Depois da independência agravaram-se as assimetrias entre a população. Há uma elite que está a enriquecer-se com o dinheiro do povo.

timor3Entrevista com Francisco Guterres Lu-Ólo, guerrilheiro do movimento de resistência e líder da FRETILIN [Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente]. Membro da Assembleia Constituinte e presidente do Parlamento Nacional entre 2002 e 2007.

Passa Palavra – Uma nação pode conquistar a independência mediante a luta armada e a luta política; mas como manter a independência perante as grandes pressões económicas exteriores?

Francisco Guterres Lu-Ólo – Gostaria de salientar algo em relação à nossa luta. Timor-Leste passou por uma luta muito dura e prolongada pela independência. Sabíamos que queríamos o bem-estar do povo de Timor-Leste e persistimos nesse intento. Em 1975, o debate ideológico então em curso determinou a maneira de pensar e agir dos timorenses. Há quem considere que a nossa opção ideológica foi um erro, porque dificultou a causa da independência, mas eu não concordo. Havia dois campos e nós tivemos de optar. De qualquer modo, sobre todas as ideologias, os Partidos políticos timorenses sabiam bem o que queriam e isso era comum a todos, a independência.

O povo timorense alcançou a independência depois de uma luta muito dura e graças, em grande medida, ao apoio internacional de países amigos como Portugal. Esse apoio conduziu ao Acordo de 5 de Maio, que possibilitou o Referendo de 1999 e a vitória da independência.

A Administração Transitória das Nações Unidas garantiu a segurança das populações, mas só muito tarde é que começou a engajar timorenses nas suas estruturas. Eu, na altura ainda guerrilheiro, numa reunião em Ailéu, insisti com Xanana Gusmão para que exigisse do Administrador Transitório que envolvesse mais os timorenses no processo.

Por outro lado, as Nações Unidas deveriam ter dado o devido reconhecimento à FRETILIN, como partido que, nas montanhas, lutou pela independência, mas, em vez disso, optaram por pôr todos os Partidos políticos timorenses em pé de igualdade. Daí que a FRETILIN não tenha querido fazer parte da CNRT e tenha exigido eleições democráticas, que tiveram lugar em 2001; até porque a CNRT já não tinha razão de ser, uma vez que era uma estrutura da resistência.

Os timorenses querem tomar as decisões políticas por si próprios. Não queremos ser dependentes economicamente e temos recursos e riquezas próprios que permitem garantir a melhoria das condições de vida da população.

Muitas opiniões, do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, entre outros, têm sido avançadas sobre como viabilizar economicamente o país, mas nós não queremos depender dos outros, apesar de sermos beneficiários do apoio de países doadores em matéria de Administração, Ensino, etc..

Para sermos independentes, temos de trabalhar para conseguir alguma coisa. Não é que não queiramos o apoio dos países amigos, doadores, mas fundamental é que Timor-Leste seja soberano, governado pelos timorenses e não dependente das decisões de ninguém.

Em 2004, o Parlamento Nacional, de que eu era na altura Presidente, aprovou a Lei do Fundo Petrolífero, de modo a que o dinheiro do petróleo seja empregue para o desenvolvimento do país.

O petróleo pode ser bom, mas também mau. Se o dinheiro for mal empregue, o país não vai a lado nenhum. Daí que tenha sido decidido que o dinheiro do petróleo seja empregue em investimentos para bem do povo.

Ora, isto não se verifica com o actual Governo. Este Governo não tem um programa de desenvolvimento com uma estratégia bem definida. Há muito dinheiro do petróleo, que pertence ao povo e deve ser usado para o desenvolvimento do país e bem-estar do povo, mas o dinheiro está a ser mal gasto, está a ser desperdiçado. O povo não sente que os seus dirigentes estão a trabalhar para o bem do país, sente-se desiludido.

A oposição, apesar de ter sido o Partido mais votado nas últimas eleições, vem fazendo fortes pressões sobre o Governo para que adopte um programa de desenvolvimento integrado e sustentável, mas o Governo faz ouvidos de mercador. Há muita corrupção neste Governo. Muitos desvios do erário público, que são prejudiciais para o país. É com grande tristeza que vejo a actual situação e sinto que a luta de 24 anos parece não ter sentido.

Passa Palavra – Será que a independência proporcionou uma melhoria da vida da população, uma redução das desigualdades, ou limitou-se a propiciar a formação e a consolidação de novas elites?

Francisco Guterres Lu-Ólo – Há muito dinheiro. O Orçamento chega a 1 bilhão de dólares americanos (cinco vezes maior do que o Orçamento de que dispôs o Governo da FRETILIN), mas não se consegue fazer nada com este dinheiro. A oposição tenta saber para onde vai tanto dinheiro.

timor4Há um grande descontrolo e má gestão do Governo. A oposição fez sair um comunicado de imprensa denunciando o facto de que alguns timorenses da elite, residentes por muitos anos na Austrália, foram contratados pelo Ministério das Finanças, através do Banco Mundial, para ganhar 22 mil dólares por mês, mais do que o vencimento do Primeiro Ministro australiano.

Há outros timorenses, que criam Partidos para desafiar a FRETILIN e agora são contratados como portugueses para ganharem salários de 14 mil dólares por mês.

O dinheiro doado pelos países amigos está a ser usado pelas elites políticas, não em benefício do povo timorense. Os deputados fazem viagens de lazer ao estrangeiro e aos distritos (a pretexto de fazerem fiscalização), pagas pelo dinheiro público, com carros de luxo e custos de viagem.

Nos concursos públicos, há muitas interferências políticas e as regras normais não são seguidas. Os membros do Governo escolhem os amigos e muitas vezes são familiares dos membros do Governo os accionistas das companhias a concurso.

Como timorense sinto-me muito triste com isto, mas a oposição está determinada a corrigir a situação num futuro próximo. Acima de tudo, recomendo sensatez. Admiro muito o Sr. Xanana Gusmão, meu comandante na guerrilha, mas choca-me que um homem que tanto lutou para defender a liberdade e o bem-estar do povo esteja hoje rodeado por gente que não sabe administrar o país e é corrupta.

Depois de todo o nosso esforço, as condições de vida não melhoraram e agravaram-se as assimetrias entre a população. Há uma elite, aquela que se apoderou do poder depois das eleições gerais de 2007, que está a enriquecer-se com o dinheiro do povo enquanto este continua mergulhado na pobreza. O povo já não tem confiança no Governo e no seu próprio futuro. O sentimento generalizado das pessoas é o de que Xanana Gusmão libertou o país mas traiu o seu próprio povo.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here