Por Maria Socorro de Lima
Neste 22 de novembro de 2012, fez um ano de nossa saída do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) – minha e de meu companheiro Vanderlei, que somos do estado Ceará e estávamos há quatro anos na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF). Nestes quatro anos, ficamos o ano de 2010 no Haiti, também pela ENFF, junto à brigada Internacionalista enviada pelo MST.
Nossa saída do MST se deu juntamente com outros(as) 49 camaradas do MST e de outras organizações que assinaram a Carta de saída das nossas organizações (MST, MTD, Consulta Popular e Via Campesina) e do projeto estratégico defendido por elas – onde apresentamos os motivos que nos levaram ao nosso desligamento.
Enfrentamos as dificuldades e desafios, consequência da nossa saída. Continuamos firmes, aprofundando a crítica e procurando ir além do que nos produziu, como afirma a carta. Neste sentido fizemos, juntos com o grupo que saiu, um estudo o qual chamamos de inventário, que nos ajudou a compreender o processo que nos formou, considerando principalmente o Projeto Democrático Popular (PDP), tão difundido e assimilado por muitas organizações populares, conduzido pelo PT. Esse aprofundamento nos levou a compreender a verdadeira essência do PDP, e esta não era o que pensávamos ser; como diz a referida carta, “propúnhamos o Socialismo como objetivo, mas o projeto estratégico que traçamos ou ajudamos a trilhar não nos leva a esse objetivo”.
Por conta de só nós – Socorro e Vanderlei do Ceará – termos saído do MST, decidimos continuar em São Paulo, na cidade de Campinas, pois aqui estamos mais próximo dos(as) outros(as) militantes que saíram, para fazermos juntos esta reflexão do processo citado, buscando espaços onde possamos continuar fazendo a nossa militância de forma que possamos fazer a crítica aberta, coisa que não era possível nos limites do MST, buscando também nos manter firmes no referencial Socialista.
Considerando a crítica aberta, quando ainda estava dentro do MST, sentia por parte dos intelectuais e professores(as) que o apoiam a ausência dessa crítica, e aqueles que ousaram em alguns momentos expressá-la foram considerados como inimigos do movimento, sendo até impedidos de serem convidados para dar aulas nos cursos, mesmo sendo professores voluntários. Acredito que alguns destes intelectuais e professores esperavam que essa crítica aberta surgisse a partir de dentro da organização. Talvez alguns por comodidade ou diplomacia, mesmo tendo a crítica não a expuseram, pois se trata do maior Movimento Social da América Latina e mais conhecido no Mundo.
Estando ainda no MST, fizemos um documento interno que apresentava nossas reflexões sobre o Internacionalismo, a partir da nossa vivência no Haiti. Tais questões não foram consideradas internamente, mesmo tendo sido insistentemente colocadas para debates e avaliações, entre as quais se apresentam também como razões da nossa saída. Eis alguns tópicos extraídos do documento, feito por nós em abril de 2011, compartilho agora oportunamente, pois faz parte do processo da nossa crítica interna:
– “Como conjugar as nossas lutas cotidiana com o projeto estratégico – O SOCIALISMO?
Como nossa ação internacionalista pode ir para além da ajuda técnica/material, para que se diferencie de tantas ajudas humanitárias que no Haiti encontramos, desde a ONU até ONGs, entre outras?
Sabemos que o MST e a Via Campesina tem resgatado o internacionalismo, por acreditar que a luta dos trabalhadores é internacional. Em nossas místicas ecoamos o grito:“Trabalhadores de todo o mundo uni–vos”, de Marx; com isto sabemos que esta tarefa a cada dia se torna mais exigente, a partir do envolvimento concreto com realidades como a do povo haitiano, povo historicamente massacrado e explorado, mas também um povo historicamente resistente e lutador. Essa realidade nos faz sentir profunda indignação por ver de perto a ação criminosa, desumana e brutal do imperialismo.
Conhecer essa realidade nos faz perceber que é preciso aprofundar mais o sentido dessa tarefa internacionalista em sua essência, lembrando a referência marxista do trabalho voluntário que aparece nos contextos dos processos revolucionários, que sempre tentamos resgatar como os sábados comunistas da Revolução Russa, o trabalho voluntário da Revolução Cubana entre outros. Acreditamos que a luz dessas experiências, deve se fortalecer o trabalho voluntário desenvolvidos por nossas Brigadas Internacionalistas.
Nesse sentido é necessário que haja uma preocupação maior dos movimentos que fazem a Via Campesina e em particular do MST em disponibilizar pessoas para vivenciar o internacionalismo e que, além da questão técnica, possam também contribuir na análise política, aprofundando o tema do internacionalismo. Tentar resgatar sua essência e principalmente desenvolver uma prática mais consequente. Especialmente agora, com a grandiosidade da ação do nosso inimigo, exige que sejamos mais estratégicos em nossas ações de solidariedade” (tópico do documento, feito por nós em abril de 2011).
Dentro do MST muitos militantes compartilhavam do mesmo sentimento e da mesma crítica, tanto sobre a crítica que traz a Carta de saída quanto das reflexões sobre o internacionalismo acima citadas, mas se omitiam, por conta de sua formação estar embasada numa falsa unidade que é colocada como princípio na organização. Nesta unidade imposta, quem fazia a crítica estava queimando o movimento e, por conta da relação de poder hierarquizada, havia e ainda há muita hipocrisia, expressando assim grandes contradições do MST, que insiste em sempre apresentar em suas místicas, documentos, curso, debates, etc., tantos valores socialistas e revolucionários deixados pelos nossos históricos lutadores, e que na sua prática política nega tais valores.
Entre tantos valores é lembrado o que diz Fidel: “Um revolucionário pode perder tudo: a família, a liberdade, até a vida. Menos a moral”. E foi isso que o movimento perdeu, para nós, entre outras coisas, a moral. Nós que vivenciamos esse processo internamente e nas instâncias diversas: regional, estadual, nacional e internacional, o movimento perdeu não só a moral, perdeu parte do que diz ser o patrimônio principal, a militância, falo aqui da militância revolucionária.
Em que sentido o MST perdeu sua militância revolucionária?
Perdeu muitos militantes que hoje, alguns mesmo continuando no movimento, estão acomodados por ser mais confortável, pois em algumas destas instâncias do MST se tem regalias que fora delas não se encontram, como por exemplo fazer um curso superior ou conhecer outro país e até estudar lá, como os que estudaram e estudam em Cuba e na Venezuela.
Perdeu outra parte da militância que, por não ter espaço de aprofundamento da crítica, não conseguiu enxergar com maior rigor as grandes contradições políticas do MST e ainda o seu verdadeiro projeto estratégico já revelado nas ações políticas, como diz a carta: “ao abandonar as lutas de enfrentamento, embora sigamos fazendo mobilizações, nossas lutas passaram a servir para movimentar a massa dentro dos limites da ordem e para ampliar projetos assistencialistas dos governos, legitimando-os e fortalecendo-os. Agora o que as organizações necessitam é de administradores, técnicos e burocratas; e não de militantes que exponham as contradições e impulsionem a luta”.
Perdeu também a militância que dizia concordar com a crítica dos que assinaram a carta, mas não concordam com a forma que é a saída, pois têm a ilusão que com o debate interno o MST volte as suas origens. Aqui vale lembra mais uma vez a carta: ”Não é de hoje que existem críticas ao rumo que tomaram estas organizações, não só externas, mas sobretudo críticas elaboradas internamente. E este processo não ocorreu sem resistências por parte da base, militantes e alguns dirigentes”.
Perdeu ainda a militância que não conseguiu sistematizar a crítica por se sentir isolada e sem articulação; não deu para fazer o que os grupos das regiões Sul e Sudeste fizeram.
Nessas perdas, é preciso considerar outras questões subjetivas e que não nos cabe julgar, as quais se expressam de várias formas, como no medo, na covardia, no saudosismo, no romantismo, entre outros, sentidos hoje por muitas pessoas que dedicaram toda a sua vida a esse movimento e não conseguem acreditar que o projeto que defenderam com suas vidas, investindo sua juventude e pelo qual muitos(as) companheiros(as) foram assassinados, esteja dependente do capital e do seu Estado.
Vale ainda lembrar que o movimento também perdeu uma boa parte da militância quando, não se adaptando às linhas políticas impostas pelos dirigentes maiores, saiu do movimento de forma isolada, sendo sobre esta militância colocada a culpa porque foram cuidar de suas vidas.
Existe uma militância que já estava perdida, por não conhecer a essência da crítica, e porque seus dirigentes maiores, em sua arrogância e autoritarismo, nunca abriram o debate, considerando o que a militância pensa e sente. Haja visto que internamente o MST fechou o debate sobre as questões colocadas pela Carta dos 51, mesmo havendo entre os dirigentes quem tivesse concordância com tais questões, não ousaram fazer tal enfrentamento.
A militância que está com a mão na massa, sem os privilégios e sem nenhum poder de decisão na definição das linhas políticas do movimento, continua tendo nosso respeito e sendo nossa companheira.
Neste primeiro ano de nossa saída não podia deixar de compartilhar estas reflexões, enquanto militante que acredita e continua lutando, como disse Rosa Luxemburgo: “Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.”
Também não podia deixar de compartilhar, enquanto militante cristã, por que minha formação de militante nasceu a partir do Projeto de Jesus Cristo, no auge da Teologia da Libertação, dentro das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) e da PJMP (Pastoral da Juventude do Meio Popular) em 1984. Por isso concluo compartilhando as palavras de Ernesto Cardenal: “Declarei, muitas vezes, que sou marxista por Cristo e seu Evangelho. Que não fui levado ao marxismo pela leitura de Marx mas pela leitura do Evangelho. O Evangelho de Jesus Cristo me fez marxista, como eu já disse e é verdade. Sou um marxista que crê em Deus, segue Cristo, e é revolucionário por causa do seu Reino” (CABRESTERO, 1983, p. 38. Entrevista com Ernesto Cardenal).
As ilustrações são de Gershon Knispel.
É o problema central de todas as organizações de esquerda. No início as pessoas se juntam para uma luta. Do grupo, há pessoas mais e menos capacitadas, mais e menos engajadas. As mais capacitadas e as mais engajadas passam a assumir papeis emissores, vão ganhando destaque e respaldo moral dos demais. Chega um ponto, entretanto, que o histórico de protagonismo e o respaldo moral acabam servindo de base, justificativa, para que elas passem a se comportar como chefes. Um dos principais indícios de que passaram a se ver como chefes está no fato de não aceitarem mais serem discutidas, criticadas, embora se deem o direito de criticar.
E em que situação ficam os primeiros a perceber o surgimento de uma hierarquização interna? Eles terão que dizer aos demais companheiros que justamente aquelas pessoas, mais ativas e mais respeitadas, mais influentes, estão agora a assumir posição de chefe, proíbem críticas internas, hegemonizam trabalhos e discussões, dão a pauta. Muito provavelmente, estes primeiros a denunciar o surgimento de chefes internos ficarão em situação muito delicada. Os demais colegas não aceitam a denúncia e eles são obrigados a optar: ou saem ou ficam na unidade criando novos senhores.
Camaradas,
O auto-governo dos produtores, tal qual Marx colocou no seu texto sobre a Comuna de Paris só será possível através da luta autonoma, horizontal e livre da classe trabalhadora. Ao longo da história os processos revolucionários sofreram perseguições não só das classes dominantes, mas também das proto-dominantes que germinavam no interior das organizações das massas, com seus dirigentes burocratas, que mais tarde perseguiam os verdadeiros defensores do comunismo (autogestão social).
Não devemos mais cair na ilusão de “bons dirigentes”, pois esta história já foi contada lá em 1917 pelos oportunistas bolcheviques. Como diriam os garotos podres: “Não acreditem em falsos líderes, pois TODOS eles vão vos trair”. Ou cair em contradição em determinado momento.
Os meios devem estar de acordo com os fins e isto tudo começa a ser esfacelado quando pessoas passam a ter poder dentro da organização, mesmo que com respaldo das massas. É uma questão delicada mas que vem sendo discutida des das primeiras tentativas falhas de revolução.
Rosa, Pannekoek e principalmente hoje em dia Nildo Viana tem muito o que falar sobre isso!
Abraços!
Tento imaginar a reação de Nildo Viana, goiano velho de guerra (social, de classes – por supuesto!) & sintese intranquila de gaúcho e mineiro, ao ler o elogio do neófito. Deve ter coçado a cabeça e pigarreado, no mínimo.
Abração, Nildo!
A divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual, explicada por Marx, não é uma ilusão ou uma questão de escolha dentro do capitalismo. E certamente não há ilhas de socialismo dentro do sistema, muito menos na atual conjuntura. Se houvesse ilha de socialismo, esta seria atacada ferozmente como Cuba nos primeiros anos de sua existência, pois o antagonismo fundamental de sua existência com a do capitalismo levaria a sua expansão para outros lugares – e isso é inaceitável para a classe dominante mundial.
O que eu queria dizer, na verdade, é para não cairmos na ilusão que há movimento revolucionário sem “contradição”. Longe de discordar da Socorro. O que eu estou dizendo é que vai haver direção em toda sociedade enquanto houver capital. O fim da direção poderá vir somente com o fim das classes, ou seja, somente depois de concluída uma transição socialista, camaradas.
Concordo com o Ronan, contudo, que esta divisão leva ao sufocamento da critica interna, essencial para superar as contradições do capitalismo. E as organizações que se propões revolucionárias acabam por fortalecer a separação entre trabalho intelectual e trabalho manual.
Yan,
De fato sempre haverá direção separada enquanto houver capital. Mas também não haverá socialismo enquanto houver direção separada. Você aponta que só com o fim das classes é que haverá o fim da direção. Mas por acaso o fim das classes não é o próprio fim da direção separada? Da separação entre dirigentes e dirigidos?
Seu raciocínio leva a uma circularidade. Há direção porque há capítal, no entanto parece claro que só haverá fim das classes e socialismo quando se superar a distinção entre dirigentes e dirigidos.
O socialismo virá justamente desse novo, que rompe com a lógica e os valores capitalistas, dessas novas relações que se estabelecem. E essas relações novas são criação, não são determinadas na sua totalidade pelo que já está dado na sociedade. Se assim não o fosse, não poderíamos nem ter expectativa de sair dessa circularidade capital-direção-capital-direção…
Se o fim da separação ente dirigentes e dirigidos não for uma criação dos próprios movimentos que buscam superar as classes e essa separação, de onde virá? Do espírito santo?
Companheira Maria, o que vocês andam fazendo nesse ano após a ruptura? Tenho muito acordo com as críticas de vocês e gostaria de aprofundar esse debate.
Se quiser, mande um e-mail: aleterralivre(arroba)riseup.net
Acerca da reflexão compartilhada, não tive a pretensão de fazer abordagem sobre o método de direção e de formação política do movimento revolucionário, tão pouco sobre a questão do trabalho intelectual e trabalho manual, mesmo que a experiência brevemente abordada, possa sugerir uma análise metodológica sobre a práxis revolucionária, para além de análises axiológica e academicista, mas submetidas ao aprofundamento do método e da tática, sem perder de vista as condições reais de nossa formação sócio histórica, buscando ser coerente com o pensamento de Marx no qual respaldamos nossa ação política, e que consequentemente tenha como objetivo o Socialismo.
Não quero ser entendida como pragmática, mas acredito que a formação do(a) militante perpassa a formação do(a) revolucionário(a) profissional, isto é, o engajamento a uma vivência política concreta mais intensa. Para melhor compreensão do que quero dizer, a crítica de Lênin a Plekanov, pode ajudar: “[…] decepcionava-se com o professor Plekanov, que, na verdade, era um intelectual de indiscutíveis qualidades e com excelente folha de serviços e menos um militante […]”
Faço essa referência sem querer julgar quem é ou não militante, mas para dizer que o envolvimento integral de cada militante, faz com que este (a) enxergue melhor a essência das contradições e por isso mesmo reivindiquem espaços para a crítica aberta no interior do movimento, para estes e estas, existe a necessidade que os debates e as discussões tomem corpo e tornem-se constantes.
Em grande parte de nossa trajetória política, falo dos (a) que saíram, fomos militantes profissionais, no meu caso, não só no MST, mas em outros espaços de luta, e em sua maioria sem ajuda de custo, e é por isso que sentimos profundamente quando o movimento vai deixando de ser revolucionário, as contradições não são mais discutidas.
Quando o movimento fecha espaço para esse debate, a fim de que não se aprofunde as críticas e não se enxergue o distanciamento de suas ações políticas do seu projeto estratégico, os(a) militantes que exponham as contradições, passam a ser problema para a organização. Para alguns pode parecer que queremos, como diz Yan “movimento revolucionário sem “contradição”. Pelo contrário, pois acreditamos que as contradições sendo abertas ao debate é que impulsionam a luta.
Lênin, rebatendo um membro do Partido Bolchevique, que criticara a intensidade desses debates, sinaliza como positivo: Que fantástico é nosso congresso, oportunidade para uma luta aberta. Mãos que se levantam. Decisões que se tomam. Superam-se etapas. Adiante! É isso que eu gosto! Isto é a vida. É algo muito diferente das intermináveis discussões intelectuais que, terminam não é porque resolveu o problema, mas porque se cansou de falar. (GENRO/FILHO, 1985, p. 25).
Eis a questão de Alexandre, ele diz: Tenho muito acordo com as críticas de vocês e gostaria de aprofundar esse debate. Alexandre, esse é o nosso desafio, dar continuidade a esse debate, sabemos que tem muita gente que tem acordo com as nossas críticas, algumas saíram de suas organizações no anonimato, e foram se engajando em outros espaços de luta com perspectivas mais socialista, outras ainda estão no isolamento e também não compartilharam suas críticas e assim temos muitos casos de militantes que tem em comum a crítica ao Projeto Democrático Popular (PDP), assimilado por muitas organizações.
A importância de socializarmos nossas críticas está também em proporcionar a articulação entre estes e estas militantes que discordaram com o rumo que tomaram suas organizações, entendendo que é preciso juntar para mobilizar, para fazer exatamente o que Alexandre gostaria de fazer, aprofundar o debate no sentido que traz a carta de saída: “A questão fundamental para nós não é só criticar a burocratização, institucionalização, o abandono das lutas de enfrentamento, a política de alianças, que aparecem como um problema nas organizações, mas sim identificar o processo que levou estas organizações políticas a assumirem essa postura. A crítica restrita ao resultado leva a refundar o mesmo processo, cometendo os mesmos erros.”
Há quem nos pergunte: nesse ano (fora do MST), quais as ações revolucionárias que foram feitas? O que o novo produziu para superar o velho?
Como diz a carta de saída, este tipo de abordagem a nossa crítica, só ajuda a despolitizar o processo de reflexão, mas podemos conversar sobre isso. Neste momento histórico de contra – revolução, uma das coisas que estamos fazendo, é estar construindo as nossas análises, por muito tempo fomos reproduzindo leituras já prontas, tendo mais desejos que análises nessas leituras, e não nos levavam a compreender o que estava por trás dessa ou daquela situação. Pautar a discussão do projeto socialista já é uma ação revolucionária, se não sabemos ainda o que fazer negar aquilo que nós mesmos ajudamos a construir é também uma tarefa revolucionária. Se nada fizermos a nossa atitude já provocará que outros(a) militantes, mesmo que poucos, busquem enxergar e compreender esse processo histórico, pois teremos o orgulho de dizer que não fomos instrumentalizados pelo capital, e pelo menos nos propomos a pensar aonde temos que gastar as nossas energias revolucionárias e ainda ter a consciência tranquila por ter tido a honestidade revolucionária, não temendo dizer a verdade, que o que fizemos é reformista. Acredito que mesmo de forma minúscula, isso já é o germe do novo para superar o velho.
Como disse Rosa Luxemburgo: “Há todo um velho mundo ainda por destruir e todo um novo mundo a construir. Mas nós conseguiremos, jovens amigos, não é verdade?”
Para algumas pessoas de várias organizações a saída, não era a alternativa, mas fica a pergunta: está dentro de uma organização onde não tem espaço para esse tipo de debate que paute o socialismo, é a alternativa?
Tem momentos na história que a gente pode fazer e fazer e não ir para lugar nenhum. Estamos vivendo um momento desses, a história não está a nossa favor, a massa está ganha pelo reformismo. E uma das tarefas que temos a fazer nesse momento e estamos fazendo, mesmo que a passos lentos, é aprende a ler os sinais da história, e não enfiar na história o que a gente aprendeu, outra tarefa é tirar lições dos erros e não temer o desafio do risco, buscando ancorar a tática a estratégia.
Não podemos discutir somente o que nos convém, nem tão pouco podemos ignorar a história. Hoje, vemos claramente as bandeiras da classe trabalhadora transformadas em políticas públicas. E agora surge a pergunta para as organizações sociais, as suas ações estão contribuindo para reforma ou revolução? O que se tem feito como alternativa para a classe trabalhadora? A luta tem sido feita mais para confrontar o capital ou para atenuar o conflito, se conformando em ganhar migalhas?
Se aprendermos a ler os sinais da história podemos perguntar: os direitos adquiridos na “democracia política burguesa” fortaleceu ou enfraqueceu a classe trabalhadora? Há tempos esses direitos vem sendo retirados e ainda com o lucro do apassivamento da classe, entre tantas coisas, está aí o ACE – acordo coletivo especial.
Uma outra forma inovadora é a retirada das áreas de reforma agrária já conquistadas, como o caso do assentamento Milton Santos, situado entre os municípios de Americana e Cosmópolis no interior do Estado de São Paulo. Acompanhe no site http://www.assentamentomiltonsantos.com.br:
“Nesta quinta-feira, dia 28 de novembro, o assentamento Milton Santos sofreu novo golpe. A 3a. Vara de Justiça Federal concedeu à Usina Ester uma liminar de desocupação do Sítio Boa Vista dentro de um período de 15 dias. Se a área não for desocupada, será realizada a reintegração de posse na área.”
Ainda temos a “ofensiva contra os assentamentos de reforma agrária no Vale do Paraíba, sendo utilizado vários mecanismos de perseguição: calúnias aos/as militantes críticos, denúncias e processos judiciais, inviabilização dos créditos, negativas de emissão da documentação dos assentados/as, fomentação de disputas internas potencializando as ameaças e violência, estrangulamento pela inviabilidade econômica das famílias, condicionamento do PRONAF ao modelo PDA, implantação da assistência técnica policial.”
Enfim, não dá para ficar repetindo os mesmos erros e fazendo mais do mesmo, pelos exemplos citados, percebe – se o que foi em determinado momento vitórias da nossa classe, tornou – se agora sucesso para o capital.
“Quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem”
Rosa Luxemburgo
Camarada Socorro, muito bem, neste um ano que vc esta fora do MST, O QUEM FEZ DE TÃO REVOLUCIONARIO? QUAL SUA GRANDE CONTRIBUIÇÃO PARA LUTA DE CLASSE? eu ficaria muito feliz se soubesse que vcs estariam construindo um instrmento para classe, como diz vc “alem dfaquilo que nos produziu” , mas infelizmente o que vejo é a sua grande contribuição à direita no intento de combater o MST, afinal a quem interessa combater e destruir o MST?
Nílcio Costa,
Vivi o suficiente para ver o stalinismo em acção, quando o stalinismo era ainda a força mais poderosa no movimento operário. Uma das características definidoras do stalinismo era a apropriação das lutas, a identificação de uma dada organização burocrática com as lutas, e a difusão de calúnias contra todos aqueles que não se submetiam à tutela dessa organização, com o argumento de que quaisquer críticas beneficiariam a direita.
Nos últimos anos, quanto mais o MST se aproximou da área governativa e quanto mais acordos económicos estabeleceu com empresas, mais assumiu um comportamente stalinista, de que o seu comentário é uma demonstração.
Mas nós já não vivemos na época do stalinismo e a chantagem política, embora continue a ter efeitos, não é tão poderosa como antigamente. A Carta dos 51 é uma demonstração disso, porque tem levado um número crescente de pessoas a reflectir sobre os processos de burocratização interna dos movimentos sociais. E estas críticas de esquerda só têm fortalecido a esquerda, como podemos verificar hoje mesmo.
Quanto à lastimável pessoalização da crítica, perguntando à Socorro em quê ela contribuiu ultimamente para a luta de classes, será que o sr. está tão bem informado sobre a vida e a actividade de cada uma das pessoas que faz críticas ao MST? Espero que não.
O comentário do Nilcio Costa me faz continuar a reflexão, indo além da pergunta que ele coloca:
“Camarada Socorro, muito bem, neste um ano que vc esta fora do MST, O QUEM FEZ DE TÃO REVOLUCIONARIO? QUAL SUA GRANDE CONTRIBUIÇÃO PARA LUTA DE CLASSE?”.
Veja que sua pergunta coincide com a de outros(a) companheiros(a), e por isso mesmo já está respondida, quando fiz a seguinte referência no comentário citado acima da sua pergunta:
– “Há quem nos pergunte: nesse ano (fora do MST), quais as ações revolucionárias que foram feitas? O que o novo produziu para superar o velho? “
“Como diz a carta de saída, este tipo de abordagem a nossa crítica, só ajuda a despolitizar o processo de reflexão, mas podemos conversar sobre isso. Neste momento histórico de contra – revolução, uma das coisas que estamos fazendo, é estar construindo as nossas análises, por muito tempo fomos reproduzindo leituras já prontas, tendo mais desejos que análises nessas leituras, e não nos levavam a compreender o que estava por trás dessa ou daquela situação. Pautar a discussão do projeto socialista já é uma ação revolucionária, se não sabemos ainda o que fazer negar aquilo que nós mesmos ajudamos a construir é também uma tarefa revolucionária. Se nada fizermos a nossa atitude já provocará que outros(a) militantes, mesmo que poucos, busquem enxergar e compreender esse processo histórico, pois teremos o orgulho de dizer que não fomos instrumentalizados pelo capital, e pelo menos nos propomos a pensar aonde temos que gastar as nossas energias revolucionárias e ainda ter a consciência tranquila por ter tido a honestidade revolucionária, não temendo dizer a verdade, que o que fizemos é reformista. Acredito que mesmo de forma minúscula, isso já é o germe do novo para superar o velho”.
Nilcio, sobre o que você diz da nossa “grande contribuição à direita no intento de combater o MST”, somente vem reafirmar, o que já coloquei acima sobre a reprodução de leituras já prontas; pois isso é o que foi falado por Stédile em uma mesa de debates com os movimentos sociais de Fortaleza em 19/10/2012 e que foi divulgada em vários sites de notícias com a manchete: – “ Para Stédile, esquerda sectária faz jogo da direita”.
Como não queremos a personalização da crítica, como disse João Bernardo, não irei comentar a sua análise, sobre o intento de combater o MST, pois o que queríamos é que o MST tivesse aberto o debate sobre a Carta dos 51, o que não aconteceu, pelo contrário a orientação interna foi silenciar o debate. Apesar disso temos conhecimento que na militância mais crítica a carta provocou muitas inquietações e conseguiu levar alguns ao estudo mais aprofundado. É o que deveria fazer os que fazem as críticas vazias de conteúdo político e repetem somente os chavões das análises já prontas sem a necessária fundamentação prática e teórica.
O site passapalavra abriu esse debate: “A Carta de Saída de 51 militantes levanta questões para toda a esquerda. Convidamos os que queiram participar deste debate a nos enviarem suas análises.” Infelizmente não vimos nenhuma outra reflexão sistematizada politicamente de forma a aprofundar as questões apresentadas na carta.
Toda a crítica que fizemos, está dirigida a boa parte da esquerda sobre a sua posição em relação ao PDP – Projeto Democrático Popular, contudo como fomos militantes do MST, tivemos que fazer referência a nossa prática política dentro deste movimento, pois junto com essa parte da esquerda onde estão outros movimentos sociais e partidos, o MST defende o pacto de colaboração de classes e isso significa assumir um projeto de conciliação de classes com o objetivo de conter a luta direta dos(a) trabalhadores (a).
E isso está claro para o dirigente do MST quando afirma no referido debate que “a única maneira de transformar a luta de classes em uma luta permanente e acumular forças para a classe trabalhadora é combinar a luta de massas dos movimentos sociais com a luta institucional”. Contudo esse debate não foi aberto para a militância e posso afirmar que a militância crítica a que já me referi não está de acordo com esse projeto de conciliação de classes. Isso foi o que gerou e continua gerando enormes contradições internas na organização.
Para ajudar a compreender essas contradições, Já que o referencial marxista é o referencial considerado pelo menos nos cursos de formação dos movimentos sociais, principalmente pelo MST, é preciso observar em qual lógica se estar operando, fala – se do método de Marx, materialismo histórico dialético, a crise dos movimentos sociais tem a ver com a crítica ao fundamento desse método. Mas para não ir na essência das questões é mais fácil falar como disse Nilcio que o nosso intento é combater o MST.
A lógica dialética busca entender o movimento de luta, contradição, conflito, diálogo. E o que torna possível o movimento das coisas são as contradições, e estas permitem as transformações internas. Neste sentido quero dizer que os movimentos sociais quando nega as contradições internas, nega a dialética, e por isso impede as transformações internas. Contudo isso não acontece por acaso, quando se tem claro a concepção de mundo, que pode ser elaborada de forma crítica e consciente com participação ativa dos indivíduos ou pode ser imposta mecanicamente.
Nós que saímos do MST vivenciamos esse conflito em vários momentos principalmente em períodos eleitorais, onde sentíamos a necessidade de discutir exatamente o que disse Stédile, luta de massas dos movimentos sociais e a luta institucional na perspectiva do socialismo ou seja criticar a nossa própria concepção mundo. Contudo o espaço que não era encontrado nas instâncias da organização, o próprio movimento dialético da história que está permeado por contradições, fez com que os cursos de formação política realizados pelo MST possibilitassem esse debate embora de maneira tímida, mas que nos ajudou a fazer a crítica daquilo que nós mesmos ajudamos a construir.
Acredito na continuidade desse processo histórico da luta da classe trabalhadora e que outras rupturas virão, é com elas que se dá o salto de qualidade e a história ninguém deterá.
[…] os homens fazem sua própria história, mas não a fazem segundo sua livre vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha, mas sob aquelas circunstâncias com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. (MARX, Karl. O 18 Brumário de Louis Bonaparte, 1987, p.15)