O Partido Comunista alemão, ao mesmo tempo que tentou ultrapassar a social-democracia pela esquerda, tentou ultrapassar os nazis pela direita. Por João Bernardo
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No início, a figura de referência dos comunistas alemães era Rosa Luxemburg, intransigente defensora do internacionalismo da luta de classe, contra todas as alianças de carácter nacionalista. Escreveu ela em 1918, pouco antes de ser assassinada: «Os bolchevistas tiveram de aprender, para seu profundo mal e para mal da revolução, que sob a hegemonia do capitalismo não existe autodeterminação dos povos, que numa sociedade de classes cada classe da nação esforça-se por se “autodeterminar” à sua maneira e que, para as classes burguesas, a questão da liberdade nacional está inteiramente subordinada à da hegemonia de classe». Onde Rosa Luxemburg se enganou foi em julgar que os bolchevistas poderiam ter aprendido a lição, porque para eles, já naquela época, eram os interesses do Estado nacional e as estratégias geopolíticas que haviam passado a prevalecer. Após a morte de Rosa, sucedeu-lhe na direcção do Partido Paul Levi, que se demitiu em 1921 e foi expulso. A partir de então, e por acção directa dos representantes da III Internacional, os temas ideológicos e organizativos herdados de Rosa Luxemburg foram eliminados e substituídos pelo leninismo.
Ora, depois de ter recebido no final de 1920 a adesão da ala esquerda do Partido Social-Democrata Independente, o Partido Comunista alemão depressa se tornou o segundo maior, logo após o soviético. E como a economia alemã era uma das mais desenvolvidas, tudo o que sucedesse entre os comunistas alemães tinha imediatamente uma repercussão mundial.
Em Janeiro de 1923 o Ruhr, uma das províncias alemãs mais industrializadas, foi submetido à ocupação militar franco-belga, com o objectivo de obrigar o país exaurido ao pagamento das reparações de guerra em atraso, que haviam sido impostas pelo Tratado de Versailles. Tornou-se necessária a aceitação de um plano norte-americano pelo governo alemão, em Agosto de 1924, para que as tropas invasoras saíssem em Julho e Agosto de 1925. Se a assinatura do Tratado de Versailles fora considerada pela extrema-direita alemã uma desonra nacional, e pela extrema-esquerda uma submissão ao imperialismo francês, estes sentimentos foram levados ao auge com a ocupação do Ruhr. Quatro dias antes da entrada dos exércitos estrangeiros, uma conferência dos partidos comunistas da Alemanha, da França, da Bélgica, da Itália, da Holanda e da Checoslováquia decidira apelar à resistência; mas esta proclamação internacionalista, que parecia anunciar uma luta de classe por cima das fronteiras, deu afinal lugar a uma actuação estritamente nacionalista, uma aliança de classe dentro do país. A data decisiva nesta viragem, com repercussões tão profundas no comunismo mundial que ainda hoje se fazem sentir, foi o discurso pronunciado em 20 de Junho de 1923 por Radek, perante o comité executivo da Internacional Comunista, em homenagem a Leo Schlageter, um activista de extrema-direita que as tropas ocupantes do Ruhr haviam fuzilado no mês anterior.
Karl Radek é hoje conhecido apenas pelos historiadores especializados naquele período, mas ele teve uma importância enorme na expansão mundial da influência soviética. A diplomacia oficial do jovem Estado ficara a cargo de Tchitcherin, diplomata de carreira e bolchevista, e de Karakhan, que Curzio Malaparte considerava o homem mais belo da Rússia, opinião superada pela da esposa do embaixador alemão em Moscovo, que o tinha como o mais belo de toda a Europa. Mas na diplomacia secreta da Internacional Comunista o primeiro lugar até à morte de Lenin coube a Radek. Bruce Lockhart, um dos principais agentes secretos britânicos activos na Rússia durante a revolução, descreveu Radek de maneira pitoresca como um misto de professor de instrução primária e bandido das estradas, sempre com um enorme revólver enfiado no cinto e carregando livros debaixo do braço.
Em 25 de Março de 1923 o principal órgão do Partido Comunista alemão publicou um artigo de Radek onde os comunistas alemães eram censurados pelo facto de se terem esquecido de lutar «em nome de todo o povo», especialmente em nome daqueles que, apesar de não pertencerem ao proletariado, sofriam com a grave crise económica. Tratava-se de propor que os comunistas concorressem com a extrema-direita na mobilização das camadas empobrecidas exteriores à classe trabalhadora, e esta orientação foi adoptada em Maio daquele ano pelo comité executivo da III Internacional, que declarou: «O Partido Comunista alemão deve mostrar claramente às massas nacionalistas da pequena burguesia e dos intelectuais que só a classe operária, depois de ter alcançado a vitória, conseguirá defender o território alemão, os tesouros da cultura alemã e o futuro da nação». A instância suprema do comunismo mundial decretava que os comunistas se pusessem à frente da entidade nacional e dos valores nacionais, e poucos dias depois o comité central do Partido Comunista alemão repetiu o tema, até que em 12 de Junho, numa reunião alargada do comité executivo da III Internacional, Radek se congratulou pelo facto de a direita nacionalista ter passado a ver um aliado no Partido Comunista alemão: «É significativo que um jornal nazi tenha atacado violentamente as suspeitas que habitualmente envolvem os comunistas; ele diz que os comunistas são um partido combativo, que cada vez mais se está a tornar nacional-bolchevista». Com a desenvoltura que lhe era costumeira, Radek explicou que o «nacional-bolchevismo» que ele criticara três anos antes era ótimo agora. «Em 1920 o nacional-bolchevismo representava uma orientação favorável a certos generais. Hoje, ele expressa o sentimento unânime de que a salvação reside nas mãos do Partido Comunista. Nós somos os únicos a poder encontrar uma saída para a situação em que a Alemanha actualmente se encontra. Colocar a nação em primeiro lugar significa, na Alemanha tal como nas colónias, proceder a um acto revolucionário». Comentando apreciativamente este discurso, Zinoviev, que era então a figura cimeira da III Internacional, elogiou o Partido Comunista alemão pelo facto de não interpretar «o seu carácter de classe num sentido corporativista», o que significa, se as palavras querem dizer alguma coisa, que o carácter de classe se tornara excelente quando deixara de ser de classe. Três dias depois, a 15 de Junho, ainda perante o comité executivo da Internacional Comunista, Radek insistiu na vocação nacional-bolchevista do proletariado alemão ao afirmar que «só a classe operária pode salvar a nação».
Finalmente, cinco dias mais tarde, Karl Radek pronunciou na mesma assembleia o discurso que se tornou célebre, em homenagem a Leo Schlageter. Este militante da extrema-direita teria sido «o viajante do nada» se os seus companheiros dos corpos francos e das organizações civis fascistas não começassem a dar um sentido social positivo às aspirações nacionalistas, abandonando a hostilidade à União Soviética para enfrentarem exclusivamente o imperialismo ocidental, e apoiando-se na classe operária em vez de esmagarem as greves e as revoltas ao serviço dos grandes capitalistas. Tratava-se, em suma, de atrair os fascistas para o campo soviético. Radek formulou estas teses com bastante prudência, insinuando que deveria estabelecer-se uma frente unida não só contra o capital britânico e francês mas ainda contra o capital germânico. Mas as implicações das suas palavras eram iniludíveis e ficara marcado o espaço que seria depois preenchido por uma das convicções mais arreigadas da ortodoxia moscovita, já que o orador não encontrava para o grande capital alemão qualquer base nacional e o apresentava como se fosse inteiramente sustentado pelo estrangeiro. Esta peculiar concepção de imperialismo, que descrevia os maiores capitalistas como um corpo alheio ao país e confundia com a classe trabalhadora os demais estratos sociais dominantes, foi o quadro teórico necessário para dissolver a luta de classe numa afirmação de orgulho patriótico. Os últimos apelos do discurso de Radek desfiguraram o internacionalismo numa «família de povos lutando pela emancipação», convertendo-o numa soma de nacionalismos. Nestes termos o proletariado alemão defenderia não a sua autonomia enquanto classe, mas a coesão de todo o povo, confundindo o comunismo e a nação.
Enquanto esta transformação da luta de classe em luta nacional ocorria no âmbito do Partido Comunista e por instigação da Internacional Comunista, noutro plano encetava-se a aliança entre o governo soviético e o estado-maior do exército alemão. Limitadas pelo Tratado de Versailles a um efectivo de cem mil homens, proibidas de possuir artilharia pesada, aviação militar e submarinos e tendo a artilharia ligeira reduzida a menos de trezentas peças, as forças armadas alemãs usaram a União Soviética para fabricar armamento e proceder a exercícios.
Desde o final de 1919 ou o começo do ano seguinte o chefe do exército alemão, o general von Seeckt, compreendeu que apenas o apoio soviético permitiria ultrapassar as restrições impostas pelos vencedores em Versailles. Ao defender que um acordo económico e político com Moscovo de modo algum comprometeria a luta contra os comunistas no interior do país, von Seeckt demonstrou um entendimento muitíssimo claro da evolução operada pelo bolchevismo. Preso em Berlim em 1919, em virtude das suas actividades junto aos comunistas alemães, Radek começou a ser visitado na cadeia por oficiais partidários da orientação diplomática para leste, a ponto de se alojar durante algumas semanas em casa de um deles, depois de ter sido libertado. Não se sabe se foi então abordada a questão do apoio desejado pelo estado-maior. O certo é que Trotsky recordou que «o início das concessões alemãs na Rússia soviética ocorreu na época em que eu estava ainda ocupado com a guerra civil», o que situa a iniciativa antes de 1921. Note-se que, na Alemanha, tanto o Partido Social-Democrata como o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o próprio presidente da República, também um social-democrata, foram mantidos na ignorância dos contactos entre o exército alemão e as autoridades militares soviéticas, e mesmo o chanceler só foi informado no Outono de 1921, o que significa que as conversações eram travadas directamente entre os dirigentes soviéticos e os representantes dos sectores mais reaccionários e nacionalistas da sociedade alemã. «[…] a casta dos oficiais da Reichswehr [as forças armadas alemãs], apesar da sua hostilidade política ao comunismo, considerava necessária uma colaboração diplomática e militar com a República Soviética», explicou Trotsky mais tarde.
Depois de uma visita que peritos alemães efectuaram no Verão de 1921 às instalações fabris soviéticas e na sequência de vários contactos discretos prosseguidos no Outono e no Inverno desse ano tanto em Moscovo como em Berlim, Radek chegou à capital alemã em Janeiro de 1922 e no mês seguinte encontrou-se com o general von Seeckt, a quem propôs que os alemães ajudassem a reconstruir a indústria militar russa e instruíssem os oficiais soviéticos. Para compreendermos estas conversações na sua devida dimensão é conveniente não esquecer que Radek, além das funções diplomáticas que assumia oficiosamente, era então o principal orientador e chefe político do Partido Comunista alemão. Na versão levada ao conhecimento público, o tratado entre a União Soviética e a Alemanha, assinado em Rapallo em Abril de 1922, limitava-se a restaurar as relações diplomáticas entre os dois países e a enunciar cláusulas de carácter comercial. Todavia, o aspecto mais importante dos acordos mantinha-se secreto e consistia na cooperação de ambos os exércitos. Em Maio desse ano iniciaram-se negociações entre o general von Hasse, que em breve estaria à frente do que era de facto o estado-maior, e Krestinsky, que desde Outubro do ano anterior era o representante soviético em Berlim, para tratar da participação directa dos grandes industriais do Ruhr no estabelecimento de uma indústria de guerra germânica na União Soviética. Aliás, antes de se iniciar a produção de material bélico já muitos pilotos alemães se treinavam nos céus soviéticos. As negociações prosseguiram em Berlim ao longo do ano, e em Dezembro Radek avistou-se de novo com von Seeckt, que assumira o comando-chefe da Reichswehr, fixando-se os termos da futura cooperação entre as duas forças armadas. Graças a um contrato assinado pelo governo soviético e pela empresa Junkers, seriam fabricados aviões de guerra e motores de avião, e também a Fokker estabeleceria em território soviético várias linhas de produção de aviões de guerra, a mais importante entrando em funcionamento em 1925. Por seu lado, a Dornier fabricaria hidroaviões militares em Kronstadt, onde outra empresa montaria modelos de submarinos. Sob direcção germânica seriam ainda criadas várias escolas de pilotagem militar, destinadas tanto a alemães como a soviéticos. Em diversas instalações industriais seriam produzidas munições sob a orientação de técnicos da Krupp, destinando-se uma parte da produção ao Exército Vermelho, enquanto o restante seria exportado para a Alemanha. E, já que as potências vencedoras haviam interdito também à Alemanha o uso de blindados, seria fundada uma fábrica de tanques de guerra, parece que igualmente sob direcção da Krupp, dispondo de um campo de manobras para treinar os militares dos dois países. Seria também constituída uma companhia mista germano-soviética com o objectivo de produzir gases venenosos, outro tipo de arma proibido em Versailles, mas não parece que haja acordo entre os historiadores para saber se esta fábrica chegou a funcionar.
Os generais alemães, enquanto reprimiam o operariado e o chacinavam por ocasião das suas tentativas insurreccionias, recebiam o apoio material e logístico das autoridades soviéticas. Nada podia revelar melhor que era a geopolítica nacionalista e não a luta de classe a interessar Moscovo. As consequências foram trágicas, porque ao contribuir para armar e treinar as forças armadas alemãs, o governo soviético fortaleceu aquele que viria a ser um dos mais fortes sustentáculos iniciais do Terceiro Reich.
O discurso de Radek anunciou publicamente o novo rumo. Mátyás Rákosi, dirigente comunista húngaro que era, ou fora, um dos representantes da III Internacional junto aos comunistas alemães, escreveu num artigo que «um partido comunista […] deve levar em conta a questão nacional do seu país. […] O partido alemão conseguiu-o com muito êxito. […] Está em vias de fazer com que os fascistas alemães percam a arma nacionalista». A história haveria de mostrar, pelo contrário, que a nova orientação entregara às manipulações dos fascistas a arma comunista. As sucessivas crises na direcção soviética após a morte de Lenin, o afastamento de Radek e as frequentes mudanças nos órgãos dirigentes do Partido Comunista alemão consolidaram a orientação nacionalista. É certo que ela deparou com algumas resistências, que preferiam o estabelecimento de uma frente comum com a social-democracia, representativa da unidade da classe operária, em vez de acordos com a extrema-direita. Mas a Internacional Comunista pressionava em sentido contrário, e mesmo Brandler e Thalheimer, que dirigiam o Partido depois do afastamento de Levi e se identificavam com a política de frente comum com a social-democracia, passaram a defender o carácter nacional da resistência ao Tratado de Versailles e à ocupação do Ruhr e afirmaram que a burguesia alemã podia, ainda que provisoriamente, desempenhar um papel revolucionário, desde que os comunistas se pusessem à frente do movimento e encabeçassem resolutamente a luta nacional. A imprensa oficial do Partido Comunista alemão abriu então as suas páginas a alguns dos intelectuais mais eminentes da extrema-direita, como Moeller van den Bruck, ou até a figuras como o conde Reventlow, destacado anti-semita e membro activo da ala populista do nacional-socialismo. Ruth Fischer, que dentro do Partido encabeçava a ala oposta Brandler e Thalheimer e defendia um empenhamento ainda maior na abertura à extrema-direita, chegou ao ponto de considerar o anti-semitismo como uma componente do anticapitalismo. «Quem luta contra o capital judaico […] é já um combatente de classe, mesmo que o não saiba», proclamou ela num discurso. «Abatam os capitalistas judeus, enforquem-nos nos candeeiros, esmaguem-nos!». A geopolítica substituíra francamente a luta de classes. «O imperialismo francês é agora o maior perigo mundial. A França é o país da reacção», dizia Ruth Fischer. «Só ligado à Rússia […] o povo alemão pode expulsar o capitalismo francês da bacia do Ruhr». E apercebemo-nos de toda a dimensão desta catastrófica degenerescência do comunismo ao sabermos que a facção que procurava o apoio da extrema-direita numa plataforma nacionalista se apresentava como alternativa «de esquerda» à orientação supostamente «de direita» que consistia em restaurar a unidade de acção do operariado através de um acordo com a social-democracia.
Dando mais uma vez provas da sua notável inteligência política, Paul Levi, que depois de ter saído do Partido Comunista passara a animar uma corrente de extrema-esquerda no Partido Social-Democrata, escreveu no final de 1923 que «em vez de uma forte força proletária no final da guerra no Ruhr, o que houve foi um fedor nacionalista-comunista que deixou envenenada a Alemanha inteira. Os nacionais-socialistas reivindicam o mesmo direito que os comunistas proclamam, o de serem os herdeiros da Alemanha moribunda: uns apresentam-se como nacionais-comunistas e os outros como comunistas-nacionalistas, e assim, no fundo, ambos são iguais». Havia ainda quem, como Pfemfert com a sua revista Die Aktion, na extrema-esquerda do expressionismo, lançando a ponte entre conselhistas e anarco-sindicalistas, previsse os funestos resultados deste pendor nacionalista. A lição estava dada, Rosa Luxemburg já a tinha enunciado cinco anos antes, só que os comunistas não aprenderam com ela.
Em Abril de 1924, no 9º Congresso dos comunistas alemães, a facção de Ruth Fischer afastou Brandler e Thalheimer e assumiu a direcção. Um interveniente no congresso denunciou a existência de correntes hostis aos judeus no interior do Partido e nesta ocasião Clara Zetkin observou lucidamente que a nova maioria simpatizava tanto com o esquerdismo contrário à actividade parlamentar como com o fascismo anti-semita. Mas a velha amiga de Rosa Luxemburg fora afastada de qualquer influência partidária e era mantida em Moscovo como uma figura decorativa. Os avisos, estes e outros, foram em vão. Os novos dirigentes do Partido Comunista alemão não só encerraram quaisquer veleidades de se estabelecer uma frente única com a social-democracia, como apresentaram enquanto tarefa principal a liquidação completa do Partido Social-Democrata.
Foi então que Zinoviev, à frente da III Internacional, decretou que a social-democracia constituía um «social-fascismo» e que todo o perigo do fascismo vinha dos partidos sociais-democratas. Classificar a social-democracia como «social-fascismo» foi a condição ideológica necessária para que os comunistas seguissem uma estratégia nacional-bolchevista. Estes dois duplos conceitos aberrantes justificavam-se mutuamente, e os partidos comunistas, ao mesmo tempo que tentavam ultrapassar a social-democracia pela esquerda, tentavam também ultrapassar o fascismo pela direita, proclamando-se eles como os verdadeiros nacionalistas. Esta orientação não se restringiu à Alemanha e aplicou-se a todo o mundo. Até nos Estados Unidos o minúsculo Partido Comunista combatia denodadamente, ou seja, à paulada na rua, o cordato Partido Socialista. Em França não foram poucos os comunistas a simpatizar com certas acções de rua das milícias fascistas, enquanto a direcção do Partido se recusava a qualquer unidade de acção com os socialistas. A actuação dos partidos comunistas facilitou a ascensão dos fascismos em todo o mundo, mas foi na Alemanha que teve consequências mais catastróficas.
Em meados de 1925 precipitou-se nova crise na direcção do Partido Comunista alemão e em Julho reuniu-se o 10º Congresso. No entanto, o afastamento de Ruth Fischer, no Outono desse ano, não alterou a ala hegemónica do partido, pois a maioria da nova direcção continuou a caber aos antigos partidários de Ruth Fischer, ocupando o lugar cimeiro Ernst Thälmann, que fora o braço direito da chefe excluída. Desde então até ao final de 1928 os comunistas alemães atravessaram uma fase de indefinição estratégica, que, todavia, não impediu o 11º Congresso, realizado em 1927, de denunciar «pontos de contacto» entre o fascismo e a social-democracia, quando na realidade eram os comunistas quem multiplicava esses contactos num comum acordo contra o Partido Social-Democrata. A política e a linguagem clarificaram-se no 12º Congresso, efectuado em Junho de 1929, que considerou a social-democracia como a vanguarda do fascismo, o principal factor do seu desenvolvimento e a sua modalidade mais perigosa e agressiva, tanto internamente como na política estrangeira.
Também o relatório inicial da 10ª reunião plenária do comité executivo da Internacional Comunista, realizada em Julho de 1929, assinalou o «social-fascismo» como a modalidade de fascismo que devia ser combatida com maior urgência e, passados dois anos, a 11ª reunião plenária deu a primazia à luta contra as teses que supunham a existência «de uma contradição entre o fascismo e a democracia burguesa, bem como entre as formas parlamentares e as formas abertamente fascistas de ditadura da burguesia […]». Como declarou no final de 1931 o representante da Internacional junto ao Partido Comunista alemão, «só se pode lutar contra o fascismo conduzindo uma luta mortal contra a social-democracia». Nesta perspectiva, em Agosto e Setembro de 1932, precisamente quando o Partido Nacional-Socialista obtivera um número de votos superior à soma dos votos comunistas e sociais-democratas, a 12ª reunião plenária do comité executivo da Internacional Comunista persistiu na denúncia do Partido Social-Democrata como inimigo principal. À medida que os nazis se aproximavam do poder, os dirigentes comunistas descobriram que eles representavam uma forma de capitalismo mais avançada do que a social-democracia, e por conseguinte, em nome da dialéctica marxista e das leis do progresso social, que o radicalismo nazi devia ser apoiado contra o reformismo social-democrata. Este colossal erro de estratégia decorria de um erro, não menos impressionante, na avaliação da dinâmica do capitalismo.
Num discurso pronunciado em Fevereiro de 1932 perante o comité central do seu partido, Ernst Thälmann declarou: «A nossa estratégia consiste em dirigir o principal ataque contra a social-democracia, sem com isto enfraquecer a luta contra o fascismo de Hitler; é precisamente ao dirigir o principal ataque contra a social-democracia que a nossa estratégia cria as condições prévias de uma efectiva oposição ao fascismo de Hitler. […] A aplicação prática desta estratégia na Alemanha exige que o principal ataque seja desferido contra a social-democracia. Com as suas sucursais esquerdistas, ela fornece os instrumentos mais perigosos aos inimigos da revolução. Ela constitui a principal base social da burguesia, é o factor mais activo da transformação fascista […] e, ao mesmo tempo, enquanto “ala moderada do fascismo”, ela sabe empregar as manobras mais enganadoras e mais perigosas de maneira a atrair as massas para a ditadura da burguesia e para os seus métodos fascistas».
É certo que tanto as memórias escritas por algumas pessoas que viveram por dentro estes acontecimentos como as análises de certos historiadores confirmam a existência de uma forte oposição de muitos militantes à orientação decretada pela III Internacional e seguida pela direcção do Partido, e houve organizações comunistas de base que se comprometeram com os sociais-democratas em acções comuns contra os nazis. Mas quando isto sucedeu elas foram severamente repreendidas pela direcção do Partido. Seis meses antes da chegada de Hitler ao poder o secretariado do comité central do Partido Comunista alemão declarou numa circular que o Partido Social-Democrata continuava a ser o «principal apoio da burguesia» e que qualquer acordo entre as direcções dos dois partidos a respeito de manifestações e de acções comuns era «inadmissível».
Em 1931 e 1932 as milícias comunistas juntaram-se muitas vezes às milícias nazis para destroçar à paulada ou a tiro os comícios sociais-democratas, o que aliás não as impedia de se combaterem umas às outras quando o inimigo comum não servia de pretexto de união. Compreende-se que nestas circunstâncias a organização operária do Partido Nacional-Socialista tivesse apoiado a greve dos metalúrgicos de Berlim, desencadeada pelos comunistas em Outubro de 1930, e que ao longo dos dois anos seguintes os comunistas se tivessem esforçado por atrair um movimento camponês conotado com a extrema-direita. Em troca, o Partido Comunista juntou em Agosto de 1931 os seus votos aos do Partido Nacional-Socialista e de outra organização de extrema-direita num referendo contra a social-democracia na Prússia, consoante as directivas emanadas do comité executivo da Internacional. Thälmann justificou esta atitude em Fevereiro de 1932 − exactamente um ano antes de Hitler ser nomeado chanceler − declarando que o governo social-democrata da Prússia, juntamente com a central sindical socialista, «confirmam de maneira plena e completa que a social-democracia é o factor mais activo na transformação fascista da Alemanha». Assim, os comunistas unir-se-iam aos nacionais-socialistas para combater o fascismo! Esta aproximação culminou na votação conjunta dos deputados comunistas e dos deputados nazis destinada a derrubar o governo de von Papen, na sessão parlamentar de 12 de Setembro de 1932. Durante o pouco tempo que lhe restaria o Partido Comunista alemão recorreu a um nacionalismo exacerbado para tentar cativar a extrema-direita. A greve dos transportes públicos de Berlim, que os comunistas iniciaram a 3 de Novembro de 1932 em oposição aos sindicatos sociais-democratas, contou com a colaboração activa dos nazis e os dois partidos organizaram piquetes comuns. Não faltaram então, na esquerda internacionalista, vozes a prevenir que o Partido Comunista estava apenas a ajudar o nacional-socialismo, mas se os avisos de Rosa Luxemburg, de Paul Levi, de Pfemfert, de Clara Zetkin e de tantos outros haviam sido inúteis, estes foram-no também. Em 1934, com os nazis no poder há mais de um ano e com as prisões alemãs cheias tanto de comunistas como de sociais-democratas, a 13ª reunião plenária do comité executivo da Internacional Comunista decretou, numa das suas resoluções, que «a social-democracia continua a desempenhar a função de principal apoio social da burguesia mesmo nos países em que vigora declaradamente uma ditadura fascista».
Só o 7º Congresso da Internacional Comunista, em meados de 1935, inverteria esta orientação e iniciaria a fase das frentes comuns com a social-democracia. Mas para a Alemanha era tarde demais. O nacionalismo, neste caso ultranacionalismo, da III Internacional e especialmente do Partido Comunista alemão havia já liquidado a segunda maior organização comunista e destroçado completamente aquela que fora a vanguarda mais aguerrida do operariado mundial.
Referências
A citação de Rosa Luxemburg de 1918 é extraída do seu ensaio póstumo acerca da revolução russa e pode ser encontrada em http://www.marxists.org/archive/luxemburg/1918/russian-revolution/ch03.htm Acerca da beleza de Karakhan ver Curzio Malaparte, Le Bal au Kremlin, Paris: Denoël, 2005, pág. 33. A descrição de Radek com revólver e livros está em Bruce Lockhart, Memoirs of a British Agent, Londres: Folio, 2003, págs. 183-184. A citação do artigo de Radek de 25 de Março de 1923, a declaração do comité executivo da III Internacional de Maio de 1923, o discurso de Radek de 12 de Junho de 1923, o comentário de Zinoviev e a alocução de Radek em 15 de Junho de 1923 estão em Pierre Broué, The German Revolution, 1917-1923, Londres: The Merlin Press, 2006, págs. 723, 725 e 726. O discurso de Karl Radek, «Leo Schlageter: Der Wanderer ins Nichts», publicado em Die Rote Fahne, 26 de Junho de 1923, está antologiado em Anton Kaes, Martin Jay e Edward Dimenberg (orgs.) The Weimar Republic Sourcebook, Berkeley, Los Angeles e Londres: University of California Press, 1995, págs. 312-314. O artigo de Leon Trotsky a respeito dos acordos militares germano-soviéticos, «Vyshinsky’s Tactics Forecast», publicado em The New York Times, 5 de Março de 1938, vem reproduzido em George Breitman e Evelyn Reed (orgs.) Writings of Leon Trotsky (1937-38), Nova Iorque: Pathfinder, 1970, págs. 131-132. O artigo de Rákosi está citado em Ossip K. Flechtheim, Le Parti Communiste Allemand (K. P. D.) sous la République de Weimar, Paris: François Maspero, 1972, pág. 118. As delirantes declarações de Ruth Fischer encontram-se em id., ibid., pág. 119 e, parcialmente, em Broué, pág. 729 n. 92 e em Ernst Nolte, Nazionalsocialismo e Bolcevismo. La Guerra Civile Europea, 1917-1945, Florença: Sansoni, 1989, pág. 99. O artigo de Paul Levi de 1923 está citado em Broué, 905. A citação relativa ao 11º Congresso do Partido Comunista alemão vem em Flechtheim, pág. 182. As discussões travadas na 11ª reunião plenária do comité executivo da Internacional Comunista estão referidas em João Arsénio Nunes, «Da Política “Classe contra Classe” às Origens da Estratégia Antifascista: Aspectos da Internacional Comunista entre o VI e o VII Congressos (1928-1935)», em O Fascismo em Portugal. Actas do Colóquio Realizado na Faculdade de Letras de Lisboa em Março de 1980, Lisboa: A Regra do Jogo, 1982, pág. 49. As declarações proferidas no final de 1931 pelo representante da III Internacional junto ao Partido Comunista alemão encontram-se em Hermann Weber, «Postface», em Flechtheim, pág. 318 e Hermann Weber, La Trasformazione del Comunismo Tedesco. La Stalinizzazione della KPD nella Repubblica di Weimar, Milão: Feltrinelli, 1979, pág. 249. O discurso de Ernst Thälmann em Fevereiro de 1932 está citado em Kaes et al., págs. 327 e 328. A circular do comité central do Partido Comunista alemão, de finais de 1932, vem mencionada em Weber, «Postface», em Flechtheim, págs. 320-321. A passagem citada do discurso de Thälmann em Fevereiro de 1932 está em Kaes et al., pág. 328. A resolução da 13ª reunião plenária do comité executivo da Internacional Comunista encontra-se mencionada no artigo de Leon Trotsky, «Are there no Limits to the Fall? A Summary of the Thirteenth Plenum of the Executive Committee of the Communist International», publicado em The Militant, 10 de Março de 1934, e reproduzido em George Breitman e Bev Scott (orgs.) Writings of Leon Trotsky (1933-34), Nova Iorque: Pathfinder, 1972, pág. 211.
Gostaria de ter lido mais sobre a contribuição de Trotsky à conformação do nacional-bolchevismo.
Tive a impressão que no “Capital, Sindicato, Gestores” esteve colocada de forma mais contundente esta participação.
No mais considero importantíssima e extremamente oportuna a contribuição deste artigo.
Caro João, aproveitando o comentário acima gostaria de perguntar-lhe algo. Em “Para uma teoria do modo de produção comunista” (ed. Afrontamento – 1975) você, analisando Trotsky, diz que o leitor que quisesse maiores detalhamentos sobre a ideologia de tal autor deveria se reportar ao seu “Contra Trotsky” que seria publicado. Você chegou a publicar esse estudo???
No mais obrigado por mais um artigo muito esclarecedor.
Abraços
Caro Leitor
Eu escrevi um livro, a que dei o título Contra Trotsky, se não me engano em 1972. O manuscrito ficou completo e pronto, mas não o publiquei nem tenciono publicá-lo. No entanto, as principais conclusões desse livro, e até uma parte da documentação em que me fundamentei, encontram-se na base das págs. 429 a 472 do meu Labirintos do Fascismo.
Cordialmente,
João Bernardo
Caro João
Li os três artigos da série e gostei bastante. Há muito tempo venho buscando textos de autores marxistas que discutam essa temática sem rodeios, sopesos ou receios. Parabéns pela escrita incisiva.
Essa leitura me fez (re)pensar diversos atos da esquerda marxista brasileira, a começar pela aliança do PCB de Prestes com o getulismo…
Abraço.
Vavá, o mais curioso é saber que a “oposição de direita” do PC alemão (a linha de Brandler/Thalheimer) sobreviveu no Brasil a partir da influência de Eric Sachs, uma das principais referências intelectuais da POLOP (Política Operária). A POLOP foi a principal organização a fazer críticas à política do PCB desde seu surgimento em 1961, e uma das poucas a elaborar um programa político de passagem direta para o socialismo após uma possível revolução no Brasil, sem passar pela mediação da revolução nacional-burguesa.
Hoje, sabe quem é a corrente política que poderia muito bem ser considerada, com certo exagero e muito anacronismo, como a “principal herdeira” da POLOP? A Ação Popular Socialista (APS), corrente do PSOL. Muitos ex-polopeiros estão hoje na APS, e grande parte das organizações resultantes da fragmentação da POLOP nos anos 1960/1970 desembocou na antiga Força Socialista, corrente do PT que foi a principal animadora da criação da APS.
O artigo é excelente. Ainda sobre temas próximos, gostaria de saber se os amigos podem confirmar uma informação: existiram setores trotskistas durante a Guerra Civil Espanhola que adotaram uma postura anti-semita ou, ao menos, que recomendavam uma política velada de não aceitação de judeus nas áreas revolucionárias? Grato desde já.
Nantess0r,
Não tenho conhecimento de nenhum documento desse teor emanado dos trotskistas durante a guerra civil. De qualquer modo, a IV Internacional foi irrelevante em Espanha nessa época, porque o desenvolvimento do POUM impediu o crescimento do trotskismo. Conheço, isso sim, um documento contrário aos judeus e emanado da direcção da central sindical anarquista. Tratei desse assunto nas págs. 727-730 do meu livro Labirintos do Fascismo. Na Encruzilhada da Ordem e da Revolta (Porto: Afrontamento, 2003). Para quem não disponha da obra, transcrevo em seguida a passagem correspondente da versão que tenho em computador e que, aliás, é mais completa e detalhada do que a versão impressa. Poderemos assim entender o contexto em que se inseriu esse espantoso documento.
A respeito da posição dos comunistas alemães, ano passado, 2014, circulou um texto que serviu como fundamento para algumas lideranças do PSOL apoiarem a Dilma Rousseff no 2 turno das eleições.
Curiosamente, o referido texto (link no final) ignora a questão do nacionalismo no interior do partido comunista alemão e se refere à política da III internacional e do partido comunista como ‘uma linha política ultra-esquerdista, de “classe contra classe”.
Ignoram as questões levantadas pelo artigo aqui no Passa Palavra
Att.
segue o link
http://grabois.org.br/portal/noticia.php?id_sessao=8&id_noticia=13551
A respeito das críticas ao trotskismo, quais páginas da nova edição do Labirintos do Fascismo correspondem àquelas citadas pelo JB?
Breno,
Na segunda versão, disponível na internet, deve consultar as págs. 615-667.
Já agora, aproveito para algumas considerações. Trotsky foi um teórico muito interessante, com um pensamento ágil e criativo, mas precisamente por isso evoluiu bastante, as suas opiniões transformaram-se e em alguns aspectos são francamente contraditórias. Porém, enquanto dirigente político ele pretendeu apresentar-se como feito de uma só peça, o que o levou a contorções e acrobacias, dando o dito por não dito e pretendendo mascarar certas posições que tivera anteriormente. Pior ainda, pretendeu fazer esquecer algumas obras suas, especialmente o Relatório da Delegação Siberiana e As Nossas Tarefas Políticas. A este respeito, há uma história curiosa, que me contou Maurício Tragtenberg. Um conhecido intelectual trotskista (não, não é esse em quem estão pensando; é o outro, mais velho) organizou um congresso sobre a obra de Trotsky e convidou o Maurício a apresentar uma comunicação. O Maurício aceitou, mas com a condição de ser acerca de As Nossas Tarefas Políticas. O organizador disse-lhe que não tinha nenhuma objecção, o Maurício apresentou a comunicação, houve o debate habitual, tudo parecia ter corrido da melhor maneira, só que quando saiu o livro que reunia as comunicação, a do Maurício tinha sido suprimida. E sem que o tivessem prevenido. Como há muito mais pessoas a ler um livro do que a assistir às sessões de um congresso, a tesoura da censura funcionou onde era mais eficaz.
É que, se Trotsky se sentia na necessidade de esconder algumas obras suas ou de adulterar o conteúdo de outras, a questão é ainda mais premente para os discípulos. Se os leitores do Passa Palavra lerem as duas obras que mencionei (ignoro se existem traduções em português) compreenderão porquê. Ou se lerem Terrorismo e Comunismo. Ou se conhecerem a defesa sistemática do trabalho forçado como via para o comunismo. Quanto a isto, os leitores interessados poderão consultar as págs. 484-494 da segunda versão do Labirintos do Fascismo. Seria interessante que os trotskistas brasileiros divulgassem agora o discurso de Trotsky no 9º Congresso do Partido Comunista russo e a sua intervenção no 3º Congresso Pan-Russo dos Sindicatos. Aqui deixo a sugestão.
No entanto, a agilidade intelectual e a criatividade de Trotsky impedem que ele fique confinado em posições absolutas. Se alguém tiver lido o Labirintos do Fascismo verá que, entre os teóricos daquela época, considero que foram Franz Neumann e Trotsky quem mais longe chegou na compreensão do fenómeno fascista. Mas Neumann restringiu-se à análise do nacional-socialismo alemão, enquanto Trotsky analisou o fascismo globalmente, e se discordo de algumas vertentes da sua análise, não é por isso que não a considero muito interessante e, aliás, indispensável.
Secundando JB
Leon Trotsky, OBRAS:
INFORME DE LA DELEGACIÓN SIBERIANA
https://www.marxists.org/espanol/trotsky/1903/info.htm
NUESTRAS TAREAS POLÍTICAS
https://www.marxists.org/espanol/trotsky/1904/tareas.htm
Noves fora Mario Pedrosa (“não é esse em quem estão pensando”), quem seria “o outro, mais velho”?
Obrigado, João Bernardo.
Sugestões preciosas. Lerei todas.
Cordialmente
Pedrosa já não era trotskista quando Tragtenberg passou a ser convidado para este tipo de eventos, lá pelo final dos anos 1970. Tinha os contatos, ajudou na fundação da Convergência Socialista a partir do exílio, mas já não se dizia mais trotskista.
Caro João Bernardo,
Seus apontamentos críticos sobre Trotsky são geniais!
Aproveitando para fazer um elogio de caráter pessoal com uma pequena confissão.
Minha formação foi na Fundação Santo André que era reduto de professores de extração lukacsiana. E foi me ensinado sobre fascismo, prussianismo e integralismo tudo a partir das reflexões do livro a “Destruição da Razão” e nas reflexões do livro do José Chasin sobre o “Integralismo de Plínio Salgado”. Há uns quatro-cinco anos conversando com um amigo relembrando da vida universitária falávamos como era uma heresia alguém discordar destas análises. E hoje estudando seu livro estou adorando seus apontamentos que você faz sobre Lukács. Estudo e debate que meus amigos e eu não tivemos na vida universitária.
Diante da recente publicação inédita do livro do Lukács em língua portuguesa, saúdo a publicação de seu livro.
Abraços fraternos
Caro Pedro Irio,
O grande problema com os marxistas — não com Marx, mas com os marxistas — é que deixam de usar as contradições e a perspectiva histórica, ou seja, deixam de usar a dialéctica quando chegam a Marx ou a qualquer outro personagem da sua devoção. No Labirintos do Fascismo eu sou muito crítico de Trotsky no que diz respeito à orientação económica que ele defendeu a seguir a Outubro de 1917 e durante a guerra civil, e critico também as contorções e distorções que foi operando ao longo do tempo na sua tese inicial da revolução permanente. Mas elogio muito as análises a que ele procedeu sobre o fascismo. Considero que na época, entre os marxistas, não houve ninguém que tivesse entendido tão bem o fascismo como Trotsky. O mesmo se passa com Lukács. A História e Consciência de Classe, que eu li muito novo, influenciou-me para o resto da vida. Comprei o livro ainda no Portugal de Salazar, na edição francesa, vendida à socapa numa livraria que fazia isso aos clientes em quem tinha confiança. A Destruição da Razão abriu-me os olhos para muita coisa e não gostei de outras, assim como lhe critico algumas lacunas, mas não sucede isto com tudo na vida? Quanto às obras de Lukács sobre a literatura francesa e o realismo, foram feitas para servir os donos. Ele corta Balzac a meio, usa só a parte aceitável, escamoteia o resto e, no final, desvirtua completamente o romancista. Mas que outra coisa poderíamos esperar? Lukács optou pela sobrevivência, e os ziguezagues a que procedeu foram a condição para não sair do seu país e se manter vivo. Toda a história do marxismo ficaria mais clara e mais compreensível se reconhecêssemos que os seus personagens são humanos.
Caro João Bernardo,
Curiosamente você citando os escritos estéticos do Lukács – são ótimos -, mas também ficou reduzido às aulas de estética e história da arte reduzida em torno do velho marxista magiar.
Muito obrigado pela sua explicação da situação existente entre os marxistas.
Abraços fraternos