As hipóteses aqui apresentadas, longe de dar respostas claras e definitivas, objetivam estimular uma reflexão crítica sobre as políticas de desenvolvimento agrário, usando o caso específico de Rancho Queimado para abrir o debate.
Localizado a aproximadamente 60 km da capital do estado de Santa Catarina, o município de Rancho Queimado faz parte da região da Grande Florianópolis. Colonizado por imigrantes alemães, o município ainda conserva tradições e costumes dos colonizadores.
Com uma população estimada em 2.871 habitantes (IBGE, 2008), Rancho Queimado tem as atividades agropecuárias como a base de sua economia, com destaque para a produção do morango, que representa 60% da produção do gênero no estado, conferindo-lhe o título de “Capital Catarinense do Morango”. Outros cultivos importantes no município são os da cebola, feijão, tomate e milho; além deles, merecem destaque a criação do gado leiteiro, o artesanato e a produção dos chamados “produtos coloniais”, de maior valor agregado.
Nos últimos anos o espaço rural do município tem sido valorizado por atividades relacionadas ao turismo e ao lazer, trazendo turistas e novos proprietários de casas de campo, atraídos pelo ar das montanhas da serra, pela paisagem rural e pelo clima, com média anual de 17º C e inverno com grande incidência de geadas e média de 12º C. A cidade foi eleita pelo Ministério do Turismo como referência no Turismo Rural, ali implantado seguindo o modelo de “Acolhida na Terra”, em que o turista é acolhido e incluído nas atividades e na vida da fazenda, mantendo a atividade agrícola em primeiro plano e deixando o turismo como atividade complementar.
A recente evolução e as transformações que o município passa colocam importantes questões, desafios e contradições a serem solucionados pela comunidade local, representada principalmente por pequenos produtores e pela agricultura familiar. Estimulado pela atratividade da proposta de desenvolvimento através do agroturismo, com seus estímulos econômicos, como o aumento de investimentos públicos e da receita municipal, Rancho Queimado encontra-se hoje num momento de relativa prosperidade.
As diversas parcerias feitas entre a prefeitura e o governo do estado, Ministério do Turismo, Banco Mundial, EPAGRI, entre outros, trazem verbas e assessoria qualificada para os agricultores, que agora dispõem de engenheiros agrônomos e outros técnicos, que orientam os produtores, buscando melhorias no cultivo através de práticas menos agressivas ao ambiente e mais próximas do modelo agroecológico – que ganhou um pouco de espaço mas ainda não é adotado pela grande maioria dos agricultores.
O crescimento dos investimentos públicos em infra-estrutura, o Certificado oficial de Segmento no Turismo Rural e a expressividade que a cidade ganha com algumas festas como a Festa do Morango e a Festa do Tropeiro: tudo isso tem contribuído para que um sentimento geral de confiança e otimismo em relação ao futuro se instale na cidade.
Mas como todo processo econômico guarda contradições, e essas contradições trazem conflitos, cabe analisar e refletir brevemente sobre as tendências, perspectivas e consequências desenvolvidas nesse processo. Aqui, o ponto central é: por trás do tradicional e demagógico discurso de interesse público e de desenvolvimento regional, quais são os interesses dominantes que tendem a se perpetuar?
É necessário portanto problematizar o processo num espectro maior, de âmbito social e político, pensando nos dilemas do porvir.
Seguindo essa linha, a questão colocada remete aos condomínios de alto luxo que estão sendo criados na cidade e que até o momento somam 37 (12 deles não regularizados). Além do incremento nos impostos municipais, qual será o impacto social trazido por esses condomínios? Duas são as respostas mais óbvias: um acelerado crescimento da cidade e da necessidade de infra-estrutura e de oferta de serviços públicos, e a elevação geral do custo de vida (seguindo a tendência de outras cidades que se desenvolveram seguindo propostas parecidas de investimento no turismo e apresentam semelhanças geográficas em relação a Rancho Queimado, como Campos do Jordão, no estado de São Paulo, e Gramado, no estado do Rio Grande do Sul).
Nesse aspecto, como responderá a pequena estrutura administrativa de Rancho Queimado, extremamente dependente de recursos financeiros vindos de outras esferas do Estado e dos patrocinadores das festas, eventos e dos empreendimentos imobiliários? Mais: poderão os pequenos agricultores se manter em suas terras e resistir ao processo de especulação fundiária e imobiliária que se instala na cidade e à esperada elevação no custo de vida?
O reconhecimento do controle e da subordinação da estrutura estatal a grupos dominantes econômica e politicamente não é novidade para ninguém. Assim, a defesa dos interesses desses grupos certamente está assegurada, em detrimento dos interesses da comunidade local.
Do lado dos agricultores, é importante ressaltar a baixa rentabilidade de sua atividade e a necessidade de investimentos constantes na produção – agravada pelo risco das constantes geadas –, que tornam os produtores dependentes de empréstimos do governo e da indústria agropecuária, que dita o preço dos insumos e as inovações tecnológicas do setor. Apesar da recente diversificação econômica, que trouxe novas atividades para o meio rural, a realidade pode se constituir em completa dependência para os pequenos agricultores, que vão progressivamente perdendo o controle sobre sua atividade e sobre a dinâmica do seu próprio trabalho.
Caso a especulação fundiária e imobiliária se realize em ampla escala, o acesso a terra será gravemente limitado, e os descendentes dos atuais agricultores tendem a se tornar futuros sem-terra, que deverão optar entre abandonar sua terra natal para buscar trabalho nas grandes e médias cidades ou vender sua força de trabalho nos condomínios e demais serviços voltados para o atendimento do crescente setor de turismo rural.
No campo dos costumes e das tradições, como mantê-los de forma autêntica se as relações de produção forem alteradas, atendendo ao novo modelo produtivo implantado? Por maior que seja o apego da comunidade e seu esforço em manter sua memória e cultura locais, é no plano das relações sociais que a cultura e as tradições se estabelecem e podem se manter. A transformação na dinâmica produtiva deve, portanto, alterar e incutir, nesse caso, novos costumes, destruindo a base da tradição local. Restaria uma tosca aparência, em detrimento da essência das antigas bases sociais.
O controle e a vigilância intensiva impostos pelos novos condomínios são indicativos das transformações e dos estranhamentos que eles começam a trazer. Segundo nos relatou um dos agricultores, vagar entre uma propriedade e outra era antes comum – principalmente para buscar uma ou outra cabeça de gado perdida. Hoje, com a presença dos condomínios, esse trânsito se tornou extremamente controlado.
Por isso a tendência apresentada é de que, se apesar da especulação, os moradores da comunidade lá permanecerem, converter-se-ão em meros figurantes de uma encenação que transformará as pessoas e seus modos de vida em meros clichês de si próprios.
Aquilo que está a dar origem à mudança sócio-econômica é exatamente o deslocamento do eixo da atividade econômica: da agricultura familiar para o agroturismo e a indústria turístico-imobiliária. Ora, o produto que as últimas têm para vender é precisamente a primeira (e tudo o que lhe está associado, como o modo de produção, a paisagem, enfim, o “museu” revivalista ou naturalista de um modo de vida) que o capitalismo atual considera economicamente ultrapassada. Por isso, não estará o agroturismo e a indústria turístico-imobiliária a destruírem o próprio objeto de sua atividade, o modelo de vida-lazer que pretendem vender aos turistas e proprietários das luxuosas casas de campo que vão se instalando na cidade? Enfim: não será essa a grande contradição por detrás desse tipo de desenvolvimento?
As hipóteses aqui apresentadas, longe de dar respostas claras e definitivas ao futuro desse processo, objetivam estimular uma reflexão crítica sobre as políticas de desenvolvimento agrário, usando o caso específico de Rancho Queimado para abrir o debate. Mas será a organização dos produtores (ou a falta dela), em oposição à organização gestorial e capitalista, que constituirá o elemento decisivo para resolver essas contradições.
A possibilidade de intervenção real no processo depende claramente do nível de organização autônoma dos trabalhadores, para que eles possam defender seus interesses, que não se confundem com a retórica do “desenvolvimento regional”, nem tampouco com o demagógico “interesse público”. Do contrário, a esperar a articulação institucional e de outras camadas sociais, que prometem prosperidade para “todos”, os pequenos agricultores e trabalhadores ficarão a ver navios, cada vez mais despossuídos do controle e do fruto de seu próprio trabalho. Passa Palavra
Não vejo nada de negativo nas novas atividades econômicas expostas nesse comentário. Acredito que a conservação dos costumes nativos desta cidade depende única e exclusivamente dos habitantes de Rancho Queimado, é comprovado que um dos maiores geradores de prosperidade a um município é o turismo, mas o povo local tem ser educado e preparado para impôr aos turistas, suas regras e costumes, e não deixar com que exploradores imobiliários causem danos a estrutura e as raizes culturais desse simpático município. O público que busca condomínios rurais, nada mais querem que qualidade de vida,e assim os produtores de agricultura familiar terão mais um nicho de clientes para comercializar suas produções. Penso que tudo é uma questão de ótica, e a preservação dessa natureza exuberante, na minha opinião é o que mais conta. Com o tempo as pessoas vão se conhecendo, vão se agrupando, e todos acabam fazendo parte de uma grande comunidade, quem sabe não é preciso fazer mais festas locais para interação dos novos moradores, com a população local, vejamos as coisas por um prisma positivo, porque de negatividade o mundo já esta cheio.