Por Passa Palavra

Assentados, entidades e apoiadores estiverem no sábado, 12 de janeiro, no barracão do Assentamento Milton Santos para participar da palestra ‘Atualidades e os desafios da reforma agrária’, feita pelo professor Plínio de Arruda Sampaio Jr., e comentada pela professora Maria Orlanda Pinassi. Frente à informação de que a notificação do Incra já tinha ocorrido, a palestra, que já havia sido convocada desde a semana passada, agregou um novo caráter e transcorreu como um espaço de troca de ideias e de reforço de solidariedade ao assentamento.

Após a rápida explanação do advogado do movimento, pondo os presentes a par do novo cenário, Plínio de Arruda Sampaio Jr. abriu a conversa falando da importância do Milton Santos. Primeiramente, disse ele, a defesa dos assentados possuiria um “significado em si”, por conta do esforço de quase uma década destes trabalhadores. Mas, num contexto mais geral, a situação delicada do assentamento implicaria ainda um desafio a todos os trabalhadores e demais setores da esquerda que “lutam por uma vida digna”, na medida em que a questão “encarna o direito do trabalhador brasileiro ter acesso à terra”.

Mais adiante, o professor comentou que este seria um momento decisivo para se medir o quanto a era petista cedeu em suas propostas originais. “O que está em jogo aqui é saber se o governo Lula [Dilma] vai repetir o Pinheirinho ou se, de fato, existe alguma diferença entre este governo e o governo Alckimin [do estado de São Paulo], que já deu o recado e já deu o padrão de como ele funciona quando os pobres lutam por dignidade”.

No que diz respeito à particularidade da luta pela reforma agrária, ele destacou o tremendo retrocesso que significaria o desmantelamento do Milton Santos. “Não só não se faz mais reforma agrária, mas é como se negasse o pouquinho que já tinha sido feito. É a ‘desreforma agrária'”, ironizou.

Em seus comentários, a professora Maria Orlanda Pinassi manifestou preocupação ao identificar tendência parecida se desenvolvendo num contexto mais amplo. Um ataque bem sucedido ao Milton Santos, alertou ela, sinalizaria que “assentamentos que estiverem na mira de alça do capital serão atingidos”. Portanto, concluiu, “a trincheira do Milton Santos é a trincheira de vários assentamentos e vários movimentos sociais”.

O decreto de desapropriação por interesse social

Refletindo a partir de elementos que foram surgindo no debate, é possível delinear melhor o que está em jogo com o decreto de desapropriação por interesse social, medida reivindicada pelos assentados de Americana como única saída possível para resolver o impasse.

De acordo com a fala de um apoiador no debate, a particularidade do caso Milton Santos residiria no fato de a sua resolução, qualquer que seja, abrir precedentes importantes no que diz respeito aos caminhos da luta por terra e moradia tanto no campo quanto na cidade.

Num primeiro cenário, consideremos que Dilma Rousseff se negue a assinar o decreto de desapropriação por interesse social e permita que as 68 famílias sejam despejadas. De imediato, provavelmente teríamos mais 68 famílias a se apinharem nas periferias das grandes cidades. Mas não só, se levarmos em conta outras informações.

Conforme adiantou a professora Pinassi, preocupa a notícia – veiculada pelo jornal O Estado de São Paulo – de que o governo federal pretende reorientar as funções do Incra perante a reforma agrária. Assim comemora o editorial do jornal: “A modernização administrativa do Incra, aliada a uma alteração paulatina do perfil da reforma agrária no País, vem em muito boa hora, pois indica a opção pela integração dos pequenos agricultores ao agronegócio, algo que será benéfico para todos – menos, claro, para aqueles que lucram politicamente com a proliferação de sem-terra.”

O fulcro da proposta do novo Incra consiste em descentralizar as funções desse órgão, repassando-as para outras pastas governamentais e desvinculando-o definitivamente dos processos de luta, ou seja, da influência dos movimentos sociais. “O Incra vai continuar mantendo uma política de reforma agrária, mas controlada pelo Estado; uma reforma agrária pra assentar pequenos produtores servindo ao agronegócio”. É isso que a gente quer?” – questionou Pinassi.

Mais inquietante se revela a informação quando a associamos a outros passos institucionais que vão sendo dados nas altas esferas de poder. Convém notar que tais articulações não ocorrem sem o apoio do Poder Judiciário, que desde 2004, pelo menos, vem atuando bem proximamente ao Incra, com o intuito de afinar suas ações no que diz respeito à gestão dos conflitos fundiários. A notícia aqui linkada revela que particularmente o Desembargador Federal Luiz Stefanini, o mesmo que expediu a liminar de reintegração de posse para o Milton Santos e também assinou a liminar contrária à reserva dos índios Guarani-Kaiowá, há tempos trabalha em conjunto com setores do poder executivo.

Tendo isso em conta, é possível vislumbrar o conteúdo do projeto que Poder Judiciário, Incra e governo federal têm não só para as 68 famílias do assentamento de Americana, mas para todos os assentamentos situados em áreas próximas aos grandes centros urbanos; quadro em que, apesar de seu pequeno porte, o assentamento Milton Santos figuraria como importante marco divisor.

Por outro lado, considerado o altíssimo grau de modernização e ocupação da questão fundiária no país, especialmente em estados como São Paulo, a assinatura do decreto de desapropriação poderia sinalizar um novo caminho para as lutas sociais. Sabemos que diversos movimentos sociais, tanto do campo quanto da cidade, constituíram-se nos últimos anos baseados na bandeira da desapropriação por improdutividade ou por não cumprimento da função social da propriedade, mas hoje se veem limitados frente à sua própria bandeira.

O desafio, no entanto, é enorme, visto que este instrumento jurídico tem sido, isto sim, utilizado em favor dos grandes investimentos empresariais. É a ele que o governo recorre para levar adiante projetos de desapropriação e desalojamento de populações mais pobres para executar grandes obras, como por exemplo as obras para a Copa ou a construção de anéis rodoviários.

Logo, a assinatura deste decreto pela presidenta da república representaria uma inversão inédita deste artifício jurídico, inspiraria a resolução de vários outros conflitos em torno da questão fundiária espalhados pelo país e, sobretudo, ampliaria o horizonte de atuação legal dos movimentos sociais.

De que lado se está?

Vistas as coisas dessa maneira, às questões colocadas no evento de defesa do Milton Santos, poderia-se acrescentar que não é apenas o governo federal ou a presidenta Dilma que são postos à prova neste delicado momento. A encruzilhada em que está este assentamento aponta para duas saídas, uma à esquerda e outra à direita, perante as quais todas as organizações, movimentos, coletivos e militantes estão convocados a se posicionar.

Sendo exata a contagem regressiva a partir da notificação do Incra, dia 09, os que optarem por estar do lado esquerdo da trincheira não terão mais do que dez dias para ajudar a intensificar a campanha em defesa do assentamento. Como bem falou um dos assentados na palestra: “Nós temos uma tarefa: fazer o impossível”. Mas para que este impossível seja alcançado, é preciso arregaçar as mangas desde já, para depois não lamentar o leite derramado.

 

8 COMENTÁRIOS

  1. Eu que achava esse coletivo livre, democrático, libertário e sem alinhamento automático, fiquei perplexo agora. Como confiar nisso agora.
    Acho que esse coletivo assumiu de vez o seu alinhamento com o PSOL. E diga-se de passagem, está bem alinhado.
    Não vi nenhum comentário sobre a visita do senador Suplicy e como membros da coordenação do milton santos trataram o Senador.
    Um membro que fez discurso explosivo com um facão na cintura. Outro que pegou o facão emprestado e fez discurso riscando o mesmo no chão, tentando intimidar o Senador, como se esse fosse representante da presidenta e não mais um apoio que vei para contribuir. Parabéns PassaPalavra! Agora sei quem vcs representam. Demora mas a máscara cai.

  2. Solidário com o passapalavra, desmascaro-me: transDivíduo, íon xucro quanticondulatório, indiscernível & miraculante rizoma de corpos sem órgãos ou planetária máquina de guerr(ilh)a. EREHWON KAIROS!

  3. Em igual solidariedade, também admito que de minha parte e também aparte já sou conhecido nos meios limitantes como notório agente da CIA e do imperialismo americano. Traduzindo do inglês e sendo notório sabotador da muy brilhante esquerda local lutadora permanente contra “as multinacionais que nos esmaaaaaagaaaam” (em tom choroso ou combativo, dependendo da ocasião), admito, não poderia ser de outra forma. Só poderia ser um agente da CIA e do imperialismo americano.

    Não deixa de ser curioso que esse Perseu escolha um momento tão oportuno pra fazer suas revelações e acusações bombásticas. Prioridades, é por aí que se vê!

  4. Se trocarmos “PSOL” pela organização que em dado momento histórico esteja sendo desqualificada pela esquerda tradicional (já foram os anarquistas, depois os trotskistas, depois o PT etc.), o comentário de Perseu transcende todas as épocas. Na falta do que dizer, critica-se a pessoa contra quem se argumenta.

    Saindo deste debate raso, só gostaria de registrar meu incômodo com o fato de certos “militantes virtuais” não darem a devida atenção ao caso. Já faz mais de dez ou doze anos que acompanho a luta pela reforma agrária no Brasil, apesar de não estar nela engajado, e é a primeira vez que ouço falar de um assentamento (não um acampamento, provisório e sujeito a estas adversidades, mas um assentamento, com produção agropecuária já em andamento) que sofrerá reintegração de posse. Ou bem se dá a devida importância ao caso, ou então ele abrirá um precedente perigosíssimo para a luta contra o latifúndio e pela reforma agrária no Brasil.

  5. Perseu,
    Creio que se enganou. Estou convencido de que o Passa Palavra é estipendiado pela SBC, Sociedade Brasileira dos Cuteleiros. Imagine só. Se cada militante andasse com um facão na cintura, ou mesmo com um canivete no bolso, que enorme expansão do mercado! E como, pela ordem natural das coisas, uns militantes vão morrendo e outros surgindo, o mercado dos facões renova-se, para bem da indústria brasileira. Está explicado o mistério.

  6. Todos fizeram suas piadinhas. Muito bom.
    Sou Milton Santos e luto pela sua permanência. Contra a atual política da Dilma, de desmonte do INCRA e contra a reforma agrária. Contra política de Dilma, somente. Ela não representa a opinião de muitos companheiros e camaradas que lutam internamente contra isso.
    Só não admito alguém querer impor que um apoio é bom e presta enquanto outro não. Não estamos em posição de escolher apoios. Todos são bem vindos e devem ser bem tratados.
    Agora podem destilar as suas ironias!

  7. Perseu,
    Mas foi você quem começou as piadas, com uma acusação tão inverosímil ao Passa Palavra. O que queria que os leitores fizessem senão rir?
    Também eu apoio o assentamento Milton Santos, também eu «não admito alguém querer impor que um apoio é bom e presta enquanto outro não», também eu penso que «não estamos em posição de escolher apoios». E precisamente por isso acho que o seu comentário, tal como outros assinados com o mesmo nome, além de risível — o que não é grave — é despropositado — o que é muitíssimo grave. O seu comentário faz acusações e aprofunda divisões quando não é o momento para isso.

  8. Caro João,
    Realmente a hora agora é de luta! Essas discussões por fim não levarão a nada. Não atrapalham, como você disse, mas também não ajudam. Vamos focar na luta! Esse é o meu compromisso doravante.
    Depois que garantirmos a permanência do assentamento, suas contradições, se houverem, aparecerão naturalmente.
    Grande abraço e à luta!

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here