo, terceiro ou nenhum plano a movimentação da classes trabalhadoras nesses países como parâmetro para nortear suas opiniões. Poderia nomear aqui um caso recente quanto à defesa do regime da Líbia, mas acho por bem não colocar nomes aqui.

  13. Leo Vinícius, a minha crítica é exatamente essa: por que um texto sobre a ideologia do “Brasil potência” começa falando sobre algumas metáforas e analogias utilizadas pela direita populista italiana ou japonesa? Aí é que está a questão.

    Mas você precisa ler melhor, o melhor, reler. Além do título e do resumo, o ultimo parágrafo do texto do João Bernardo diz claramente:

    “Talvez isto não soe estranho a alguns leitores. Era o mesmo tema daquelas forças políticas de esquerda que há bem pouco tempo bramavam contra a ALCA, onde dominaria o imperialismo norte-americano, e teciam loas ao Mercosul, onde domina o nascente imperialismo brasileiro. Pois não serviria o poderio económico do Brasil para emancipar os países latino-americanos da prepotência yankee? É possível definir com rigor o caminho que levou os paradoxos da «nação proletária» a criarem raízes fundas na esquerda e na extrema-esquerda brasileiras, como mostrarei no artigo seguinte.”
    (obs: será que, então, deveríamos nos alegrar com a prepotência ianque, mostrar servilidade e aderir à ALCA, para destruír a infra-estrutura, serviços públicos e milhões de empregos?)
    Portanto, foi o próprio JB quem decidiu discutir o pensamento político brasileiro com fontes japonesas e italianas, e ainda por cima salpicou o texto de provocações. Isso é uma analogia (e uma diabrete), não uma análise. E a conclusão é completamente equivocada: a ideologia do Brasil potência NÃO têm origem na noção de “nação proletária”, mas sim na idéia de um Brasil burguês, cristão, conservador e euroamericanizado, do general Golbery, ideólogo neofascista que inspirou o golpe de 1964 e a ditadura militar.
    Alguém pode folhear a revista Veja e constatar que há analogias parecidas, como dizer que o MST e a Al Qaeda são a mesma coisa. A direita sionista também adora chamar seus críticos (muitos deles judeus…) de “antissemitas”. Será que este também não é um caso de apropriação de alguns elementos do discurso de esquerda pela direita? Pense nos neoconservadores, que não se cansam de falar de “liberdade”, “igualdade”, “pluralismo”, “democracia”…do mercado capitalista. Ou o imperialismo dos direitos humanos (já que você falou do caso da Líbia). Aliás, não me lembro de ter visto alguém defendendo a Líbia (na verdade, Gadaffi era descrito geralmente como um autocrata corrupto e hipócrita), mas sim atacando e denunciando os planos de guerra que foram brutalmente confirmados pelos recentes fatos históricos. Mas, se alguém o apoio, é melhor ignorar. Para que ficar em clima de caça às bruxas contra alguns poucos iludidos?

  14. Olá,

    Reproduzo abaixo a reportagem, mesmo que um pouco extensa, publicada por esses dias.

    De um “doutorado marxista contra o colonialismo e o imperialismo” ao papel de ditador da Costa do Marfim realmente não existe uma linha única e necessária. Cabe ressaltar, no entanto, que os argumentos apresentados pelo texto João Bernardo são fundamentais sim para que nós possamos perceber a relevância de um debate acerca dos aspectos ideológicos do nacionalismo na dita “esquerda anti-imperialista”.

    Fica a dica.

    ***

    13/4/2011

    Em 1979, o “estudante” Gbagbo apresentava sua tese marxista

    “Talvez a qualidade dominante seja a personalidade. O candidato refletiu muito, tem uma opinião precisa e como um todo a emite com firmeza”. O “candidato” em questão se chamava Laurent Gbagbo. Era 22 de junho de 1979 na Universidade Paris 8-Jussieu, e uma banca examinadora de três historiadores saudou dessa forma a tese de doutorado apresentada por esse estudante já com 34 anos, intitulada “As causas socioeconômicas da política marfinense (1940-1960)”.

    A reportagem é de Philippe Bernard, publicada pelo Le Monde e reproduzida pelo Portal Uol, 13-04-2011.

    Catherine Coquery-Vidrovitch, André Nouschi e Jean-Pierre Raison não sabiam que estavam atribuindo a menção “muito bom” ao futuro mau perdedor das eleições presidenciais marfinenses de 2010. Eles se contentaram em lamentar “um tom um tanto polêmico” que “por vezes prejudicou a qualidade do conjunto”. E observaram que a defesa foi seguida por “uma discussão interessante e animada, onde o candidato demonstrou grandes qualidades de exposição e de ‘orador’”. Foi um “acontecimento militante”, lembraria em 2003 o presidente marfinense.

    Em 1979, o doutorando Gbagbo há muito já não era um estudante como os outros. Professor de História no liceu clássico de Abidjan desde 1970, impregnado de marxismo e opositor ao partido único do presidente Houphouët-Boigny, ele foi detido várias vezes por “ensino subversivo”.

    “Burguesia rural”

    Depois de sua tese ele voltou a Abidjan e fundou de forma clandestina a futura Frente Popular Marfinense (FPI), mas teve de se exilar novamente em Paris em 1982, acusado de coordenar um “complô de professores”. Foi em Paris que ele se hospedou, durante cinco anos, no apartamento de dois cômodos em Ivry-sur-Seine (departamento de Val-de-Marne) de Guy Labertit, professor de espanhol, futuro “Sr. África” do Partido Socialista e desde então defensor indefectível do camarada Laurent.

    Sua pesquisa universitária de 1979, consultada pelo “Le Monde”, mencionava a base ideológica da FPI anterior à derrapagem xenófoba que a dominou duas décadas mais tarde. Os últimos brilhos de uma Costa do Marfim colonial são analisados ali por meio de uma retórica marxista que, através da evolução das estruturas agrícolas e comerciais, visa denunciar em Houphouët-Boigny o perpetuador da submissão ao imperialismo francês.

    O primeiro presidente marfinense, que foi ministro da Quarta República Francesa, é apresentado por Gbagbo como “o representante de uma burguesia rural [marfinense] que não tem interesse em romper com a ordem colonial, pois precisa disso para escoar seus produtos agrícolas que não têm mercado interno”.

    O Partido Democrático da Costa do Marfim (PDCI) de Houphouët, “ao pactuar com o ocupante [francês] e ao adotar as palavras de ordem colaboracionistas, permitiu a segunda pacificação e instaurou um ambiente político propício à exploração econômica de tipo neocolonial”, diz a tese. Já o ensino dispensado pelos franceses “permite que a administração colonial pratique em uma ampla escala o genocídio cultural que antecede o confisco do pensamento dos povos submissos”.

    Uma vez no poder, Gbagbo ali se manteve, impregnado de referências históricas. Em 2004, quando o socialista francês Henri Emmanuelli lhe sugeriu para acalmar os “patriotas”, jovens que ele incitou contra a França e seus soldados, ele respondeu: “Meu caro Henri, por acaso seus sans-culottes eram cavalheiros?”. Há alguns dias, sitiado em Abidjan dentro de sua residência fortificada, era ainda com o “julgamento da História” que ele contava.

    http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=42377

  15. João Bernardo,
    Há alguns meses tive uma discussão com amigos sobre temas parecidos com os que você nos brinda nesse artigo.
    A grosso modo, a discussão se dividiu entre os “nacionalistas” e os “classistas”.

    Os classistas dizem que o nacionalismo e o foco no Estado-nação escamoteiam o foco principal que seriam as lutas de classes. E, segundo, dizem que apostar no Estado nacional (que seria o lugar da silenciosa multiplicação do poder, expressão sua!) seria uma auto-condenação ao fascismo. Eu concordo com essas preocupações e acho que elas podem mesmo levar a resultados desastrosos, mas, de forma alguma, consigo abandonar o nacionalismo.

    Eu sei que a questão é muito mais complexa, mas me parece que você faz uma relação automática (o Matheus falou em dogmatismo) entre nacionalismo e fascismo. Ou seja, todo nacionalismo é o gérmem do fascismo? Você não enxerga diferença alguma entre nacionalismos e nacionalismos? O nacionalismo é algo do qual a esquerda deve se livrar? Na falta de uma expressão melhor, o que você acha da possibilidade de um nacionalismo revolucionário? Sendo que este nacionalismo revolucionário tem por objetivo se opor às nações hegemônicas, mas claro, não esquecerá dos conflitos internos e da também necessária oposição à burguesia interna (no caso, as empresas brasileiras que se fortalecem e se transnacionalizam).

    Concordo em muito com o que o Matheus vem escrevendo e acho que são muitos os exemplos históricos em que o nacionalismo resultou em importantes movimentos de contestação e de luta por uma sociedade anti/pós capitalista.

    Para mim a nação é ainda um mote aglutinador de lutas, pois os povos submetidos e subjugados possuem uma identificação com seu território (seu espaço de resistência), no sentido de protegê-lo e fazê-lo prosperar. Isso por acaso significa que automática e necessariamente um esforço nacionalista desaguará em fascismos?

    Do mesmo modo, o Estado nacional pode desempenhar funções e praticar políticas sócio-econômicas que contribuam com o fortalecimento da democracia e da organização popular.
    Do mesmo modo, os Estados nacionais existem e não estão completamente submetidos às empresas transnacionais, tendo dessa forma, força para se opor às nações centrais e propor o novo. Tanto é que os governos dos países centrais se escandalizam com qualquer eleição em que o candidato mesmo sendo de centro-esquerda tenha chances de vitória. O imperialismo vê aí seus interesses ameaçados, ainda que parcialmente, e conclama toda a direita a iniciar uma campanha difamatória e golpista.

    Talvez eu seja um dos “veneradores de santos” e/ou esteja ainda preso ao “Estado restrito”, mas acho que tanto os esforços classistas como os esforços da nação e do nacionalismo são capazes de frutificar experiências libertárias.

  16. Gustavo,
    O autor de um artigo tem sobre os comentadores a apreciável vantagem de ter sido ele a escrever o artigo, portanto acho que o autor não deve abusar dos comentários. Mas como você me fez uma pergunta, tenho de responder. Na minha opinião, sempre que o nacionalismo permeia o movimento operário, o fascismo não anda longe. Não é o nacionalismo conservador que é fascista. Fascista é o nacionalismo que adquiriu a dinâmica do movimento operário. Foi esta a operação que Corradini conseguiu abrindo o seu Partido Nacionalista à aliança com os sindicalistas revolucionários, e que Mussolini prosseguiu depois com os fasci di combattimento, e que D’Annunzio instalou, pela primeira vez na história, em Fiume. O conceito de «nação proletária» — que, repito, foi e é o conceito fundamental de todo o fascismo — reúne terminologicamente essas duas componentes sociais, o nacionalismo e o movimento operário. Mas depois de 1945 só os bandos de lunáticos ousam proclamar-se como fascistas. O que desde então tem proliferado é um fascismo sem nome, precisamente por isso muito mais difícil de identificar. E que reluta em ser identificado.
    De qualquer modo, vendo o debate, acho que este artigo contribuiu para que várias posições se afirmassem de maneira clara. O objectivo era este. E ainda a procissão vai no adro…

  17. Matheus,

    Divirjo da sua interpretação do texto sobre ter posto ou não a origem do anti-imperialismo brasileiro na idéia de ‘nação proletária’. Mas como já apontei, o que importa é no texto e para discussão a meu ver é outra coisa: “o discurso nacionalista e anti-imperialista bastante presente em grande parte da esquerda brasileira (e não só brasileira), possuiu ou não possui elementos que levam a uma concepção fascista? Basta ver a defesa que pessoas influentes na esquerda possuem em relação a regimes e estadistas de países que eles consideram anti-imperialistas, deixando em segundo, terceiro ou nenhum plano a movimentação da classes trabalhadoras nesses países como parâmetro para nortear suas opiniões. “

  18. (Este comentário deveria estar aqui, e não no “Nunca antes…”. Errei de janela ao publicá-lo.)

    Pergunto ao Matheus se notou que o artigo é divido em partes, e que esta é a primeira, pois sua crítica, além de querer impor métodos ao autor, antevê o que sequer foi publicado. E se percebeu que este artigo é parte de uma série, que contem (e conterá) diversos artigos.

  19. Já encontrei teses quase que EXATAMENTE iguais às do João Bernardo no livro Império, escrito por Michael Hardt e Antonio Negri, que li há anos atráz. Já tinha, portanto, alguma reflexão sobre o assunto, também amparadas nas severas crítica ao livro de Negri.
    Negri e Hardt argumentam a mesma coisa que João Bernardo: que nacionalismo, mesmo o revolucionário, é invariavelmente reacionário e autoritário, que o Estado é uma teia opressora de poderes, que o nacionalismo se torna ainda pior quando se encontra com as formas de movimento popular.
    São Negri e Hardt “socialistas libertários”? Longe disso. Slávoj Zizek chamou-os, sarcásticamente, de “liberal-comunistas”, e já li críticos comparando-os a Kautsky e Bernstein. Qual é o motivo para tanta polêmica? Simples: Negri e Hardt se servem, embora de maneira metafórica e analógica, totalmente retirada do contexto científico ou histórico-político original, de uma terminologia marxista-revolucionária para defender que a “nova ordem global”, o capitalismo multinacional, é inevitável e, mais que isso, desejável, pois nos integraria a uma aldeia global. Eles recomendam que a esquerda, ao invéz de se opôr aos processos de desnacionalização, privatização e desregulamentação da economia, deveria se alegrar com eles e se limitar a “ser criativa” em relação ao admirável mundo novo. Garantem eles que mesmo a guerra não é mais administrada por Estados-nação, mas sim por “redes globais descentralizadas de poder”. Além de inútil, o intervencionismo estatal, segundo eles, é daninho, e (aqui entra a argumentação idêntica à do João Bernardo) ele é exclusivamente opressor, mesmo quando se usam as forças do Estado nacional para se resistir ao imperialismo e ao colonialismo. Seria apenas uma troca de opressores extrangeiros por nacionais, uma “dádiva envenenada”. Todos os movimentos de libertação nacional estariam enquadrados nesta teoria dos dois demônios aplicada às relações internacionais, e, agora, seriam invariavelmente fundamentalistas e nostálgicos.
    Qual é a alternativa de Negri? Bem, ele faz tudo para não deixar claro, mas esta pegação contra as reivindicações econômicamente nacionalizantes da esquerda e uma apologia da renda mínima (o livro foi escrito quase dez anos antes da ascenção de Lula) no final sugerem o que ele têm em mente: uma política neoliberal assistencialista, que mantenha a política de globalização econômica e contra-reformas sociais, para falar junto com Bourdieu, mas criando alguns instrumentos de atenuação dos efeitos mais brutais desta política. É a mesma ideologia de George Soros e Bill Gates: o capitalismo neoliberal é a única alternativa, mas podemos remediar os males que ele gera.
    Tudo isso rendee à Negri convites para a participação do Fórum Econômico de Davos e em outras reuniões da oligarquia financeira mundial, além de notas elogiosas na mass media.
    O João Bernardo não nega a existência do imperialismo, é claro, mas em compensação cai no mesmo tipo de caricatura grotesca dos movimentos de libertação nacional (que é uma forma de combatê-los), e esconde a realidade fundamental de que o capitalismo dos países periféricos é dependente, sendo a sua burguesia, portanto, perfeitamente associada ao capital extrangeiro, e não apenas econômicamente. Frequentemente as elites nacionais da América Latina nutrem um ódio racista e elitista contra as camadas populares pobres e mestiças, a quem culpam pelo subdesenvolvimento, justificando, assim, uma prática política oligárquica que evita a mobilização popular que diferencia o fascismo do reacionarismo anterior. Uma prática política fascista no sentido clássico, portanto, encontra sérias limitações, embora a “personalidade autoritária”, tal como analisada por Theodor W. Adorno, seja muito comum, assim como a influência ideológica de ideólogos, líderes e políticos fascistas.
    E o ponto principal é: sim, há, no nacionalismo de um Brizola, muito de socialismo reformista. Ele não foi presidente da Internacional Socialista e advogou claramente um programa social-reformista? Do mesmo modo, um socialista revolucionário, como José Carlos Mariátegui, não possuía elementos de um nacionalismo indigenista? Por outro lado, os regimes mais próximos do fascismo que existiram na América Latina, as ditaduras militares nos anos 1960-70-80, não eram pró-imperialistas, francamente aliadas dos EUA e não podiam nem queriam recorrer a qualquer mobilização popular (e não foram estes golpes e regimes que Klaus Barbie, um carrasco nazista que se escondeu na Bolívia, apoiou, chegando a ensinar-lhes técnicas de tortura e organizar esquadrões da morte?).
    Meu argumento principal é que essa oposição dogmática entre “nacionalismo” e “classismo” é falsa em se tratando de sociedades pós-coloniais, onde movimentos democrático-populares autônomos (operários, camponeses, indígenas, anti-racistas, ecológicos, etc.) são imediatamente anti-imperialistas. Como diriam os sociólogos históricos estadunidenes, the context matters.

  20. *Corrigindo:
    Por outro lado, os regimes mais próximos do fascismo que existiram na América Latina, as ditaduras militares nos anos 1960-70-80, não eram pró-imperialistas, francamente aliadas dos EUA e não podiam nem queriam recorrer a qualquer mobilização popular? (e não foram estes golpes e regimes que Klaus Barbie, um carrasco nazista que se escondeu na Bolívia, apoiou, chegando a ensinar-lhes técnicas de tortura e organizar esquadrões da morte?)

  21. Eu fico impressionado com o fato de os defensores da orientação nacionalista de esquerda não perceberem que ao criticarem a suposta possibilidade única do capitalismo atual, chamado “neoliberalismo”, estão eles a pensarem alternativas possíveis no quadro do próprio capitalismo, onde se continua a extração de mais-valia. Um estudo superficial da história do capitalismo já demostraria que a tese da suposta unicidade do “neoliberalismo” é falha desde antes de nascer. Porque então se focar tanto nisto? Porque tanta cegueira? Será que há falta de exemplos onde o capitalismo permanece, mesmo se alterando suas orientações gerais? O único capitalismo que pode existir é o capitalismo liberal? O corporativismo então corresponde a uma vitória dos trabalhadores?!? Deveriam considerar com mais acuidade o fato de a crítica econômica capitalista de extrema-direita se focar justamente na sua orientação liberal.

    Não interessa diretamente a anticapitalistas a melhora pontual nos termos de troca entre as nações, porque mantida a exploração capitalista, mesmo que em nível nacional, se continua a proceder a exploração de classes. O que interessa a anticapitalistas é arrancar melhorias, que interessam muito mais pelo potencial aglutinador e formativo vindos com o processo de luta. As melhorias, partindo desta perspectiva, são mais meios do que fins. Embora tudo que se proceda no campo das orientações do capitalismo altere a vida de todos, não é um espaço onde o anticapitalismo tem chances de sobreviver, pela obvia contradição entre práticas opostas. Como pode um anticapitalista sustentar sua prática anticapitalista na direção de uma instituição capitalista qualquer?! A cobra vai comer o próprio rabo?
    E pior: na história sempre que se evocou o nacionalismo, se procedeu a uma união de classes distintas em torno de objetivos supraclassistas – o famoso bem estar da nação, que tudo comporta -, tornando ainda mais eficientes os mecanismos de recuperação das lutas dos trabalhadores. O estudo da revolução de 1930 e seu desdobramento deveria dizer mais para os que reinvindicam o nacionalismo enquanto orientação das lutas.
    E como isto ocorreu aqui, na europa e em outros cantos? Os trabalhadores ao agirem consoante aos interesses das nações, tendo algumas melhorias com conseqüências dúbias, ampliam a capacidade de exploração do seu trabalho na exata medida em que se desarticulam as solidariedades propriamente anticapitalistas.
    O chamado populismo Varguista pode ser compreendido dentro deste quadro, onde com o apoio do proletariado há uma intensificação de práticas capitalistas no Brasil.
    E o que começou anticapitalismo por parte da esquerda termina se tornando um capitalismo mais forte (e consequentemente mais autoritário).

    Os trabalhadores forçam o capitalismo a se modificar por estarem unidos, fortes e a ele se oporem. Solidariedade é uma palavra-chave. No atual estado de coisas esta oposição é fragmentada, mas a evolução destas lutas dispersas vai criando uma solidariedade e uma cultura entre lutadores que tende a crescer na medida em que as lutas evoluem.

    No fundo no fundo, trata-se de qual realidade social iremos construir, se é a realidade de um capitalismo nacional, ou se é a realidade anticapitalista internacional.
    Afirmar isto – e aqui me parece estar uma das principais distorções que é raiz de muito dos erros posteriores – não significa negar a existência de práticas revolucionárias dentro dos movimentos nacionais. Mas as questões partindo do ponto nacionalista se empobrecem, pois se fecham no quem pode manipular melhor as demandas do movimento supraclassistas, os capitalistas ou os anticapitalistas (supondo-se que esta questão esteja em aberto)? Sem falar que só de pensar nestes termos já temos a formação de um caráter que tem um alto potencial corrosivo para as lutas. Além disto, qual é a implicação do fechamento da luta de classes nas fronteiras de uma nação? Qual é o meio de superar o sectarismo próprio do nacionalismo com o fim de promover o internacionalismo anticapitalista?

  22. Para mim uma passagem no último comentário do Matheus que mostra bem como está havendo em parte um diálogo de surdos é este aqui:

    “sim, há, no nacionalismo de um Brizola, muito de socialismo reformista. Ele não foi presidente da Internacional Socialista e advogou claramente um programa social-reformista?”

    Havia no nacionalismo de Hitler muito de socialismo reformista também.

    Sempre comentei com amigos de esquerda que o PDT, embora fizesse aliança eleitoral em geral com os chamados partidos de ‘esquerda’, para mim tinha ideologicamente um pé na extrema-direita (o que não quer dizer que seus candidatos ou militandes sejam de extrema-direita, longe disso!). O PDT é propriamente o partido que se pode chamar de nacional-socialista, sem base em movimnentos sociais, que nasceu ‘por cima’. Descendente direto do getulismo, e como Brizola gostava de enfatizar, a verdadeira continuação do PTB de Getúlio Vargas. Não preciso aqui indicar a proximidade da política e ideologia getulista com o fascismo que emergiu mundo afora naquelas décadas. Já é praticamente um lugar-comum.

    20 anos atrás, quando eu estava na faculdade, havia um colega de turma que era declaradamente simpatizante de Hitler. Não era um ‘porra-louca’, ganguista, nem nada do tipo. Era um nazista lúcido. Achava correta várias concepções nazistas. Tão lúcido que até então ele era eleitor do Brizola e do PDT, pois para quem compreendia as concepções fascistas, era onde ele as encontrava de forma mais clara entre todos os partidos. Deixou de ser eleitor do PDT após Brizola apoiar o Collor na época do impeachment. Advinhem para quem ele voltou seu voto? Mostrando coerência e lucidez, como sempre, passou a ser eleitor do Enéas/PRONA.

    Escrevo tudo isso para dizer que Matheus parece que não consegue focar no principal dos artigos, e ver o que há de fascismo dentro do que se considera esquerda e de concepções muito bem aceitas em grande parte da esquerda.

  23. Olá,
    O PP poderia indicar os textos a respeito do Marini a que fez menção nesta seção de comentários?

    att.

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