O processo de internacionalização económica ocorrido no Brasil desde os meados do século passado levou à formação de grupos sólidos, capazes de concorrer no estrangeiro e cuja produtividade não deve ser subestimada. Por João Bernardo

O Brasil vive uma profunda mudança de sua inserção na economia e na política globais. Nunca antes na história deste país se produziu, exportou e investiu tanto, em especial fora das fronteiras – desenvolvendo as empresas transnacionais de origem brasileira. Nunca antes a política externa brasileira foi tão independente – com base na exploração dos recursos econômicos da América Latina e na disputa de mercados e de espaços de investimento em África. Nunca antes o Brasil foi tão engajado – ao ponto de grandes capitalistas apoiarem políticas compensatórias “de esquerda”. Na verdade – e é o que queremos investigar com esta série de artigos – nunca antes o Brasil foi tão imperialista.

Leia aqui o artigo anterior.

A crise financeira mundial, que precipitou a crise da economia norte-americana, veio no momento oportuno para o capitalismo brasileiro, internamente preparado para lhe responder. Note-se que o «milagre económico» proclamado pelo regime militar, assente no afluxo de investimentos directos [1], cessou quando se aproximou a crise mundial, enquanto que sob a administração Lula a economia brasileira continuou a crescer apesar da crise financeira mundial, passando apenas por dois trimestres recessivos, no final de 2008 e no começo do ano seguinte. Nunca será demais insistir neste contraste.

brasil-aO velho tripé da época de Juscelino Kubitschek e de João Goulart recebeu agora um ânimo novo. Um dos apoios do tripé aumentou consideravelmente o seu volume. De acordo com Nelson Barbosa e José Antonio Pereira de Souza em A Inflexão do Governo Lula: Política Econômica, Crescimento e Distribuição de Renda [2], quando procedem à comparação das somas acumuladas das principais contas da balança de pagamentos nos triénios 2003-2005 e 2006-2008, «a entrada líquida de investimento direto por parte de estrangeiros saltou de US$ 43,4 bilhões [milhares de milhões] para US$ 98,5 bilhões». Veja-se a este respeito a tabela 2. Aumentaram também os meios de acção de outro apoio do tripé, o Estado, que dispõe de importantes mecanismos financeiros, nomeadamente os dois grandes bancos de depósitos sob o seu controlo e o Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social, BNDES. Além disto, o Estado intervém com obras de infra-estrutura, promovendo-as directamente ou em parceria com empresas privadas. Neste contexto, o Programa de Aceleração do Crescimento, PAC, anunciado em 2007, tem uma função dupla, e Nelson Barbosa e José Antonio Pereira de Souza observaram que «o principal mérito do PAC foi liberar recursos para o aumento do investimento público e estimular o investimento privado». Mas a alteração mais significativa ocorrida nas empresas privadas brasileiras, o terceiro apoio do tripé, consiste em algumas não se limitarem já a investir no país, começando a proceder a investimentos directos no estrangeiro e convertendo-se em companhias transnacionais. Agora, a internacionalização da economia brasileira não ocorre apenas graças às filiais que as companhias transnacionais com sede no estrangeiro estabelecem no Brasil, mas igualmente graças à transnacionalização de companhias originariamente brasileiras.

Como a internacionalização da economia brasileira se processou durante várias décadas de fora para dentro do país, não espanta que o movimento inverso se tivesse iniciado a partir de patamares muito baixos. Além de tardios, só começando a adquirir algum significado a partir dos primeiros anos da década de 1990, os investimentos directos oriundos do Brasil foram pouco avultados até meados da década de 2000 e, mesmo em comparação com outras economias emergentes, o seu crescimento foi lento. Márcia Tavares, em Investimento Brasileiro no Exterior: Panorama e Considerações sobre Políticas Públicas, publicado pela CEPAL em Novembro de 2006, afirmou que «em termos do PIB, o Brasil tem um dos índices mais baixos de IDE [investimentos directos externos] do mundo, abaixo da média de outros países em desenvolvimento e de outros da região latino-americana». E num texto publicado em Novembro de 2007, Por Que É Baixo o Investimento Direto das Firmas Brasileiras no Exterior?, Victor Prochnik assinalou que «o valor do IED das empresas brasileiras não apenas é relativamente baixo em relação ao de outros países em desenvolvimento e em transição como, também, tem aumentado mais lentamente». É o que revela a tabela 1.

Tabela 1: Stock de investimentos directos emanados do Brasil em % dos emanados de grupos de países [3]


Fonte: Victor Prochnik em op. cit.

A má posição relativa ocupada pelas companhias transnacionais de origem brasileira pode ser analisada noutra perspectiva. Numa comunicação de Maio de 2006, A Internacionalização Produtiva das Empresas Brasileiras: Breve Descrição e Análise Geral, Daniela Corrêa e Gilberto Tadeu Lima assinalaram que «entre as 100 maiores multinacionais do mundo em 2002, classificadas segundo seus ativos no exterior, nenhuma era brasileira». Em 2006, segundo Ricardo Reisen de Pinho em Gigantes Brasileiros: Multinacionais Emergentes e Competição Global, tese de doutoramento apresentada em 2008 na Fundação Getúlio Vargas, das 100 companhias transnacionais oriundas de países emergentes com facturamento anual superior a 1 milhar de milhões [bilhão] de dólares e com taxas de crescimento superiores à média do mercado, só 12 eram brasileiras, contra 44 chinesas e 21 indianas. E Reisen de Pinho acentuou «a quase inexistência de verdadeiras empresas multinacionais no universo de empresas brasileiras». Este quadro foi confirmado pela UNCTAD (United Nations Conference on Trade and Development, Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) no World Investment Report 2009, onde a lista das 100 principais empresas transnacionais não financeiras dos países em desenvolvimento, referente ao ano de 2007, inclui apenas três empresas brasileiras. No entanto, se passarmos para além dos números globais é outro quadro que começa a se delinear, como se pode ver na tabela 2.

Tabela 2: Investimento directo emanado do Brasil e recebido pelo Brasil (em US$ milhões)


Fonte: Banco Central do Brasil

O leitor que se dê ao trabalho de estudar a tabela 2 verá que as variações anuais dos investimentos directos emanados do Brasil, tanto positivas como negativas, são muito mais pronunciadas do que as variações dos investimentos directos recebidos pelo Brasil. Isto deve-se possivelmente ao carácter incipiente da transnacionalização das companhias brasileiras, com menos raízes fora do país e, por isso, hesitantes e sentindo poucas pressões para sustentar o crescimento contínuo de filiais. Segundo um relatório da KPMG publicado em 2008, Multinacionais Brasileiras. A Rota dos Investimentos Brasileiros no Exterior, um estudo da Universidade de São Paulo «revelou que em um grupo de empresas, no qual 96% possuem planos de internacionalização, apenas 43% afirmam ter efetuado estudos criteriosos para sair do País». Admito que quanto mais volumosos forem os investimentos directos gerados no Brasil, tanto mais as companhias transnacionais de sede brasileira abandonarão as reacções a curto prazo em benefício da planificação a longo prazo.

Mas a lição principal da tabela 2 é outra e diz respeito à evolução dos dois sentidos do investimento directo. Entre os triénios de 2003-2005 e 2006-2008 os investimentos directos recebidos pelo Brasil aumentaram 127%, enquanto os investimentos directos emanados do Brasil aumentaram 343%, ou seja, cresceram quase três vezes mais depressa do que em sentido inverso. Dizendo o mesmo noutra perspectiva, em 2003-2005 os investimentos directos emanados do Brasil equivaliam a 29% dos recebidos pelo Brasil, enquanto que em 2006-2008 equivaliam a 57%.

embraerNesta evolução o ano de 2006 salienta-se como um marco, porque pela primeira vez as companhias brasileiras investiram mais no exterior do que as companhias estrangeiras investiram no Brasil. E mesmo que esta inusitada supremacia não se tivesse reproduzido nos anos seguintes, isto não impediu que, como vimos, o triénio de 2006-2008 fosse bastante mais propício à transnacionalização das companhias brasileiras do que o havia sido o triénio anterior. Aliás, depois da grande queda de 2009 — provocada pelas incertezas da crise financeira e pelos empréstimos concedidos pelas filiais às sedes no Brasil — nos primeiros meses de 2010 de novo se verificou que os investimentos directos provenientes do Brasil superaram o volume dos recebidos pelo Brasil. E assim, apesar das baixas cifras absolutas, o Brasil conseguiu formar algumas companhias transnacionais de grandes dimensões. Segundo Carlos Felipe de Souza Gouveia em Estratégias de Internacionalização de Empresas Multinacionais Brasileiras: Teoria Versus Prática, dissertação de mestrado apresentada em 2010 na Fundação Getúlio Vargas, a receita operacional bruta das companhias Petrobras, Vale, Odebrecht e Embraer alcançou em 2008 aproximadamente 202 milhares de milhões [bilhões] de dólares, sendo superior ao Produto Interno Bruto de países como o Chile, o Peru, o Egipto ou a Nova Zelândia naquele mesmo ano.

Ora, se atentarmos no contraste entre, por um lado, o baixo volume dos investimentos directos emanados do Brasil e, por outro, a elevada taxa de crescimento destes investimentos, concluímos que a transnacionalização das companhias brasileiras dispõe de um vasto espaço de ampliação a curto prazo. E esta ampliação será tanto maior e mais veloz quanto mais o governo federal abandonar a tibieza que o tem caracterizado a este respeito. Nos primeiros anos da presidência de Lula o nacionalismo que constitui um dos estigmas da esquerda brasileira — e infelizmente não só da brasileira — levou vários sectores do governo federal a olhar com desconfiança a transnacionalização de firmas do país. Foram necessárias as pressões empresariais para que o governo mudasse de atitude, e a Fundação Dom Cabral, no Ranking 2010, Transnacionais Brasileiras. Repensando as Estratégias Globais, considerou que «nos últimos anos, o governo tem intensificado seu papel como facilitador da internacionalização das empresas brasileiras». Porém, ainda em Outubro de 2010 o Boletim SOBEET nº 72, publicado pela Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Económica, sentiu a necessidade de lançar um apelo: «A agenda de políticas públicas referentes a investimentos diretos deverá estar guiada não apenas pelo objetivo de atrair recursos externos para o país, mas também, e cada vez mais, pela necessidade de proteção e fomento do investimento direto brasileiro no exterior». Esta é uma das diferenças significativas entre o Brasil e outros países que estão igualmente a formar o novo centro do capitalismo, como a China ou em menor grau a Índia, cujos governos promovem activamente a saída de investimentos directos. Por este conjunto de razões, pode admitir-se que o governo federal proceda rapidamente a uma inflexão estratégica da sua política relativamente à transnacionalização das firmas brasileiras e, se o fizer, o BNDES será muito possivelmente o seu principal meio de acção.

brasil-b1Só a partir dos primeiros anos da década de 2000 o BNDES passou a desempenhar um papel significativo na transnacionalização das companhias brasileiras. De uma forma genérica, o apoio que o BNDES presta ao desenvolvimento das empresas, permitindo-lhes expandir-se e melhorar a tecnologia e a produtividade, constitui por si só um incentivo à transnacionalização, na medida em que companhias que aumentam a sua competitividade no país de origem mais facilmente se dispõem a apresentar-se na arena mundial. Como indicaram Ana Cláudia Além e Rodrigo Madeira, em Internacionalização e Competitividade: A Importância da Criação de Empresas Multinacionais Brasileiras [4]: «Estudos empíricos mostraram que as empresas brasileiras que fizeram investimentos no exterior são as que apresentam maior produtividade».

Nestes termos, convém avaliar quantitativamente o apoio prestado pelo BNDES, e a tabela 3 mostra que em oito anos os desembolsos cresceram quase quatro vezes e meia. Todavia, como a economia do país também cresceu nesse período, é preferível apresentar a actividade creditícia do banco em percentagem do Produto Interno Bruto. Verificamos então que ela se manteve no mesmo patamar até 2007, aumentando substancialmente em 2009 e 2010, o que revela que este instrumento de acção económica se tornou mais importante nos últimos anos.

Tabela 3: Desembolsos do BNDES


Fontes: BNDES e Banco Central do Brasil

De acordo com O Estado de S. Paulo de 10 de Março de 2011, os desembolsos do BNDES, que em 2005 haviam chegado ao dobro dos financiamentos concedidos pelo Banco Mundial, subiram para mais do triplo em 2010, atingindo 96,32 milhares de milhões [bilhões] de dólares. Segundo Fernando Puga, chefe do Departamento Económico do BNDES, os investimentos que contaram com a participação do banco chegaram a 987 milhares de milhões [bilhões] de reais entre 2006 e 2009, e o presidente do banco, Luciano Coutinho, indicou que aquele montante deveria subir para 1,6 biliões [trilhões] de reais até 2014.

Além do incentivo genérico à expansão e à modernização tecnológica, o BNDES começou a prestar apoio especificamente aos investimentos realizados por companhias brasileiras noutros países. «Desde o início de sua operação, em 2005, os desembolsos da Linha de Internacionalização superaram R$ 9 bilhões [milhares de milhões]», indica o Relatório Anual 2009 daquele banco, acrescentando ainda que em 2009 «foram desembolsados R$ 2,3 bilhões [milhares de milhões] em projetos novos (greenfield) e aquisições de empresas». No final de 2008 o BNDES criou a Área Internacional, que tem como um dos objectivos, segundo o mesmo Relatório, o «apoio à internacionalização». E também aqui parece existir um vasto espaço de ampliação a curto prazo. «Dada a participação ainda pequena das operações de apoio direto à internacionalização no total de desembolsos do BNDES […] há um grande potencial de aumento dessas operações nos próximos anos», consideraram Ana Cláudia Além e Rodrigo Madeira em Internacionalização e Competitividade: A Importância da Criação de Empresas Multinacionais Brasileiras, o que é tanto mais significativo quanto se trata de um capítulo escrito por dois assessores da Presidência do BNDES num livro editado por este banco.

valeO maior empenhamento do BNDES indica que a promoção da transnacionalização prosseguirá nos ramos mais modernos da economia, precisamente os estimulados por aquele banco. Com efeito, é errada a noção muito comum de que as companhias transnacionais brasileiras seriam produtoras de baixo nível, dedicadas à extracção de matérias-primas. Como afirma o relatório de 2008 da KPMG, Multinacionais Brasileiras. A Rota dos Investimentos Brasileiros no Exterior, «a internacionalização revela um Brasil além das commodities minerais e agrícolas, que pode conquistar um espaço de destaque no cenário global das indústrias e dos serviços». Convém recordar, aliás, que alguns dos países mais industrializados, como os Estados Unidos e o Canadá, são grandes produtores mundiais de cereais e de outras matérias primas. O problema não consiste no tipo de bens, mas na produtividade com que são extraídos ou produzidos. Não se trata de uma questão de sectores da economia mas de estádios tecnológicos, e o importante não é o que se produz mas como é produzido.

Vejamos antes de mais a repartição por sectores económicos dos investimentos directos emanados do Brasil. Numa série de artigos, Daniela Corrêa e Gilberto Tadeu Lima mostraram que ao longo da primeira metade da década de 2000 o sector primário atraiu um mínimo de 0,6% (em 2003) e um máximo de 5,2% (em 2005) do total dos investimentos directos do Brasil no exterior, e o sector secundário atraiu um mínimo de 2,4% (em 2004) e um máximo de pouco mais de 8% (em 2001). Naquele período, como se vê, os investimentos externos directos brasileiros incidiram maciçamente no sector terciário. O relatório da KPMG, Multinacionais Brasileiras. A Rota dos Investimentos Brasileiros no Exterior, apresenta uma distribuição idêntica, indo cerca de 2% dos investimentos externos brasileiros para o sector primário e cerca de 4% para o sector secundário.

Mas nos três grandes sectores há demasiadas categorias agregadas e convém proceder a uma análise um pouco detalhada. Referindo-se à primeira metade da década de 2000, Daniela Corrêa e Gilberto Tadeu Lima, no artigo «O Comportamento Recente do Investimento Direto Brasileiro no Exterior em Perspectiva», publicado em 2008 na Revista de Economia Política, afirmaram que «no setor primário, o IDBE [investimento directo brasileiro no exterior] foi destinado majoritariamente à extração de petróleo e serviços relacionados, e à extração de produtos metálicos. No setor secundário, os investimentos se dirigiram especialmente para a fabricação de coque, refino de petróleo e elaboração de combustíveis, para a fabricação de produtos de metal (exceto máquinas e equipamentos) e para a fabricação de produtos alimentícios e bebidas. […] a concentração em volume de capital investido acentuou-se consideravelmente no setor terciário, especialmente nas atividades de intermediação financeira e suas atividades auxiliares» [5]. Este quadro foi confirmado pelo Boletim SOBEET nº 50, de Setembro de 2007: «No período recente […] podemos dizer que o IDB vem se concentrando nos setores de intermediação financeira, fabricação de alimentos e bebidas e produtos químicos, prestação de serviços e metalurgia básica».

odebrecht-1Ora, segundo Alexandre Teixeira no artigo «Os Desafios Que Esperam as (Novas) Múltis Brasileiras… e os Exemplos de Sucesso das Empresas Que Já Chegaram Lá», em Época Negócios de 6 de Dezembro de 2007, «empresas brasileiras com investimentos diretos no exterior não passam de 0,4% do total de companhias nacionais. São pouco mais de 40 grupos, operando cerca de 150 unidades ao redor do mundo. Eles respondem, porém, por 25% do faturamento da indústria doméstica e têm receita anual média da ordem de R$ 500 milhões». Estes dados indicam que o processo de internacionalização económica ocorrido no interior do país desde os meados do século passado levou à formação de grupos sólidos, capazes de concorrer no estrangeiro e cuja produtividade não deve ser subestimada. Victor Prochnik, em Por Que É Baixo o Investimento Direto das Firmas Brasileiras no Exterior?, sintetizou a questão escrevendo que «as firmas brasileiras que investem no exterior são muito maiores, mais produtivas e mais experientes», e Victor Prochnik, Luiz Alberto Esteves e Fernando Morais de Freitas, em O Grau de Internacionalização das Firmas Industriais Brasileiras e suas Características Microeconômicas [6], mostraram que as companhias transnacionais de origem brasileira têm uma produtividade bastante superior à das empresas brasileiras similares que prosseguem toda a actividade no interior do país e se limitam a exportar. «As firmas brasileiras que investem no exterior», resumiram estes três autores, «são mais agressivas em inovação e fazem inovações de nível técnico mais alto e/ou mais próximas das fronteiras científicas». A uma conclusão similar haviam chegado dois anos antes Glauco Arbix, Mario Sergio Salerno e João Alberto De Negri, em Internacionalização Gera Emprego de Qualidade e Melhora a Competitividade das Firmas Brasileiras [7], afirmando que «a inovação tecnológica gera ativos específicos para as firmas da indústria brasileira e que são determinantes da internacionalização de sua produção». Tal como mostrou a última Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, as empresas que inovam foram as que mais se internacionalizaram.

Num artigo publicado neste site pretendi mostrar como nos países emergentes, e mesmo em alguns que se mantêm longe do novo centro, têm ocorrido inovações tecnológicas muitíssimo produtivas. E Ricardo Reisen de Pinho, na tese de 2008 já mencionada, observou que as companhias transnacionais oriundas de países emergentes «desafiam a concepção estabelecida de que firmas de países emergentes são pouco inovadoras e dependem de tecnologia desenvolvida em países desenvolvidos. As multinacionais de países emergentes são encontradas em diferentes indústrias e apresentam um grau de sofisticação tecnológica crescente».

327999Ao observarmos a lista das dez companhias brasileiras mais internacionalizadas — ou seja, em que é mais elevada a proporção das receitas, dos activos e do número de funcionários no estrangeiro sobre estes três factores no total da empresa e em que é maior o número de países onde existem filiais e maior a dispersão das actividades do processo produtivo — organizada em 2007 pela Fundação Dom Cabral, vemos que em primeiro lugar aparece a Gerdau e em seguida a Odebrecht, a Companhia Vale do Rio Doce, a Petrobras, a Marcopolo, a Sabó, a Andrade Gutierrez, a WEG, a Embraer e, no fim, a Tigre [8]. Este elenco destaca algumas das empresas brasileiras mais avançadas tecnologicamente e exercendo a actividade em ramos onde são muitos e variados os desafios. Basta isto para desmentir a ideia de que no Brasil a transnacionalização diria respeito a firmas de baixo nível. Referindo-se à Gerdau, à Companhia Vale do Rio Doce, ou simplesmente Vale, à WEG e à Embraer, Ricardo Reisen de Pinho considerou que elas «se colocam entre as principais empresas do mundo nos seus respectivos setores, competindo por recursos com algumas das maiores multinacionais oriundas de países desenvolvidos». A Gerdau, à cabeça da lista, é um dos cinco maiores fabricantes mundiais de aços especiais, e Ana Cláudia Além e Carlos Eduardo Cavalcanti, no artigo «O BNDES e o Apoio à Internacionalização das Empresas Brasileiras: Algumas Reflexões», publicado em 2005 na Revista do BNDES, consideraram-na «uma das empresas brasileiras pioneiras na estratégia de crescimento por meio do processo de internacionalização». No artigo «Investimentos Estrangeiros Diretos de Empresas Brasileiras», publicado em Maio de 2010 pela Revista Autor, Otto Nogami classificou a Odebrecht, a Vale, a Petrobras, a WEG, a Embraer, entre outras, como «empresas que se destacam cada vez mais no mercado exterior, tanto pela qualidade de seus produtos, como pelas técnicas de gestão e inovação, permitindo a elas compartilhar o espaço com as líderes mundiais em seus ramos de atividade». Aliás, quanto à Vale, note-se que o estudo da Fundação Dom Cabral foi efectuado com base em dados de 2005, portanto antes de a empresa ter adquirido, em 2006-2007, a companhia canadiana Inco, a maior produtora mundial de níquel, o que colocou a Vale entre os três maiores grupos mineiros mundiais. Por seu lado, a Petrobras salienta-se por possuir uma das tecnologias mais avançadas para a extracção de petróleo em águas profundas e ultraprofundas, e a sua actuação no estrangeiro abrange toda a cadeia de operações da indústria petrolífera e energética, desde a exploração até à distribuição e comercialização, desde a produção de produtos petroquímicos até à geração e transmissão de energia elétrica. A Sabó, o maior fabricante brasileiro de autopeças, distingue-se pela importância atribuída à pesquisa e desenvolvimento, o que lhe facilitou a expansão para o exterior. A WEG é um dos dez maiores fabricantes mundiais de motores eléctricos e outro lugar de destaque cabe à Embraer, a quarta maior fabricante mundial de aviões a jacto. Em conclusão, como se lê no Boletim SOBEET nº 50, de Setembro de 2007, para as companhias transnacionais brasileiras «não se trata apenas de obter ganhos de escala, obter acesso a matérias-primas e reduzir custos. Trata-se também de gerar valor adicionado, upgrade tecnológico e aprendizado de novas habilidades gerenciais».

Não só o processo de transnacionalização ocorreu sobretudo em companhias que contam com uma tecnologia avançada como as companhias mais transnacionalizadas têm propensão a acelerar o ritmo da sua internacionalização. Com efeito, a Fundação Dom Cabral mostrou que entre 2007 e 2008 as vinte empresas brasileiras mais internacionalizadas aumentaram a proporção ocupada na totalidade da empresa pelas receitas, pelo número de empregados e pelos activos no exterior.

Conhecendo-se as áreas em que operam as companhias brasileiras seleccionadas pela Fundação Dom Cabral em 2007, é compreensível que a Política de Desenvolvimento Produtivo, PDP, anunciada pelo governo em 2008, conte entre os seus Programas Estruturantes para Sistemas Produtivos, segundo o DIEESE, Nota Técnica nº 67 de Maio de 2008, «posicionar e/ou ratificar sistemas produtivos ou empresas brasileiras entre os cinco maiores do mundo. Essa meta é factível nas áreas de mineração e siderurgia, indústria aeronáutica e complexo produtivo do etanol».

wegApesar de tudo, há ainda quem goste de alimentar ilusões agarrando-se aos destroços de teorias invalidadas pelos factos. Mas é esta mesma a vantagem dos factos, condenarem as teorias, e é isto que faz com que as sociedades humanas se transformem e progridam, em vez de ficarem para sempre iguais.

As previsões valem o que valem, mas é interessante conhecer o prognóstico de Jim O’Neill, economista-chefe da firma financeira Goldman Sachs, o primeiro a ter reunido a China, a Índia, o Brasil e a Rússia numa nova entidade e a denominá-la BRICs. Ele e os seus colegas Dominic Wilson, Roopa Purushothaman e Anna Stupnytska, no Global Economics Paper nº 134, publicado pela Goldman Sachs em Dezembro de 2005, previram que o Brasil, que era a 12ª economia mundial em 2005, passaria para 5º lugar em 2050. Este optimismo foi recentemente partilhado por Octávio de Barros, director de Pesquisa Macroeconómica do Bradesco e membro do Conselho Superior de Economia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, FIESP, que considerou, numa entrevista concedida ao Correio Braziliense em 9 de Janeiro de 2011, que «desde meados dos anos 2000, estamos diante de transformações estruturais a favor dos países emergentes. […] todo esse cenário tem sido favorável para o Brasil. […] Temos uma indústria que, apesar dos problemas, é diversificada, inovadora e está se internacionalizando. […] Em vários aspectos, o Brasil já vem conquistando um espaço condizente com o tamanho de sua economia e do seu potencial». Quando uma grande parte da extrema-esquerda insiste em que nada mudou nem mudará, resta-lhe pouco a perder, porque não pode perder uma credibilidade que já não tem. Mas as instituições financeiras, essas, terão muito a perder com um cálculo errado.

Notas

[1] Classificam-se como investimentos externos directos aqueles que asseguram ao investidor o controlo ou, pelo menos, um interesse duradouro e uma influência decisiva na empresa onde o capital é aplicado. Considera-se habitualmente que o investimento é directo quando permite adquirir uma participação superior a 10% do capital de empresas estrangeiras. Uma participação inferior é considerada como um investimento de portfolio ou investimento em carteira.
[2] Trata-se de um capítulo de Emir Sader e Marco Aurélio Garcia (orgs.), Brasil: Entre o Passado e o Futuro, São Paulo: Boitempo, 2010.
[3] Victor Prochnik preveniu que «como o número de países que informam estatísticas de IED [investimento externo directo] cresce no período, somente países para os quais existem dados para os quatro anos foram considerados nas estatísticas para o “mundo” e “países em desenvolvimento e em transição”. Países que são ou foram socialistas (os chamados países em transição) também não foram considerados nos totais».
[4] Trata-se de um capítulo de Ana Cláudia Além e Fabio Giambiagi (orgs.), O BNDES em um Brasil em Transição, Rio de Janeiro: BNDES, 2010.
[5] Márcia Tavares, em Investimento Brasileiro no Exterior: Panorama e Considerações sobre Políticas Públicas, explicou que «atividades como intermediação financeira e “serviços prestados principalmente às empresas”» estavam relacionadas «principalmente à constituição de holdings».
[6] Trata-se de um capítulo de João Alberto De Negri e Bruno César Pino Oliveira de Araújo (orgs.), As Empresas Brasileiras e o Comércio Internacional, Brasília: IPEA, 2007.
[7] Trata-se de um capítulo de João Alberto De Negri e Mario Sergio Salerno (orgs), Inovações, Padrões Tecnológicos e Desempenho das Firmas Industriais Brasileiras, Brasília: IPEA, 2005.
[8] Note-se que em 2010 a Fundação Dom Cabral alterou a sua selecção, ficando a JBS-Friboi à cabeça das companhias brasileiras mais transnacionalizadas, seguida pela Gerdau, a Ibope, a Metalfrio, a Odebrecht, a Marfrig, a Vale, a Sabó, a Tigre e, finalmente, a Suzano Papel e Celulose. Todavia, como esta mudança reflecte as consequências da crise financeira mundial e da crise da economia norte-americana, que levaram a retracções nos investimentos e a reorientações eventualmente episódicas, parece-me ainda cedo para tirar conclusões.

11 COMENTÁRIOS

  1. João Bernardo, separei alguns pontos do seu artigo para discutir. Gostei da sua ampla argumentação factual com base, entre outros, em relatórios e boletins patronais. Muitas vezes acompanhamos os fatos apenas a partir dos boletins sindicais.

    1) “Nos primeiros anos da presidência de Lula o nacionalismo que constitui um dos estigmas da esquerda brasileira — e infelizmente não só da brasileira — levou vários sectores do governo federal a olhar com desconfiança a .”

    Você constatou muito bem que há um movimento crescente de transnacionalização, mas, afinal, o que você pensa sobre a transnacionalização? Ou quais são as consequencias do ponto de vista dos trabalhadores? Você já deve ter escrito alguns artigos sobre o tema.
    Esse movimento crescente de transnacionalização no Brasil é concomitante ao período de forte crescimento do emprego, aumento do poder de compra do salário e vem reduzindo desigualdades. Então mais uma vez parece que os capitalistas levam a abundância aos trabalhadores, e aos socialistas resta prometer a miséria.

    2) “De acordo com O Estado de S. Paulo de 10 de Março de 2011, os desembolsos do BNDES, que em 2005 haviam chegado ao dobro dos financiamentos concedidos pelo Banco Mundial, subiram para mais do triplo em 2010, atingindo 96,32 milhares de milhões [bilhões] de dólares.”

    Impressionante!

    3) “é errada a noção muito comum de que as companhias transnacionais brasileiras seriam produtoras de baixo nível, dedicadas à extracção de matérias-primas. Como afirma o relatório de 2008 da KPMG, Multinacionais Brasileiras. A Rota dos Investimentos Brasileiros no Exterior, «a internacionalização revela um Brasil além das commodities minerais e agrícolas, que pode conquistar um espaço de destaque no cenário global das indústrias e dos serviços». Convém recordar, aliás, que alguns dos países mais industrializados, como os Estados Unidos e o Canadá, são grandes produtores mundiais de cereais e de outras matérias primas. <<>>”

    Para mim há diferença entre produzir chips, softwares, biotecnologia, fármacos, etc., com tecnologia/produtividade avançada, do que produzir soja e demais commodities com tecnologia/produtividade avançada. Há aí uma série de questões em termos de relações de trabalho, tipo de mais-valia produzida, qualidade de vida, que implicam em diferenças fundamentais, apesar da mesma alta produtividade. E, se me permitem pensar em termos de nações, a questão se complica ainda mais pois surge o mecanismo de intercambio desigual.

    Mais uma vez, transnacionalização e desigualdades: o movimento de transnacionalização é compatível com a redução da desigualdade ou, apesar da transnacionalização, houve redução da desigualdade? Os dados apresentados abaixo são contundentes…

    <<>>
    (Carta Maior; 4º feira, 04/05/ 2011)

    4) “Esta é uma das diferenças significativas entre o Brasil e outros países que estão igualmente a formar o , como a China ou em menor grau a Índia, cujos governos promovem activamente a saída de investimentos directos.”

    Percebe-se que você não abandona totalmente o <> e os governos dos países como unidade de análise.

  2. O trecho da Carta Maior não apareceu, não sei o motivo.
    É este:

    “PARA ONDE VAI O BRASIL MENOS DESIGUAL DE TODA A SUA HISTÓRIA?
    Ao final do ciclo Lula , o Brasil atingiu a menor taxa de desigualdade de sua história: a pobreza no país diminuiu em 50,64% entre dezembro de 2002 e dezembro de 2010. Todos os segmentos de renda e todas as regiões nacionais ganharam nos oito anos de governo petista. Mas os pobres ganharam mais, diz a FGV, num estudo divulgado nesta 3º feira. Fatos: a) entre os 20% mais ricos da população, a renda obtida de todas as fontes cresceu 8,8% e a escolaridade, 8,12%.; b) já entre os 20% mais pobres, os saltos foram, respectivamente, de 49,52% e 55,59%; c) o estado mais pobre do país, o Maranhão, teve ganho de 46% na renda; d) São Paulo -o mais rico, 7,2%; e) o Nordeste registrou um ganho de 42%; o Sudeste rico, 16%. Não, não nasceu uma nova ‘classe’, mas os oprimidos de sempre começaram a ter acessos a direitos mínimos. O que resultará desse movimento inconcluso? Nenhuma sociologia estatística pode confinar em números os desdobramentos subjetivos de um processo dessa abrangência, mais tangível na esfera do consumo, mas dificilmente limitado a ela. Que tendências predominarão no espectro político desses protagonistas, depende da capacidade dos partidos e movimentos sociais captarem seus anseios, transformando-os em respostas historicamente convincentes e consequentes. A história se faz a partir das circunstancias, mas estas envolvem escolhas. A ver.”

  3. Honório,
    O primeiro artigo desta série Nunca Antes, assinado pelo colectivo do Passa Palavra, teve 48 comentários. Seguiram-se dois artigos meus acerca das origens ideológicas do Brasil Potência, que tiveram, somados, 56 comentários. Na grande maioria foram comentários muito críticos, pondo em dúvida que alguma coisa tivesse mudado nas relações entre o centro e a periferia e que o Brasil se estivesse a converter num imperialismo. Os comentários foram abundantíssimos enquanto a argumentação dos artigos decorreu no plano das palavras. Mas nestes meus dois artigos acerca da passagem do Brasil da periferia para o centro houve 8 comentários no primeiro e 3 (na verdade 2) no segundo. É que agora a argumentação decorre no plano dos números. Já não se trata de pressupostos ideológicos, mas de factos, e em economia os factos são números. Ora, se há alguma coisa a que a extrema-esquerda dogmática tem pavor são os factos. Com razão, porque neles lê a sua certidão de óbito e constata que o óbito ocorreu há muito.
    O que eu penso sobre a transnacionalização é o mesmo que penso sobre o capitalismo em geral. Mas a transnacionalização é a forma específica assumida hoje pelo capitalismo. É necessário ter uma imagem realista e adequada do inimigo se o queremos combater. E por isso eu centro as atenções na transnacionalização e não nas exportações. Num próximo artigo, que será publicado muito brevemente, chamarei a atenção para os problemas decorrentes de se raciocinar em termos de comércio entre países numa época em que as principais companhias estão transnacionalizadas.
    Claro que eu não prescindo das nações e dos governos nacionais enquanto categorias de análise. Eu procuro raciocinar não no plano dos dogmas mas no plano dos factos, e as nações e os governos são factos. Podem ser factos ilusórios, como sucede hoje na União Europeia, em que todos os países têm na prática uma soberania limitada, sendo o conjunto da União governado por detrás, graças a grupos tecnoburocráticos formais e informais, que procedem por consenso. No pólo oposto situam-se os BRICs, que têm em comum governos fortes e grupos empresariais e gestoriais fortes também, intimamente unidos por relações informais. E estas relações estabelecem-se na face oculta dos governos, na sua face não eleita, uma face discreta, que não é comentada nas revistas nem nos noticiários televisivos. A conjugação da transnacionalização com a outra face da lua, eis o mundo em que vivemos.

  4. A propósito:

    “Vale: Lucros explodem 300% e são os maiores da história

    A Vale (VALE3 e VALE5) esperou o fechamento dos mercados nacionais ontem para a divulgação do seu resultado trimestral. Nos três primeiros meses de 2011, a mineradora obteve R$ 11,3 bilhões em lucros líquidos, alta de quase 300% na comparação ao primeiro trimestre de 2010 e os maiores da história da companhia para o período. O resultado excepcional foi produto do aumento em 81% na receita operacional, totalizando R$ 23,6 bilhões. Além do crescimento, melhorou a qualidade das receitas. A Vale ficou um pouco menos dependente do continente asiático que representou 49% do faturamento da companhia, queda de quase 10% em relação a um ano antes. No entanto a China ainda representa cerca de 30% de toda a receita da mineradora. O Brasil vem em segundo lugar com 18%. A empresa também informou que um dos mega navios que comprou da Coréia, com capacidade de transporte de 400 mil toneladas e considerado o maior navio de carga do mundo já chegou ao Brasil. A compra dos navios foi controversa na época por que o governo queria que fossem fabricados no Brasil. No entanto a Vale afirmou se fabricados por aqui custariam o dobro e levariam muito mais tempo para ficarem prontos. A notícia dos resultados já refletiu nos mercados acionários asiáticos que fecharam agora pela manhã. Na Bolsa de Hong Kong os HDRs representativos das ações ordinárias da Vale (HKX:6210) fecharam em alta de 0,66% e as preferenciais mantiveram-se estáveis.”

  5. João Bernardo,

    Acredito que a abundância de comentários nos últimos artigos, em contraste com a escassez neste, se deva menos à uma suposta negação de que “alguma coisa tivesse mudado nas relações entre o centro e a periferia e que o Brasil se estivesse a converter num imperialismo”, do que à reivindicação de uma análise explicativa de tal fenômeno. Foi a busca de uma perspectiva que explicasse o fenômeno vivido atualmente que levou os comentários prévios ao retorno de determinados escritos e autores há pouco esquecidos ou distorcidos pela intelectualidade brasileira e, o que é pior, ignorados por boa parte da esquerda brasileira.

    A relevância dos temas aos quais você aponta neste e nos últimos artigos é inegável. Tomo as palavras do Danilo em comentário prévio: “Eis uma discussão fundamental para ser aprofundada, urgentemente, com base em dados e situações concretas, por quem leva a sério a luta anti-capitalista em nosso tempo.” No entanto, parece haver um equívoco quanto aos adversários teóricos escolhidos para dar sustento a seu argumento. E não creio que incorro numa mera discussão idealista ao chamar a atenção a este erro e retomar em autores passados claves explicativas para questões do presente. Afinal, se há alguma validade em revelar as raízes fascistas de uma teoria ou perspectiva, deve haver também algum sentido em mostrar que determinadas perspectivas têm origem em outros debates e, se lidas atentamente, ajudam a explicar os fenômenos atuais – sem resolvê-los, claro.

    Exemplo da sua imprecisão no alvo do debate se revela na tamanha generalização contida na primeira frase do texto anterior. Em “A viagem do Brasil da periferia ao centro: 1) o roteiro”, você começa dizendo: “O marco histórico geralmente usado entre os latino-americanos para assinalar o grande avanço da teoria do desenvolvimento é a criação, em 1948, da Comissão Económica Para a América Latina e o Caribe, CEPAL, a que desde muito cedo ficou associada a figura do economista argentino Raúl Prebisch.” Os latino-americanos? Quem?

    Mas não está aí o principal problema. Assim como você demonstra, com razão, que existe uma raiz fascista nas ideias da CEPAL, em alguns comentários aos artigos anteriores procurei mostrar que as raízes de uma parte dos autores que utilizaram o conceito de dependência como ponto articulador de suas análises não passam pela CEPAL, mas sim pela crítica à postura da própria CEPAL e, principalmente, pela crítica às ideias dos Partidos Comunistas nas décadas de 1940 e 1950. Por exemplo, a crítica da Organização Revolucionária Marxista-Política Operária (POLOP) no começo dos anos 1960 ia precisamente contra a linha do PCB, que sgundo eles era equivocada tanto no diagnóstico, como na tática e estratégia que dali se derivava. E alguns intelectuais que participaram da POLOP
    posteriormente vieram a trabalhar sobre a dependência, quando exilados no Chile e depois no México. Entre eles, destaco Theotônio dos Santos, Vânia Bambirra e Ruy Mauro Marini. Apesar de tratar de temas próximos e em parte direcionar a crítica à mesma “economia do desenvolvimento” que assolava as universidades de então, esses autores não formavam uma linha comum com a CEPAL, Fernando Henrique Cardoso e cia. ltda. Quanto a estes, você bem os critica no texto sobre “a economia da ‘nação proletária'”, ainda que equivocadamente os apresente entre os “teóricos marxistas da dependência”.

    Até aqui, nada novo ou muito relevante. O interessante é que aqueles teóricos que foram da POLOP, em especial o Marini, apontaram para o fenômeno que já nos anos 1970 despontava, que era o imperialismo brasileiro, ao qual chamaram de “subimperialismo”. Já disse em outros comentários e repito: vale a pena retomar seus escritos sobre o tema para poder explicar, e não apenas descrever, os fatos atuais.

    Não se trata de uma “defesa devota de teorias”, como o Dokonal teima em achar, mas sim de um apontamento para contribuir ao debate, ao entendimento e à explicação dos processos atuais. Para isso, é óbvia a necessidade de se ater aos fatos novos, às mudanças, aos dados de hoje. Ninguém negaria isso, creio eu. Mas isso não é suficiente, certo? E ao cotejar a realidade atual com as análises sobre o subimperialismo na obra do Marini, chama a atenção o poder explicativo contidos em seus textos. É uma clave de explicação; não a única, nem tampouco suficiente, mas ainda pertinente.

    Volto ao ponto do inimigo incerto. João, quem seria a “extrema-esquerda” que você tanto ataca? Quais seriam as “teorias invalidadas pelos fatos”? Talvez essa generalização tenha afastado os comentários. Afinal, imagino que muitos tenham concordado com sua análise e por isso não sentiram necessidade de rebater alguma coisa. No meu caso, concordo com os fatos que você apresenta, mas acho necessária a busca por uma explicação do fenômeno, e por isso insisto no debate em torno ao conceito de subimperialismo, sem contudo me sentir preso ou devoto deste conceito.

    Para dar apenas um exemplo de apoio ao meu argumento, mais uma vez recolho uma passagem do seu texto, para contrastá-la com um trecho escrito no final dos anos setenta. Acho que em tais passagens se revela uma afinidade explicativa entre os fenômenos atuais aos quais você aponta e a forma com que Marini tentou caracterizar o subimperialismo.

    Você afirma no artigo anterior: “Este tipo de inserção no sistema económico mundial tornou-se mais estreito durante o regime militar, desde os meados da década de 1960 até aos meados da década de 1980, sobretudo porque se permitiu às filiais das companhias transnacionais o acesso directo ao mercado internacional de capitais, o que estava vedado às empresas brasileiras. Isto estimulou, no interior do país, o crescimento e a difusão das filiais de companhias estrangeiras.”

    Em 1977, no texto “La acumulación capitalista mundial y el subimperialismo” Marini dizia: “Essa penetração do capital estrangeiro na economia latino-americana e, em particular, em seu setor manufatureiro, é apresentada por alguns autores como um processo de internacionalização do mercado interno [refere-se a FHC]. A expressão se presta a confusão. Embora seja certo que, entre as décadas de 1920 e 1940, a indústria latino-americana logrou, em alguns países, um peso importante no mercado interno – o que se conhece como primeira fase da industrialização substitutiva de importações –, o primeiro fato de que se tratara de um processo de substituição indica que isto correspondia a um aumento da participação da produção nacional em um mercado já constituído, e constituído precisamente com um caráter internacionalizado. O que caracteriza realmente o período do pós-guerra é a reconquista desse mercado pelo capital estrangeiro, mas já não através do comércio, mas sim da produção. Mais que da internacionaliação do mercado interno, trata-se da internacionalização (e a desnacionalização conseguinte) do sistema produtivo nacional, ou seja, sua integração à economia capitalista mundial”.

    Seria possível seguir com esse exercício, mas sei que isso não nos levaria muito adiante.

    Enfim, sempre é mais fácil argumentar quando há um adversário em que se apoiar. Isso não é problemático, pelo contrário: em geral certas análises são mais claras quando contrastadas com outras. Por um lado, quis mostrar aqui que no caso desses artigos, apesar do argumento ter uma direcionalidade certeira, a crítica está desfocada, imprecisa, pouco clara. Por outro lado, minha intenção neste e noutros comentários foi lembrar que alguns autores pensaram no tema que ora nos preocupa, sendo importante, portanto, conhecer seu pensamento na tentativa de explicar os novos fenômenos. Nada mais, nem nada menos. (Já disse isso antes…).

    Sem poder de síntese, mas emplogado com o debate que se abriu aqui, deixo minhas saudações!

  6. O mais recente comentário de Fernando incorre em um grande problema quando questiona ser a fundação da CEPAL marco para a teoria do desenvolvimento econômico na América Latina com base numa confusão entre esta e a teoria da dependência (da qual existe igualmente uma vertente cepalina, não apenas marxista). Sobre as possíveis razões deste equívoco, terei que levantar uma polêmica. Isto é, na verdade, reflexo de uma campanha de difamação do CEBRAP por parte dos discípulos de Marini — pois trata-se exatamente da continuação do debate aberto pelo artigo “As desventuras da dialética da dependência”, de FHC e Serra, e continuado pelo artigo “As razões do neodesenvolvimentismo”, de Marini.

    Lá atrás no debate, em comentários ao artigo “As raízes ideológicas do Brasil potência”, certos leitores entendiam como “teóricos marixstas da dependência” apenas o núcleo formado por Marini-dos Santos-Bambirra. Ora, o núcleo inicial do CEBRAP dispunha não apenas de outros integrantes além de FHC e Serra, como também de integrantes que, como eles, tinham sólida formação marxista: Boris Fausto, Paul Singer, José Arthur Giannotti, Francisco de Oliveira, Octavio Ianni, Roberto Schwarz etc.. É deste núcleo que saem obras do mais puro marxismo, como “Crítica da razão dualista” (Oliveira), “A formação do estado populista na América Latina” (Ianni), “Economia política da urbanização” (Singer) etc.

    Comentadores com tal esquecimento deveriam olhar, dentre outras, a história dos chamados “marxistas legais” russos (Struve, Tugan-Baranovsky, Berdyaev, Bulgakov etc.) que publicavam em revistas como Novoye Slovo, Nachalo, Zhizn etc.. Só assim poderão ver o erro em que incorrem.

  7. Manolo, não pude responder antes e não quero tomar muito o espaço do debate sobre a situação concreta do Brasil hoje – tema último do artigo do JB e que deve ser discutido a fundo -, mas não posso deixar de comentar algo sobre as críticas a mim dirigidas.
    Em momento algum questionei “a fundação da CEPAL [como] marco para a teoria do desenvolvimento econômico na América Latina”. Tampouco estou em desacordo de que na “teoria da dependência” “existe igualmente uma vertente cepalina, não apenas marxista”. Pelo contrário, é isso mesmo que venho afirmando! E aqui não se trata de uma “campanha de difamação do CEBRAP por parte dos discípulos de Marini”, isso simplesmente não existe. Agora, é fato que é o CEBRAP publicou a crítica do FHC-Serra ao Marini sem ter a honestidade intelectual de publicar conjuntamente a réplica do Marini que você cita (em contraste, a Revista Mexicana de Sociologia fez questão de publicar ambos textos conjuntamente, pois se tratava de uma polêmica). Também é fato que o CEBRAP foi financiado pela Fundação Ford, razão pela qual o Florestan Fernandes não quis fazer parte do centro. Que daí possa ter nascido obras do “mais puro marxismo” é bastante questionável, mas nem por isso vou manter essa discussão. Por outro lado, também é fato que Chico de Oliveira, Paul Singer, Octavio Ianni, entre outros, criaram obras de grande validade, com base numa análise de cunho marxista. Isso não está em discussão. O que quis dizer, e que ao meu ver foi mal interpretado, é bastante simples: existe uma corrente da chamada “teoria da dependência” que, a partir da teoria marxista e, mais importante, da prática política concreta – passando pela POLOP, depois pelo MIR ou pelo PS chilenos, etc. -, criaram obras importantes, ainda úteis para compreender o Brasil atual. Por fim, outro fato, que começa a ser comprovado e superado, é que através da obra do FHC essa corrente marxista da “teoria da dependência” não apenas ficou pouco conhecida no Brasil, como também foi sistematicamente distorcida. Meus comentários nesse debate foram apenas no sentido de apontar isso, ressaltando a importância do resgate dessa corrnte para a análise do imperialismo brasileiro atual. E agradeço a indicação sobre os “marxistas legais”, fui buscar e numa primeira aproximação me pareceu confirmar o que vinha dizendo.
    Saudações!

  8. Prezado Joao Bernando
    O texto me deixou a impressao de que a internacionalizacao das empresas brasileiras teria sido estimulada por politicas publicas sequencialmente desenvolvidas com esse objetivo. Ocorre que o Estado brasileiro da sinais ambiguos em relacao a isso. Veja-se, por exemplo, que recentemente o Ministerio da Fazenda fez editar algumas resolucoes limitando a possibilidade de seguradoras e resseguradoras locais buscarem capacidade fora do pais para a aceitacao de seguros para as grandes obras e projetos do PAC, infraestrutura, Olimpiadas, Copa do Mundo etc. Prejudicou as seguradoras locais e, notadamente, as grandes empresas consumidoras ods grandes seguros requeridos por essas obras e projetos. Aumentou custos e diminuiu a capacidade de subscricao. Por outro lado, penso que valeria a pena investigar (nao reuni dados ainda, mas a hipotese e conjecturavel)em que medida todo esse movimento de internacionalizacao das empresas brasileiras nao estaria a dever, sobretudo, ao capital estrangeiro e seus gestores. Nao sao apenas o BNDES, fundos de pensao, grandes bancos e empresas brasileiras quem investe nessas empresas, mas uma diversidade de fundos estruturados no exterior ou no Brasil, com base em recursos que fluiram para o pais. As EPCs e SPEs que se espalham pelo Brasil, respondendo pelas obras e projetos eem questao, estaao sob controle dos gestores transacionais. Parece que nao se tratam de empresas brasileiras que se internacionalizam, mas de empresas brasileiras que se vao transnacionalizando. Particularmente, as empresas tradicionais solidas e com bom transito e experiencia na obtencao de linhas de financiamento publicas. Nao e a economia brasileira a se internacionalizar (o fosse entre as elites e as camadas populares continua grande, nao ha mobilidade social, as organizacoes do trabalho estao desestruturadas etc.) mas o espaco brasileiro, e o novo consumidor brasileiro, a servir a expansao capitalista. Em suma, se hoje ja nao mais se coloca a “questao nacional”, tambem nao se verifica preocupacao em resguardar um minimo de autonomia para a formulacao de politicas publicas pelo Estado brasileiro, que nao sejam apenas caritativas. Nao seria isto simplesmente o que estava no horizonte das estrategias de superacao do subdesenvolvimento propostas por Celso Furtado, que se viram ceifadas, quando nao deturpadas, pelo ainda recente regime militar brasileiro?

  9. Caro Paulo,
    Estou certo de que na primeira ou na segunda parte do artigo — não o reli agora — menciono as hesitações governamentais a respeito de uma política que apoie decididamente a saída de investimentos directos. Os capitalistas queixam-se abundantemente disso e os economistas do BNDES também. Voltarei ao assunto mais detalhadamente numa futura série de artigos.
    Mas convém não confundir isto — não digo que você o tivesse feito — com a política de abertura, seguida desde o começo da década de 1990, com o objectivo de expor as empresas brasileiras à concorrência internacional, obrigando-as assim a modernizarem a sua tecnologia material e organizacional e a tornarem-se mais produtivas. Esta política, na minha opinião, é inteiramente válida em termos capitalistas. O nacionalismo económico, que teve a sua razão de ser na década de 1930 e, obrigatoriamente, durante a segunda guerra mundial, está hoje totalmente defunto. Aliás, um dos aspectos em que eu insisti na primeira parte do artigo foi que, mesmo durante a política de substituição das importações, a abertura à vinda de investimentos externos directos expôs as empresas brasileiras à concorrência internacional e permitiu que elas não fossem postas de lado pela concorrência na fase seguinte.
    Logo em seguida a este artigo eu publiquei neste site o artigo «A geopolítica das companhias transnacionais»
    http://passapalavra.info/?p=39343
    onde tentei esclarecer que, na minha perspectiva, já não tem qualquer sentido mencionar países de origem do capital transnacional. Aliás, basta o facto de qualquer empresa ter de recorrer ao crédito e de as instituições financeiras serem as mais internacionalizadas de todas para confirmar este aspecto.
    Por outro lado, não me parece que se possa dizer que não existe mobilidade social no Brasil. Eu sofro periodicamente a acusação de ser eurocêntrico, o que é cómodo porque dispensa os opositores de pensarem em argumentos racionais. Pois bem, desta vez vou servir-me da experiência de quem vive entre dois continentes para dizer que, mesmo numa abordagem empírica, uma das coisas que mais surpreende um europeu, habituado a uma sociedade esclerosada, é deparar com a mobilidade ascendente brasileira. E basta ver como os grandes gestores do capitalismo esfregam as mãos de contentamento com a ascensão das camadas mais pobres a novos patamares de consumo, motivada pelas decisões dos governos PT e, é preciso dizê-lo, pela liquidação da inflação no governo anterior. Creio que citei Octavio de Barros a este respeito.
    Outra coisa com que não estou de acordo é com a afirmação de que as organizações do trabalho estão desestruturadas. Mas as duas maiores centrais sindicais estão no governo! Não se pode ter nada mais estruturado do que um sindicalismo de Estado. E não só estruturado, mas rico, muito rico. Remeto-o aqui para o livro Capitalismo Sindical, que escrevi junto com Luciano Pereira e está editado na Xamã. Eu sei, eu sei! Não era neste sentido que você estava a falar de sindicalismo desestruturado. Tentei aqui empregar um pouco de ironia para mostrar as duas faces do fenómeno.

  10. Bem, primeiro, uma crítica teórico-metodológica às pretensões positivistas do artigo. Nem mesmo em ciências naturais, “os fatos invalidam teorias” (o termo certo, aliás, são “refutam” teorias). O físico, filósofo e historiador Imri Lakátos demonstrou com clareza, à partir da história da física, que as hipóteses secundárias (que refutam as refutações factuais das teorias) têm um papel essencial para o desenvolvimento do conhecimento científico, isto porque nenhuma teoria é simplesmente contrastada com todos os exemplos, até que se ache um único que a refute. Pelo contrário, toda teoria consistente é composta de hipóteses centrais “cercadas por um cinturão protetor de hipóteses secundárias”. Os critérios estabelecidos, além da coerência lógica e da verificação empírica, seriam apenas o poder de predição. E, como o poder de predição em ciências sociais é limitado ao extremo, temos de nos contentar com algumas interpretações possíveis, coerentes internamente e com os fatos (não é, portanto, uma petição de princípio relativista, apenas uma consciência dos limites da objetividade em ciências sociais). E o que possibilita a interpretação dos fatos sociais é a teoria.

    Uma simples descrição de alguns fatos selecionados não é o suficiente para a construção de uma análise sociológica, histórica ou econômica satisfatória. Você listou os investimentoe internacionais no Brasil e do Brasil, os investimentos públicos (via BNDES), as pesquisas científicas e a produtividade. Alguém, em objeção poderia simplesmente apresentar toda a transferência de rendas para o exterior, todo o controle extrangeiro sobre a terra e os capitais financeiros e industriais no Brasil, o tipo qualitativo das exportações (que, ao contrário do que você diz, fazem uma ENORME diferença: exportar aço para importar geladeiras é um sintoma clássico de subdesenvolvimento, e este é o caso do Brasil), o tipo de importações. Você cita a Petrobrás, a Vale (exemplos estranhos, pois estas empresas cresceram como estatais, sendo que a primeira ainda é uma, o que refuta a sua tese do poder milagroso das privatizações, abençoadas pelo deus-mercado), a Gerdau, alguém poderia, em resposta, citar o agronegócio, o setor financeiro, as telecomunicações, a indústria automobilística, setores internacionalizados, contemplados por generosos pagamentos, créditos, incentivos fiscais, e que mandam tudo o que ganham (com uma lucratividade várias vezes maior que em qualquer outro país do mundo) para fora. Você fala da produtividade e tecnologia avançada de algumas empresas, e eu posso objetar com a proporção entre a renda nacional e o investimento em pesquisa científica, que é ridículo. Finalmente, uma conta simples: compare o PIB (renda produzida dentro das fronteiras brasileiras) com o PNB (renda produzida por capital brasileiro, mesmo fora das fronteiras): o segundo é sensivelmente menor que o primeiro. Poderíamos ainda mostrar a persistência de um mercado de trabalho em boa parte informal, onde formas de produção pré-capitalistas (chamados pela mídia de “microempresários) convivem com esta tecnologia avançada das estatais e das multinacionais; ou a persistência da “grande lavoura” e mineração da época colonial colonial, produção primário-exportadora, devidamente atualizada com máquinas, computadores e sementes transgênicas.
    Portanto, é bonito colocar tabelinhas, melhor ainda é selecionar os fatos convenientes e esquecer os que impõem dificuldades à sua tese. Mas os fatos singulares devem ser relacionados às estruturas sociais profundas, caso contrário, não passam de uma coleção de informações empíricas, que são úteis para a produção de conhecimento, mas não são eles próprios conhecimento da realidade social. O problema é demonstrar como esse aparente dualismo da economia brasileira, que não começou agora, embora tenha formas relativamente mutantes. E foi este o esforço dos teóricos da dependência e dos seus precursores Caio PRado Júnior e Werneck Sodré (cuja influência sobre Furtado você esquece, em favor do exagero monstruoso da influência de Manoilescu via Prebisch).

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