Por Leo Vinicius

1. De março até agora

battisti3Desde abril último, importantes pareceres institucionais e simbólicos vieram reforçar o entendimento de que Cesare Battisti não deve e não pode ser extraditado para a Itália. O constitucionalista José Afonso da Silva, tido como um dos mais respeitados do país, deu parecer a favor da extinção do processo de extradição, uma vez sendo legal a concessão de refúgio dada pelo Ministro da Justiça. Parecer que foi feito a pedido da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] e aprovado pela entidade, que assim se posicionou oficialmente a favor da permanência de Battisti no Brasil, e em liberdade. A pedido do próprio relator do processo no STF [Supremo Tribunal Federal], a Procuradoria Geral da República também deu parecer pela legalidade da decisão do Ministro da Justiça. O Conare (Comitê Nacional para Refugiados) e o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) divulgaram documento em que se posicionam a favor de que o STF respeite a decisão do Ministro da Justiça, demonstrando o receio de que qualquer decisão em contrário implique em um retrocesso na concessão de refúgio político não só no Brasil, mas no mundo.

No início de junho o presidente da OAB divulgou nota pedindo rapidez no julgamento do pedido de extradição de Cesare Battisti por parte do STF. Battisti, que recebeu status de refugiado em dezembro do ano passado, ainda se encontra preso, seis meses depois, somando quase dois anos e meio de prisão no Brasil. O presidente da OAB bem aponta que a morosidade do processo, ruim em si mesma, se agrava pela falta de liberdade de Battisti.

Ministro Gilmar Mendes em conversa com o embaixador da Itália no Brasil
Ministro Gilmar Mendes em conversa com o embaixador da Itália no Brasil

Em janeiro, em meio à repercussão da concessão do refúgio na mídia, o presidente do STF, Gilmar Mendes, dizia que o tema seria posto em julgamento em março. De março, a previsão foi para maio, de maio para junho, e agora… Bem, agora, nenhuma notícia na grande imprensa brasileira sobre um novo possível mês de julgamento do pedido de extradição feito pela Itália. Mas os jornais italianos dizem que será em agosto… A colocação em pauta de processos é atribuição exclusiva do presidente do STF, Gilmar Mendes…

Alguns colunistas, que pretendem se passar por esquerda ou ter leitores de esquerda, costumam evocar nomes de políticos que foram do finado PCI (Partido Comunista Italiano), como o presidente da Itália Giorgio Napolitano, chamados por eles de “comunistas históricos”, de modo a fazer parecer que a extradição e a condenação de Battisti são uma bandeira comunista ou de esquerda. No entanto, chamar de comunista histórico os burocratas desde época de PCI que portavam uma carteirinha de comunista, não os diferencia de um Stalin ou daqueles que reprimiram a revolução húngara em 1956, só para ficar num exemplo. Todos eram “comunistas históricos” nesse mesmo sentido que um Giorgio Napolitano. Todos eles reprimiam aqueles que, como Battisti e milhões de outros, tentavam construir o comunismo na prática, por baixo, nas lutas sociais. Provavelmente são esses “comunistas históricos” (ou mesmo os “fascistas históricos” que dividem hoje a responsabilidade e iniciativa das políticas de direita italianas, como as novas políticas contra os imigrantes), que, tendo acesso fácil ao gabinete de Gilmar Mendes (figura pública que representa hoje notoriamente melhor do que ninguém as iniciativas da direita brasileira), conseguiram a informação sobre o julgamento do pedido de extradição ter sido postergado para agosto, e terem assim sido a fonte para a imprensa italiana. Sabendo-se que apenas o ministro Joaquim Barbosa, do STF, não recebe o Embaixador da Itália ou representantes do governo italiano sem a presença de advogado de Cesare Battisti, não é difícil perceber que essa hipótese sobre o porquê somente a imprensa italiana ter sabido que o julgamento ficou para agosto, é mais que verossímil. Afinal, Gilmar Mendes é o responsável por colocar na pauta o julgamento, só dele pode partir a informação. Vemos como “comunistas históricos” possuem uma relação estreita com o maior representante público da direita mais conservadora brasileira hoje em dia.

2. Um perseguido político no Brasil

battisti2O Ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu o refúgio, como previsto na Lei 9.474 e como tem sido feito e admitido em casos de pedido de refúgio político, sem polêmicas políticas ou jurídicas. Os pedidos de liberdade e de habeas corpus feitos pelo advogado de Cesare Battisti ao Supremo Tribunal Federal, desde que ganhou o status de refugiado, têm sido negados. A atitude do STF em relação a Cesare Battisti contrasta com a recente determinação do STF de que nenhum condenado pela Justiça deva ficar preso enquanto não acabarem todos os recursos possíveis. O caso de Battisti parece deixar claro que a determinação do STF, se havia alguma dúvida, é para beneficiar ricos, poderosos, que a polícia cometa o desatino de prender e a Justiça de primeira instância o de condenar. Como se explica alguém ser mantido preso sem ter sido condenado pela Justiça brasileira, mesmo depois de receber status legal de refugiado político? Qual a justificativa legal para manter preso alguém que não foi condenado no país e que é legalmente refugiado político? Ainda mais quando o próprio STF afirma que ninguém deve ser mantido preso até findar os recursos cabíveis? Se perguntares isso diretamente ao STF, não te responderão.

O STF condena sem julgamento Cesare Battisti ao cárcere no Brasil. Parece já bastante claro, com a atitude amplamente majoritária da imprensa e a do STF, em negar-lhe a liberdade, que a questão de Cesare Battisti não é simplesmente de perseguição política na Itália. A perseguição é ultramares. Cesare Battisti é um perseguido político no Brasil. A ele não valem jurisprudências e leis. Existe um estado de exceção para Cesare Battisti também aqui. O próprio STF é agente do estado de exceção para manter Cesare Battisti atrás das grades, aqui ou na Itália.

Por que o refúgio político concedido pelo Ministro da Justiça não tem tido efeito para Cesare Battisti? A resposta é simples: evidentemente não se pode obter refúgio político, na prática, no próprio país onde o sujeito é perseguido político! O status de refugiado político é formal, a perseguição política sofrida por ele no Brasil é real, é prática, e é ela e só ela que o mantém encarcerado. O refúgio político concedido a Cesare será letra morta se não se alterar o status real de perseguido político de Cesare Battisti, também no Brasil.

Assim como o caso da demissão do dirigente sindical Claudionor Brandão, do Sindicato dos Trabalhadores da Universidade de São Paulo (Sintusp), e de tantos outros, o caso de Cesare Battisti não representa apenas solidariedade a um lutador que é perseguido por inimigos de classe, pelas suas idéias e ativismo, trata-se de defendermos também as conquistas sociais e políticas conseguidas com a luta e até o sangue de gerações anteriores. No caso de Brandão, trata-se de lutar contra a supressão dos direitos políticos e sindicais que foram instituídos em resposta à militância dos trabalhadores no último século. No caso de Battisti, o que está em jogo, como aponta a própria ONU, é o direito de refúgio político. Ambas são tentativas de avanço da direita que possuem repercussão não só para as vidas particulares de Brandão e Battisti, mas para todos nós. Os direitos políticos e sociais foram conquistas trazidas com muita luta, de gerações, e só será com a luta da nossa geração e das próximas que eles continuarão existindo.

2 COMENTÁRIOS

  1. Esses “Comunistas Históricos” não passam de uns grandes pelegos históricos.

  2. CASO BATTISTI: STF DESRESPEITA A LEI, A LÓGICA E O SENSO COMUM

    por Celso Lungaretti

    Uma valorosa companheira do comitê de solidariedade me repassa mensagem de Cesare Battisti. Afora assuntos práticos, há um trecho em que ele deixa transparecer toda sua ansiedade e indignação:

    “Ao fim do recesso do STF, fará oito meses que eu continuo detido após [ter sido concedido] o refúgio. O abuso do STF está passando de todos os limites, e isso não é só responsabilidade do STF, mas também de todas as instituições brasileiras, que contrariam o que está estabelecido nas leis e nos tratados internacionais, mantendo preso um refugiado político!”
    (…)

    http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/2009/07/caso-battisti-stf-desrespeita-lei.html

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