Por Sarah Bernhardt

Era terça-feira. O ato tinha começado bem, apesar dos contratempos com os ônibus que viriam do interior e a presença marcada da Polícia Militar dentro da reitoria da USP [Universidade de São Paulo], sendo que várias viaturas haviam chegado mais cedo e estavam lá dentro. Dando início, saímos da reitoria e caminhamos até o Portão 1, logo ultrapassamos a faixa e ganhamos um pedaço da Avenida Alvarenga. Lá pelas 16 horas decidia-se se voltaríamos à reitoria e faríamos um “abraço” dando a volta nela, e os que concordaram começaram a andar junto com as pessoas que vieram do interior.

b-2Como sempre começou um racha [divisão] no movimento, sendo que os funcionários e os ônibus que vieram do interior, que partiriam mais ou menos às 16h30 da USP foram caminhando para a reitoria. O MNN [Movimento Negação da Negação] em sua maioria queria ficar, e tinha um pessoal [malta] das Artes lá em frente com eles, entre outras pessoas; eu estava no meio entre os que já tinham entrado  na USP e os que ficavam, porque não queríamos separar o bloco de pessoas. Tínhamos começado a voltar, quando sabe-se lá porque (se foi uma manobra ou devido a um cone que estaria sendo roubado) quatro policiais começaram a correr com cassetetes na mão pelo canteiro, quando um grupo de pessoas foi em direção a eles, sem agressão nenhuma, acabando por encurralá-los nas paredes de madeira do “paço das artes” [e gritando palavras de ordem]. Eles pediram reforços, e em menos de 1 minuto vieram 3 motos que estavam na avenida à frente e 3 viaturas da reitoria, já com escudos. Tínhamos voltado a andar quando ouvimos muitas pessoas gritarem “corre! corre!” – e logo eles começaram a lançar as bombas de efeito moral.

Ninguém tinha planejado um ponto de encontro, pois ninguém imaginava que isso iria acontecer. Todos estavam correndo, algumas pessoas entraram na Faculdade de Educação e levaram [foram atingidas com] balas de borracha; e o resto só podia correr para frente na direção da reitoria; alguns diziam para reunir as pessoas lá, que já se dispersavam, quando as bombas começaram a lá chegar também. Os que ficaram ali se defenderam, pegaram pedras e jogavam ou contra a reitoria ou contra a PM, sob protestos de outros. A PM apreendeu 2 carros de som e destruiu as caixas de outro, dificultando a reunião dos alunos, e neste momento prenderam o Brandão e o aluno Caio, que não se sabe de qual curso é. Na praça do relógio os grupos se dispersaram. Pessoas ficaram machucadas [feridas] de balas de borracha ou queimaduras de bombas.

b-11Parte do grupo das intervenções artísticas, que estava presente no ato, foi para o CAC [Departamento (sic) de Artes Cênicas]; alguns funcionários correram para o SINTUSP [Sindicato dos Trabalhadores da USP] para de lá se reorganizar; e uma maioria correu para a Faculdade de História, onde formaram barricadas de pedras e cadeiras. Do CAC recebíamos notícias que foram jogadas bombas de gás lacrimogêneo dentro do prédio, e algumas pessoas saíram de lá passando mal [incluso professores]. Outras deitavam na grama [relva] por estarem sufocadas com o cheiro do gás.

Ouvíamos as bombas explodirem e mantínhamos contato para saber qual caminho podíamos tomar para não dar de cara com a tropa, pois eles haviam fechado a avenida da História até os bancos. Fizemos uma reunião em conjunto com a EAD [Escola de Artes Dramáticas], que suspendeu as aulas imediatamente quando soube do que ocorria. E quando soubemos do recuo fomos até lá onde começou uma assembléia.

Os ânimos estavam muito agitados, até que o Brandão retornou e deu informes sobre o ocorrido na polícia, assim como o professor Luizito, que acompanhava toda a manifestação. Ficou decidido um ato que sairia da reitoria e iria até a Avenida Paulista, e a formação de comissões para a organização do ato. De fato, as pessoas estavam muito cansadas e eu pensava que um ato já para o outro dia era precipitado.

Quem diria, que no ano de 2009 e sob as fachadas e tintas de um regime democrático, viveríamos dias de 68 novamente?

Fotografias: Nilton Fukuda e Márcio Fernandes.

6 COMENTÁRIOS

  1. Sou aluno de filosofia e morador do crusp.As coisas por aqui estão bem piores do que os que estão de fora imaginam.A polícia jogou bomba desmoralizante num predio do crusp e no predio da história e geografia, prendeu e agrediu, inclusive algemando,um colega do meu apartamento sem nenhuma acusação formal. os próprios policiais não sabiam o que dizer ao chegar à delegacia.A polícia perambula pelo campus com escopetas, rifles,granadas e outras quinquilharias bélicas e muita gente entre alunos e professores estão achando isto muito apropriado.O sentimento policialesco e de securização tomou conta da sociedade.A usp caminha para a privatização maius rápido do que percebemos. É o fim !

  2. É fascismo mesmo, gente! Já caiu a ficha de que a sociedade inteira está ficando assim?

  3. Parece que estes movimentos estão muito vulneraveis – reativos, sem projeto alternativo pra universidade e sociedade, e sem respaldo na sociedade. Por isso ficaram muito vulneráveis à repressão.
    É preciso denunciar esse fascismo urgentemente para a sociedade e movimentos, antes que seja tarde. Essa é a questão mais imediata das esquerdas atuais.

  4. Para além do texto e seu estilo vivo, elogios ao nome, Sarah Bernhardt era uma figuraça!

  5. Enquanto a esquerda não se unifica e fica essas disputas de correntes pela vanguarda, a tendencia é a repressão piorar.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here