Por A. Nônimo

Eram pouco mais de 16 horas na segunda-feira, dia 25 de Maio. Caminhava eu pela USP [Universidade de São Paulo] em sentido da reitoria, para pegar algo do ato dos funcionários em greve, que já começara. Quando cheguei, vi algumas centenas de pessoas, dispersas na frente da reitoria, e um caminhão de som bastante barulhento onde sindicalistas gritavam. Pelas bordas, grupinhos menores conversavam. Me aproximei de um grupo de funcionários grevistas, que jogavam truco [um jogo de cartas] num tabuleiro improvisado sobre uma lata de lixo, indiferentes ao caminhão. Escutei brevemente alguns comentários deles, algo como “nós que somos peões é que apanhamos da polícia e ninguém lembra de nós”.

Logo em seguida, passou uma bicicleta com dois estudantes, usando como capacetes televisões ou monitores de computador, certamente numa intervenção estética, que provocou risos nos grevistas e especialmente nos jogadores de truco.

Pouco depois, percebi uma correria de pessoas, que mais pareciam formigas em fila, dando a volta no prédio, em direção aos seus fundos. Segui a corrente rapidamente, intuindo do que se tratava, onde estudantes gritavam “Ocupa, ocupa, ocupa!” Logo irromperam, pela parte de trás da reitoria, e dezenas de estudantes entraram numa torrente de pessoas – a reitoria estava sendo ocupada pelos fundos.

Permaneci do lado de fora, vendo as pessoas entrarem e o que se sucedia. Foi quando vi uma multidão se aglomerar do lado de fora, e uma euforia de pessoas dizendo – “está ocupada, ocupamos!” Mas… e agora?

Logo em seguida, ocorreu que um grupo de estudantes de corrente política formou uma roda do lado de fora, querendo puxar [convocar] uma assembléia. Discutia-se sobre se fazer a assembléia do lado de fora ou dentro do prédio ocupado. Sabíamos, do lado de fora, que os estudantes ocuparam a parte de trás da reitoria, mas que uma porta fortemente bloqueada travava o acesso ao prédio maior da reitoria.

Começou a discutir-se se a assembléia seria dentro ou fora. Foi quando percebi o caminhão de som se posicionando, e os partidos e algumas correntes políticas, bem como os militantes do DCE [Diretório Central dos Estudantes, ou seja, a Associação de Estudantes] fazendo pressão para realizar a assembléia do lado de fora do prédio. E de fato ela ali começou.

Foi quando percebemos (não só eu, mas grupos de estudantes) que aquilo era uma manobra que procurava concentrar as pessoas fora do prédio – e isto de fato em pouco tempo esvaziou a ocupação (na qual ficaram poucos estudantes, talvez uns 30), e concentrou toda a multidão do lado de fora, em frente à porta dos fundos. E assim houve uma assembléia dos funcionários e dos estudantes, onde se sucederam mais de 70 inscrições de falas, cujo conteúdo girava ao redor, entre outras coisas, de “decidir se ocupa ou não a reitoria” – o que salta aos olhos o absurdo, pois a reitoria já estava ocupada!

usp-21Assim, anoiteceu. Era visível, ali no meio, que no miolo [centro] da assembléia predominavam só as correntes políticas, e que aquilo se transformava em um blá-blá-blá infinito, um verdadeiro ritual formal que separava a decisão da execução (uma vez que já estava ocupada!). E também se percebia que os estudantes mais independentes não ocupavam em maioria o miolo da assembléia, mas se dispersavam em rodinhas ou pequenos grupos que discutiam pelas bordas, onde as conversas ressaltavam uma desconfiança em relação ao papel do DCE e dos partidos ali presentes e um sentimento de que a ocupação estava indo por água abaixo enquanto aquele espetáculo se desenrolava. Pelas janelas do prédio, homens de gravata abriam de quando em quando as cortinas e espiavam a assembléia, enquanto falavam em celulares [telemóveis]. Era também perceptível vários indivíduos estranhos que estavam ali nas bordas da assembléia, fotografando pessoas, e era possível saber muito bem do que se tratava. Um helicóptero da polícia (certamente não era o “águia” do Datena) ficava sobrevoando ao redor da assembléia a uns 500 metros de altura, de forma intimidadora, jogando holofotes sobre a assembléia e as pessoas, e dando voltas em círculos pelo campus da universidade, jogando os holofotes em outros lugares, talvez à procura de movimentações suspeitas.

Alguns estudantes com “capacetes” de monitor de computador, escritos “Univesp” (Universidade Virtual do Estado de São Paulo), encenando placas eletrônicas como pranchas de anotações, circulavam em uma intervenção estética pelas bordas. Alguns estudantes brincavam de digitar no ar, perguntas aos computadores ambulantes, que respondiam ironicamente, fingindo vozes de máquinas. Talvez naquele momento era a única ação mais genuinamente dotada de sentido político – uma ação estética.

Assim, criava-se um clima pesado, e um sentimento de desolação, de esvaziamento da ocupação e de instauração de um ritual burocrático de ruptura do processo (não que as assembléias não sejam necessárias, elas são essenciais, mas daquela forma como ocorria, era uma ruptura brusca do processo e uma fetichização da assembléia pela assembléia, onde a democracia vira democratismo, fim em si mesma). Alguns estudantes chegavam dizendo que a tropa de choque já estava na entrada da universidade (o que já se confirmou pelos jornais no dia seguinte) aguardando ordens para entrar.

usp-11Enfim, ao fim de uma assembléia cansativa de quase 3 horas e que foi se esvaziando, votou-se por nova assembléia e piquete na quarta-feira, e a ocupação assim estava desmantelada. Os poucos estudantes que restavam lá dentro se retiraram. A porta de vidro de trás estava quebrada – coisa que os jornais usaram como acusação de vandalismo depois, como sempre. Chegavam repórteres de televisão. Muitos estudantes tiravam o rosto de foco para não aparecer. Um carro de uma emissora esticava num poste uma antena-mangueira que parecia uma imensa serpente em espiral.

Acabada a assembléia, formavam-se rodinhas, onde repórteres entrevistavam pessoas do DCE e dos partidos políticos. Não tardaram os estudantes em cercá-los e vaiá-los, gritando “Pelegos! Pelegos!”. O DCE mesmo foi vaiado.

Uma vez acabado tudo, um grupo de pessoas, às quais me juntei, achou melhor sair dali, pois com poucas pessoas, fica-se mais visado. Os últimos ocupantes saíam, alguns com camisetas no rosto.

Andamos com o grupinho de independentes, e fomos parar em uma praça, onde tomamos cerveja e discutimos os destinos do movimento e o desmantelamento da ocupação. Ficou muito claro que o DCE e os partidos ali presentes (PSTU, PSOL e algumas correntes de esquerda) não quiseram levar a ocupação adiante e procuraram manobrar e quebrar a ocupação. O DCE, cuja gestão se chama “Nada será como antes” (PSTU), era chamado, ironicamente, pelos independentes, de “Tudo continua exatamente como antes”, “Mais do mesmo” e até um disse: “Não, eu acho que é Nada será como antes mesmo, porque esse é o fim do movimento estudantil”.

Também se discutia o papel da própria gestão do DCE, que se posicionou sempre contra a ocupação do prédio do DCE, ocorrida algumas semanas antes. Falava-se da briga por causa das chaves do prédio, dos partidos que eram contra um comando de mobilização unificado, das manobras de assembléias, dos acordos da atual gestão do DCE com a reitoria e etc. O mais interessante é que me ocorreu lembrar que a atual chapa [lista] do DCE, a “Nada será como antes”, reivindicava para si a ocupação da reitoria ocorrida em 2007, mas todos os relatos que correm demonstram que, ao contrário, os partidos políticos dentro do movimento estudantil (PSOL, PSTU, etc., com exceção do PCO) pressionavam pela desocupação desde o início. Isso sem contar a famosa história da visita de um famoso dirigente sindical de oposição, que já foi inclusive candidato a presidente algumas vezes, num dos primeiros dias da ocupação de 2007, onde atribui-se a ele ter dito que seria necessário “pôr freios na molecada”.

Nas rodinhas de conversa de estudantes insatisfeitos, era possível perceber a totalidade do que aconteceu: na ocupação da reitoria, perdeu-se o espírito do momento, numa interrupção brusca e numa ação que canalizou a energia do movimento para fora e o destruiu. Percebia-se claramente que os independentes, na sua postura mais radicalizada, na ausência de assumir projetos, organização e posições mínimas comuns, acabam por sempre perder para as organizações burocráticas, que possuem projeto político (embora projeto de poder). Estas sempre se apropriam do que fazemos. Parecia claro que enquanto a Autonomia não se transformar numa prática efetiva, organizativa, e finalmente num projeto político, não se reverterá essa situação.

Também ficava a questão sobre o que teria acontecido se a ocupação fosse vitoriosa – a tropa de choque teria entrado em ação? De qualquer forma, aqueles estudantes diziam enfaticamente que “os partidos políticos e a pelegada [«pelego»: fura-greves] institucionalizada fizeram o serviço sujo, a tropa de choque nem precisou entrar em ação”.

Saí dali, como observador de tudo aquilo, com muitas dúvidas, inclusive sobre se uma ocupação reduzida de minoria se sustentaria naquele momento de repressão e com a massa dos estudantes na passividade bovina tendo aulas normalmente no resto do campus – estes até talvez apoiassem a repressão. Ficava muito patente como o movimento estudantil faz ainda menos trabalho de base que o sindical. Ainda mais grave era a situação, quando a alardeada greve dos docentes parece não ter deixado de ser uma mera idéia – pois mesmo quando o governo profere um ataque tão grande às suas carreiras e evolução funcional, que afetaria os professores jovens, estes parecem estar muito mais preocupados em participar freneticamente de congressos e publicações, para encher currículo, e absolutamente alheios a qualquer luta.

E também, enquanto isso, Serra ataca violentamente os professores estaduais, mas o movimento parece já estar morto de início. Parece haver uma crise da esquerda sem projeto e meramente reativa, movimentos radicalizados de minorias, uma passividade das maiorias, uma imensa burocratização que perpassa até as correntes de esquerda mais radicais, e um cheiro de fascismo rondante no ar, com sede de repressão.

Fui embora, tarde da noite, pensando em tudo aquilo que ocorrera, e começando a entender as coisas – no fracasso daquela tentativa de ocupação, tudo isso pareceu ainda mais evidente.

21 COMENTÁRIOS

  1. Pior que foi isso mesmo! Malditos partidos, destroem tudo que as pessoas fazem, enquadram de volta os movimentos na “normalidade”. O pior é que seus militantes de base parecem cegos, fazem de forma ingênua todo o discurso radical e parecem não perceber isso.

  2. Realmente, a grande questão é a passividade da maioria e a falta de atividade organizativa dos independentes.

  3. A questão é: quando os independentes vão se organizar e sair do armário. Quando os independentes vão assumir cores próprias e se movimentar por conta própria, de forma autônoma, sem levar mais linha de partidos e organizações burocráticas. Condições concretas para isso já existem… falta alguém começar!

  4. Bem que os estudantes podiam acabar com o DCE. Afinal, não serve para nada mesmo!!! Alguém pode dizer que eu sou louco, etc, mas vejam – todas as últimas mobilizações estudantis, ocupações de reitorias, etc, tem ocorrido por fora dos DCEs. Qual a mais óbvia conclusão?

  5. Concordo plenamente que se a Autonomia não for organizada sempre perderá para a correntes burocratizadas.

    Acho que a experiência do Passe Livre em Florianópolis e as duas revoltas que ocorrem por lá em 2004 e 2005 mostram isso também. No caso, lá, a Autonomia estava organizada, principalmente em 2004.

    E estar organizada significa estar organizada sempre, não só nos momentos em que há irrupção de greve, revoltas ou manifestações, mas organizada anteriormente, com militância, projetos pensados, antecipando-se aos acontecimentos.

    Abaixo deixo questionamentos e reflexões que fiz em 2005 após a segunda revolta contra aumento das tarifas do transporte em Florianópolis:

    Gostaria agora de tocar em um ponto que diz respeito a revoltas em torno da tarifa do transporte que eclodiram em outros cantos do país, e que diferentemente das que aconteceram nos últimos anos em Florianópolis, não resultaram na redução das tarifas. Nesses lugares, em geral se viu, e se reclamou, o movimento ter sido minado e esvaziado pela ação de dirigentes de entidades estudantis/partidos políticos, que acabavam se colocando como lideranças e dirigentes de um movimento que nada ou muito pouco tinha a ver com essas entidades, sentando à mesa e fazendo negociações com as autoridades, alheios aos verdadeiros anseios dos que foram às ruas. A multidão se fez nas ruas, de forma independente e autônoma a esses dirigentes e entidades, com forte grau de rechaço a eles. Como então se explica esses partidos e entidades se colocarem à frente e negociarem em nome do movimento? E pior, como então que com negociações alheias aos anseios do movimento conseguissem de fato esvaziá-lo?
    Isso talvez se explique pelas pessoas que constituem essa multidão politicamente independente e autônoma deixarem vazios certos espaços, não criarem elas a sua direção (se auto-dirigirem!), não se articularem suficientemente. Deixarem vazios os espaços de fala durante as manifestações, para citar apenas um exemplo visível. Por serem independentes e autônomos mas desarticulados (ou insuficientemente articulados), o movimento fica à mercê daqueles que, por serem articulados e bem organizados se apontam como líderes, embora de fato não sejam os melhores representantes ou formalizadores do espírito, das práticas e dos anseios do movimento real. Não são os melhores, mas são os únicos…

  6. Há um medo incrível de greves por parte dos trabalhadores e estudantes, ainda mais de atos como ocupações, especialmente dos funcionários públicos, onde qualquer ameaça, ainda que amparada por argumentos ilegais, paralizam não só as ações, mas o pensamento daqueles que, evidentemente, precisam se mobilizar para impedir atrocidades do patrão (no caso o governador) perverso. Os argumentos diversos para a inação vão desde “não me misturo a essa gente, idiotas, moleques” a “não adianta nada mesmo”. Acontece que o plano de sucateamento, privatizações, arroxo salarial e retirada de direitos trabalhistas historicamente é bem antigo, e se não fosse a pressão dos trabalhadores a coisa já tinha degringolado, a barbárie que vivemos não seria em doses (decretos safados a cada dois anos contra toda categoria, principalmente da educação) e sim um duro golpe contra a população, que nada faria e aceitaria tudo, acreditando que não adianta nada, quem pode pode, quem não pode que se f…!
    Mas acontece que o tempo passou, e muitas doses já foram decretadas, muito espaço foi dado às fundações, que chegaram para “auxiliar” os estudantes, e agora estamos a ponto de perdermos a Universidade Pública, a possibilidade da diática Paulo Freiriana, pois o ensino a distância não permite o diálogo com toda sua dialeticidade possível, e os professores estaduais seus direitos e a possibilidade de atuar sem concurso, ou com concurso mas com uma doutrinação denominada de curso preparatório. A coisificação terá limites? O indivíduo, já em crise cosigo mesmo, viverá sem a relação amigável com o coletivo?
    O medo e o preconceito que impaca as mobilizações não pararam pra pensar… Eles não sabem o que fazem!
    As ocupações geram uma incrível produção artística, união entre os companheiros de luta, interação, sociabilização, comunicação, conhecimento das estruturas burocráticas da instituição e do Estado, enfim, toda uma formação política, um gestão autônoma e independente dos cânones acadêmicos pelos mobilizados, e é por isso que é tão condenada pelos que detêm as rédeas, sejam da administração quanto dos partidos. Os estudantes não perdem aulas, muitas vezes inúteis, hipócritas, com tempo perdido, mas ganha-se muita cultura, informação, formação, de uma forma democrática e rara.
    Educador que não se cala.

  7. Eu concordo com a necessidade de organização dos autonomos, e acho que depois da ocupação da reitoria em 2007 isto apareceu de maneira relativamente clara para os estudantes da USP e há desde então algumas tentativas de organização. Cabe pensarmos também o quanto as assembléias são um espaço de intervenção que possibilita uma atuação autonoma.
    Porém esta ocupação de 2009 está longe de ter sido uma ocupação autonoma feita por independentes, ela foi defendida e realizada pelos militantes do MNN e do PCO.

  8. Acredito que há duas coisas, uma a ocupação da reitoria, ligada à ação organizada do DCE (PSTU) que, como na ocupação, perdeu o controle, pois se tratava mais de um evetno midiático do qual desejavam se retirar após conseguir alguns pontos como 70% do quanto se arrecadaria com o aluguel dos espaços gerido pela reitoria.A partir daí, tentaram dar a linha, até que perderam votações sobre a organização do calendário de cultura e se retiraram do espaço.
    Neste momento, três grupos assumiram o DCE neste foco polarizado entre a Negação e o PSTU, que foram o MNN e o PCO já citados e alguns estudantes do CRUSP que tem uma pauta concreta.
    Antes da reforma, aquele espaço era de uso dos estudantes, era fácil conseguir a chave para organizar atividades culturais e festas, principalmente porquê o espaço não era fechado e não tinha chave (desde os anos 80). Os estudantes precisavam apenas de uma das chaves das portas com trancas para guardar equipamentos. Mas estão presos no tiroteiro entre os partidos.
    Já na ocupação “relâmpago”, quem puxou foi a negação e independentes do interior. E, repito, se não ocuparam de vez (e romper a última porta), foi ou porquê não quiseram peitar fazê-lo sozinhos ou então porquê os demais não entraram na hora certa.
    O demais era a manobra divergente que os isolaria orquestrada pelo DCE que chamou a plenária do lado de fora, mas se houvesse pressão da base, com certeza entrariam.

  9. O grande problema ao meu ver é exatamente este: o fato de os independentes não se constituirem organizados ao redor de um projeto político de Autonomia. Os independentes me parecem que ficaram a meio caminho na crítica, uma espécie de negação pura e simples que não supera o objeto a ser negado. Eles são contra interferência político-partidária, burocrática, mercantilização, etc, mas não sabem minimamente o que querem. Sabem o que não querem, mas não tem ainda uma alternativa para colocar no lugar. Por isso, como muitos já perceberam, as ocupações de reitoria tem sido revolucionárias na forma (organização basista) e conservadoras no conteúdo (projeto tem se restringido a reivindicar contra os ataques do governo, mas sem apresentar um projeto propositivo próprio – aliás, esse é o mal do sindicalismo atual). Penso que isso seria uma primeira fase de negação indeterminada, que poderia depois assumir uma fase desenvolvida, desde que essa negação se transforme em negação determinada, uma superação, que tenha uma proposta concreta alternativa para colocar no lugar, uma proposta completamente centrada na prática e idéia de Autonomia.
    Outra questão que tenho percebido é que entre muitos dos elementos radicais independentes, perdura ainda um certo nihilismo, uma coisa que se funde com movimentos alternativos de cultura de juventude (que tem seu valor, certamente), mas algo como uma vontade de se isolar em guetos, em estilos de vida alternativos, e não querer o enfrentamento interno dentro das contradições do sistema. Ou seja, um certo nihilismo da negação pura e simples, sem alternativa. E uma profunda confusão quanto a questão sobre burocracia e organização.
    Ora, para quem ler por exemplo Pierre Clastres, entre outros autores, percebe muito bem que toda burocracia é uma forma de organização, mas nem toda organização é burocrática – ao se estudar alguns povos “primitivos” que possuíam sociedades muito complexas e organizadas, ou mesmo experiências de autogestão modernas de curta duração, sabe-se que qualquer agrupamento humano tem caráter político, estabelece regras e possui organização. Essa organização e poder político emana da própria sociedade e não se apresenta nestes casos como um poder externo. Já na burocracia, e em outras formas de dominação, o poder político apresenta-se separado da sociedade.
    Me parece que muitos elementos combativos jovens não entenderam bem isso, e procedem a uma recusa nihilista de qualquer forma de organização, por fazer essa confusão. E ao não se organizarem nem assumirem um projeto, acabam deixando o espaço aberto à ação dos partidos políticos e grupos burocráticos. Ou ainda pior, suas ações acabam sendo apropriadas pelas organizações burocráticas. E daqui a muitos anos, quando esses burocratas estiverem no poder ou em cargos de gestão, a história será escrita de tal forma que os independentes e basistas não terão existido, e a liderança dos movimentos terá sido os burocratas. Eles expropriam até a memória dos trabalhadores – como a história do PT e da CUT.

  10. O pior é que isso tudo procede. A gente sempre trabalha de graça pros burocratinhas ascenderem socialmente e politicamente. Enquanto isso, a base dorme profundamente…

  11. Concordo com quase tudo o que foi escrito aí em cima. O problema é como organizar os Autônomos sem que eles acabem reproduzindo os mesmos métodos e a burocracia do movimento estudantil. Todavia, é um limite que aponta para um impasse ou uma busca por uma saída. O movimento estudantil precisa se reinventar assim como toda a esquerda. Como criar de novo toda esperança e confiança num mundo mais justo e igual que marcaram o séc. XIX e XX? Entramos novamente numa era de trevas. A lógica é o pragmatismo, e só. Porém, além da manobra de um avião bem grande que foi essa assembléia, dois fatos no texto me chamaram a atenção: a irreverência dos estudantes que colocaram “capacetes” de computador para simbolizar a univesp (simplesmante genial de tão simples); e os estudantes entrevistados pela tv: estes estudantes, do PSTU e Psol, concediam entrevista a nada mais nada menos que a rede globo! Com certeza eles vão ter muito ibope e quem sabe se candidatar como político plim-plim ou figurante de novela…. aliás, bem que o slogan da globo é verdadeiro: “globo, a gente se vê por aqui!”

  12. Se partido fosse coisa boa, não seria “partido”, seria inteiro! E não teria “quadros”, mas círculos!
    Quem tem “quadros” é exposição de arte!

  13. O que a maioria dos militantes e das correntes revolucionárias nunca fala (ou nem quer ver) é isso que o texto aí falou – que a imensa maioria dos estudantes (pelo menos no caso da USP) não participa desses movimentos, nem sequer toma conhecimento deles, e tenho a impressão que mesmo em faculdades combativas como a FFLCH, parte expressiva dos estudantes da base são mesmo contra esses movimentos e tem repulsa pelo movimento estudantil (não é dificil encontrar grupos de estudantes que nutrem preconceitos contra quem se envolve no movimento estudantil, desqualificando com piadas ou chamando os militantes de baderneiros, de “homens das cavernas” por causa das barbas e cabelos grandes, etc).
    Ou seja, é a mais pura verdade que esses movimentos, que tem sua importancia, não deixam de ser no momento minorias combativas que não tem, entretanto, a adesão da maioria. Acho que o maior mérito desse texto foi trazer esse fato a tona, que parece ser um tabu no movimento estudantil. E é uma questão muito importante, uma vez que ações de minorias sem o respaldo da maioria, acabam virando presa fácil para a repressão.

  14. O cometário do Paulo foi ultra pertinente. É interessante notar essa ausência na educação. Todo mundo passa 10, 20, 30, 40 anos reclamando dos projetos governamentais, mas não desenvolvem projetos autônomos, independentes, nem apoiam os existentes. A própria memória das lutas não é contada, de forma que elas são contadas somente pelos órgãos do poder e ai a história é apropriada ou desvirtuada.

    A luta dos independentes é muito importante mas está numa fase muito infantil ainda. Falta termos muito mais coisas: um site, um blog sobre educação, um jornal sobre educação, editoras, uma união e apoio maior entre os vários grupos que atuam isolados. Por isso tudo, iniciativas como essa do Passa Palavra são muito importantes, para divulgar as lutas independentes, permitindo as pessoas terem conhecimento e entrarem em contato para construir algo maior.

    Camaradas, está na hora de aprendermos a amarrar nossos próprios sapatos para deixarmos de reclamar da forma como outros os tem amarrado!!!!

  15. O nome é “partido” porque é exatemente isso que eles fazem: nos fragmentam, para melhor nos controlar. Enquanto os autonomistas quiserem se organizar da forma que os partido querem que nos organizemos, ou seja, fragmentados, estamos fadados a vê-los assimilar nossas lutas em benefício próprio e usar da nossa força para ganhar umas migalhas junto aos patrões (ou aos gestores).
    A saída para nós é ver a luta de classe como algo generalizado e procurar apoio, ao mesmo tempo que apoia, a luta de outras frações da classe trabalhadora. Traz os movimentos sociais para a universidade, sai da universidade para colaborar com outras lutas, e aí já não seremos mais partidos, nem precisaremos nos preocupar se estamos ou não a imitar a eles na forma de se organizar.
    Daí outras contradições vão aparecer, mas já é outra história…

  16. Sobre o que a Ana levantou – essa questão das minorias sem adesão à maioria. Eu percebo claramente que o movimento estudantil não possui QUASE NENHUM trabalho de base nas unidades. É muita palavra de ordem radical, muito discurso ideológico, sempre a ênfase nas grandes questões, mas quase não se discute com a base por exemplo, fazer lutas mais imediatas, como para reformar um prédio onde as salas de aula estão caindo aos pedaços e os banheiros destruídos, ou outras coisas mais cotidianas. Digamos que as correntes políticas, de tão ideológicas, não sabem mais trabalhar com o imediato das pessoas, com a realidade concreta mais cotidiana. Apenas se passa nas salas chamando as pessoas para assembléias e etc, e a maioria delas não vão a essas assembléias.
    Se trabalhassem mais a partir de questões mais cotidianas e imediatas, e ouvisse mais a base, talvez despertasse maior interesse e participação dela. Aí os estudantes mais passivos talvez se interessem pelas grandes questões e movimentos. Eu percebo que ocorre com esses movimentos o que ocorre com sindicatos – a luta fica separada da base, é centralizada onde está a reitoria, e separada das salas de aula e do cotidiano mais elementar.
    Claro, para fazer essa atuação, seria preciso ter um mínimo de organização dos independentes e demais grupos, visando a um plano de ação prático, em suma, construir a Autonomia nas unidades, na base.
    Sem isso, os movimentos serão ações radicais de generais sem exército, presa fácil para a repressão.

  17. O Autonomismo precisava se transformar num projeto político, numa prática organizativa, num princípio de ação e organização, num objetivo a ser alcançado. Essa esquerda nacional-desenvolvimentista que existe hoje por aí já cumpriu seu papel histórico, e hoje chafurda no poder e nos cargos gerindo a crise. E esses partidos “radicais” dentro do movimento estudantil são o resto histórico disso, e tão fadados a ou se integrarem no sistema ou desaparecerem. Agora é hora do outro marxismo, o da crítica das relações sociais, que atue além dos conceitos de estado-nação, desenvolvimento econômico, que se preocupe mesmo em criar as formas embrionárias emancipatórias de relações sociais anticapitalistas, anti-mercantis, anti-burocracia. Isso em si já é um projeto político, totalmente distinto dos projetos dos partidos. Enquanto não houver um projeto assim, sempre iremos ser os “inocentes úteis” nas mãos dos burocratas da vida. Acho que os companheiros estão certos que não vai se construir isso com nihilismos e porralouquisses de rebelde sem causa – que são sempre os futuros velhos reacionários de amanhã. É uma inconsequência de muitos independentes essa recusa infantil de se organizar de forma mais orgânica, onde trocam a militância mais organica e basista por um “ativismo” sem projeto nem comprometimento, sem consistencia, sem inserção nas bases, totalmente porraloca e espontaneísta e movido a palavras de ordem, que acaba justificando a repressão e trabalhando de graça para os partidos. E é aqui preciso ressaltar o grande papel que o discurso multiculturalista e teorias de uma certa “esquerda” pós-moderna tem em gerar esse desvio na atuação.

  18. Outro dia me chamou a atenção, um debate organizado pelo DCE (se não me engano) sobre “O Novo Movimento Estudantil”. Apesar de se chamar debate, a forma era a mesma de uma sala de aula, uma mesa à frente (no caso, comandada por alguns poucos) e todos os outros sentados em suas cadeirinhas ouvindo. Me perguntei: e qual será a novidade do movimento?
    O relato da ocupação frustrada só me ajudou a confirmar as mesmas velhas práticas do movimento estudantil. É praxe desses partidos quererem organizar todas as ações dos estudantes, afinal de contas, eles foram os escolhidos para pensar o movimento, seria, portanto, inadmissível que outros, longe de suas asas, ocupassem a reitoria. Por isso chamar uma assembléia do lado de fora e acabar com a ocupação.
    O interessante é que durante a ocupação da reitoria, esses mesmos partidos, que há muito queriam desocupar, só apareciam na ocupação para as plenárias e assembléias. E o pior, não construindo, nem tampouco dormindo na ocupação, se sentiam no direito de chegarem e organizar suas instâncias de decisões tentando votar o que era correto ou não ali dentro e se deveriam desocupar ou não. No entanto, durante 50 dias foram derrotados por aqueles que ocupavam, em sua maioria independentes (e dessa vez, a parcela da MNN e PCO era ínfima perante o número desses independentes) que resistiam bravamente porque construíram algo que os partidos talvez nunca conseguirão fazer, que é estabelecer relações de outro tipo. Dentro da ocupação discutia-se a prática da organização interna, suas comissões, as dificuldades de manter todos alimentados tentando evitar o risco de sempre os mesmos cozinharem, a limpeza do espaço e também os eventos culturais em que todos precisavam participar, por isso também a necessidade de se refletir sobre o rodízio das tarefas. E algo muito importante, nessa convivência criou-se outros fóruns de decisões, pois fazíamos as rodas de discussão que, ao contrário das assembléias, construiam outras formas de participação, dando espaço para aqueles que nunca conseguiam ter voz nessa instância. Nessas conversas, se ouvia e se colocava os problemas, discutia-se as contradições inerentes a tudo e daí é que começava a se moldar o objeto pelo qual lutávamos. Só durante essa vivência foi possível refletir sobre nossos anseios e dúvidas e se entender que não tínhamos um projeto pronto, um modelo pré-pensado para colocarmos no lugar, mas que aquela era uma parte de uma luta maior. Nossas demandas não eram facilmente trocadas na negociação com governo e reitoria, porque o que queríamos eles nunca poderiam dar.
    As formas de organização burocrática dos partidos que geralmente se mantêm à frente dos espaços de representação dos estudantes não traz nada de novo, sua ânsia em controlar as massas através de seus projetos reativos e viciados nas mesmas formas, léxicos, códigos desgastados só conseguiu afastar muitas das possibilidades de luta empreendida pelos estudantes que são contrários a esse tipo de representação. A maioria dos estudantes independentes (e não MNN e PCO) não querem disputar os espaços de Centro Acadêmicos entre outras instâncias, pois não entendem a assembléia e esses locais como únicas possibilidades de se organizar uma luta.
    Nesse sentido o texto é muito interessante, pois chama atenção para uma construção desse movimento que não se organiza de acordo com as demandas externas ditadas por um governo e/ou reitoria, mas sim numa luta diária, construída a partir dessas outras formas de organização, assim como foi durante a experiência da ocupação em 2007. Por isso, essa greve, apesar de começar não muito mobilizada, pode ser interessante para se colocar em prática novamente essas práticas, para isso os espaços de organização dos estudantes, principalmente aqueles que estão sendo ameaçados pela direção de cada faculdade, constituem locais estratégicos para se começar a encampar essa luta. Apesar do desgaste dos independentes…

  19. Daniel, você tem razão, e a coisa é pior ainda. Vemos muitas pessoas que se dizem libertárias ou autonomistas, que nem sequer se organizam de forma fragmentária. Simplesmente assumem uma postura quase anarco-individualista, de recusa a qualquer organização, do total espontaneísmo, que vira um comodismo e um discurso fácil de esquerda festiva de festa de república, que se isola de tudo e se acomoda em não fazer nada na mais completa irresponsabilidade. É aquele discursinho pós-moderno, de “eu não como isso, não faço aquilo, ando a pé, etc”, duma galera que pensa que revolução é adotar um “visual alternativo” e fazer amor live, em suma, saídas individuais, para uma “revolução individual”. É a geração de “revolucionários da MTV”, aquele discurso “faça a SUA revolução, crie sua banda!”. Na verdade isso não tem nada de revolucionário, é a atitude ingênua que forma os idiotas funcionais do sistema que se entopem de consumir porcarias culturais e rebeldia-mercadoria.
    Quando será que esse pessoal vai entender que autonomismo não é isso?

  20. Aliás, diga-se de passagem: a história sempre se repete. A primeira vez é a tragédia, a segunda a farsa. PT foi a tragédia. Agora temos as farsas, os novos partidos de “esquerda”.

  21. Os independentes, sem assumirem organização e posições mínimas comuns, sempre perdem para as organizações burocráticas. Enquanto a Autonomia não se transformar numa prática organizativa e num projeto político, não se reverterá essa situação. Por A. Nônimo

    Comentário: quando isso acontecer, deixarão de ser independentes. Ao virar uma corrente e parte de um projeto, perde-se a individualidade e a independência. Por isso que o projeto dos ‘anônimos’ organizados não funcionou: era organizado demais, lutando contra o caos da praça pública. Um exemplo: em uma das ocupações tentaram proibir um ocupante de beber sua cervejinha. Em outra não conseguiram controlar o problema dos roubos de objetos nas barracas e nem criar um elo cooperativo com os verdadeiros anônimos, os que habitavam a praça antes deles.

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