O movimento militar de 25 de Abril de 1974 pôs termo, em Portugal, a quase meio século de ditadura fascista e a 13 anos de guerra colonial. Às 6h da manhã, Carlos Gil, grande fotógrafo prematuramente falecido, desviou a objectiva dos tanques e dos militares que começavam a ocupar os ministérios do Terreiro do Paço, em Lisboa, para captar a chegada dos primeiros trabalhadores da margem esquerda, reais protagonistas de uma história tão demorada. Vigorava então no Brasil, desde 1964, uma das mais cruéis ditaduras militares latino-americanas. Exilados portugueses e brasileiros que, em várias capitais da Europa, resistiam e combatiam juntos, juntos festejaram essa madrugada. Esse abraço de combatentes continua hoje aqui no Passa Palavra, e entre Sophia e Chico Buarque. Passa Palavra

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Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen, poema 25 de Abril

Sei que estás em festa, pá
Fico contente
E enquanto estou ausente
Guarda um cravo para mim
Eu queria estar na festa, pá
Com a tua gente
E colher pessoalmente
Uma flor no teu jardim
Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei, também, quanto é preciso, pá
Navegar, navegar
Lá faz primavera, pá
Cá estou doente
Manda urgentemente
Algum cheirinho de alecrim

Foi bonita a festa, pá
Fiquei contente
Ainda guardo renitente
Um velho cravo para mim
Já murcharam tua festa, pá
Mas certamente
Esqueceram uma semente
Nalgum canto de jardim

Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei, também, quanto é preciso, pá
Navegar, navegar
Canta primavera, pá
Cá estou carente
Manda novamente
Algum cheirinho de alecrim

Chico Buarque, canção Tanto Mar

1 COMENTÁRIO

  1. Definitivamente, este é, até agora, o “Flagrantes Delitos” mais bonito publicado neste site. Além do conjunto belíssimo da fotografia, do poema e da música, este pequeno fragmento nos traz a idéia de uma verdadeira relação de solidariedade e companheirismo entre portugueses e brasileiros, mas não só, entre todos aqueles que lutaram e ainda lutam juntos. Ilustra muito bem o que tenta ser o Passa Palavra. Que habitemos muito ainda – livres – a substância do tempo!

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